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CONSTITUIÇÃO E TRIBUTAÇÃO Magnum Eltz Introdução à competência tributária Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar quem detém o poder de criar e modificar tributos. Reconhecer a distribuição de competências entre os entes da Fede- ração e as espécies previstas na Constituição Federal. Definir imunidade tributária. Introdução Neste capítulo, discutiremos a competência tributária, bem como a sua concepção, a sua existência e o seu alcance. Para isso, estudaremos quem são os responsáveis pela criação e modificação dos tributos e especifi- caremos a distribuição de competências entre os entes federativos e as espécies de tributos previstas na Constituição Federal. Por fim, definiremos o que é a imunidade tributária. Criação e modificação de tributos A competência tributária é o poder–dever exercido pelos entes políticos, que são a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, expresso na criação, modifi cação e extinção dos tributos em sentido amplo. De acordo com Carvalho (2012), essa competência se manifesta por meio do desencadeamento de mecanismos jurídicos do processo legislativo acionados respectivamente nos planos federal, estadual e municipal. Ao desencadeamento dos mecanismos jurídicos, sucede a obediência às proposições prescritivas existentes. Hans Kelsen (1999) ensina que a competência é uma autorização estatal para determinada conduta, que pode ser livre ou vinculada a um dever. No que compete à questão tributária, Amaro (2006) especifica que a Constituição C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 1 27/04/2018 13:36:44 Federal sistematiza uma combinação de partilha de competências e de produto da arrecadação entre as pessoas políticas anteriormente mencionadas: Temos assim a competência tributária — ou seja, a aptidão para criar tributos — da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição (AMARO, 2006, p. 93). Para Carvalho (2012, p. 323), [...] competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela obser- vância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo. Nesse sentido, “[...] a competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurí- dicas sobre tributos” (CARVALHO, 2012, p. 324). Testa e Batistute (2014) lembram que o uso das atribuições privativas e concorrentes da União, dos estados, do Distrito Federais e dos municípios são reflexos da satisfação dos interesses por eles tutelados, uma vez que os tributos possuem função arrecadatória para o próprio oferecimento dos serviços públicos prestados pelos entes políticos. Da mesma forma, as atribuições extrafiscais e parafiscais que dependem do aparato fiscal. Espécies de competência Carvalho expõe que compete à União legislar em termos regulares, especiais ou excepcionais. A sua competência se caracteriza pela residualidade. Isso signifi ca que, enquanto aos estados e ao Distrito Federal estão especifi cados os tributos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e aos municípios os tributos de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), Imposto Predial e Terrotorial Introdução à competência tributária2 C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 2 27/04/2018 13:36:45 Urbano (IPTU) e Imposto sobre Tramissão de Bens Imóveis (ITBI), todos os demais impostos são deferidos à União, conforme o art. 154, I. Com base nesse artigo, podemos inferir que a listagem do art. 153 possui aspecto meramente exemplifi cativo. Além disso, os impostos extraordinários previstos no art. 154 se defi nem pela supressão na medida em que as suas causas se extinguem. Ao passo que as competências dos estados e municípios se encontram bem definidas no Texto Constitucional, a competência da União está listada de forma exemplificativa, verificando-se uma abertura para a expansão dos tipos de tributos que ela pode criar. Amaro (2006, p. 95) indica que “[...] numa classificação com alguma uti- lidade didática, mas sem rigor científico, a doutrina costuma discriminar três modalidades de competência tributária: privativa, residual e comum”. No entanto, o autor alerta que: A classificação referida no início deste tópico, como já adiantamos, não possui rigor científico. Não se pode contrapor a competência privativa a residual. A ideia de competência residual opor-se-ia a de competência arrolada, descrita, partilhada, identificada: as situações que não tenham sido nomeadamente atribuídas a ninguém formam o resíduo, o resto, o campo remanescente ou residual (AMARO, 2006, p. 95-96). Segundo Amaro, a primeira classificação, a privativa, refere-se a uma competência exclusiva de determinado ente político, como o Imposto de Im- portação (II) em relação à União, o ICMS em relação aos Estados e ao Distrito Federal e o ISS em relação aos municípios, por exemplo. Já a