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INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA: APLICAÇÃO PASTORAL Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu. Introdução à Psicologia: Aplicação Pastoral. Carlos Tadeu Grzybowski. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. 241 p. “Graduação - EaD”. 1. Psicologia. 2. Pastoral. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 260 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Executiva de Ensino Janes Fidelis Tomelin Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Minco� Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Supervisão do Núcleo de Prod. de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Coordenador de Conteúdo Roney de Carvalho Luiz Designer Educacional Ana Claudia Salvadego Iconografia Isabela Soares Silva Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa André Morais de Freitas Editoração Kleber Ribeiro da Silva Qualidade Textual Priscila Sousa, Cíntia Prezoto Ferreira Ilustração Marta Kakitani Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além dis- so, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski Possui doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Paraná (2009); mestrado pela Universidade Federal do Paraná (2001); e graduação em Psicologia, pela Universidade Federal do Paraná (1981). Atualmente é sócio-diretor do Instituto Phileo de Psicologia, coordenador e professor de cursos de pós-graduação da Faculdade Luterana de Teologia (Terapia Familiar e Aconselhamento Pastoral Familiar); presidente da Associação Brasileira de Assessoramento e Pastoral da Família - EIRENE do Brasil; e docente convidado das seguintes instituições: Instituto de Aconselhamento e Terapia do Sentido do Ser; Centro Evangélico de Missões; Faculdade Teológica Sul Americana. É membro pleno do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos e escritor de vários livros. Foi o criador do personagem infantil Smilingüido. http://lattes.cnpq.br/5398648892073626 SEJA BEM-VINDO(A)! Estimado(a) aluno(a), seja muito bem-vindo! Um livro é como uma viagem, a cada nova curva desvendamos paisagens novas. Algumas nos marcam para sempre, outras pas- sam despercebidas em um primeiro momento, mas depois são relembradas com sauda- de. É nesse espírito que te convido a percorrer as páginas deste livro: como se estivesse iniciando uma viagem, na qual serei seu “guia turístico”, procurando chamar a atenção para pontos que julgo relevantes e repassando informações que contribuirão para seu crescimento acadêmico e pessoal. Um livro de “Introdução à Psicologia: Aplicação Pastoral” é um trabalho que ajudará você a compreender melhor alguns aspectos gerais da ciência psicológica e, especialmente neste caso, sua aplicabilidade à tarefa pastoral. Talvez uma primeira coisa a desmistificar, quando iniciamos a caminhada pelas pági- nas deste livro, é que não se trata de um manual de autoajuda. Quando iniciamos um estudo no campo da psicologia, possivelmente nos perguntamos se tal estudo é capaz de ajudar-nos em nossas dificuldades pessoais e relacionamentos interpessoais ou se estaremos mais capacitados para nos conhecer melhor e também aos demais etc. Com certeza, ao percorrer as páginas deste livro, você será capaz de identificar muitas situações pelas quais já tenha passado, bem como entender melhor alguns comporta- mentos que você tenha observado em si mesmo ou nos outros. Contudo, há uma dife- rença muito grande entre um conhecimento teórico e a aplicação deste conhecimento na mudança do próprio comportamento ou do outro. A intenção com as páginas que seguem neste livro não é de torná-lo um psicólogo ou um expert em comportamento humano, mas de contribuir com a ampliaçãode seu co- nhecimento sobre a ciência psicológica e o que ela tem a dizer sobre o comportamento humano, de forma a poder conciliar este conhecimento com a tarefa pastoral no cuida- do integral à pessoa humana. Na primeira Unidade, falaremos sobre a ciência psicológica, em que veremos um pouco de sua história, alguns de seus principais personagens e suas contribuições mais signifi- cativas, especialmente, a inteface com a Teologia. Na segunda Unidade, estudaremos alguns conceitos das Escolas Psicológicas Clássicas, como a Psicanálise, o Behaviorismo e o Humanismo, enfatizando, especialmente, como estas escolas influenciaram o que se conhece hoje como o Movimento de Aconselha- mento Pastoral. Na terceira unidade, resumiremos os principais conceitos da psicologia, tais como: as percepções, as emoções, a motivação humana, a aprendizagem, a inteligência e a per- sonalidade – procurando explanar a utilidade de cada um destes conceitos na prática pastoral. A quarta unidade é um convite ao novo, pois nessa unidade discorreremos especial- mente sobre o entrelaçamento entre a psicologia e a teologia, o qual denominamos de APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA: APLICAÇÃO PASTORAL Psicoteologia e veremos, também, como o Pensamento Sistêmico lança uma nova perspectiva para a leitura da espiritualidade da pessoa humana e como essa nova concepção da realidade se aplica na prática pastoral. Por fim, e certamente indispensável, a quinta Unidade irá discorrer sobre a apli- cação prática dos conceitos teóricos estudados, bem como as possibilidades e as limitações da tarefa pastoral, abordando o tema de Posturas no Aconselhamento e Capelania. Espero que esta apresentação inicial tenha sido motivadora o suficiente para você iniciar esta fascinante caminhada pelas trilhas da ciência psicológica. Lembrando a você, estimado(a) aluno(a), o livro do famoso educador Paulo Freire, que “o caminho se faz caminhando”, ou seja, nada vem pronto e o protagonista principal de toda aquisição de conhecimento é você! E que a aventura fascinante de percorrer as páginas deste livro, mas que didática, possa ser uma experiência de descobrimento da obra máxima da criação de Deus – o ser humano, portador da “Imago Dei”. APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA 15 Introdução 16 Definição de Psicologia 17 A Etapa Empírica e sua Conexão com a Filosofia Grega 21 A Etapa Pré-Científica e suas Principais Teorias 24 A Etapa Científica e as Primeiras Escolas 30 A Divisão da Psicologia Moderna 35 Os Ramos da Psicologia Moderna 43 Considerações Finais 50 Referências 53 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE II AS ESCOLAS CLÁSSICAS DE PSICOLOGIA E SUA INFLUÊNCIA NO MOVIMENTO DE ACONSELHAMENTO PASTORAL 57 Introdução 58 O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos 69 A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos 83 O Gestaltismo 91 A Psicologia Humanista 94 Considerações Finais 103 Referências 106 Gabarito UNIDADE III OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL 109 Introdução 110 A Percepção Humana 119 A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas 128 O Afeto e as Emoções 136 A Memória e a Aprendizagem 145 A Inteligência e a Personalidade 154 Considerações Finais 162 Referências 165 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE IV A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL 169 Introdução 170 A Psicoteologia e a Perspectiva Sistêmica na Psicologia Pastoral 171 O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências 192 Teologia, Ciência e Abordagens Epistemológicas 196 Novos Paradigmas para Novos Tempos 197 Considerações Finais 204 Referências 207 Gabarito UNIDADE V POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA 211 Introdução 212 O Movimento de Aconselhamento Pastoral 224 Onde a Psicologia e a Teologia se Encontram 230 Considerações Finais 238 Referências 240 Gabarito 241 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Objetivos de Aprendizagem ■ Conceituar psicologia. ■ Compreender a relação entre a psicologia e a filosofia. ■ Conhecer as duas escolas da etapa pré-científica da psicologia. ■ Familiarizar-se com as principais escolas que deram início à etapa científica da psicologia. ■ Entender os quatro grandes grupos da psicologia moderna. ■ Saber quais as principais áreas de atuação do psicólogo hoje. