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INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL Ariadna de Jesus Evangelista Cristiane Gonçalves de Souza G es tã o IN S T R U M E N T A L ID A D E D O S E R V IÇ O S O C IA L A ria d na d e Je su s E va ng el is ta C ris tia ne G on ça lv es d e S ou za Curitiba 2020 Instrumentalidade do Serviço Social Ariadna de Jesus Evangelista Cristiane Gonçalves de Souza Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. E92i Evangelista, Ariadna de Jesus Instrumentalidade do serviço social / Ariadna de Jesus Evangelista, Cristiane Gonçalves de Souza. – Curitiba: Fael, 2020. 242 p. il. ISBN 978-65-86557-19-0 1. Serviço social I. Souza, Cristiane Gonçalves de II. Título CDD 361.981 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/ Viktoria Kurpas Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social | 7 2. Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético- políticas e técnico-operativas do serviço social | 29 3. Instrumentalidade como mediação na prática do assistente social | 49 4. Planejamento social e sua aplicabilidade na prática do assistente social | 71 5. Metodologias de ação: os instrumentos e técnicas do Serviço Social | 91 6. Ações profissionais, procedimentos e instrumentos de caráter administrativo-organizacional | 119 7. Ações profissionais, procedimentos e instrumentos de caráter de formação profissional, de capacitação e de pesquisa | 135 8. Indicadores sociais no cotidiano profissional do Serviço Social | 157 9. Os espaços sócio-ocupacionais da(o) Assistente Social | 175 10. Condições éticas e técnicas do exercício profissional da(o) Assistente Social – Resolução CFESS n. 493/2006 | 195 Gabarito | 215 Referências | 231 Prezado(a) aluno(a), O objetivo dessa obra é contextualizar diversas possibilidades de intervenção profissional do Serviço Social, bem como pontuar procedimentos que o(a) assistente social deve se apropriar, tendo em vista o desenvolvimento de um exercício profissional compro- metido com o projeto ético-político do Serviço Social. O(a) aluno(a) irá perceber que, no cotidiano profissio- nal, o(a) assistente social não realiza sua intervenção de forma aleatória, ao contrário, tal ação é pautada por um conjunto de conhecimentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico- -operativos, os quais fornecem subsídios para direcionamento das decisões profissionais, que devem ser comprometidas com a perspectiva da qualidade dos serviços prestados à população atendida, nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais. Carta ao Aluno 1 Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social Neste capítulo, objetiva-se compreender o termo instrumen- talidade do Serviço Social, entendendo-o para além do arsenal de instrumentos e técnicas utilizados pelo assistente social em seu agir profissional. Para isso, busca-se refletir sobre a capacidade de atuação do assistente social diante das expressões da questão social, estabelecendo intencionalidade nas respostas às deman- das apresentadas pela classe trabalhadora e pela classe burguesa, visto que o Serviço Social, como profissão, atua na relação con- flituosa desses interesses, que são extremamente divergentes, dado que a burguesia sobrevive da geração de capital e mais- -valia extraída da exploração da força de trabalho. É comum entre os estudantes de Serviço Social, ou mesmo por parte de alguns profissionais, fazer uso da palavra instrumen- talidade, vinculando-a aos instrumentos e técnicas da profissão, como o parecer, o laudo social, a visita institucional, a entrevista, entre outros. Entretanto, é importante compreender que a instru- mentalidade não se limita a essas técnicas, mas também não pode deixá-las de lado. Instrumentalidade do Serviço Social – 8 – A instrumentalidade do Serviço Social articula e mobiliza as dimen- sões: teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política, a fim de alcançar objetivos profissionais e sociais. Em outras palavras, para que a efetiva prática profissional se realize, o assistente social precisa conhecer e lançar mão dessas três dimensões. É com uma atuação crítica, cons- ciente e dialética que o profissional estará fazendo uso da instrumenta- lidade. Portanto, este não é um conceito neutro, ele se refere às escolhas profissionais e à capacidade de estabelecer projetos individuais e coletivos que envolvem toda a sociedade (GUERRA, 2012). Para compreender como se dá a atuação profissional com finalidades preestabelecidas, fez-se necessário analisar, preliminarmente, o conceito marxista de trabalho, que se baseia na relação do ser social com a natu- reza. Assim, o primeiro tópico deste capítulo abordará a atuação do assis- tente social entendida com base na definição da categoria trabalho, pois é esta apreensão que permite analisar como o profissional pode estabelecer uma ação proposital e com objetivos delineados. Em seguida, com o objetivo de continuar o desenvolvimento do estudo e facilitar a compreensão da instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social, o capítulo foi dividido em mais dois tópicos, nos quais se utilizam orientações teóricas sobre a instrumentalidade enquanto proprie- dade/habilidade que o Serviço Social vai adquirindo em face dos objetivos alcançados pela profissão; e direcionamentos acerca da instrumentalidade como condição para o reconhecimento social da profissão. 1.1 A prática do assistente social como trabalho e a intencionalidade na atuação profissional Abordar a prática do assistente social como trabalho requer, indispen- savelmente, entender o que se compreende nesta obra acerca da terminolo- gia trabalho. A noção de trabalho adotada neste escrito está fundamentada na obra O capital (1867, Livro I, cap. V), do pensador alemão Karl Marx, quando ele descreve que, “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza” (MARX, 1996, p. 297). – 9 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social Portanto, fez-se necessário analisar a relação do ser social com a natureza, ou seja, compreender a categoria trabalho, a fim de possibilitar a apreensão da prática profissional como trabalho e justificar como se dá a intencionalidade na atuação do profissional de Serviço Social. Para Marx (1996), o trabalho é o que diferencia o ser social dos ani- mais, pois quando o indivíduo entra em contato com a natureza, ele a modifica a partir de uma ação consciente, com o objetivo de promover alterações na realidade para satisfazer necessidades humanas, sejam elas próprias ou de outrem. Contrariamente, quando um animal realiza altera- ções na natureza, isso é feito de modo impensado, não há intencionalidade ou projeção. É importante salientar que todo animal que entra em contato com a natureza realiza alterações para sua sobrevivência. Contudo, na análise da categoria trabalho, não se leva em consideração as ações do homem primitivo, que realizava alterações na natureza de forma instintiva, compreende-se apenas a relação com a natureza pelo ser social, aquele que age de maneira racional e com uma finalidade predefinida. Desse modo, pode-se afirmar que a categoria trabalho é fundante do ser social, uma vez que esta se justifica pela capacidade teleológica exclu- siva do ser social. Logo, o ser social é o único que consegue pensar antes de executar uma ação. Previamente à criação do objeto, ele já havia sido planejado em seu consciente, com formas, tamanhos e finalidade. É essa interferência intencional na realidadeque se denomina teleologia. Para que o propósito definido pelo ser social, quando em contato com a natureza, possa ser alcançado, o trabalho exige que haja uma matéria- -prima ou objeto sobre o qual será realizada a ação, também com a utiliza- ção de alguns instrumentos. A fim de explicitar essa compreensão, tomemos por referência o tra- balho de um carpinteiro, que tem como seu objeto de trabalho a madeira e, para transformá-la em valor de uso, utiliza instrumentos que vão possibi- litar realizar as alterações, tais como régua, martelo, serrote, cola, prego, entre outros. Assim, pode-se obter daquela madeira o que este trabalha- dor planejar em sua mente, como, por exemplo, camas, cadeiras e mesas, dando finalidade e objetividade ao seu trabalho (EVANGELISTA, 2015). Instrumentalidade do Serviço Social – 10 – O trabalho, considerado uma atividade exclusivamente do ser social, não se limita às ações materiais, mas estende-se também ao campo espi- ritual, referindo-se aos valores éticos e morais, aos hábitos, costumes e comportamentos de grupos e de indivíduos, conforme Guerra (2000). Além disso, o trabalho acaba por fazer surgir outras necessidades, uma vez que para efetivar a transformação de determinadas matérias ou obje- tos em valor de uso, é necessária a utilização de instrumentos, os quais também precisaram ser criados pelo ser social na relação com a natureza. Por intermédio da capacidade de agir consciente, o indivíduo realiza transformações não só na matéria ou no objeto, mas modifica também a si próprio, ao passo que a ação racional permite que sejam percebidas possi- bilidades de aprimoramento do que fora ou será transformado, revelando outras qualidades humanas. A compreensão de trabalho e ser social explicitada neste tópico visa orientar o entendimento acerca do Serviço Social como trabalho e as alte- rações feitas pelo assistente social em seu cotidiano. Para isso, é preciso compreender que o assistente social, na condição de trabalhador social, possui um objeto de trabalho sobre o qual busca realizar transformações. A profissão de Serviço Social surge no Brasil demandada pelo Estado para mediar as relações entre os sujeitos sociais e os capitalistas, diante de demandas postas pela classe trabalhadora, a partir do surgimento das expressões da questão social. Nesse