Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Anna Beatriz Fonseca | MED UNIFTC 2021.1 – 4º semestre INTRODUÇÃO Para entender a REMIT (Reação endócrino metabólica e imunológica ao trauma) é preciso relembrar o conceito de Homeostase: Conjunto de situações adotadas pelo organismo, visando à manutenção do equilíbrio e constância do seu meio interno, bem como a relação com o meio ambiente. REMIT é intendido como reação adaptativa do hospedeiro na tentativa de manter ou restaurar a homeostase. Sistemas integrados que contribuem para o processo inflamatório: o Metabolismo Energético; o Sistema Neuroendócrino; o Sistema Imune. Através de complexas interações coordenadas entre as vias metabólicas, endócrinas e imunológicas, o corpo se mobiliza para fornecer nutrientes necessários ao reparo tecidual e a conservação do volume intracelular. Apesar de ser um processo fisiológico, a depender da extensão do trauma a REMIT pode ser de tamanha intensidade que “sai do controle” e se torna maléfica, gerando prejuízo ao organismo. RESPOSTA METABÓLICA O principal deflagrador da REMIT é o trauma tecidual, e sua intensidade será proporcional ao trauma sofrido e quantidade de tecido lesado: A lesão celular provoca alterações celulares diversas, que causam o aumento da permeabilidade da membrana celular e a liberação de substâncias intracelulares que executam diversas ações: o O aumento da permeabilidade vascular possibilita a perda de plasma sanguineo no local do traumatismo, onde se acumulam substancias e há formação de edema. Figura 1: Grandes queimados com comprometimento de extensa superficie corporal e politraumas complexos levam a maior intensidade de REMIT do que traumas cirurgicos planejados, especialmente procedimetos menos invasos como a videolaparoscopia. O estado metabolico prévio do individuo tem imporante influência nessa modulação. Vias energéticas: Após o trauma, o corpo busca disponibilizar todo suprimento energetico possível para manter a população de células inflamatórias e garantir o reparo tecidual necessário. A glicose é a primeira, e mais eficiente linha energética. 1. Armazenada na forma de glicogênio no fígado (principalemnte) e músculos, é “quebrada” através da glicogenólise e será a principal fonte energética nas primeiras 12 a 24 horas, entretando seus estoques são limitados e outras fontes enérgeticas são necessárias; 2. A lipólise (quebra de tecido adiposo) é uma alternativa, por fornecer glicose e acidos graxos livres, importante fonte de energia e substrato para reações teciduais (inclusive reações que não envolvam glicose), e glicerol, substrato para gliconeogênese; 3. A proteólise (quebra das proteínas) também leva a produção calórica e fornece aminoácidos (ex.: alanina e glutamina) fundamentais a gliconeogênese: o Não é priorodade energética, mas acontece em situações de estresse ou ausência de outras fontes energétcas. Figura 2: Vias energeticas das reações metabólicas. Quando não há mais glicose ou glicogênio disponível, o corpo humano inicia o processo de gliconeogênese: transformar aminoácidos, lactato e glicerol em glicose. RESPOSTA NEURO-ENDÓCRINAS Principais vias neuroendócrinas: o Via das catecolaminas; o Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal; o Eixo hipófise-tireoide; o Eixo renina-angiotensina-aldosterona; o Via do hormônio antidiurético (ADH); o Via do hormônio do crescimento (GH); o Pâncreas endócrino. Anna Beatriz Fonseca | MED UNIFTC 2021.1 – 4º semestre VIA DAS CATECOLAMINAS: ATIVADA Acontece no sistema nervoso simpático com os neuro-hormônios: Epinefrina/adrenalina e Norepinefrina/noradrenalina. Se elevam acentuadamente nas primeiras 48 horas após o trauma; Ação das catecolaminas: Reação de “luta ou fuga”: o Aumento da função cardíaca e pulmonar: As estimulações cardíacas e vasoativas mantêm a volemia e perfusão tecidual. o Desvio de sangue para órgãos vitais e músculos; o Desvio da via energética para catabolismo; Também têm função metabólica por estimular a produção de ACTH e agir em sinergia com o cortisol, estimular a glicólise, glicogenólise e gliconeogênese e aumentam a liberação de aminoácidos e de ácidos graxos. Maléfico quando: Em grandes traumas, é a perpetuação dos altos níveis de catecolaminas que leva ao estado hipermetabólico. EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-ADRENAL: ATIVADO Via dos glicocorticoides: o CRH (Hormônio liberador de corticotrofina); o ACTH (Hormônio adrenocorticotrófico); o Cortisol. Imediatamente após o