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Definição de psicologia ■ A etapa Empírica e sua conexão com a filosofia grega ■ A etapa pré-científica e suas principais teorias ■ A etapa científica e as primeiras escolas ■ A divisão da psicologia moderna ■ Os ramos da psicologia moderna INTRODUÇÃO Então, pronto para começar a viagem? Nesta primeira Unidade, vamos passear pela Antiguidade, visitando os filó- sofos gregos e vendo o quanto eles influenciaram a psicologia ao tentar descrever como as pessoas se comportavam. Apesar de se basearem exclusivamente na observação, trouxeram algumas contribuições importantes que perduraram ao longo da Idade Média, e até hoje alguns leigos se apegam a certos conceitos ela- borados nessa época para tentar explicar o comportamento humano. Em seguida, nossa viagem tem uma rápida passagem pela Idade Média, na qual a psicologia e a teologia andavam totalmente mescladas e quase toda a explicação da conduta têm um viés metafísico. O centro de toda a busca de entendimento do comportamento era o entendimento da alma! A grande mudança na paisagem acontece a partir do Iluminismo, com a separação radical entre ciência e igreja, e com os primeiros intentos daqueles que se preocupavam em entender o comportamento humano, de oferecerem expli- cações à conduta desvinculadas da teologia e da metafísica, mas ainda sem um corpo teórico que desse base a estas tentativas. Finalmente, chegaremos chegar ao final desta primeira etapa de nossa via- gem procurando contemplar a chegada da psicologia ao reconhecimento de uma ciência reconhecida, por meio da criação de um laboratório científico para executar experimentos que dessem validade acadêmica a este ramo da ciência. Nesta época, surgem as duas primeiras escolas de psicologia: o Estruturalismo e o Funcionalismo, sobre as quais discorreremos brevemente. Ao longo do caminho, ofereço a você a oportunidade de refletir sobre como esse desenvolvimento histórico tem seu impacto hoje na forma de agir e pensar do homem do século XXI. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 DEFINIÇÃO DE PSICOLOGIA Pode-se dizer que a história da psicologia é quase tão antiga quanto a história da humanidade, ou melhor, a história da ciência. Tal como aconteceu com muitas ciências contemporâneas, foi na Grécia Antiga, e atrelada à filosofia, que nas- cem os primeiros intentos de se fazer psicologia. A própria palavra Psicologia vem do grego, que é a união de dois termos: Psiché, que significa alma, e Logos, que significa estudo. A psicologia surge como o intento de se compreender a alma humana e por isso está originalmente atre- lada à filosofia e à teologia (MESQUITA; DUARTE, 1996). Desde o princípio da história, o homem tem se preocupado em conhecer e compreender a si mesmo. Sócrates, filósofo grego, disse uma frase há 400 anos antes de Cristo: “Conhece-te a ti mesmo”. Existem escritos an teriores a Sócrates que já revelam tal preocupação. A Bíblia é um livro que contém muitas narra- tivas na qual se colocam questões de caráter psico lógico, como, por exemplo, o livro de Jóe os Salmos. A Etapa Empírica e sua Conexão com a Filosofia Grega Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 Apesar da preocupação em conhecer e compreender os aspectos psíquicos da vida do homem ser muito antiga, a Psicologia como ciência tem se de sen- volvido mais intensamente nos últimos 100 anos. Por esta razão, dividiremos a história da Psicologia em três etapas: a etapa empírica, a etapa pré-científica e a etapa científica. A ETAPA EMPÍRICA E SUA CONEXÃO COM A FILOSOFIA GREGA A Etapa Empírica começa na Grécia Antiga e se estende até o final da Idade Média. Os conhecimentos desta época são desordenados e baseados em experiências pessoais ou observações do mundo ao redor, que era dividido em um mundo material e uma realidade não material – a esta última categoria pertencia a alma! A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Esse conceito de “alma” na Grécia Antiga era bastante diferente dos concei- tos teológicos modernos que se referem a esse termo. Por exemplo: falava-se em “alma das plantas” e “alma dos animais” – sem a conotação “religiosa” do termo. Desta época vem um dos primeiros intentos de explicar as formas diferentes de comportamento entre as pessoas. Hipócrates viveu na Grécia entre 460 e 370 a.C., é considerado o “Pai da Medicina” (RIBEIRO Jr., 2003). Para ele “O tempe- ramento dependia do equilíbrio de quatro humores básicos no corpo. O acúmulo de algum dos elementos dos humores resultava no predomínio de determinado temperamento” (TEIXEIRA; HASHIMOTO, 2015, on-line). Assim, em virtude do limitado conhecimento de anatomia, Hipócrates acre- ditava que em nosso organismo existiam quatro “líquidos” (ou humores) básicos: o sangue, a fleuma, a bílis amarela (ou cólera) e a bílis negra (ou melanina), que tinham características diferentes. A saber: o sangue seria quente e úmido; a fleuma, fria e úmida; a bílis amarela, quente e seca; e a bílis negra, fria e seca. O predomínio de um destes humores no organismo determinaria o comporta- mento da pessoa: sanguíneo, fleumático, colérico ou melancólico. Embora a teoria dos temperamentos de Hipócrates tenha prevalecido como explicação do comportamento por toda a Antiguidade e boa parte da Idade Média, com o conhecimento científico atual, esta explicação tornou-se obso- leta. Segundo Fernandes (2015, on-line), é uma teoria que hoje poderia receber o adjetivo de “holística”. O ho- mem é estudado como um microcosmo, com a mesma constituição e é regido por leis semelhantes ao do universo do qual faz parte. Estabelece um paralelo entre a constituição e funcionamento do corpo humano com a natureza ao redor e procura entender os fenômenos de forma integrada e universal. Os filósofos da escola pitagórica concebiam o mundo formado por quatro elementos: terra, ar, fogo e água, dotados de quatro qualidades, opostas aos pares: quente e frio, seco e úmido. A transposição da composição quaternária do mundo para a fisiologia originou a teoria humoral. (...) Tamanha era a tendência à universali- zação, que havia correlação também entre as quatro fases da vida e as quatro estações do ano. A Etapa Empírica e sua Conexão com a Filosofia Grega Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 Essas correspondências podem ser visualizadas no quadro a seguir: Quadro 1 - Temperamentos e sua correspondência com os elementos da natureza ELEMENTOS QUALIDADES HUMORES IDADES ESTAÇÕES TEMPERAMENTOS Ar Quente e Úmido Sangue Infância Primavera Sanguíneo Fogo Quente e Seco Bile amarela Juventude Verão Biloso/Colérico Terra Fria e Seca Bile Negra Maturidade Outono Melancólico Água Fria e Úmida Fleuma Velhice Inverno Fleumãtico Fonte: Fernandes (2015, on-line). Com certeza, muitos devem conhecer um livro do final do século XX intitulado “Temperamento Controlado pelo Espírito” (LAHAYE, 1974), que utilizou a teoria de Hipócrates para identificar personagens bíblicos e que influencia até hoje no aconselhamento pastoral de muitos sacerdotes. Entretanto, a teoria que baseia o livro de LaHaye já foi desacreditada nos meios científicos há séculos (mesmo por- que faz parte da etapa empírica da psicologia), mas, por desconhecimento, muitos acreditam que a ideia que somos governados por temperamentos é verdadeira. Compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se au- toexaminar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre seres humanos. (Edgar Morin) A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 Na Idade Média, falava-se bastante de “alma”, porém com uma conotação bem distinta da utilizada pelos filósofos gregos. Nessa época, destacam-se os traba- lhos de Agostinho (354-430 d.C.), que utilizou muito a introspecção para indagar a vida interior e expressá-la em palavras. Assim, a chamada Psicologia, nessa época, é apenas um departamento da Filoso fia e da Teologia. A ênfase de Agostinho é na memória como atividade psíquica. Ele se indaga sobre os vestígios que as imagens deixam na alma. Explicita as bases da introspecção, do exame de consciência. Faz uma versão da trilogia de Cícero, propondo a tríade: memória, vontade e inteligência (SMOLKA, 2000, p. 181). Podemos dizer que, ao terminar a Idade Média, conclui-se também a etapa empí- rica da Psicologia e, a partir do Renascimento, surge a inquietude por encontrar causas racionais dos fenômenos. Começam a se desenvolver os métodos cientí- ficos. Entramos na etapa pré-científica da Psicologia. No Brasil, a psicologia aparecia, nesta época, em obras de outras áreas, tais como a teologia, a moral, a arquitetura, a medicina, a política e até mesmo a arquitetura. Os autores são na maioria brasileiros ou portugueses que vive- ram a maior parte de suas vidas no Brasil e, em geral, têm formação jesuítica, cursaram universidade na Europa (a maior parte em Coimbra) e exerciam a vida religiosa (jesuítas). Nessas obras, os temas predominantes são sobre emoções, sentidos, autoconhecimento, educação de crianças e jovens, ca- racterísticas do sexo feminino, trabalho, adaptação ao ambiente, processos psicológicos, diferenças raciais, aculturação e técnicas de persuasão de “sel- vagens”, controle político e aplicação do conhecimento psicológico à prática médica. Fonte: Antunes (2014). A Etapa Pré-Científica e suas Principais Teorias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 A ETAPA PRÉ-CIENTÍFICA E SUAS PRINCIPAIS TEORIAS A Etapa Pré-científica é assim denominada, pois nela suspeita-se da possibili- dade de observar objetivamente e medir os fenômenos psíquicos. Nesta etapa, se iniciam os intentos de explicar estes fenômenos de forma racional e de siste- matizar os conhecimentos psicológicos. O interesse dos pesquisadores nesta área foi gradativamente da alma para