aspecto, a profissão se insere na divi- são sociotécnica do trabalho, e o assistente social assume as características de trabalhador assalariado. Assim como o trabalho é fundante do ser social, a questão social é da profissão de Serviço Social. Por questão social compreende-se, con- forme Iamamoto (2013), todas as formas de expressão das desigualdades sociais existentes na sociedade capitalista madura, que é fruto da expan- são da produção social, ou seja, o trabalho é realizado por um número de pessoas cada vez maior, que, como consequência desse trabalho, gera a riqueza socialmente produzida, contudo, esta é centralizada por poucos, mantendo-se monopolizada pelos capitalistas. Por ser elementar ao Serviço Social enquanto profissão, a questão social traduz-se como o objeto de trabalho do assistente social, visto que – 11 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social esse profissional atua diretamete nas inúmeras expressões da questão social quando busca dar respostas às demandas apresentadas pelo público com o qual trabalha, seja atendendo e orientando uma mulher no enfren- tamento da violência de gênero; seja realizando análises socioeconômicas para concessão de benefícios assistenciais, a fim de suplantar as desigual- dades postas pelo desemprego; ou, ainda, realizando trabalhos na assistên- cia, na saúde, entre outros. Analisar a categoria trabalho abrange não apenas a relação do ser social com a natureza, por meio das alterações feitas no objeto ou na maté- ria-prima, mas aborda também a noção de instrumentos e produto. No âmbito do Serviço Social, foi dito que a questão social é o seu objeto de trabalho. Contudo, interessa saber quais são os instrumentos para o traba- lho do assistente social, bem como o que o Serviço Social produz como resultado de seu trabalho. Vale ressaltar, mais uma vez, que a ideia de instrumentos adotada neste tópico não diz respeito às técnicas profissionais, como parecer, entre- vistas, relatório, etc. O entendimento de instrumentos aqui diz respeito ao conhecimento, habilidades e capacidades que o assistente social utiliza em sua atuação para realizar transformações em seu objeto de trabalho, ou seja, para alcançar seus objetivos. Em relação a saber quais são os instrumentos para o trabalho do assis- tente social, Sara Granemann (1999) diz que não existe um instrumento único que possa orientar os processos de trabalho desse profissional, por- que, segundo a autora, como existem processos de trabalho no Serviço Social, existem também objetos de trabalho, não apenas um, demandando assim instrumentos específicos para cada tipo de objeto. Para Granemann (1999), como a questão social se expressa das mais diversas maneiras, não existe um único objeto ou matéria na qual o assis- tente social irá atuar. Ou seja, se esse profissional atua na concessão de benefícios assistenciais, seu objeto de trabalho serão os benefícios; se atua na avaliação de políticas públicas, seu objeto serão as políticas públicas, e assim por diante. Quando se trata do objeto de trabalho do assistente social, é possível encontrar opiniões divergentes entre os autores que discutem o Serviço Instrumentalidade do Serviço Social – 12 – Social enquanto profissão, assim como há dissensão no debate em qual- quer área do estudo. Entretanto, é importante frisar que o objeto de tra- balho do assistente apresentado e defendido aqui é a questão social, uma vez que independentemente do espaço sócio-ocupacional ocupado pelo profissional, ou das expressões da questão social em que ele atua, essas são ramificações de uma única questão social. Logo, as políticas públicas também estão vinculadas à existência da questão social, uma vez que elas surgem na relação conflituosa entre o capital e o trabalho, e são implementadas a fim de reparar ou superar desi- gualdades postas pelo sistema de produção capitalista. Desse modo, a concepção de instrumento, aqui apresentada para pen- sar a atuação intencional do assistente social, considera também, conforme Iamamoto (2013), a apreensão da dimensão teórico-metológica, como fer- ramenta que possibilita ao assistente social investigar e compreender a realidade; a dimensão técnico-operativa, que possibilita ao profissional pensar e operacionalizar sua intervenção; e a ético-política, que orienta a atuação profissional com base em princípios de liberdade, emancipação dos indivíduos, defesa intransigente dos direitos humanos, entre outros, a fim de que a prática nos diversos espaços ocupacionais esteja comprome- tida com a ampliação do acesso a bens e serviços relativos a programas e políticas sociais. A referida autora diz ainda que os conhecimentos adquiridos pelo profissional em sua formação podem ser entendidos como parte dos seus meios de trabalho. Contudo, é importante analisar que, apesar de o Serviço Social estar regulamentado como profissão liberal, os assistentes sociais não dispõem de todos os instrumentos necessários para efetivar sua prá- tica. Ou seja, dependem sempre que os recursos materiais, financeiros, organizacionais e até mesmo humanos sejam fornecidos pelas instituições que contratam o seu serviço, a sua mão de obra especializada (IAMA- MOTO, 2013). Isso pode ser explicado ao entender como se dá a inserção do Ser- viço Social como profissão na sociedade capitalista, ao passo que o tra- balho dos assistentes sociais é demandado pelo Estado, que o emprega na condição de trabalhador, o qual, assim como os outros, possui uma carga – 13 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social horária, funções estabelecidas e um salário definido e pago em trocados serviços prestados. Assim, os processos de trabalho desse profissional são ordenados pelas instituições que o contratam e, além de serem as detentoras da maior parte dos instrumentos de trabalho, interferem no cotidiano do trabalho profissional. Por isso, não se pode dizer que o assis- tente social possui autonomia total na efetivação da sua prática, mas, sim, uma relativa autonomia. Tendo em vista que o assistente social é um trabalhador assalariado, sua força de trabalho especializada «[...] é mera capacidade. Ela só se transforma em trabalho quando consumida ou acionada [...] ” (IAMA- MOTO, 2013, p. 64), ou seja, há a necessidade de requisição por aqueles que demandam o seu trabalho. Portanto, para compreender o que o profis- sional de Serviço Social produz, é necessário revisitar os estudos marxis- tas sobre a categoria trabalho em uma perscpectiva de trabalho concreto e trabalho abstrato. Trabalho concreto refere-se às características materiais do trabalho de torná-lo útil, de transformá-lo em valor de uso. E trabalho abstrato é a possibilidade de se abstrair do produto a noção de quanto se despendeu de força e energia humana, física ou intelectual na materialização da mer- cadoria, independentemente da forma útil que ela adquire. A abstração do tempo e das particularidades do trabalho gasto na produção das mercado- rias é o que possibilita pensar em valor de troca, ou seja, é o que permite pensar o quanto de mercadoria X é necessário para trocar por uma deter- minada quantidade de mercadoria Y. Compreende-se que na relação do ser social com a natureza é neces- sário que haja um objeto ou matéria sobre a qual a ação humana incidirá transformação. Além disso, nota-se a presença de instrumentos e, por fim, o resultado dessa ação será um produto, inicialmente com característi- cas de valor de uso e, após a abstração do tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção, tem-se o valor de troca dessa mercadoria. No que tange à profissão de Serviço Social como trabalho, esta tam- bém possui um objeto sobre o qual os/as assistentes sociais atuam, que, nesta obra, entendeu-se ser a questão social. Em relação aos instrumentos, identificou-se que não há apenas um, coadunando em parte com o entendi- Instrumentalidade do Serviço Social – 14 – mento da autora Sara Granemann, de que o profissional não possui domí- nio sobre todos. Contudo, temos as dimensões teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas como um dos instrumentos do Serviço Social que possibilitam ao assistente social escolher o caminho de atuação para responder às demandas sociais. Porém, resta ainda saber qual o produto do Serviço Social na sociedade capitalista. Como dito anteriormente, a profissão surge no bojo das mani- festações da questão social diante das desigualdades postas pelo sistema capitalista. Inicialmente, os assistentes sociais atuavam de modo a mediar os conflitos entre a classe trabalhadora e a burguesia (empregadores), entre- tanto, a partir do processo de reconceituação da profissão e da escolha por um projeto ético-político, o Serviço Social assumiu o compromisso profis- sional com a defesa intransigente dos direitos da classe trabalhadora. É nesse trabalho firmado com a classe trabalhadora que o/a assistente social produz resultados na sociedade capitalista. Nesse sentido, faz-se necessário pensar o caráter contraditório da profissão, pois, mesmo tendo o Serviço Social feito a escolha de atuar em defesa da classe trabalhadora, contribui para a reprodução material e social da força de trabalho na sociedade capitalista. Na relação de produção e reprodução social na sociedade capitalista, os trabalhadores vendem sua força de trabalho aos burgueses, que dela extraem a mais-valia, uma vez que o trabalhador exerce sua função até gerar trabalho excedente, que, por conseguinte, é o que dá lucro aos capi- talistas. Em outras palavras, em uma parte da carga horária, o trabalhador produz o necessário para que seu salário seja pago e para que seu empre- gador tenha lucro, e na outra parte da sua jornada, gera o que será apenas lucro para aquele que contrata os seus serviços, ou seja, gera a mais-valia. Para que o trabalhador continue