competência residual é atribuída à União, como já comentamos, e diz respeito aos impostos instituídos em situações não previstas pela Constituição Federal. Finalmente, a competência comum se encontra à disposição de todos os entes políticos, ou seja, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Ela se consiste em taxas e contribuições de melhoria. No âmbito dos impostos reservados à União, Amaro (2006) explica que, além: [...] de sua competência ordinária, há em caso de guerra uma competência extraordinária, com base na qual, a par dos impostos ditos ‘privativos’ da União, e dos que ela possa criar no campo residual, lhe é autorizado esta- 3Introdução à competência tributária C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 3 27/04/2018 13:36:45 belecer impostos que, ordinariamente, pertencem à competência dos outros entes políticos (art. 154, II, da Constituição Federal). Carvalho (2012, p. 336-337), por sua vez, ressalta as distinções entre a competência residual e a extraordinária: [...] adotando pressuposto de que a União exerce papel de suma relevância no direito tributário, o que podemos dizer estar latente pelas próprias prescrições constitucionais de competência, não sobeja lembrar que parte dessa força legiferante dá-se em razão das atribuições residual e extraordinária outorgadas a ela e contidas no art. 154, I e II. Analisemos o artigo da Constituição (BRASIL, 1988, documento on-line) mencionado pelo autor: Art. 154 A União poderá instituir: I — mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição. Dessa forma, por intermédio de lei complementar obtida por maioria absoluta, os impostos não listados no art. 153 podem ser criados de forma indeterminada, “[...] expandindo-se até onde puder ir o talento criativo do seu legislador” (CARVALHO, 2012, p. 397). Contudo, os limites para a criação de impostos devem respeitar a não cumulatividade e não podem ter fato gerador ou base de cálculo próprios além dos discriminados na Constituição com vistas a não interferir na abrangência da competência residual, mas apenas no modo de praticá-la. Ademais, o Carvalho (2012) alerta que o poder constituinte derivado a partir de emenda à Constituição ainda pode tratar da competência residual sem considerar tais enunciados limitativos, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em voto do Eminente Ministro Carlos Velloso (julgamentoda Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº. 939/DF). A respeito da competência extraordinária, Carvalho (2012) refere que a previsão do art. 154, II, da Constituição confere à União o poder de instituir impostos com duração limitada ao tempo da sua causa de existir. Portanto, Introdução à competência tributária4 C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 4 27/04/2018 13:36:45 os impostos de competência extraordinária devem ser qualificados por fina- lidade específica para que haja controle sobre o momento da sua supressão. O autor ainda afirma que o imposto pode versar sobre a sua própria esfera ou sobre as esferas dos demais entes políticos (estados, Distrito Federal e municípios), o que configura uma bitributação constitucionalmente autorizada. Além disso, de acordo com Carvalho (2012), pela natureza desses impostos eles não se submetem ao ditame da anterioridade, conforme prescrição do art. 150, § 1º. Imunidade tributária Assim como a competência é o poder–dever conferido aos entes políticos para a criação, modifi cação e extinção de tributos, a imunidade tributária compõe um dos limitadores da atividade estatal e se defi ne pelos valores positivados na Constituição Federal. De acordo com Amaro (2006, p. 150), [...] não quer a Constituição que determinadas situações materiais sejam oneradas por tributos (ou por algum tributo em especial). Dessa forma, complementando o desenho do campo sobre o qual será exercida a competência tributária. Assim, a Constituição exclui determinadas pessoas, bens, serviços ou situações, deixando-os fora do alcance do poder de tributar. Como exemplo, o autor cita a renda dos partidos políticos, o papel destinado à imprensa, entre outras situações ditas imunes. Dessa forma, ele define a imu- nidade tributária como: [...] a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo (AMARO, 2006, p. 150-151). Para o autor, o seu fundamento é a preservação de valores constitucionalmente relevantes, como a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc. 5Introdução à competência tributária C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 5 27/04/2018 13:36:45 Em votação unânime, o Plenário do STF decidiu que os livros eletrônicos e os suportes próprios à sua leitura são alcançados pela imunidade tributária do art. 150, VI, d, da Cons- tituição Federal. Os ministros negaram provimento aos Recursos Extraordinários (REs) nº. 330.817 