o novo conceito que surgia: a mente. Passaram a se perguntar no que consistiam os processos mentais em invés de especular sobre as funções da alma. Chegou-se a falar em uma “Psicologia sem alma”, contudo isto não negava nem afirmava a existência da alma, mas sustentava que o estudo da mesma estava fora do campo da Psicologia e devia ser estudada pela Filosofia e Metafísica. Nesta etapa surgem duas teorias que se propõem a estudar o funcionamento da mente humana: a Teoria das Associações e a Teoria das Faculdades. A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penale Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 TEORIA DAS ASSOCIAÇÕES Em 1651, Hobbes antecipa algumas ideias a respeito da Teoria das Associações, afirmando que elas provêm de experiências sensoriais. Podemos afirmar que a teoria associacionista é precursora do comportamentalismo ou behaviorismo. O termo Associacionismo origina-se da concepção de que a aprendizagem se dá por um processo de associação de ideias. Essa teoria procurava explicar a atividade mental como o produto da associa- ção (união) de elementos psíquicos simples que formavam fenômenos psíquicos mais complexos. Considerava-se que a vida mental (ou consciência) era uma espécie de quebra-cabeças ou mosaico de elementos simples que entram pelos sentidos e que estão unidos de forma rígida e mecânica. As características indi- viduais são determinadas por fatores externos ao indivíduo. Nesta abordagem, desenvolvimento e aprendizagem se confundem e ocorrem simultaneamente (MORA, 1994). TEORIA DAS FACULDADES Atribui-se à Franz Joseph Gall a Teoria das Faculdades. Segundo Sabbatini (1997, on-line), gall estudou medicina em Viena, e se tornou um renomado neuroana- tomista e fisiologista. Ele foi pioneiro no estudo da localização das fun- ções mentais no cérebro. Por volta de 1800, ele desenvolveu a “cranios- copia”, um método para adivinhar a personalidade e desenvolvimentos das faculdades mentais e morais com base na forma externa do crânio. Cranioscopia (cranium = crânio, scopos = visão) foi posteriormente re- nomeada como frenologia (phrenos = mente, logos = estudo) por seus seguidores. Essa teoria sustentava que a mente estava dividida em compartimentos ou seções e que cada uma destas teria uma função definida. Supunha-se que as principais faculdades da mente eram: o pensamento, o sentimento e a vontade. Essas três principais faculdades logo foram divididas em sub-faculdades. Alguns, A Etapa Pré-Científica e suas Principais Teorias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 inclusive, chegaram a crer que era possível encontrar no cérebro o lugar preciso dos centros destas faculdades. Posteriormente, alguns cientistas ficaram muito insatisfeitos com esta teoria, pois a mesma não explicava nada a respeito da ati- vidade mental, se limitando apenas a fazer uma mera classificação da mente. Pesquisadores insatisfeitos com estas duas teorias despertaram para a ideia de não somente observar, explicar racionalmente e sistematizar os fenômenos psí- quicos, mas também os medir por meio de instrumentos e fazer experiências em laboratórios. É quando surge, na história da Psicologia, a época científica. Existe uma ideia corrente nos meios cristãos de que a mente do homem ain- da funciona como propunha Gall, em compartimentos (ou caixinhas), sendo a principal delas a “caixinha do nada”, na qual o homem se retira quando está com problemas. Entendendo a Teoria das Faculdades, você acredita que ain- da é possível sustentar essa ideia? A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 A ETAPA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS A etapa científica na psicologia é resultado da busca de afastar cada vez mais a psicologia da filosofia e da metafísica para torná-la uma ciência autônoma, com seus parâmetros validados pelo mundo científico. Isso vem no rastro de todo o movimento Iluminista, que proclamava a razão como a única forma de acesso à verdade. As propostas de Descartes (“penso, logo existo”) e seus seguidores tiveram, na física mecânica de Newton, o elemento validador da objetividade na ciência. “De fato, Descartes parece ter sido a influ- ência crucial para que Newton se voltasse para a filosofia mecânica” (BARBATTI, 1997, p. 2). Newton, por meio das fórmulas da sua física mecânica, passa a descrever a realidade em termos numéricos e racionais, não necessitando de explicações subjetivas para o funcionamento do universo, transformando em leis da física, o que anteriormente eram fenômenos atribuídos à metafísica. De certa forma, é a partir da física mecânica de Newton que acontece a definitiva separação da Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight PENSAMENTO CARTESIANO (RENÊ DESCARTES) A Etapa Científica e as Primeiras Escolas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 ciência e religião, pois com as fórmulas matemáticas de Newton não era neces- sária nenhuma outra explicação de cunho sobrenatural para os fenômenos da realidade. O “mundo cartesiano” é concebido sempre como algo eterno e bem ordenado, sendo regido por leis simples e imutáveis, o que leva o pesquisador a conside- rá-lo cognoscível, desde que abordado de forma racional. Assim, a eleição das situações estáveis tem sido o caminho do desenvolvimento e do “progresso” científico, sempre com o objetivo de encontrar um princípio explicativo deco- dificador da realidade. Estas situações estáveis seriam, então, fragmentadas em múltiplas partes para serem objetos de análise – termo utilizado por Descartes (1970) como oposição à síntese. No sentido cartesiano, conhecer implicava necessariamente uma etapa inicial de fragmentação (para ser mais claro de destruição) da coisa a ser transformada em objeto de conhecimento. Este seria o preço mí- nimo que se deveria pagar para ascender ao conhecimento racional. Então o princípio da parcimônia, no sentido da simplificação reducio- nista, validaria os modelos explicativos do novo modo de produção de conhecimento – pois o conhecer reduzia o agora objeto aos seus com- ponentes elementares (ALMEIDA FILHO, 2005, p. 32). Assim, este mundo passa a ser “dominado” e descrito por um observador externo a ele e que não pertence ou está inserido no mesmo, o qual tem uma visão abran- gente e capaz de discernir – a partir de sua objetividade – o que é real e o que é ilusório, ou seja, o que faz parte da realidade objetiva externa e o que faz parte da realidade subjetiva interna. Desta forma, o caráter de ‘cientificidade’ é direta- mente proporcional à eliminação do observador. Contudo, o modelo ideal que uma ciência “objetiva” comporta é aquele no qual só se podem variar os fatores um de cada vez, ou seja, os sistemas intrinsecamente simples, evitando os siste- mas complexos, os quais não permitem a variação de apenas um fator de cada vez. Para atingir seus objetivos últimos de modificação da natureza, de do- minação de um mundo que seja manejável, a ciência depende da com- preensão da realidade dessa natureza – distinta do próprio cientista –, compreensão tornada possível pela descoberta dos princípios explicati- vos ou leis naturais (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 37). Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 Pesquisadores no campo da Psicologia, como muitos pesquisadores nas demais áreas das ciências, procuraram utilizar o paradigma cartesiano para a formula- ção de seus postulados. Um destes pesquisadores chamava-se Wilhelm Wundt, que trabalhava na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Em 1879, ele funda o primeiro labora- tório de pesquisas em psicologia, que recebe o nome de Psychologische Institut. Segundo Mazin (2016, on-line): [...] após já instalado em Leipzig, Wundt monta um laboratório de psi- cologia experimental e lança a revista Philosophical Studies, sendo essa uma publicação oficial do seu novo laboratório e da “nova ciência”. É importante destacar que esse não foi o primeiro laboratório de psicolo-gia experimental, tão pouco Wundt foi o precursor desses estudos. Ele já havia instalado um laboratório para conduzir seus estudos iniciais em Heidelberg antes de se mudar para Leipzig e, em relação aos estudos da nova psicologia, foi Fechner com sua obra sobre a psicofísica que ini- ciou os estudos em psicologia experimental, da qual Wundt teve conta- to. Porém, Wundt é tido como pai da psicologia moderna pelo fato de ter sido o promotor dessa nova psicologia. Foi ele quem a transformou em disciplina formal acadêmica e, por isso, merece todo o mérito. Wundt estabelece métodos e uma teoria para embasar suas pesquisas, além de transformar seu laboratório em um centro internacional de formação de psicó- logos. Por esta razão, ele é considerado o “Pai da Psicologia Moderna”. Para Wundt, não era possível estudar os fenômenos mentais mais profundos, tais como o pensamento, somente por meio da introspecção porque, segundo Wundt, “a mente não pode voltar-se sobre si mesma e estudar aquilo de que ela mesma é produto” (MOURA, 2008, on-line). Desta forma, ele desenvolve méto- dos para estudar os processos sensoriais básicos em laboratório. No começo, ele fez isso estudando o tempo de reação – sistematicamente mudando os estímu- los que ele apresentava aos participantes e medindo quanto tempo eles levavam para responder –, inferindo que, se fosse necessário mais tempo para respon- der, mais processos mentais deveriam estar envolvidos. Infelizmente, o trabalho de Wundt não teve uma continuidade e, apesar de ser considerado o pai da psicologia moderna, sua influência sobre a psicologia do século XX foi mínima. Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight A Etapa Científica e as Primeiras Escolas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 A psicologia do século XX não foi wundtiana em suas feições gerais simplesmente porque o projeto psicológico de Wundt não foi levado adiante e tomado como base para futuras investigações, mas sim mu- tilado e adaptado a interesses específicos bem diversos de cada um dos seus estudantes. Ele não deixou discípulos e nem chegou a fundar uma escola de psicologia propriamente dita. Em outras palavras, o sistema de Wundt como um todo não foi nem discutido nem refuta- do pelos psicólogos do século XX, mas simplesmente abandonado e esquecido (ARAUJO, 2009, p. 14). Por outro lado, a observação e a experimentação estimularam o desenvolvi- mento de várias escolas de Psicologia, sendo que muitas delas tiveram pontos de vista distintos e até contraditórios. Estas contradições serviram para o aprofundamento dos estudos e para ir corrigindo os erros. As principais esco- las que surgem neste período são: O Estruturalismo; O Funcionalismo; O Conducionismo; O Gestaltismo e a Psicanálise. O ESTRUTURALISMO O Estruturalismo sustentava que o principal papel do psicólogo era explorar a estrutura da consciência e de formular as leis e os princípios de sua formação. Preocupava-se em elaborar uma ciência “pura”, sem interessar-se pelas aplica- ções práticas. Procuravam responder as perguntas: o que é a consciência e a mente humana? Como estão estruturadas? Quais são suas leis? Os estruturalis- tas procuravam os elementos mentais nos quais eles esperavam analisar todos os conteúdos mentais (LEONARDI, 2011). Puseram ênfase no estudo das sensações como o ponto de partida de seus experimentos. O método que mais usaram foi a introspecção. Treinavam uma pessoa para descrever o mais objetivamente possível o que ela experimentava em conexão com certo estímulo. Esperava-se que, desta maneira, o conteúdo mental de uma experiência poderia ser reconstruído a partir das sensações elementares. Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 Muitos teóricos consideram Wundt como o criador do Estruturalismo, porém foi um de seus discípulos, Titchener, quem realmente enfatiza a questão dos ele- mentos estruturais para o estudo da psicologia. Contudo, como ele traduziu as obras de Wundt para o inglês, ao divulgar suas ideias e reconhecer a influência da Wundt sobre sua obra, muitos historiadores da psicologia atribuíram a este último as teorias do estruturalismo. A teorização acerca dos elementos da experiência consciente imediata levou à visão distorcida de que Wundt seria o fundador da escola estrutu- ralista. Tal concepção foi perpetuada por E. B. Titchener que, ao traduzir textos de Wundt para o inglês, alterou o sistema deste para fazê-lo compa- tível ao seu. Na verdade, os sistemas de Wundt e de Titchener são diferen- tes, sendo a designação estruturalista apropriada apenas para a Psicologia do último (para uma análise comparativa entre os sistemas de Wundt e de Titchener, ver Leahy, 1981). A distorção no sistema Wundtiano foi propagada por E. G. Boring, aluno de Titchener, que escreveu o livro A History of Experimental Psychology (Boring, 1950), a principal referência na formação de várias gerações de psicólogos (LEONARDI, 2011, p. 6). O FUNCIONALISMO Por sua vez, o Funcionalismo surge nos Estados Unidos, logo após à chegada do Estruturalismo. Alguns psicólogos começaram a questionar se a Psicologia devia restringir-se aos laboratórios ou deveria ser aplicada para a satisfação das múlti- plas necessidades humanas. Ao invés de perguntarem: “o que é a consciência?” ou “o que são os estados mentais?” como faziam os estruturalistas, os funciona- listas perguntavam: “Para que serve a consciência?” ou “Para que são os estados mentais?” “Qual é seu propósito ou função?” Utilizaram não só a introspecção, mas também a observação da conduta como método de trabalho. O ponto central do funcionalismo americano foi a proposição de que a psicologia não tem como objetivo primário a descoberta dos elementos da experiência, como postulava o Estruturalismo, mas a adapta- ção dos seres humanos ao seu meio. Afirmava que a função da nossa consciência é guiar-nos aos fins necessários para a sobrevivência. A consciência é vital para as necessidades das pessoas em um ambiente complexo (BARRETO, 2008). A Etapa Científica e as Primeiras Escolas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 Dois nomes de destaque fazem parte desta escola: William James, que escre- veu uma das obras clássicas sobre o estruturalismo e desenvolveu a Psicologia da Religião, e John Dewey, que influenciou de forma decisiva nos sistema edu- cacional norte-americano. James sustentava que o significado das ideias está no plano das consequências e se não houver efeitos, as ideias não têm sentido. Com isso, ele fazia uma crítica a toda a metafísica, pois, para ele, seus postulados não podiam ser comprovados. Ele questiona a existência de Deus, a imortalidade da alma, o livre-arbítrio e os valores éticos. Escreveu dois livros importantes sobre o assunto: “A imortalidade humana” (1898) e “As variedades da experiência religiosa” (1902). Estas escolas que deram início à etapa científica da psicologia já delinea- vam o comportamento da evolução desta ciência nas décadas seguintes e até os dias de hoje. Teorias sobre o comportamento humano se opõem e até disputam a primazia sobre quem melhor consegue descrever esse complexo ser que cha- mamos de “humano”. O fato de que o projeto de James tenha firmado as bases do funcionalis- mo psicológico e preparado, desse modo, o caminho para o desenvol- vimento posterior do behaviorismo, não foi, contudo, suficiente para conferir unidade à psicologia. O século XX assistiu a uma proliferação de tradições de pensamento psicológico em outras regiões do planeta, como, por exemplo, a psicologia da Gestalt, o construtivismo,a psico- logia sócio histórica, as diversas tradições de psicologia social, a psi- cologia cognitiva contemporânea, a psicologia narrativa, a psicologia pós-moderna, a psicologia chinesa (ABIB, 2009, p. 205). As escolas de psicologia que se estruturaram a partir de então tiveram, como citado, a base do pensamento cartesiano, entendido como a forma “correta” de se fazer ciência. O pensamento cartesiano apoia-se na ideia de causalidade, ou seja, para todo efeito há uma causa. Assim, a psicologia busca também se cons- truir sobre esse modelo, mesmo as escolas que parecem ser mais antagônicas – como o behaviorismo e a psicanálise, por exemplo – têm em sua estrutura o modelo causal linear. A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Sobre as escolas de psicologia que criaram um impacto no pensamento do século XX e XXI, pretende-se discorrer na próxima unidade e, especialmente na unidade V, discorrer sobre uma nova forma de pensar a realidade, que não se enquadra no modelo linear de causa-efeito, que é o modelo sistêmico. A DIVISÃO DA PSICOLOGIA MODERNA Entretanto, antes disso, quero convidar você a uma reflexão sobre como podemos classificar hoje as correntes da psicologia moderna. Primeiramente, você pode estar perguntando: Porque a Psicologia é tão fragmentada em tantas escolas se, como ciên- cia, tem que basear-se em fatos objetivos? O paradigma da modernidade vem se revelando insuficiente devido à com- partimentação do conhecimento. No estudo do ser humano, o homem é estudado no departamento de biologia, como um ser anatômico, fisiológico e também é estudado nos diversos departamentos das ciências humanas e sociais. Estuda-se o cérebro como órgão biológico e estuda-se o espírito como função ou realidade psicológica. Cada qual com um quadro conceitu- al específico e diferenciado. A simples soma desses estudos especializados não nos diz o que é homem. O homem não é simplesmente a soma das partes estudadas pelas disciplinas singulares. Na relação das partes com o todo, a articulação é que faz a diferença. Fonte: Santos (2005). A Divisão da Psicologia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 A resposta é pelo simples fato de que a interpretação dos fatos depende do ponto de vista de cada psicólogo. O trabalho do psicólogo está influenciado e até determinado por sua própria concepção do