reproduzindo força de trabalho, é preciso que sua sobrevivência seja garantida. Dessa maneira, o assistente social é requisitado a atuar na viabilização do atendimento às necessidades materiais e sociais do trabalhador, seja no campo previdenciário ou nas áreas de saúde, assistência, habitação, educação, entre outras. Nesse sentido, a atuação profissional contribui para a sobrevivência da classe trabalhadora, que, por conseguinte, irá gerar a riqueza social – 15 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social na sociedade capitalista. Porém, o assistente social colabora, em alguma medida, com a redistribuição da riqueza socialmente produzida, ao passo que atua na elaboração, implementação, avaliação e execução dos progra- mas de redistribuição de renda. Além disso, e apesar do caráter contraditório da profissão, o assis- tente social atua produzindo efeitos que não são apenas materiais, mas que têm um objetivo social, na medida em que sua ação intenciona interferir na cultura, no comportamento, nos valores, no conhecimento. Exemplo mais nítido da produção profissional em forma de servi- ços é a atuação dos assistentes sociais na educação não formal, ou seja, aquela que se dá fora do ambiente escolar, mobilizando comunidades; nos conselhos municipais, estaduais e nacionais de políticas sociais e de direitos, como Conselho da Criança e do Adolescente, Conselho do Idoso, Conselho da Pessoa com Deficiência, entre outros. Essa atuação possui o objetivo de colaborar com a criação e/ou fortalecimento de uma cultura de participação popular nos mecanismos de controle social e de respeito aos direitos humanos, a fim de gerar consenso social a partir dos interesses da classe trabalhadora (IAMAMOTO, 2013). Portanto, faz-se necessário que o assistente social tenha clareza de seu papel profissional, com uma atuação pedagógica permanente1, com- prometida com a classe trabalhadora, conforme firmado no projeto ético- -político da profissão e nos princípios fundamentais do Código de Ética de 1993, objetivando orientar os indivíduos sociais na busca por mecanismos de fortalecimento da coletividade e engajamento na luta pela efetivação de seus direitos enquanto cidadãos livres. É importante que na atuação profissional o assistente social assuma a posição de intelectual orgânico2, ou seja, aquele profissional que é capaz 1 O uso do termo “atuação pedagógica permanente” está vinculado à influência do pensa- mento de Gramsci no Serviço Social, compreendendo que a luta pela hegemonia – enten- dida enquanto direção adotada pela classe subalterna na construção de uma nova socieda- de, desvinculada do Estado e da classe burguesa dominante – traduz-se em um processo pedagógico. Desse modo, a luta pela hegemonia precisa estar presente na ação política de maneira contínua/permanente (NEVES, 2017). 2 Por intelectual orgânico compreende-se o profissional capaz de estabelecer uma atua- ção vinculada aos interesses da classe trabalhadora. Abreu (2008), com base em Gramsci, Instrumentalidade do Serviço Social – 16 – de desenvolver ações comprometidas com a classe pela qual escolheu tra- balhar, nesse caso, os trabalhadores, tendo em vista o projeto ético-político profissional do Serviço Social. Além disso, pensar a atuação do assistente social orientada pela dimensão pedagógica e orgânica exige reconhecer a capacidade que os sujeitos sociais têm de encontrar soluções para seus problemas coletivos. Assim, para que esse agir profissional se efetive, é necessário que o assistente social se aproprie da instrumentalidade da profissão em todos os seus aspectos, para que sua atuação tenha finalidade, uma vez que esse conceito se traduz também como habilidade que a profissão possui e que a possibilitaalcançar seus objetivos. 1.2 A instrumentalidade enquanto capacidade do Serviço Social em alcançar objetivos profissionais e sociais A instrumentalidade do Serviço Social diz respeito à habilidade que a profissão vai adquirindo em face dos objetivos alcançados. Ou seja, refere-se à capacidade de atuação do assistente social em estabelecer uma intencionalidade nas suas respostas profissionais. A autora Yolanda Guerra (2000, p. 1) chama atenção para o fato de que “[...] o termo instrumentalidade nos faria perceber que o sufixo ‘idade’ tem a ver com a capacidade, qualidade ou propriedade de algo”. Portanto, a instrumentalidade, como dito anteriormente, refere-se “a uma determi- nada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico”. Nesse sentido, instrumentalidade diz respeito ao modo de ser que a profissão de Serviço Social adquire no interior das relações sociais, na medida em que busca articular as condições objetivas e subjetivas de atu- ação profissional. Segundo Guerra (2000), a instrumentalidade é condição aponta a necessidade de uma reforma intelectual e moral que direcione a atuação do inte- lectual para uma relação de capacitação e formação das classes subalternas, objetivando elevar o desenvolvimento intelectual e cultural desses indivíduos para a construção de uma nova cultura e sociedade (ABREU, 2008). – 17 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social intrínseca ao trabalho, pois diz respeito à capacidade do ser social em construir meios de satisfação das suas necessidades, sejam elas, parafra- seando o pensador Karl Marx, advindas do estômago ou da fantasia. As necessidades do estômago são chamadas também de necessidades mate- riais, e estão relacionadas ao ato indispensável de comer, dormir, beber; e as necessidades da fantasia são tratadas como necessidades espirituais, relativas ao intelecto, ao espírito, à mente. Assim, quando o ser social realiza transformações para o alcance de uma determinada finalidade, tem nas suas ações a instrumentalidade pre- sente, pois, conforme Guerra (2000, p. 2), “[...] a instrumentalidade é tanto condição necessária de todo trabalho social quanto categoria constitutiva, um modo de ser, de todo trabalho”. No tocante ao Serviço Social, a instrumentalidade enquanto capaci- dade que a profissão vai adquirindo para concretizar objetivos, com base em uma leitura sócio-histórica e da construção e reconstrução da pro- fissão, permite aos assistentes sociais projetar intencionalidade em suas ações, transformando-as em respostas profissionais. Além disso, a instrumentalidade possibilita que os profissionais ana- lisem as condições objetivas e materiais existentes na sociedade e nos espaços sócio-ocupacionais em que atuam, e confrontem-nas com as con- dições subjetivas, a fim de criar, adequar e transformar tais condições em meios para o alcance das suas intencionalidades. Por condições objetivas compreendem-se aquelas que são materiais dentro da sociedade, como o domínio dos meios de produção; os espaços sócio-ocupacionais que se apresentam ao profissional, diante também de uma conjuntura e contexto histórico; os recursos necessários para a atua- ção, a exemplo da sala, dos arquivos para a garantia do sigilo profissional; entre outros. Como condições subjetivas entende-se a preparação do sujeito, ou seja, do indivíduo assistente social, suas escolhas, qualificação e competência profissional, a partir do aprimoramento intelectual, apreensão das dimensões teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas do Serviço Social, e sua ação dialógica com os usuá- rios do serviço. Instrumentalidade do Serviço Social – 18 – Figura 1.1 – Condições objetivas e subjetivas no cotidiano do assistente social Condições objetivas no cotidiano do assistente social Condições subjetivas no cotidiano do assistente social Grau de qualificação; aprimora- mento intelectual. Recursos materiais: sala; arquivo. Competência profissional; capaci-dade de mobilizar as três dimensões. Conjuntura; contexto histórico. Ação intencional, comprometida e dialógica com os sujeitos sociais. Fonte: elaborada pelo autor. No exercício de entender a importância e necessidade de utilizar a instrumentalidade profissional em sua atuação, o assistente social passa a visualizar as condições materiais que estão dadas e busca arti- culá-las com as condições que são relativas aos sujeitos, ou seja, que dizem respeito às suas escolhas profissionais e competências em atuar de modo objetivo, proposital, crítico e comprometido com as deman- das da classe trabalhadora. É importante salientar que, por ser condição constitutiva do traba- lho, conforme Yolanda Guerra, a instrumentalidade é também constitutiva do Serviço Social, visto que esta profissão se insere na sociedade como trabalho especializado. Além disso, ao incorporar a instrumentalidade ao Serviço Social, é preciso entender que ela diz respeito à capacidade do assistente social em mobilizar as dimensões teórico-metodológica, téc- nico-operativa e ético-política. Portanto, para que a instrumentalidade se concretize no âmbito do Serviço Social, as três dimensões da profissão não podem ser utilizadas separadamente, visto que o agir profissional intencional e como práxis só é possível quando essas dimensões estão articuladas. Do contrário, a prática profissional incorrerá em tecnicismo, teoricismo e em uma ação psicologizante, ou seja, implicará a supervalorização de uma categoria em detrimento de outras, e em achar que apenas uma dá conta de tratar a realidade, além de individualizar os problemas sociais por meio da psico- logização dos sujeitos sociais. – 19 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social Essas questões serão retomadas de maneira detalhada no capítulo 2 desta obra, em que serão abordadas as dimensões da profissão e sua indis- sociabilidade; e no capítulo 3, no qual será trabalhada a importância da tríade singularidade-universalidade-particularidade para uma ação dialé- tica e que possibilite analisar os fenômenos sociais em sua essência e não na aparência. Por hora, neste tópico, interessa-nos compreender como a instrumen- talidade torna-se propriedade/capacidade adquirida pelo Serviço Social por meio da atuação profissional. Para isso, importa analisar a história e trajetória do Serviço Social brasileiro, pela qual é possível perceber que essa profissão passa por diversas mudanças em seu modo de ser e em sua atuação na sociedade. O Serviço Social surge no Brasil na década de 1930, no bojo da Igreja Católica, com a atuação das “damas de caridade”, e norteado por um cará- ter assistencialista e filantrópico. Na década de 1940, o Serviço Social é regulamentado como profissão, contudo, as ações profissionais buscavam mediar os conflitos entre a classe trabalhadora e a burguesia, de modo a disciplinar o comportamento dos trabalhadores para a manutenção da ordem burguesa, com uma atuação psicologizante3, e que compreendia a questão social como problema individual e não como consequência do modo de produção capitalista. Com o aprofundamento das discussões teóricas, especialmente a par- tir da aproximação do Serviço Social com as teorias marxistas – ainda que em um primeiro momento esta apreensão do marxismo tenha sido feita sem o recurso do pensamento de Karl Marx –, a profissão passa a ques- tionar sua prática profissional e a perceber que a atuação do assistente não é neutra, fazendo assim a escolha político-ideológica firmada no compro- misso com a classe proletária. 