trauma, estímulos sensoriais vão ao hipotálamo e provocam a liberação do CRH, este vai agir na hipófise levando a produção e secreção do ACTH, que agira no córtex da suprarrenal estimulando a secreção do cortisol. O cortisol é um dos primeiros e mais importantes hormônios a se elevar. Por definição o cortisol é um hormônio catabólico: o De forma geral, o cortisol atinge seu pico nas primeiras 24 horas e tende a normalizar em 5 dias. Qual ação no trauma dos glicocorticoides? o Catabolismo: Mobiliza aminoácidos para gliconeogênese, síntese de proteínas de fase aguda e cicatrização tecidual. o Lipólise; o Aumenta a resistência periférica à insulina; o Retenção de sódio; o Leucocitose. Suplementar glicocorticoides no intra-operatório para pacientes usuários crônicos de corticoides exógenos por supressão basal do eixo. A incapacidade de produzir cortisol em resposta a traumas inflamatórios é uma condição grave que leva a choque circulatório e óbito, caso não haja suplementação externa. Maléfico quando: Situações de cronificação da inflamação que leva a manutenção dos altos níveis de cortisol e a perpetuação da fase catabólica. EIXO HIPÓFISE-TIREOIDE : MODIF ICADO Mantendo o sentindo da preservação energética, nas primeiras 24 horas após o trauma acontece uma queda nos níveis de T3, relacionadas à redução da conversão periférica e aumento do turnover (rotação) hormonal. No trauma, há produção tireoidiana normal de T4 e T3: o Fração livre de T4 normal mantém indivíduo eutireoideo. Porém há um desvio: Conversão periférica de T 4 em T3 reduzida: o Inibição enzimática com desvio para produção de rT3 (T3 reverso). Exames sanguíneos podem mostrar baixas taxas de T4 e T3, mesmo tendo uma produção normal: Síndrome do eutireoideo doente. Figura 3: Embora há queda de T3 e T4, a função da tireoide e ação no corpo humano é preservada na REMIT. NÃO suplementar hormônios tireoidianos no peri-operatório para pacientes com queda justificável de T3/T4. Não há hipotireoidismo durante um estado de trauma ou cirurgia grande. EIXO RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA: ATIVADO A queda do volume intravascular, devido aumento da permeabilidade vascular e sequestro para terceiro espaço é o principal responsável pela ativação do eixo. A aldosterona atua nos túbulos, ATPase sódio-potássio, levado a: Retenção de sódio (Na+) e água; Hipocalemia (eliminação de potássio). Risco de hipocalemia no pós-operatório: Suplementar se necessário. VIA DO HORMÔNIO ANTID IURÉTICO (ADH): ATIVADA O ADH vai aumentar a reabsorção hídrica nos rins (retenção de agua livre), reduzindo o débito urinário e preservando um maior volume plasmático. Se eleva nos primeiros 5 dias. Figura 4: Tanto a volemia como a osmolaridade estimulam o centro da sede como o ADH. Anna Beatriz Fonseca | MED UNIFTC 2021.1 – 4º semestre Nunca esquecer de suplementar hidratação com solução isotônica (mesma osmolaridade) para manter o balanço hídrico no pós-operatório. Evitar diuréticos quando a oligúria é justificável pela REMIT: Além de reduzida, a urina se encontra com baixo sódio e alto potássio (por conta da aldosterona). VIA DO HORMÔNIO DO CRESCIMENTO (GH): MODIF ICADA GHRH (Hormônio liberador do GH); GH: (Somatotropina); O GHRH é liberado de forma pulsátil pelo hipotálamo eestimula a secreção do GH na hipófise. IGF-1 (Fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1). Apesar de ser um hormônio anabólico, o GH apresenta um pico nas primeiras 24 horas após o trauma, e sua elevação é decorrente de diversos estímulos e, apesar das ações anabólicas no metabolismo proteico, terá uma função catabólica também, ou seja, na REMIT a ação do GH é bastante peculiar: Embora tenha um aumento da produção de GH, há uma resistência periférica nos tecidos que o GH age: o Essa resistência desvia o GH para uma via Catabólica: Lipólise, Antagonismo insulínico e estímulo do sistema imune. Leva também a uma queda/supressão dos níveis de IGF- 1, principal executor do anabolismo estimulado pelo GH. Embora o GH tenha sua concentração aumentada no sangue, a sua ação é modificada na REMIT. PÂNCREAS ENDÓCRINO : ATIVAÇÃO DA VIA CONTRAINSULÍNICA Glucagon elevado: o Hormônio hiperglicemiante que é o principal estimulador da glicogenólise e glicogeneogênese. Insulina reduzida: o Hormônio anabólico que leva ao armazenamento de glicose na forma de glicogênio, formação proteica e lipídica. Em consonância com as outras ações hormonais, a insulina mantêm-se baixa nos dias iniciais após o trauma para elevar