e nº. 595.676, julgados no dia 8 de março de 2017. Para o colegiado, a imunidade tributária de livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão deve abranger os livros eletrônicos, os suportes exclusivos para a sua leitura e o seu armazenamento e, ainda, os componentes eletrônicos que acompanham material didático (BRASIL, 2017). Carvalho (2012) define a imunidade recíproca entre os entes políticos como uma forma de delimitação da competência tributária, sendo extensiva às autarquias federais, estaduais e municipais, conforme o art. 150, § 2º, da Constituição. No tangente a patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais, a imunidade recíproca não se aplica aos serviços públi- cos concedidos e também não exonera o promitente comprador da obrigação de pegar o imposto firmado em promessa de venda e compra de bens imóveis. Já no tocante à isenção de templos e cultos, Carvalho (2012) define-a como uma reafirmação do princípio de liberdade de crença e de prática religiosa, prestigiado pelo art. 5º, VI a VIII, da Constituição Federal. Nenhuma objeção há de ser imposta com o objetivo de impedir ou dificultar esse direito dos cidadãos, nem mesmo a exigência de impostos, conforme determinado no art. 150, VI, b. No entanto, existe certa polêmica quanto aos limites dessa imunidade, face à seguinte decisão do STF: Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas (BRASIL, 2013, documento on-line). Dessa forma, alguns defendem o alcance da isenção relacionadas às proprie- dades das instituições religiosas e as próprias moradias dos sacerdotes. Todavia, Albano ([201-?]) adverte que é necessário agir com extrema cautela ao delimitar a amplitude das prerrogativas da imunidade, equilibrando o conceito de liberdade religiosa com o de atividade essencial. Caso contrário, transformaremos a imuni- dade em privilégio odioso, em oposição à finalidade constitucional a que se destina. Introdução à competência tributária6 C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 6 27/04/2018 13:36:46 A imunidade dos partidos políticos e das instituições educacionais ou assistenciais segue os requisitos do art. 150, VI, c, com o mesmo raciocínio axiológico. Para Albano ([201-?]), eles são de relevância capital para a orga- nização política da sociedade, bem como à atividade básica de educação e assistência de saúde ou bem-estar, que devem ser diretamente desenvolvidas pelo Estado. Porém, essas atividades básicas acabam por ser delegadas em função de questões práticas da organização administrativa. Elas se revestem da imunidade tributária enquanto cumprirem as exigências legais. A redação do art. 150, VI, d, da Constituição Federal versa sobre a imu- nidade de livros e papéis destinados à impressão, ao que Carvalho (2012) menciona como exemplos livros, jornais e demais periódicos, papeis destinado à sua impressão. Há nisso indisfarçável redundância, pois o jornal é um pe- riódico. Essa forma de imunidade está intimamente relacionada às garantias constitucionais de acesso à informação e liberdade de expressão. Em suma, as imunidades tributárias podem ser compreendidas como um esforço estatal de desencargo de determinadas atividades ou objetos para que se possam alcançar valores constantes no seu corpo fundamental. Assim, é possível à sociedade desempenhar o papel concedido pelo próprio Estado de extensão da administração pública dos direitos e das garantias fundamentais, cujo conteúdo deve ser condizente com essas prerrogativas. 7Introdução à competência tributária C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 7 27/04/2018 13:36:47 ALBANO, W. M. A imunidade constitucional aos templos de qualquer culto e sua interpre- tação nos municípios. [201-?]. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8128>. Acesso em: 20 abr. 2018. AMARO, L. Direito Tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF decide que livros digitais têm imunidade tri- butária. 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=337857>. Acesso em: 20 abr. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 734339 RJ. Relator: Ministro Luiz Fux. Data de julgamento: 15 mar. 2013. DJe, 22 mar. 213. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 abr. 2018. Introdução à competência tributária8 C08_Introducao_ competencia_tributaria.indd 8 27/04/2018 13:36:49 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. KELSEN, H. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. TESTA, J. C. da S. V.; BATISTUTE, J. Direito Tributário. São Paulo: Educacional, 2014. Leiturasrecomendadas BALEEIRO, A. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. STF decide que livros digitais tem imunidade tri- butária. 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=337857>. Acesso em: 20 abr. 2018.
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