3 Pelo termo psicologizante compreende-se a atuação do Serviço Social orientado pela Igreja Católica, na qual a questão social era vista como uma questão moral, um problema individual das pessoas que vivenciavam suas expressões e que precisavam ter seus com- portamentos disciplinados, por serem considerados inadequados à ordem vigente. Ver mais em: YAZBEK, Maria Carmelita.O significado sócio-histórico da profissão. In: CFESS; ABEPSS (Org.). Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS; ABEPSS, 2009. p. 125-141. Instrumentalidade do Serviço Social – 20 – O marco de ruptura do Serviço Social com o conservadorismo da profissão se deu a partir do Movimento de Reconceituação, que teve iní- cio na década de 1960, em um momento histórico em que havia um forte movimento político-cultural composto por intelectuais, trabalhadores, segmentos médios e classes populares na luta pela defesa de projetos de transformação social. O período histórico em que ocorre o Movimento de Reconceitua- ção do Serviço Social é de extrema relevância e demonstra com nitidez o compromisso assumido pela profissão em atuar com as demandas da classe trabalhadora, pois se trata do contexto político em que o Brasil vivia a ditadura militar, com fortes repressões aos trabalhadores e às reivindicações sociais, e com ações duramente violentas e de ataques aos direitos humanos. O final da década de 1980 e início dos anos 1990 são de grande representatividade popular na arena política e na implementação da democracia no Brasil, pois é a partir da pressão e atuação popular nos mecanismos de controle social que ocorre a promulgação da Constitui- ção Federal Brasileira, em 1988, a qual traz grandes avanços sociais e econômicos aos trabalhadores. No tocante à matéria do Serviço Social, a Carta Magna institui a Seguridade Social no Brasil, alicerçada pelo tripé: saúde, previdência e assistência. No primeiro ano da década de 1990, os brasileiros assistem à criação do Sistema Único de Saúde pela Lei n. 8.080, que representa uma impor- tante luta popular na garantia de acesso à saúde de maneira gratuita e uni- versal. No âmbito da profissão de Serviço Social, os anos 1990 apontam avanços significativos e importantes referentes aos elementos norteadores da prática profissional, por meio da implementação do Código de Ética de 1993 e da Lei de Regulamentação da Profissão n. 8.662, de 1993. Além disso, a profissão é atravessada por componentes: históricos, teóricos e metodológicos, que possibilitam ao assistente social compre- ender a realidade e atuar de forma investigativa; técnicos e operativos, os quais proporcionam ao profissional utilizar instrumentos e técnicas para intervir na realidade; e éticos e políticos, ligados diretamente ao objetivo que se pretende alcançar com a prática profissional. – 21 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social É importante salientar que o Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da profissão de Serviço Social, e a articulação das dimensões da profissão são princípios para a concretização do projeto ético-político profissional. Além disso, vale ressaltar que o projeto da profissão não diz respeito a um documento, algo palpável ou um escrito que pode ser consultado, lido e relido. Refere-se a uma grandeza ideopolítica que orienta o agir profissional e deve ser internalizada pelos assistentes sociais, com o compromisso de construção de uma nova ordem societária. Mas o que vem a ser a construção de uma nova ordem societária? Quer dizer que os assistentes sociais irão se unir enquanto categoria pro- fissional, derrubar o capitalismo e criar uma nova forma de economia? Ou o Serviço Social irá articular uma revolução? Não se trata de nenhuma das questões apontadas, até porque, ainda que fosse possível articular e unir todos os profissionais de Serviço Social, esses representariam apenas uma pequena parcela da sociedade. Ademais, não é possível que uma categoria consiga estabelecer transformações tão profundas e definitivas em uma sociedade, pois seu trabalho é permeado por limitações e pela correlação de forças no capitalismo. Quando se fala em lutar pela construção de uma nova ordem socie- tária, diz-se da capacidade que o assistente social tem de utilizar a ins- trumentalidade do Serviço Social para imprimir intencionalidade em seu agir, ou seja, para incutir objetividade em sua atuação e conferir resultados efetivos do seu trabalho na vida dos usuários. No tópico 1.1 deste capítulo, falou-se sobre a capacidade teleológica que é exclusiva do ser social, e que este, ao transformar a natureza, trans- forma também a si mesmo, pois essa ação racional descortina outras qua- lidades humanas. Do mesmo modo, teceu-se a discussão sobre o trabalho do assistente social ter um objetivo que é social, aquele que está atrelado às interferências profissionais no comportamento, nos valores, na cul- tura e na educação, com o objetivo de criar consenso de classe, tendo em vista os interesses dos trabalhadores, e a atuação com eles, percebendo-os enquanto protagonistas na sociedade. Logo, essa análise permite responder à pergunta sobre como se dá o compromisso e a luta dos profissionais de Serviço Social em criar uma Instrumentalidade do Serviço Social – 22 – nova ordem societária. Além disso, a noção de educação popular4 de Car- los Hurtado (1993) demonstra-se muito enriquecedora para se pensar a prática do assistente social dotada de instrumentalidade e intencionalidade na atuação com a classe trabalhadora, pois, de acordo com o autor, a edu- cação popular diz respeito a um processo de formação, capacitação e orga- nização política das classes subalternas, com o objetivo de construir uma sociedade que atenda aos seus interesses. Nesse sentido, e ainda de acordo com Hurtado (1993), o ponto-chave da educação popular, e que a torna efetiva no trabalho com os indivíduos que não detêm os meios de produção, é o seu caráter político e seu com- promisso de classe, além da relação orgânica que estabelece com o movi- mento popular. A educação popular pauta-se também no desenvolvimento de uma consciência social crítica, coadunando o caráter do Serviço Social em produzir efeitos que não são apenas materiais, mas também sociais. O amadurecimento da profissão, com base na análise da sua trajetória e dos avanços profissionais, possibilita dizer que a instrumentalidade é uma propriedade que o Serviço Social adquire diante dos objetivos alcan- çados, pois essa profissão aprende a utilizar a capacidade que fora cons- truída historicamente para dar respostas efetivas às demandas postas pelas classes que requisitam sua atuação, em especial, para agir de acordo com os interesses da classe trabalhadora em uma perspectiva de emancipação social e de construção de uma nova ordem societária. Por meio da produção de efeitos materiais e sociais na sociedade, da mobilização das três dimensões da profissão, do confronto das condições objetivas e subjetivas, e de uma prática pedagógica e orgânica, os assis- tentes sociais contribuem para que a instrumentalidade torne-se condição de reconhecimento social da profissão, ou seja, criam meios para o alcance da visibilidade coletiva, institucional e social que tanto desejam para o Serviço Social. 