a glicemia. Controle glicêmico rigoroso para pacientes com REMIT, especialmente para os diabéticos. Em suma, todas as alterações hormonais na fase catabólica (inicial) tem o objetivo de aumentar o fortalecimento e de glicose aos tecidos e retenção de volume plasmático. Bom lembrar também que a inulina é o único hormônio que se encontra suprimido na REMIT. RESPOSTA IMUNOLÓGICA A resposta imunológica ao trauma está intimamente ligada a neuroendócrina e em diversos momentos elas se estimulam mutualmente. De forma geral, a resposta imunológica possui duas fases: iniciada pela de curta duração da resposta inata e seguindo com a de longa resposta adaptativa. RESPOSTA IMUNE INATA Barreiras físicas (ex.: camadas da pele); Fagócitos: o Neutrófilos e macrófagos. Linfócitos NK; Sistema Complemento. RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA Linfócitos B: Anticorpos; Linfócitos T: Citocinas reguladoras: o Interleucinas pró-inflamatórias (TNF alfa/IL 1/IL 6); o Interleucinas anti-inflamatórias (IL 4/IL 10). Desequilíbrio para a via pró-inflamatória pode levar a dano tecidual pelo próprio sistema imune. PROCESSO INFLAMATÓRIO Resposta tecidual, local ou sistêmica, caracterizada por alterações celulares, vasculares e do equilíbrio iônico ou de fluidos corporais, resultantes de uma complexa interação entre o metabolismo, o sistema imunológico e os sistemas neuroendócrinos. Fases do processo inflamatório sistêmico: 1. Fase de refluxo ou hipometabólica; 2. Fase de fluxo: Catabólica/hiperdinâmica; 3. Fase anabólica: Recuperação/reconstrução. 1 ª FASE: HIPOMETABÓLICA (0-2 D IAS) Desvio do fluxo sanguíneo: o Redução do consumo de O2; o Redução do débito cardíaco e da pressão arterial; o Vasoconstrição periférica. Mobilização de reservas nutricionais: o Hiperglicemia; o Desvio para via anaeróbica (elevação de lactato). Redução da temperatura. 2ª FASE: CATABÓLICA/HIPERDINÂMICA (2-5 D IAS) É o momento de intenso catabolismo, todo o metabolismo está ativado para aumentar o aporte de nutrientes e tentar reestabelecer a homeostase. É nessa fase onde age os principais hormônios, citocinas inflamatórias e proteínas da fase aguda: Anna Beatriz Fonseca | MED UNIFTC 2021.1 – 4º semestre Ativação do sistema cardiovascular: o Aumento do débito cardíaco e do consumo de O2; o Retenção hídrica (ADH / SRAA). Produção de calor e de resposta inflamatória tecidual: o Mobilização de reservas nutricionais catabolismo; o Elevação da temperatura (IL 1); o Síntese de proteínas de fase aguda. 3ª FASE: ANABÓLICA (10-60 D IAS) Marcada pela reconstituição das reservas gastas na fase anterior: Recuperação de reservas: o Ganho de massa muscular perdida (GH/IGF 1); o Normalização das reservas de glicogênio (glicogênese). Retorno a homeostase: o Equilíbrio hemodinâmico; o Temperatura normal; o Queda de marcadores inflamatórios. QUADRO CLÍNICO Manifestações locais: Calor, rubor (vermelhidão), edema, dor e perda de função; Manifestações sistêmicas: Dismotilidade gastrointestinal (“íleo paralítico), broncodilatação, taquicardia, oligúria, perda de peso, anorexia, temperatura elevada/febre. MARCADORES INFLAMATÓRIOS Existem diversos marcadores inflamatórios que estarão alterados durante o quadro de REMIT. USO CLÍNICO Marcadores positivos (aumentados): o Contagem de leucócitos; o Proteína C Reativa (PCR) – indicação de resposta inflamatória; o Pro-calcitonina; o Ferritina*. Marcadores negativos (baixos): o Albumina*; o Transferrina*. REMIT pode falsear resultado de exames quando solicitados para investigação metabólico-nutricional. Os marcadores que se encontram com asterisco (*) são exames usados também para outros motivos e não apenas como marcadores inflamatórios. COMPLICAÇÕES Hipovolemia, sepse, síndrome do desconforto respiratório do adulto, síndrome compartimental, disfunção renal aguda, infarto agudo do miocárdio e eventos tromboembólicos. ESTRATÉGIAS DE CONTROLE DA REMIT Cuidados intensivos: o Controle da pressão arterial; Controle da temperatura corporal; Controle do balanço hídrico; Suporte nutricional; Suporte ventilatório. Cirurgias menos invasivas: o Técnicas minimamente invasivas; Menores incisões; Menor tempo cirúrgico; Cirurgia de controle de danos; Materiais biocompatíveis. Cuidados de pré e pós-operatório: o Avaliação de risco cirúrgico e anestésico; Reiniciar dieta após resolução da REMIT; Deambulação precoce; Analgesia; Fisioterapia integrada; Antibioticoprofilaxia guiada por evidências; Curativos especiais individualizados.
Compartilhar