mundo, por sua maneira de abordar a vida, pelo marco de referência conceitual que usa, enfim, por sua cosmovisão. Desta forma, é preciso reconhecer que na construção da psicologia enquanto ciência, não é possível uma neutralidade absoluta – como querem postular alguns –, pois antes devemos entender que tal neutralidade é um mito dentro da ciên- cia (JAPIASSU, 1975). De uma forma geral, podemos afirmar que os pesquisadores em psicologia seguem duas cosmovisões firmadas em filosofias bem definidas e opostas entre si: os idealistas e os materialistas. “De um lado estão os filósofos idealistas, que partem do pressuposto de que o pensamento precede a matéria. De outro lado estão os materialistas, que entendem que a matéria é anterior a todo pensamento” (TEIXEIRA, 2005, p. 23). A discussão que está no centro de toda a problemática dos pressupostos que orientam a construção do saber psicológico é exatamente o problema filo- sófico entre a realidade material e o pensamento. Assim, para se construir uma ciência psicológica todo o pesquisador tem apoio em um fundamento filosófico. As ideologias materialistas predominaram na formação das primeiras escolas de psicologia fortemente influenciadas pelas teorias de Darwin, contemporâ- neas à formação destas escolas. Posteriormente, os pesquisadores desenvolveram outros pressupostos e surgem novas formas de abordagem, que seriam classifi- cadas como humanistas e, mais recentemente, a abordagem relacional lança um olhar sobre a importância dos relacionamentos na construção da subjetividade. Podemos dizer que existem quatro principais grupos psicológicos: os mecani- cistas, os vitalistas, os humanistas e os relacionais. OS MECANICISTAS Esse grupo de pesquisadores afirma que a vida psíquica é um refinamento da matéria. Logo, eles sustentam que todo fenômeno psíquico não é mais que rea- ções químicas, elétricas, físicas e mecânicas do organismo. Estes psicólogos creem que todo acontecimento está determinado por sua causa e que os fatos se ligam A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 uns aos outros como os anéis de uma corrente. Dessa forma, se conhecermos todos os fatores de uma dada situação em um determinado momento, podere- mos prever os resultados. A psicologia a qual eu tentaria construir tomaria como um ponto de partida, primeiro, o fato observável de que organismos, seres humanos e animais, igualmente, de fato, se ajustam ao seu meio ambiente através de equipamentos de hábitos e hereditários. Estes ajustamentos podem ser muito adequados ou tão inadequados que o organismo malmente mantém sua existência; segundo, que certos estímulos levam os orga- nismos a gerar as respostas. Em um sistema de psicologia completa- mente elaborado, dada a resposta o estímulo pode ser previsto; dado o estímulo a resposta pode ser prevista (WATSON, 2008, p. 294). Um dos principais expoentes desse grupo de psicólogos foi John Watson, que dizia que se ele tivesse um grupo de crianças bem formadas e saudáveis para um experi- mento, ele seria capaz de fazer com que cada uma dessas crianças, aleatoriamente, e independente de seus antepassados, raça, talentos ou habilidades, se tornasse um médico, um advogado, um artista ou até mesmo um mendigo ou um ladrão. Watson sustentava que o homem é um mecanismo que pode ser manejado como se queira, bastando se descobrirem os elementos simples de sua conduta e condicioná-los, pois esta depende de causas materiais. OS VITALISTAS Os pesquisadores vitalistas propõem uma concepção anímica da vida. Ao contrário dos mecanicistas, tais psicólogos creem que os fenômenos físicos (ou da matéria) podem ser previstos com exatidão, mas os denominados fenômenos vitais não têm essa previsibilidade. Sustentam que a vida participa de uma natureza única e que possui uma ‘força vital’ (élan vital) que a anima, com propriedades dis- tintas às que atuam na matéria. Essa força vital é, muitas vezes, traduzida como ‘alma’, especialmente dentro da linguagem religiosa (BARBA, 2010). Segundo essa escola de pensamento, o comportamento dos seres vivos não pode ser inteiramente explicado sem que essa força vital seja considerada. Assim, enquanto as forças materiais estão determinadas somente por suas causas, as forças vivas ou orgânicas obedecem não somente a causas, mas também a fins. A Divisão da Psicologia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Este grupo de psicólogos sustenta que este princípio de finalidade é uma pro- priedade adicional que tem a vida, a qual foge à medida e à previsão, de forma que para uma mesma circunstância podem corresponder diferentes modos de con- duta. Este princípio de finalidade passa a ser um fator “X” e transforma-se em um incômodo para as ciências exatas, pois lança por terra os cálculos experimentais. Entretanto, não é possível negá-lo, pois é parte integrante da vida (BARBA, 2010). Linhas de trabalho da psicologia clínica moderna estão estruturadas sobre essa escola de pensamento, dentre as quais podemos citar duas das mais relevan- tes que são a terapia ‘reichiana’ (de Wilhelm Reich) e a terapia bioenergética (de Alexander Lowen), que partem do princípio que a estimulaçãodo corpo (por meio de massagens, exercícios etc.) podem produzir resultados de uma melhora na psique, haja vista que são forças vitais integradas. Terapeutas de ambas as linhas ocupam-se principalmente em liberar as energias sexuais, que para eles são as forças vitais mais significativas. OS HUMANISTAS Os psicólogos humanistas sustentam que não existem somente diferenças entre a matéria e a vida, mas também que existem profundas diferenças entre a vida humana e o restante da vida animal. Para esse grupo de pensadores, a vida humana apresenta características próprias, que não podem ser colocadas ao mesmo nível que as da vida animada em geral. Essa diferença, segundo tais pesquisadores, se dá porque além da catego- ria de causalidade (sustentada pelos mecanicistas) e da categoria de finalidade (sustentada pelos vitalistas), existe na vida humana a categoria dos VALORES, ou seja, o homem não somente está “empurrado” por causas (como seus instin- tos e necessidades) e “guiado” por fins (como viver de acordo com as normas sociais), antes e sobretudo, está orientado por valores (ARAUJO; FREIRE, 2014). Para os humanistas, o ser humano é o único ser na natureza que se pergunta para que vive; qual o propósito de sua vida; qual o sentido de sua existência. Desta forma, segundo essa linha de pensamento, o homem torna-se plenamente humano somente quando chega a ser conscientemente responsável, em outras palavras, quando descobre o propósito de sua vida. A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 Nas palavras de Amatuzzi (1989, p. 89): Sob esse enfoque, o ser humano nos aparece não como resultante de uma série de coisas, mas como, fundamentalmente, o iniciante de uma série de coisas, e os desafios daquilo que ele deve criar não são respondíveis com ex- plicações daquele tipo. O homem só aparece naquilo que ele tem de mais próprio, na questão do sentido, não na questão da causa explicativa. A relação explicativa se refere ao homem como resultado, como repertório, ou como re- cebido, e, portanto, em definitivo, ao homem como passado. Não se refere ao homem atual, ao homem desafiado, ao homem tendo que responder e posi- cionar-se, ao homem presente (face a um futuro). Este homem atual, presente, desafiado, interpelado, em movimento, é o que se encontra face às questões de sentido: estas são as questões presentes, que surpreendem o homem como existente (não apenas como natureza, como diria Merleau-Ponty). OS RELACIONAIS Finalmente, os psicólogos relacionais acreditam que o homem é orientado por valores, como postulam os seguidores do pensamento humanista, mas, além disso, também são constituídos pelos relacionamentos que desenvolvem ao longo da vida. Para estes pensadores, o entendimento da realidade acontece de forma global e sis- têmica, sendo os relacionamentos mais próximos (família ou casamento, por exemplo) os principais responsáveis na construção de determinadas condutas e comporta- mentos das pessoas – a conduta é uma complexa resposta às interações relacionais. O ser humano é compreendido como um sistema cujos componentes e suas relações formam a estrutura. Este sistema é dinâmico e sua estrutura está em contínua mudança de uma maneira determinada em cada instante nela mes- ma. Ao mesmo tempo, o curso que segue esta contínua mudança estrutural é modulado pelas interações do organismo de uma maneira que tem a ver com a natureza estrutural destas interações (GALERA; LUIS, 2002, p. 142). Estudaremos detalhadamente os psicólogos relacionais na Unidade V deste livro. Das quatro formas (mecanicistas, vitalistas, humanistas e relacionais) que as correntes de psicologia entendem a pessoa humana, qual você julga a mais adequada para o trabalho pastoral? Os Ramos da Psicologia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 