4 De acordo com o autor, a educação popular possui caráter político, concepção e compro- misso de classe, e preocupa-se com a transmissão de conhecimento que resulte no desen- volvimento de uma consciência crítica (HURTADO, 1993). – 23 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social 1.3 Instrumentalidade como condição para o reconhecimento/identificação da profissão A instrumentalidade constitui-se como condição de reconhecimento da profissão na medida em que, enquanto propriedade/habilidade que o Serviço Social adquire de maneira sócio-histórica, possibilita aos assis- tentes sociais responder às demandas postas pelas classes antagônicas (burguesia x proletariado) e alcançar objetivos profissionais e sociais (GUERRA, 2000). Como propriedade do Serviço Social e condição para o seu reconhe- cimento, a instrumentalidade fundamenta-se na apreensão da prática pro- fissional como trabalho, ao passo que o assistente social, enquanto ser social, realiza modificações na natureza, planeja e projeta na consciênciaa finalidade do seu agir. Dessa maneira, nota-se que a realidade social não é estática, não está finalizada e é sempre passível de mudanças. Logo, a atuação profissional deve estar firmada na noção de práxis social, ou seja, pautada em uma ação transformadora. A instrumentalidade é categoria constitutiva de todo trabalho, con- forme Guerra (2000), ela possibilita que o assistente social estabeleça pro- jetos sociais e profissionais com intencionalidade e finalidade alinhadas para atender às necessidades da profissão e da classe com as quais firmou compromisso social no projeto ético-político. Portanto, ao lançar mão das dimensões teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas, o profissional de Serviço Social está realizando a instrumentalidade e fazendo com que haja a visibilidade social da profissão, o seu reconheci- mento como modo de ser e agir dentro da sociedade. Conforme Yolanda Guerra (1995), o modo de ser do Serviço Social, ou seja, a maneira como a profissão é reconhecida socialmente, se dá a partir do seu fazer profissional e é construído e reconstruído durante todo o processo sócio-histórico da profissão, em um movimento contraditório, uma vez que ocorre na relação conflituosa entre as classes sociais com as quais o profissional atua realizando sua intervenção. Instrumentalidade do Serviço Social – 24 – A realidade social não é inerte, ela é construída e reconstruída dialetica- mente em um movimento em espiral, por meio da ação transformadora, por- tanto, apesar da instrumentalidade ser condição tangível de reconhecimento da profissão, é necessário pautar o agir profissional de maneira dialética, a fim de perceber que a profissão está em constante reconstrução, tornando-se indispensável uma atuação intencional não apenas no sentido de alcançar objetivos profissionais e sociais, mas também de possibilitar o constante reconhecimento da profissão de maneira institucional, social e coletiva. E como se dá o reconhecimento do significado social da profissão por parte daqueles que representam as classes antagônicas (instituição/ empregadores, coletivo, usuários do serviço e sociedade como um todo)? Anteriormente, foi dito que o assistente social não detém todos os instrumentos para a sua prática, tendo em vista que os processos de tra- balho são variados e que esse profissional depende de que o empregador lhe forneça instrumentos, como recursos materiais, humanos, etc., uma vez que as instituições obtêm a maior parte dos instrumentos de trabalho necessários para a atuação profissional. Contudo, apesar de o profissional de Serviço Social não possuir auto- nomia total dos processos de trabalho, detém a relativa autonomia que é acionada e colocada em prática, ao passo que a instituição viabiliza aos usuários o acesso ao assistente social, e este realiza uma leitura crítica e dinâmica da realidade, para, com os aportes teóricos, éticos e técnicos, escolher a melhor forma de atuação, objetivando responder às demandas apresentadas pelas classes com as quais trabalha. Isso significa que, apesar de os processos de trabalho na maioria das vezes estarem definidos pela instituição requisitante da atuação do assis- tente social, a forma de atuar diante dessas solicitações será delineada pelo profissional, com base em sua capacidade teleológica enquanto trabalha- dor, de operar intencionalidade, criando em seu consciente a finalidade/ objetivo da ação, e fazendo uso da instrumentalidade, que permite ao pro- fissional um raciocínio crítico da realidade, despindo-se da alienação, que é uma condição posta pelo capitalismo ao trabalhador. De acordo com a fala da professora Yolanda Guerra, na conferên- cia realizada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), em 15 maio – 25 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social de 2012, sobre o tema “A instrumentalidade do exercício profissional do assistente social”, a alienação é uma característica intrínseca a todo tra- balhador, visto que esse, por sua condição de venda da força de trabalho na produção de algo a que não tem acesso, não consegue visualizar todo o processo de produção. Logo, a alienação configura-se como um “fenô- meno da consciência humana” de todo trabalhador assalariado. Nessa perspectiva, em virtude da profissão de Serviço Social inse- rir-se na divisão social e técnica do trabalho, o assistente social assume características de trabalhador assalariado e, portanto, é afetado também pelo processo de alienação. Como classe trabalhadora, esse profissional precisa estabelecer meios de subsistência humana, que ocorre por meio da produção e reprodução da força de trabalho. Contudo, quando o assistente social faz uso da relativa autonomia profissional em seu cotidiano, e pratica o exercício de confrontar as condi- ções objetivas e subjetivas, bem como realiza a apreensão da instrumenta- lidade como condição do trabalho, como modo de ser do Serviço Social na sociedade, em face da propriedade que é adquirida a partir dos objetivos alcançados, esse profissional corrobora o reconhecimento, por parte das instituições em que atua, do significado social da profissão, por meio de uma cultura profissional que se baseia na capacidade de se organizar no contexto sócio-histórico e fazer uso da sua intencionalidade no alcance de finalidades e objetivos profissionais e sociais. A instrumentalidade como reconhecimento da profissão por parte dos usuários do Serviço Social acontece quando essa parcela da população busca o assistente social, e a esse profissional apresenta suas demandas sociais, seja do âmbito econômico, de saúde, educacional ou outro. Eles buscam a intervenção do assistente social por acreditar que a atuação desse profissional é capaz de orientá-los a compreender e inferir mudanças obje- tivas nas expressões da questão social que se manifestam em suas vidas, como forma de desemprego, de questões habitacionais, ou de qualquer outra necessidade de sobrevivência humana. Refere-se ainda à capacidade que os assistentes sociais têm de agir dialogicamente, em uma perspectiva pedagógica e orgânica5 com a classe 5 Consultar as notas de rodapé 1 e 2. Instrumentalidade do Serviço Social – 26 – popular, conforme os ideais de emancipação do filósofo Antônio Gramsci, e à habilidade que eles têm de estabelecer vínculos com os usuários, os quais acreditam no potencial de reposta profissional. Portanto, torna-se imprescindível que o profissional de Serviço Social reflita criticamente o seu cotidiano, desvelando a realidade e valendo-se do aporte teórico, técnico e ético-político da profissão, acreditando no seu papel profissional de agente transformador da realidade social e na emancipação social dos indivíduos, por meio da expansão dos direitos humanos e da liberdade. No que diz respeito ao reconhecimento da profissão por parte do cole- tivo e da sociedade, este se pauta na maneira como o Serviço Social é visto socialmente, como a profissão se apresenta socialmente, na medida em que a coletividade compreende o que faz o assistente social, a que classe busca atender e colaborar no processo de transformações societárias. É evidente que a instituição, os usuários que o assistente social atende, o coletivo e a sociedade não têm o conhecimento minucioso do que é a instrumentalidade como está sendo apresentada nesta obra, com base na leitura de autoras como Yolanda Guerra e Marilda Iamamoto, até porque as dimensões do Serviço Social, bem como o contexto sócio-histórico em que se desenvolve a profissão no Brasil, são peculiaridades profissionais que fazem parte do processo formativo dos assistentes sociais. Porém, isso não quer dizer que não seja possível demonstrar a capa- cidade que o Serviço Social possui e o modo de ser da profissão às classes que demandam a atuação do assistente social. Nesse sentido, há a inten- ção de possibilitar ao leitor a compreensão da instrumentalidade enquanto propriedade que o Serviço Social vai adquirindodiante dos objetivos alcançados, a partir da atuação intencional do assistente social, e como a instrumentalidade organiza-se como condição fundamental de reconheci- mento social da profissão. É papel ético-político do assistente social colaborar com a criação de um reconhecimento profissional coeso dentro da sociedade como um todo. Isso porque, apesar de ter ocorrido o Movimento de Reconceituação da profissão, que rompe com o caráter conservador do Serviço Social – e embora haja a consolidação de princípios, direitos e deveres ao assistente social, com base no que está posto no Código de Ética Profissional, bem – 27 – Instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social como as atribuições profissionais definidas pela Lei de Regulamentação da profissão –, ainda é necessário, especialmente em vista da dicotomia da profissão, demonstrar a quem o Serviço Social serve dentro da sociedade capitalista, o que essa profissão produz e qual o seu objetivo. Portanto, faz-se necessário compreender a importância da instrumen- talidade como mediação na prática do assistente social, pois, de acordo com Guerra (2000, p. 12), “significa tomar o Serviço Social como tota- lidade constituída de múltiplas dimensões: técnico-instrumental, teórico- -intelectual, ético-política e formativa [...]”. Ou seja, compreende a liga- ção das metodologias de ação com as demais competências do Serviço Social, a fim de possibilitar a atuação profissional pautada na razão dialé- tica, que envolve a universalidade das relações sociais, suas contradições, movimentos e singularidade, buscando apreender os fenômenos sociais em sua essência, traduzindo a medição em respostas profissionais objeti- vas e eficazes. Como forma de concluir o estudo traçado neste capítulo, acerca da instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social, vale relembrar que, preliminarmente, tornou-se necessário delimitar qual com- preensão pretendia-se de instrumentalidade, entendendo-a para além do uso de técnicas e instrumentos no agir profissional, e ampliando a sua compreensão enquanto capacidade que a profissão adquire na construção e reconstrução do processo histórico (GUERRA, 2000). Essa capacidade adquirida pelo Serviço Social ocorrerá a partir da prática profissional como trabalho, ao passo que o assistente social pla- neja, projeta e executa suas ações com intencionalidade definida, tendo em vista sua capacidade teleológica, que busca alcançar objetivos sociais e profissionais. Todo esse processo de construção e reconstrução social, por meio do processo sócio-histórico, e da atuação pautada no compromisso com a classe trabalhadora, torna-se também, como visto neste escrito, condição para o reconhecimento social da profissão. A realidade sócio-histórica está sempre em constante mudança, e há nuances que ora apontam avanços, ora retrocessos. Nesse sentido, o assis- tente social precisa pautar sua ação na indissociabilidade das dimensões do Serviço Social, pois cada uma delas tem importante função social e Instrumentalidade do Serviço Social – 28 – profissional, mas que, se tratadas de maneira individual, realizam atendi- mento de modo psicologizante e imediatista, sendo que, ao contrário, as necessidades que a classe trabalhadora transforma em demanda ao Ser- viço Social são atravessadas pelas expressões da questão social, expres- sões essas que se referem a um nível de problema coletivo, fruto do pro- cesso de produção capitalista. Portanto, a atuação do assistente, para ser dotada de instrumentali- dade, precisa articular de maneira coerente as dimensões teórico-metodo- lógica, técnico-operativa e ético-política, objetivando uma atuação pro- fissional coerente e eficaz no processo de construção de uma nova ordem societária, que vislumbre a superação das desigualdades sociais, a amplia- ção da liberdade e a redistribuição da riqueza socialmente produzida. Atividades 1. De acordo com o que foi exposto neste capítulo, qual o objeto de trabalho do Serviço Social? 2. Qual o entendimento que o texto aborda sobre os instrumentos que possibilitam a ação profissional? 3. O que o Serviço Social produz enquanto trabalho? 4. O que é a instrumentalidade do Serviço Social? 2 Articulando as dimensões teórico- metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social A compreensão acerca da relação entre as três dimensões do Serviço Social na atuação profissional torna-se imprescindí- vel quando se deseja realizar uma prática profissional crítica e que esteja em consonância com o Projeto Ético-Político e com o Código de Ética Profissional. Dessa maneira, o agir profissional deve estar comprometido com as demandas da classe trabalha- dora e com a construção de uma nova ordem societária. Este capítulo objetiva explanar as especificidades e a defi- nição das dimensões técnico-operativas, teórico-metodológicas e ético-políticas, entendendo a importância de particularizá-las, a fim de que se possa compreender como devem ser articuladas nas ações profissionais, visto que representam condições distintas de apreensão dos componentes da profissão. Instrumentalidade do Serviço Social – 30 – Por outro lado, torna-se indispensável entender que essas dimensões apesar de terem peculiaridades próprias, não possuem relação de superio- ridade ou hierarquia e, se utilizadas individualmente, não são capazes de produzir os efeitos que a profissão tanto almeja, pelo contrário, implicam ações baseadas no tecnicismo, teoricismo e politicismo, que remetem ao conservadorismo da profissão. Logo, é preciso apreender e debruçar-se sobre as questões que apontam para a indissociabilidade dessas dimen- sões, a fim de se alcançar a instrumentalidade do Serviço Social e os rumos éticos da profissão. Nesse sentido, a obra abrange, também, a compreensão acerca do Projeto Ético-Político Profissional enquanto idealizador de conduta e comportamento, a partir da construção de uma imagem profissional base- ada em valores éticos, teóricos, investigativos, interventivos, comprometi- dos com a expansão da liberdade, com a emancipação dos sujeitos sociais, com a defesa dos direitos humanos e com um projeto de sociedade livre de preconceitos, desigualdades e discriminação. 2.1 Especificidade e definição das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do Serviço Social Para compreender as particularidades de cada dimensão do Serviço Social, é necessário, primeiramente, retomarmos o entendimento sobre o que foi o Movimento de Reconceituação do Serviço Social e sua impor- tância na trajetória sócio-histórica da profissão. O Movimento de Reconceituação ou de Renovação do Serviço Social, como alguns autores denominam, foi um marco histórico importantíssimo para a profissão, que não pode deixar de ser abordado quando se deseja falar sobre o Serviço Social na contemporaneidade ou sobre as dimen- sões que constituem a profissão, visto que essas competências refletem o arcabouço histórico, teórico, metodológico, técnico e operativo, ético e político, os quais, a partir da aproximação com as teorias marxistas, dire- cionam o Serviço Social para o rompimento com as bases conservadoras e predominantes até a década de 1980 e possibilitam pensar o significado – 31 – Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social social do Serviço Social e a construção de uma identidade de um profis- sional crítico e comprometido com o Projeto Ético-Político Profissional. O projeto da profissão está intimamente atrelado ao projeto de socie- dade1 que se buscava construir no Brasil a partir da década de 1960, quando uma parcela da população, composta por intelectuais, trabalhadores, entre outros, lutava contra o regime ditatorial e empenhava-se na construção de uma democracia2. Nesse sentido, além do projeto profissional pautar a liberdade dos sujeitos e a defesa intransigente dos direitos humanos, inseridos Códigode Ética Profissional de 1993, regulamentar a profissão quanto às suas atribuições, indica, também, um aprimoramento no que diz respeito ao processo formativo dos assistentes sociais, com a elaboração das Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social de 1996. As Diretrizes Curriculares do Serviço Social, aprovadas em Assem- bleia Geral Extraordinária de 08 de novembro de 1996 pela ABESS (Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social, atualmente deno- minada Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS), orientam e direcionam o processo formativo do assistente social para a construção de um perfil profissional constituído de “capaci- tação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa” (ABEPSS, 1996, p. 7). Estão estruturadas com base em núcleos temáticos, os quais articulam uma gama de conhecimentos considerados indispensáveis à formação profissional. Esses núcleos temáticos estão divididos em: 1. núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; 2. núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3. núcleo de fundamentos do trabalho profissional. Apesar dos núcleos temáticos estarem divididos em três, eles não têm ligação direta com as três dimensões da profissão, como se cada núcleo fizesse referência a uma dimensão. Eles são a totalidade de conhecimen- tos da formação profissional, contextualizados historicamente e revelados em suas particularidades. Contudo, “não são autônomos nem subsequen- 1 Abordado no Capítulo 1, será aprofundado no Capítulo 3 desta obra. 2 Democracia é quando a população exerce poder de maneira superior. Ou seja, quando o povo participa do processo de decisão, inserindo suas vontades, e as vê representadas na Constituição Federal – Carta Magna – de seu país; e nas demais legislações e políticas públicas. Instrumentalidade do Serviço Social – 32 – tes, expressando, ao contrário, níveis diferenciados de apreensão da reali- dade social e profissional, subsidiando a intervenção do Serviço Social.” (ABEPSS, 1996, p. 7) O primeiro núcleo (fundamentos teórico-metodológicos da vida social), de acordo com Iamamoto (2013), refere-se à necessidade de o assistente social ter domínio dos fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos a fim de analisar o ser social e a vida em sociedade. Em outras palavras, diz respeito aos recursos metodológicos que possibilitam que o profissional compreenda a dinâmica da vida social na sociedade capitalista. O segundo núcleo (fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira) está atrelado à compreensão da sociedade brasileira, a partir das particularidades históricas e sociais da sua formação, observando o seu desenvolvimento urbano e rural, bem como as diversidades regionais. A apreensão desse núcleo por parte dos assistentes sociais torna-se extremamente relevante, tendo em vista que as expressões da questão social se manifestam de maneira diferente na sociedade, a depender do contexto regional e local. Já o terceiro núcleo (fundamentos do trabalho profissional) diz res- peito aos elementos constitutivos do Serviço Social enquanto trabalho especializado. Isso significa que abrange a trajetória da profissão em aspectos históricos, teóricos, metodológicos, técnicos, éticos e políticos; compreende, ainda, a pesquisa, o estágio supervisionado, a administração e o planejamento em Serviço Social, a fim de que esses elementos possam orientar e capacitar os profissionais na sua prática, bem como preservar as competências exclusivas do assistente social, as quais estão normatizadas pela Lei de Regulamentação da Profissão. (IAMAMOTO, 2013) Mais uma vez, importa evidenciar que esses núcleos não possuem entre si hierarquia ou ordem classificatória, pelo contrário, eles são com- plementares e estão relacionados à totalidade de conhecimentos impres- cindíveis que o assistente social deve apreender para compreender a ori- gem, as manifestações e o enfrentamento da