OS RAMOS DA PSICOLOGIA MODERNA Um equívoco muito comum entre as pessoas leigas é acreditar que toda a ativi- dade da psicologia limita-se ao trabalho clínico em consultórios psicológicos. A verdade é que a psicologia hoje está dispersa por muitos campos de atividade e quero apresentar a você alguns destes principais ramos ou o trabalho que rea- lizam os psicólogos. Efetivamente uma descrição completa de todos os campos de atuação dos psicólogos é praticamente impossível, pois a diversidade de atividades dos profis- sionais desta área é muito grande. Descreverei, a seguir, certas categorias maiores ou subdivisões na psicologia. A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 A PSICOLOGIA CLÍNICA Trata-se do ramo mais difundido e conhecido em meio à população da prática da psicologia. Também é o campo mais extenso desta ciência, estimando-se que, no Brasil, cerca de 50 a 60% dos psicólogos em atividade hoje trabalham nesta área. Por ser uma área bastante extensa, ela comporta profissionais com especialização em várias escolas de psicologia e cabe, aqui, fazer uma distinção importante, diferenciando o que são psicólogos clínicos, o que são psicanalistas e o que são os terapeutas familiares. Os psicólogos clínicos Psicólogos Clínicos são profissionais que têm sua formação básica em Psicologia – um curso reconhecido pelo MEC e com duração de cinco anos. Após a con- clusão de seu curso, a grande maioria destes profissionais realizam um curso de especialização em uma das várias escolas de psicologia que atuam na área clínica. Dentre estas várias escolas de especialização em psicologia clínica, pode- mos destacar as seguintes: Logoterapia, Terapia Centrada na Pessoa, Terapias de Base Analítica (jungiana, lacaniana, freudiana etc.), Terapia Cognitivo Comportamental, Psicodrama, Gestalt terapia, Analise Transacional, Terapia Familiar Sistêmica etc. Ainda faz parte da área da psicologia clínica a aplicação e interpretação de testes para diagnóstico, orientação vocacional e análise da personalidade. Por fim, o psi- cólogo clínico pode igualmente desenvolver sua atuação por meio do trabalho em pesquisa e investigação do comportamento considerado “desviante” ou “anormal”. Os psicanalistas Como foi citado, um psicólogo, após a conclusão de seu curso, pode fazer uma especialização dentro da escola psicanalítica – a teoria de personalidade e método de tratamento estabelecido pela Psicanálise (Freud e seus seguidores – ver deta- lhes na Unidade II). Entretanto, essa escola de psicologia tem uma particularidade que vale ser ressaltada. Os Ramos da Psicologia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 Além de profissionais formados em psicologia, um psicanalista também pode ter qualquer formação superior. Entretanto, para receber esta titulação, a pes- soa deve fazer um curso em uma das Sociedades de Psicanálise reconhecidas, submetendo-se durante o mesmo a um processo de análise pessoal e, poste- riormente, atender pacientes sob uma supervisão credenciada denominada de análise didática. Trata-se de um processo longo, pois estes cursos têm duração de três a cinco anos. Durante o período do curso, a exigência das Sociedades Psicanalíticas formadoras é de que a pessoa se submeta a um processo de análise pessoal e, para- lelamente a isso, mais ou menos o mesmo período do que os docentes denominam de análise didática – na qual a pessoa em formação inicia seus atendimentos a pacientes, mas traz os casos que estão sendo atendidos para discussão com um supervisor (denominado de terapeuta didata) para ser avaliado (especialmente a sua conduta diante do paciente). A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 Os terapeutas familiares De forma parecida com os psicanalistas, os terapeutas familiares, em sua maioria, têm uma formação em psicologia e depois uma especialização na área de terapia de família. Algumas exceções acontecem a esta regra, pois a Terapia Familiar, nos Estados Unidos, oferece formação a qualquer pessoa com curso superior. Dessa forma, alguns dos primeiros terapeutas de família no Brasil tiveram sua forma- ção nos USA e dentre estes haviam muitos com formação em Serviço Social, que passaram a organizar cursos de formação no Brasil para pessoas que não, neces- sariamente, tivessem formação em psicologia. Posteriormente, criou-se uma Associação Brasileira de Terapia Familiar, a qual regulamentou que a formação estaria restrita a pessoas com formação nas áreas biopsicossociais. Ressalta-se que, diferente da psicanálise, um psicólogo que tenha formação na área de Terapia Familiar não pode ensinar as técnicas desta forma de atuação terapêutica a pessoas que não sejam psicólogos ou médicos psiquia- tras, pois estará violando o código de ética dos psicólogos, que proíbe o ensino de técnicas da profissão a qualquer pessoa que não tenha as formações citadas. O foco de atendimento dos terapeutas familiares é a família e suas inter- -relações, sendo que temas bastantes comuns em nossos dias, como conflitos conjugais, divórcio, famílias reconstituídas, educação de filhos, entre outros, são o principal campo de trabalho dos terapeutas familiares. Os psiquiatras Um grupo que, muitas vezes, é confundido com a psicologia clínica é o dos psi- quiatras. No Brasil, os psiquiatras têm pouca (em algumas faculdades nenhuma) formação na área de psicologia, pois seu curso básico é o de medicina. A maioria das faculdades de medicina no Brasil tem uma visão bastante mecanicista e orga- nicista da pessoa humana, ou seja, acreditam que os problemas de comportamento se reduzem ao mau funcionamento das conexões neuronais (numa antropologia marcadamente evolucionista e positivista) (PORTOCARRERO, 2002). A partir desta concepção, utilizam medicamentos para regularizarem alte- rações comportamentais. Alguns raros psiquiatras, após a conclusão de sua Os Ramos da Psicologia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 residência médica (que é de três anos somados aos seis anos básicos do curso de medicina), procuram, ainda, cursos de especialização na área da psicologia clínica e, assim, integram em sua prática tanto as técnicas psicológicas como o uso de medicação. Na sociedade das soluções rápidas e mágicas, a medicalização de pacientes com dificuldades emocionais/relacionais tem crescido muito. A indústria farma- cêutica tem seduzido os profissionais da medicina com promessas de resultados rápidos e eficazes, porém o que se constata é que tem havido um “envenena- mento” progressivo da população, sem diferenças significativas que se traduzam na melhora dos pacientes. Para Welch, Schwartz e Woloshin (2008), a medica lização da vida coti- diana, capaz de transformar sensações físicas ou psicológicas normais (tais como insônia e tristeza) em sintomas de doenças (como distúr- bios do sono e de pressão), vem provocando uma verdadeira “epide- mia” de diagnósticos. Os progressos tecnológicos, os quais permi tem a produção de equipamentos e testes capazes de fazer diagnósticos de indivíduos que ainda não apresentam sinto mas de doenças, aliados a alterações contínuas dos valores de referência utilizados para se diag- nosticar doenças, têm como consequência principal a transformação de grandes contingentes de pessoas em pacientes potenciais (MEIRA, 2012, p. 136). Agentes pastorais precisam ter um bom discernimento ao encaminharem uma pessoa que demande cuidados profissionais mais específicos, pois, ao invés de portadores de boas-novas de saúde, podem acabar empurrando seus aconselha- dos para um processo de cronificação das dificuldades. Nos últimos anos, no tratamento de pessoas perturbadas mentalmente, tem se dado muita ênfase nas equipes multidisciplinares, as quais são, normalmente, constituídas de: psiquiatras, que investigam os aspectos orgânicos inerentes ao distúrbio; psicólogos, que normalmente se ocupam com os aspectos de diagnose e psicoterapia; e assistentes sociais, que provêm informações acerca da família e do ambiente do paciente (VASCONCELLOS, 2010). De igual forma, profissionais conscientes têm buscado atender pessoas com dificuldades emocionais em forma de redes multiprofissionais, com psicólogos clínicos recorrendo a psiquiatras, quando avaliam a necessidade do paciente ser medicado, buscando trabalhar cooperativamente com educadores e recorrendo a A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 médicos de família e assistentes sociais – especialmente nos Programas de Saúde da Família. Um bom conselheiro pastoral pode integrar-se a estas equipes para dar suporte às indagações de cunho espiritual. Nos Estados Unidos existe uma categoria intermediária entre o Psicólogo clínico e a pessoa leiga, denominada de “Conselheiro Psicológico” (Counseling), o qual trata com indivíduos que experimentam tensões e necessitam de algum direcionamento externo para poder resolver com clareza sua situação. No Brasil, a lei não permite (até o momento) o exercício desta atividade como profissão, mas ela acaba sendo desenvolvida por religiosos e outros leigos de forma empírica ou mesmo com algum preparo mais específico dentro do aconselhamento pastoral. A PSICOLOGIA EXPERIMENTAL São profissionais formados em psicologia e interessados, principalmente, nos aspectos teóricos e abstratos da psicologia. Para isso, desenvolvem pesquisas e procuram entender as causas fundamentais da conduta. Este ramo da psicolo- gia utiliza muito a experimentação controlada em laboratório e experimentos com animais. Quando se compara a conduta de uma espécie animal com outra e se buscam rastros no desenvolvimento dos organismos mais simples aos mais complexos, entramos no âmbito da Psicologia Comparativa, que é uma subdivisão da psi- cologia experimental. Outra subdivisão da Psicologia Experimental é a Psicologia Fisiológica ou Reflexológica, que consiste na investigação a fundo das bases biológicas da con- duta. Esse ramo da psicologia experimental teve grande desenvolvimento na Fica assim: dentro da psicologia clínica é comum que o psicólogo também se submeta a fazer uma terapia pessoal, a fim de conhecer-se melhor. Você acredita que o conselheiro pastoral também deveria aconselhar-se? Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Ramos da Psicologia Experimental: Psicologia Comparativa Psicologia Experimental Psicologia Fisiológica Psicologia Reflexiológica SENSAÇÕES, PERCEPÇÕES, APRENDIZAGEM, MEMÓRIA, REFLEXOS, MOTIVAÇÕES. Os Ramos da Psicologia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 Rússia, no início do século XX, em que se destaca o nome de Pavlov. A ideolo- gia dominante naquela época, naquele país, buscava afirmar a não necessidade de qualquer elemento metafísico (não biológico) para a explicação do compor- tamento humano. A posição oficial do Estado era a de apoio aberto aos estudos psicofi- siológicos por não divergirem da leitura estatal da filosofia materialista. Quaisquer divergências intelectuais eram reprimidas em debates “cien- tíficos” meticulosamente orquestrados para demolir a posição destoan- te. Diante dos fatos, o desdobramento mais óbvio seria aquele em que os estudos fisiológicos, aparentemente destituídos dos jargões idealis- tas, assumissem proeminência e grande apoiogovernamental (SOUZA JÚNIOR; CIRINO, 2009, p. 133). Temas, tais como: sensações e percepções, aprendizagem e memória, reflexos e motivações são campo de estudo dos psicólogos experimentais. A PSICOLOGIA INSTITUCIONAL Até um tempo atrás, as instituições no Brasil não faziam uso da Psicologia, porém, esta realidade mudou radicalmente nas últimas décadas. Atualmente, existe uma grande porcentagem de psicólogos que trabalham nas indústrias e instituições (cerca de 40% dos formados nas faculdades de psicologia brasilei- ras) (BASTOS; GONDIM, 2010). Os primeiros usos da psicologia institucional aconteceram nas indústrias, que se valeram do trabalho dos profissionais para a aplicação dos testes de inteligência e aptidões para selecionar os funcionários mais adequados aos postos de serviço oferecidos. Hoje em dia, muitas empresas mantêm psicólogos em departamen- tos de seleção de pessoal, de treinamento, de marketing e relações públicas etc. No Brasil, tem crescido também o número de firmas de auditoria em Psicologia, que prestam serviços de diagnose institucional e formas adequadas para a melhora geral do ambiente institucional, os quais fazem recomendações concretas quanto ao treinamento de pessoal, investigam as atitudes do consumi- dor perante um determinado produto e até avaliam a efetividade da propaganda da empresa (BASTOS; GONDIM, 2010). Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Psicologia Institucional: (INSTITUIÇÕES) INDÚSTRIAS, TESTES DE INTELIGÊNCIA E APTIDÕES. A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 De igual forma, as instituições assistenciais mantém profissionais de psicolo- gia para orientação geral do trabalho de seus funcionários com seu público-alvo (crianças, idosos, mulheres, dependentes químicos, grupos marginalizados etc.). A PSICOLOGIA SOCIAL Todos nós pertencemos simultaneamente a diferentes grupos sociais: a famí- lia, a classe social, a vizinhança, a igreja etc. Tais grupos afetam nossa conduta, contribuem no amoldamento de nossa personalidade e determinam nossas ati- tudes a respeito de muitas coisas. Os Psicólogos Sociais dedicam-se ao estudo dos efeitos destes grupos sobre a conduta individual. Neste sentido, tem muita relação com a Sociologia. A Psicologia Social tem também seu lado prático. Agências preocupadas no tratamento do crime e da delinquência empregam estes especialistas. Outra aplicação importante consiste no recolhimento de informação a respeito das atitudes da comunidade frente a um determinado assunto de interesse coletivo. Com isso, tivemos um primeiro contato com a história da psicologia, suas primeiras escolas e os diversos campos de atuação hoje em dia. Espero que você tenha gostado do que aprendeu até aqui e seguiremos nesta caminhada na pró- xima unidade. Até breve! Casa Highlight Psicologia Social (FAMÍLIA, VIZINHANÇA, IGREJA. EFEITOS DO COLETIVO SOBRE O INDIVIDUAL. Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Casa Highlight Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS Então, como você tem se sentido até aqui nesta “viagem” pelos caminhos da psico- logia? O que você achou de revisitar as paisagens que deram origem à psicologia e fazem parte de sua etapa empírica? O que achou de percorrer a evolução do conceito de alma para a mente ao final da Idade Média, com as primeiras teorias que procuravam explicar a conduta humana, até chegar ao primeiro laboratório de psicologia científica fundado por Wundt? Também vimos que a paisagem muda com a etapa científica da psicologia e suas principais escolas, com os pesquisadores divergindo na forma de conceber a pessoa humana – influenciados pelas ideologias filosóficas. Divergências que acabam se agrupando em quatro formas básicas de analisar a conduta humana. Por fim, chegamos à estação dos ramos da psicologia moderna, na qual fomos levados a entender as diferenças entre o que é um psicólogo clínico, um psicanalista, um terapeuta familiar e um psiquiatra, bem como ampliar o nosso olhar para contemplar a abrangência do campo de atuação do psicólogo moderno. Também espero que você tenha conseguido ver – talvez ainda um pouco escondido entre a paisagem – algumas matizes da aplicação pastoral de tudo que estamos apreciando. Essa primeira etapa de nossa viagem foi um passeio pela história e esta parada não é o final da viagem! Temos outras paisagens a contemplar, em que vislum- braremos alguns conceitos básicos das principais escolas da psicologia moderna e como elas influenciaram aquilo que hoje se conhece como “Movimento de Aconselhamento Pastoral”. Depois, percorreremos os campos conceituais mais significativos e de maior aplicabilidade na área pastoral, desembocando no que hoje se conhece – princi- palmente fora do Brasil e também em nosso país – com o nome de “Psicoteologia”. Terminando nossa jornada na metrópole ética das posturas que um agente pas- toral deve ter no trabalho de aconselhamento e capelania. Embora seguir viagem! 1. A palavra PSICOLOGIA: a) Vem do grego e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = vida humana. b) Vem do grego e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = alma. c) Vem do latim e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = comportamento humano. d) Vem do hebraico e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = mente. e) Vem do grego e significa LOGOS = conhecimento + PSICHÉ = temperamento. 2. Os estudos sobre os quatro tipos de temperamento: a) Foram desenvolvidos por Tim LaHaye e deram um grande avanço ao conhe- cimento a respeito do comportamento humano. b) Foram achados de Freud ao realizar os estudos sobre o inconsciente das pes- soas. c) Foram propostos por Hipócrates, no século IV antes de Cristo, e não têm cre- dibilidade científica hoje nos meios científicos, embora tenha seu valor his- tórico. d) Deram início à etapa científica da psicologia, nos laboratórios de Wundt. e) São uma descoberta recente no campo da psicologia. 3. A etapa pré-científica é demarcada por: a) Se iniciarem os intentos de explicar os fenômenos psíquicos de forma racional. b) Uma tentativa de sistematizar os conhecimentos psicológicos. c) Suspeitar-se da possibilidade de observar objetivamente e medir os fenôme- nos psíquicos. d) As alternativas a b e c estão corretas. e) Nenhuma é correta. 4. A etapa científica da psicologia começa com: a) Wundt e seu primeiro laboratório de Psicologia. b) Freud e seu descobrimento do inconsciente. c) Pavlov e seus experimentos com cachorros. d) Watson e seu experimento com ratos brancos. e) Hipócrates e a teoria dos temperamentos. 