questão social. Eles subsidiam a prática profissional para que esta última não incorra em uma ação que retome o conservadorismo da profissão, no qual se tratava os problemas sociais como anomalia e culpabilização dos sujeitos. – 33 – Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social De acordo com a ABEPSS (1996), os núcleos temáticos se tradu- zem como norteadores da formação que se almeja para o profissional de Serviço Social ao contemplar os conhecimentos que são imprescindíveis para a compreensão do processo de trabalho do assistente social. Desse modo, tais núcleos também se estendem à construção dos componen- tes curriculares da formação profissional por meio de áreas do conheci- mento, e não apenas como disciplinas a serem cursadas, corroborando para que sejam realizadas as mediações da relação teoria e prática – tão necessária para a desconstrução da ideia que alguns profissionais susten- tam de que, na atuação prática, não é possível fazer uso da teoria, como se elas fossem indissociáveis. De modo resumido e didático, compreende-se que a base para o entendimento das particularidades das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas são as Diretrizes Curriculares do Ser- viço Social, de 1996, as quais: 2 representam o amadurecimento do significado social da pro- fissão; o uso da tradição teórica que possibilita a apreensão da realidade a partir do contexto sócio-histórico; e a construção do projeto profissional baseado no compromisso com as demandas da classe trabalhadora. 2 correspondem aos conhecimentos constitutivos da formação profissional divididos em três núcleos de fundamentos: 1. núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; 2. núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3. núcleo de fundamentos do trabalho profissional. 2 orientam a construção de um perfil profissional composto de capacidades teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético- -políticas, para uma atuação profissional capaz de realizar, con- forme a ABEPSS (1996), 2 a compreensão da realidade sócio-histórica como totalidade; 2 o entendimento acerca da formação da sociedade brasileira e seus desdobramentos sociais na atualidade, a fim de que se Instrumentalidade do Serviço Social – 34 – possa apreender as peculiaridades do surgimento e do desen- volvimento do capitalismo e do Serviço Social no Brasil; 2 a compreensão das demandas que se apresentam ao assis- tente social e o reconhecimento do significado social da profissão, permitindo perceber a gama de ações existentes na realidade, bem como as possibilidades de formular res- postas profissionais que objetivem enfrentar as expressões da questão social; 2 a atuação profissional em conformidade com as competên- cias e atribuições estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão. Saiba mais Para que fique mais fácil compreender como os núcleos temáticos se complementam e subsidiam a prática profissional capacitada, tome- mos por análise o desemprego no Nordeste. Para que o assistente social possa intervir nas expressões da questão social que se manifestam por meio do desemprego nessa região, é necessário fazer uma apreensão sobre a relação de produção e reprodução da força de trabalho na socie- dade capitalista; sua característica de criar um exército de reserva a par- tir da força de trabalho excedente às necessidades de produção (desem- prego estrutural); a formação da sociedade brasileira e sua relação de produção e exportação de produtos, exigindo maior demanda de mão de obra em outras regiões do país; a compreensão do surgimento do Serviço Social; as demandas que se apresentam a essa profissão; o com- promisso de classe estabelecido no Projeto Ético-Político Profissional. A ideia é que – articulando os fundamentos da vida social, as peculiarida- des históricasna formação da sociedade brasileira, e a constituição da profissão enquanto trabalho, os assistentes sociais possam qualificar a sua atuação de maneira crítica, reflexiva, interventiva e comprometida com os processos de transformações societárias. A redefinição do projeto profissional torna-se possível na medida em que se compreende o Serviço Social enquanto especialização do trabalho – 35 – Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social coletivo, ou seja, a partir da sua regulamentação enquanto profissão. De acordo com Yazbek (2009), é o movimento sócio-histórico da sociedade que justifica a profissão por meio da reprodução social da vida. “Implica, pois, compreender a profissão como um processo, vale dizer, ela se trans- forma ao transformarem-se as condições e as relações sociais nas quais ela se inscreve.” (ABEPSS, 1996, p. 5) Assim, torna-se necessário retomar a apreensão da categoria traba- lho enquanto fundadora do ser social, pois é essa compreensão que nos permite pensar o Serviço Social como trabalho e a prática profissional dotada de intencionalidade, conforme discutido no capítulo 1. Portanto, para que a ação profissional sobre o seu objeto de trabalho – aqui enten- dida a questão social – tenha a finalidade preestabelecida alcançada, é necessário compreender as condições das relações sociais na sociedade capitalista, que demanda a atuação desse profissional, os núcleos de fun- damentação da profissão e a instrumentalidade do Serviço Social, enten- dida para além dos instrumentos e técnicas que o assistente social utiliza em seu agir profissional. Afirmou-se que a instrumentalidade do Serviço Social diz respeito à capacidade que a profissão adquire em face dos objetivos alcançados. Refere-se ao modo de ser da profissão na articulação das condições objeti- vas e subjetivas e traduz-se na capacidade do assistente social de mobilizar as dimensões teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas para um agir profissional como práxis, ou seja, uma atuação que relaciona a teoria e a prática. De acordo com a ABEPSS (1996), essas dimensões configuram-se como condição necessária para que o profissional possa atuar frente às demandas e situações do cotidiano, percebendo os limi- tes dos processos de trabalho e delineando com clareza a sua atuação fir- mada no compromisso com a classe trabalhadora e no atendimento às suas necessidades e construções sociais. A fim de compreender as especificidades de cada uma dessas com- petências, serão apontadas, a seguir, as suas particularidades, mas sem pretender separá-las, uma vez que elas devem estar articuladas na atuação do assistente social, pois, apesar de articularem conhecimentos diversos, são, também, indissociáveis para uma prática coesa e comprometida com o projeto profissional. Instrumentalidade do Serviço Social – 36 – A primeira dimensão a ser elucidada é a competência teórico- metodológica, que, conforme mostra Sousa (2008), refere-se à capacidade profissional em compreender a dinâmica da vida social, seu movimento e construções históricas para além dos fenômenos aparentes, enxergando-os na essência. Para isso, o assistente social precisa qualificar-se constante- mente, conforme preconiza o Código de Ética Profissional, no Artigo 2, alínea f, dos Direitos e Responsabilidades Gerais do/a Assistente Social, com bases teóricas e metodológicas rigorosas, a fim de apreender conheci- mentos e conceitos que possibilitem conhecer a realidade social, política, econômica e cultural na qual atuam para orientar a atuação firmada em transformações sociais. Por bases teóricas e metodológicas competentes para a formação de um profissional crítico e propositivo, compreende-se o estudo aprofun- dado das teorias de base marxista, que possibilitam a apreensão “de um conhecimento que não é manipulador e que apreende dialeticamente a realidade em seu movimento contraditório” (YASBEK, 2009, p. 10), atre- lada a outras vertentes e áreas do conhecimento, como as ciências sociais, políticas, filosóficas, econômicas, antropológicas e psicológicas, ofertadas como disciplinas nas Diretrizes Curriculares do Serviço Social. A dimensão técnico-operativa, assim como a instrumentalidade do Serviço Social, não deve ser reduzida aos instrumentos e técnicas, apesar de eles estarem presentes nessa competência. Contudo, essa dimensão vai além das técnicas e instrumentos, sejam eles diretos (face a face) – como a visita domiciliar, a visita institucional, a mobilização de comunidades, entre outros – ou indiretos (por escrito) – como o parecer e o relatório social, por exemplo, pois exige que o profissional articule de modo cons- ciente os procedimentos que utilizará, objetivando alcançar uma finali- dade com seu agir profissional. Assim, torna-se necessário ao assistente social estar atento ao fato de que “reduzir a dimensão técnico-operativa ao instrumental técnico-operativo significa, portanto, reduzi-la a um esta- tuto meramente formal, compatível com os ditames da racionalidade bur- guesa”. (BACKX, FILHO E SANTOS 2013, p. 20) Quanto à dimensão ético-política, afirmamos que compreende o dire- cionamento social adotado pela categoria na trajetória sócio-histórica da profissão, por meio do processo de questionamento da atuação profissional – 37 – Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social e da formulação de instrumentos legais orientadores dessa prática. Nesse sentido, em uma análise e reconhecimento histórico, cabe pontuar aqui os avanços do Código de Ética de 1986, o qual surge da necessidade de uma nova formulação ética que assegure maior competência na operacionali- zação dos princípios defendidos pela categoria profissional, capazes de expressar os avanços históricos da profissão. O Código de 1986 critica a forma superficial e abstrata com que eram tratados os valores universais nos códigos anteriores, reafirma opinião contrária ao conservadorismo ético-profissional, rompe com a base filosófica tradicional de cunho con- servador que estava pautada na neutralidade da ação profissional. Já o Código de Ética de 1993 traz, no rol de seus compromissos ético-políticos, a aliança com a classe trabalhadora. Defende os valores universais, tendo em vista a superação da ordem burguesa, com a socia- lização da política e da riqueza socialmente produzida, consolidando a democracia. Visa à ampliação da liberdade, da emancipação e do desen- volvimento dos indivíduos sociais. Nesse Código, a democracia torna-se valor ético-político central, na medida em que constitui o único padrão de organização político-social capaz de assegurar a explicitação dos valores universais. Esses instrumentos são de suma importância para pensar a conso- lidação do Projeto Ético-Político da profissão, visto que, com o direcio- namento social estabelecido pelo Serviço Social, a categoria avança no campo da pesquisa e da produção de conhecimento por meio da pós-gra- duação, com a criação e expansão dos cursos de mestrado e doutorado e com a elaboração de bibliografia própria, o que, além de reafirmar que não há neutralidade na atuação profissional, reforça as bases teóricas e meto- dológicas que contribuem para a formação de um profissional competente. (YASBEK, 2009) Portanto, a prática profissional deve estar pautada em escolhas sus- tentadas por valores éticos e por um posicionamento político diante das demandas que se apresentam ao profissional. Esse posicionamento deve ser estabelecido a partir da apreensão da realidade social e da finalidade que se pretende alcançar com a ação profissional, em vistas do compro- misso assumido com a classe trabalhadora, por meio do Projeto Ético- -Político Profissional. (SOUSA, 2008) Instrumentalidade do Serviço Social – 38 – Desse modo, para que se garanta a formação de profissionais quali- ficados, éticos e competentes, faz-se necessário compreenderque a teoria e a prática presentes no Serviço Social devem caminhar juntas, com o objetivo de atender às demandas que são postas ao profissional em conso- nância com o projeto da profissão. A articulação da teoria com a prática, no exercício profissional, ocorre, impreterivelmente, por meio do entendi- mento quanto à indissociabilidade das dimensões ético-políticas, teórico- -metodológicas e técnico-opertativas e da compreensão do compromisso de classe e da construção de projetos societários que vislumbrem suplan- tar as desigualdades sociais. 2.2 Relação e indissociabilidade entre as três dimensões do Serviço Social Desde o primeiro capítulo de discussão dessa obra temos apontado a necessidade de mobilizar as dimensões teórico-metodológicas, técnico- -operativas e ético-políticas do Serviço Social para que se alcance a ins- trumentalidade da profissão. No decorrer do capítulo 2, verificamos que essas dimensões devem compor a construção de um perfil profissional competente e capaz de apreender a realidade sócio-histórica para uma atu- ação eficaz e comprometida com as demandas da classe trabalhadora. A fim de compreender essas dimensões, elucidamos de maneira breve a particularidade de cada uma delas, para então, entendermos como se articulam no agir profissional. Portanto, inicialmente, precisamos tratar da desmistificação do “falso dilema” de que “na prática a teoria é outra”, conforme verificam Forti e Guerra (2009), uma vez que muitos profissio- nais utilizam esse jargão ao se defrontarem com as condições objetivas do cotidiano profissional, com os processos de trabalho definidos pelas instituições requisitantes do seu trabalho, bem como pelo fato de que são esses empregadores que detêm a maior parte dos instrumentos necessários à prática do assistente social. De acordo com Guerra (2012), o dia a dia da atuação profissional é permeado por cobranças e exigências de que o assistente social cumpra regras orientadas por seus superiores hierárquicos e dê respostas às suas solicitações. Assim, tendo em vista a condição de trabalhador desse pro- – 39 – Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social fissional, que, como qualquer outro, tem necessidades de manutenção do emprego para garantir a sua sobrevivência humana, um dos seus objetivos acaba por ser o de atender às demandas institucionais, incorrendo em res- postas imediatas, baseadas na aparência e não na essência, além de, muitas vezes, estabelecer semelhanças entre uma situação e outra ou utilizando experiências passadas, como se todas as situações fossem iguais. No contexto explicitado acima, ao agir de maneira imediata e irre- fletida, o assistente social atua como quem desconhece a dinâmica das relações sociais na sociedade capitalista e não faz uso da mediação em seu agir profissional, a qual lhe permite ultrapassar a aparência dos fenômenos sociais, além de analisar a singularidade, a universalidade e a particulari- dade das relações sociais (tema que será aprofundado no capítulo 3), que possibilita construir respostas concretas e competentes, conforme eviden- cia o Projeto Ético-Político da profissão. Além disso, uma atuação que prioriza apenas responder às necessi- dades do empregador demonstra um agir profissional descomprometido com tal projeto, ao passo que não reflete prioritariamente as demandas da classe trabalhadora, muito menos compreende o compromisso e a capaci- dade do assistente social em colaborar com a construção de processos que apontem para a construção de uma nova ordem social. Dessa maneira, em uma prática dissociada dos fundamentos da pro- fissão, a dimensão técnico-operativa aparece como a mais adequada a ser utilizada pelo assistente social ou, ainda, a única possível, disponível e necessária. Contudo, como nos aponta Guerra (2012, p. 7), “reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico-instrumental significa tornar o Serviço Social meio para o alcance de quaisquer finalidades”. Isso significa dizer que essa é uma atuação que age apenas na ime- diaticidade da prática para atender às requisições exigidas pelo empre- gador. Assim sendo, conclui-se que, nesse contexto, o assistente social é tomado pela alienação do trabalho, ao passo que não reflete a sua con- dição de trabalhador assalariado, e seu agir será exclusivamente direcio- nado para fortalecer as relações de produção e reprodução na sociedade capitalista, deixando de lado o seu potencial de pensamento crítico e de atuação dialética. Instrumentalidade do Serviço Social – 40 – Essa análise reduz a capacidade de atuação profissional, ignora a sua relativa autonomia, a existência de condições subjetivas ao trabalho do assistente social, além de não se fazer perceber a importância do acervo teórico e ético constitutivos do significado social da profissão. Durante o processo formativo, um dos maiores anseios dos estudan- tes de Serviço Social é conhecer e ter acesso aos instrumentos e técni- cas utilizados na prática profissional, como se estes, sozinhos, fossem garantir e efetivar a atuação do assistente social. Contudo, como já elu- cidado, a dimensão técnico-operativa expande as técnicas e instrumentos, incluindo, conforme Backx, Filho e Santos (2013), as ações, as estratégias e os mecanismos utilizados pelo profissional. Dessa maneira, a catego- ria trabalho demonstra-se, mais uma vez, discussão imprescindível para a compreensão da atuação do assistente social comprometida com o projeto da profissão, pois é o entendimento da capacidade teleológica exclusiva aos seres humanos que nos permite apreender a finalidade articulada na ação profissional. Além disso, torna-se necessário que os profissionais tenham cada vez mais clareza da importância de se articular a teoria e a prática, pois o pro- cesso formativo (sala de aula e campo de estágio) é o primeiro momento em que se pode apreender a conexão dessas categorias, abandonando o tratamento individualizado e hierarquizado que algumas vezes é dado às dimensões da profissão, demonstrando a inseparabilidade dessas compe- tências, e inserindo esse debate no interior das discussões profissionais. Esse é um dos caminhos que possibilita a formação de um profissional qualificado e competente a atuar nas refrações da questão social. Para que o exercício profissional esteja dotado de racionalidade e finalidades objetivas, o aperfeiçoamento profissional é imprescindível, a fim de aprimorar: a) a investigação – ao analisar a totalidade das relações sociais; b) a qualificação da intervenção profissional – tendo em vista que os instrumentos e técnicas não devem ser utilizados indiscrimi- nadamente e, sim, a partir de escolhas conscientes; c) o entendimento social da profissão – visando ao cumprimento das diretrizes do Projeto Ético-Político, focando na emanci- – 41 – Articulando as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do serviço social pação dos sujeitos e na superação das desigualdades da socie- dade capitalista. Nesse sentido, Sousa (2008, p. 122) elucida que “investigação e inter- venção, pesquisa e ação, ciência e técnica não devem ser encaradas como dimensões separadas – pois isso pode gerar uma inserção desqualificada do assistente social no mercado de trabalho [...]”. Ainda segundo o autor, o aprimoramento intelectual do assistente social deve ser contínuo e não apenas no processo formativo e acadêmico, pois é esta qualificação que irá garantir a manutenção do profissional no mercado de trabalho, bem como possibilitar mudanças no cotidiano dos usuários do serviço e na prática do Serviço Social. A premissa abordada no parágrafo anterior está posta como um dos princípios fundamentais do Código de Ética do Assistente Social, o qual prevê, também, a existência da qualificação a fim de estabelecer e garantir o compromisso com a qualidade das respostas profissionais às demandas da população e a eficácia dos serviços prestados aos trabalhadores.
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