44 5. As principais escolas que surgem na etapa científica da psicologia são: a) Estruturalismo; Funcionalismo; Conducionismo; Gestaltismo e Humanismo. b) Estruturalismo; Funcionalismo; Conducionismo; Humanismo e Psicanálise. c) Estruturalismo; Funcionalismo; Humanismo; Gestaltismo e Psicanálise. d) Estruturalismo; Funcionalismo; Conducionismo; Gestaltismo e Psicanálise. e) Estruturalismo; Humanismo; Conducionismo; Gestaltismo e Psicanálise. 6. Os pontos de vista dos psicólogos mecanicistas, vitalistas, humanistas e relacio- nais obedecem principalmente: a) Às perspectivas filosóficas de cada um deles. b) Às conclusões científicas de cada grupo. c) Aos experimentos realizados em laboratório por cada um deles. d) Às opiniões pessoais de cada grupo. e) Às convicções religiosas de seus autores. 7. Os psicólogos relacionais entendem que a realidade acontece: a) De forma mecânica e linear. b) De forma global e sistêmica. c) De forma aleatória e incontrolável. d) De forma ordenada por Deus. e) De forma predeterminada pela vida. 8. O psiquiatra diferencia-se do psicólogo clínico porque tem uma formação básica em: a) Teoriase técnicas da escola psicanalítica. b) Medicina e uma perspectiva organicista. c) Psicologia social e sociologia. d) Psicologia geral e nos aspectos teóricos da Psicologia. e) Medicina e filosofia. 45 9. Na busca de ajuda a problemas de ordem emocional, temos quatro profissões que tem esse objetivo. Pensando em cada uma delas, associe as colunas: A. Psicólogo clínico 1. ( ) Tem que submeter-se a dois tipos de análise durante sua formação. B. Conselheiro psicológico 2. ( ) Tem uma formação básica em psicologia e depois uma especialização em uma escola de especialização. C. Psicanalista 3. ( ) Tem sua atuação clínica voltada para o aten-dimento de casais e famílias. D. Terapeuta familiar 4. ( ) No Brasil, é exercido por pessoas leigas, mas nos USA é reconhecido como profissão. a) A-1; B-2; C-3; D-4. b) A-2; B-4; C-1; D-3. c) A-1; B-2; C-4; D-3. d) A-3; B-4; C-2; D-1. e) A-2; B-3; C-1; D-4. 10. Os psicólogos experimentais estão especialmente interessados: a) Na influência dos grupos sociais na conduta individual. b) Em aplicar seus conhecimentos ao tratamento de casos que apresentam con- dutas fora do normal. c) Nos aspectos teóricos e abstratos da psicologia. d) Em criar instrumentos de repressão ao crime e manifestações sociais inade- quadas. e) Somente em fazer experimentos com animais. 46 47 Prezado(a) aluno(a), na leitura a seguir você terá uma reflexão da forma que o pensamento científico se estruturou ao longo da história e, em seguida, uma nova perspectiva de perce- ber a questão da saúde/doença. É um texto provocativo e espero que leve a muitas reflexões! Boa leitura! A UNIDADE BIO-PSÍQUICA DO SER HUMANO Desde a Antiguidade, o pensamento cien- tífico foi muito influenciado por uma visão linear de causa-efeito e uma perspectiva organicista do fun cionamento da psique humana, ou seja, para toda a atividade mental, bus cava-se um correspondente orgânico como seu agente iniciador, pois, sem a concreticidade da forma, tornava- -se impossível admitir a cientificidade da descoberta. Assim, todas as patologias mentais foram atribuídas a do enças “dos nervos”, remontando uma ideia de que deveria haver um enfraque cimento bioló- gico, provocando os desajustes psíquicos. O Positivismo e o Iluminismo vieram refor- çar esta posição, reafirmando as Ciências Naturais e considerando como “científico” somente os fatos comprováveis a nível labo- ratorial, em que os efeitos pudessem ser mensurá veis a partir de suas causas. Como todo o pensamento científico, tais ideias se popularizaram e receberam distorções sig- nificativas no processo, com as distorções realimentando o sistema científico e che- gando a influenciar pensadores sérios, que efetuaram teorias absurdas para reforçarem seus pontos de vista. Tal foi o caso dos cien- tistas nazistas, que afirmavam a existência de uma raça superior (arianos), a partir de um aperfeiçoamento biológico/genético da espécie, com a eliminação de todos os por- tadores de defeitos congênitos. Muito desta popularização perpetua-se até hoje, e a afirmativa de que uma patolo- gia mental é “doença dos nervos” mostra a mais profunda distorção que tais conceitos atingiram. Na realidade, existem raríssimas patologias relacionadas com alguma altera- ção nos nervos (nevralgias, certas paralisias, falta de vitamina B etc.). As formas empre- gadas no tratamento de tais “doenças dos nervos” reforçam esta visão exclusivamente “organicis ta” do ser humano, tal como os tratamentos por eletrochoques, que visam “reorganizar” o fluxo de transmissão neu- ronal (sinapses), distorcido por alguma “barreira” biológica. Muito deste pensamento permanece inques- tionável, porque ele é elaborado no meio médico e, uma vez que a medicina é uma das ciências mais presti giadas, visto que “salva” o ser humano da morte e desafia a natu- reza na preservação da vida. O pensamento popular então coloca todo o profissio nal da medicina numa posição “messiânica” e seus pressupostos passam a ser inquestionáveis (quem questionaria um messias?). Também se torna mais fácil lidarmos com o concreto que com o abstrato, em nossa tendên cia infantil de pensamento, ou seja, consigo admitir mais facilmente pa ra mim mesmo que tenho uma gripe, provocada por um vírus, que uma doença psicosso- mática provocada por estresse. 48 Até mesmo correntes da Psicologia moderna tomaram como base um pensa- men to organicista de causa e efeito. Desta forma, não só o conducionismo ou behavio- rismo, que enquadra tudo na equação S-R (estímulo/resposta), mas também sua mais ferrenha opositora, a psicanálise, reduz as possibilida des terapêuticas a uma relação T-C (trauma/conduta), iniciando, então, uma busca arqueológica ao passado, na investigação do momento traumático (ou momentos traumáticos) formacionais das distorções da personalidade adul ta. A partir de meados do século XX (1940-50), começam a surgir pensadores que ques- tionam este modelo de CAUSA-EFEITO como sendo a única verdade absoluta de reflexão científica e propõem alternativas, baseando-se na cibernética, teoria geral das comunicações e outras descobertas científicas proporcionadas pela Segunda Guerra Mundial. A primeira e talvez a mais importante destas descobertas tenha sido a forma CIR- CULAR no processo de desenvolvimento da personalidade e não mais a forma linear/ organicista de até então. Significava que a pessoa não estava sujeita a ser paciente/ vítima de sua formação e dos eventos trau- máticos do passado, mas antes que estava em constante interação com o meio e tor- nava-se agente e senhor de sua história, por meio do exercí cio do livre arbítrio. Em outras palavras, o processo de desen- volvimento não se encerra na infância ou adolescência – determinando a idade adul ta - antes continua até o final da vida, sendo o sujeito agente que vai trabalhar e intervir com o meio que o cerca, modifi- cando-o e sendo modificado pelo mesmo numa relação dialética. A determinação genética/organicista perde sua força, passando a ser UM dentre mui- tos outros elementos que interferem no processo formacional da conduta do ser humano. Fala-se, então, de uma VISÃO HOLÍSTICA do ser huma no, passando-se a considerar a íntima relação entre o bioló- gico, o emo cional, o educacional, o social, o cultural etc como sistemas de relação interagindo entre si. Não se falam mais em “doenças dos nervos” e sim em sintomas de sistemas em desequilíbrio. Não se trata apenas de uma nova teoria psicológica, mas de uma nova in terpreta- ção da realidade, na qual, também, pela primeira vez no pensamen to “científico”, admite-se a realidade ESPIRITUAL do ser humano como ele mento essencial no pro- cesso de saúde/doença mental. Temos, então, que o homem passa a ser visto como uma unidade integral, muito mais que a soma de vários componentes em associação. Não é mais um estômago que está com uma úlcera, ou um neurótico com os nervos des gastados, mas uma uni- dade funcional, na qual cada fator interfere sobre ou tro e leva à hegemonia salutar ou à patologia – unidade acima de tudo que tem valores que o destacam dos demais ani- mais, pois é o único ser portador da IMAGO DEI (imagem de Deus). Fonte: o autor. Sistemas e teorias em psicologia Melvin H. Marx e William A. Hillix Editora: Cultrix Sinopse: ao escrever este livro, seus autores tiveram por objetivo “proporcionar fonte única, que contenha toda a informação básica sobre a psicologia sistemática e teórica que qualquer estudante de psicologia deve possuir”. Nesse sentido, este livro se constitui num completo e valioso instrumento de trabalho tanto para os estudantes que cursam uma faculdade ou instituto de psicologia quanto aos que iniciam sua pós-graduação. Matrizes Do Pensamento Psicológico Luis Claudio Figueiredo Editora: Vozes Sinopse: é uma apresentação das teorias e dos sistemas da psicologia contemporânea articuladas numa visão de conjunto, em que podem ser estabelecidas suas
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