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2 0 2 0 . 2 J Ú L I A M O R A I S 1 4 3 ( 2 0 1 9 . 2 ) | 1 MICROBIOLOGIA AULA 21 Infecções Sexualmente Transmissíveis INTRODUÇÃO • Origem bacteriana: → Provocam lesão: ▪ Sífilis; ▪ Cancro mole; ▪ Donovanose ou granuloma inguinal; ▪ Linfogranuloma. → Provocam secreção (corrimento): ▪ Gonorreia; ▪ Uretrite inespecífica; ▪ Vaginose; ▪ Candidíase (fungo); ▪ Tricomoníase (protozoário). • Origem viral: → AIDS; → Herpes Simples; → HPV; → Hepatite B. SÍFILIS • Doença infecciosa causada pelo Treponema pallidum. • Apresenta lesões cutâneas polimorfas e pode comprometer outros tecidos, como o sistema cardiovascular e nervoso. • Apresenta inúmeras facetas, se apresentando de diferentes formas de acordo com a fase da doença, o que dificulta seu diagnóstico. • Sífilis adquirida: Transmissão através de mucosa ou lesão de pele. • Sífilis congênita: Transmissão transplacentária, infectando o feto. TREPONEMA PALLIDUM • Microrganismo extremamente delgado, espiralado, móvel por endoflagelo (fibrila axial). → Se movimenta através de movimentos rotatórios ao redor do eixo formado por seu flagelo. • Não é visualizada pelo método de Gram, sendo usada a microscopia de campo escuro ou por impregnação com prata (Fontana-Tribondeau). • Anaeróbios, com tempo de geração de 30 horas. • Não é possível cultivá-lo em meios artificiais, sendo usado o testículo de coelho para cultivo. → Variantes avirulentas, que não são capazes de causar a doença, podem ser cultivadas in vitro, como a cepa Reiter. Elas são usadas para produção de anticorpos contra o T. pallidum. PATOGENIA • Microrganismo penetra por mucosa (genital, anal ou bucal) ou por lesão de pele. • Período de incubação: Cerca de 3 semanas. • Multiplica-se no local da penetração, provocando aparecimento de lesão inflamatória, na forma de úlcera superficial, com base endurecida e indolor, chamada de cancro duro. • O indivíduo desenvolve uma imunidade local, a partir da resposta inflamatória e contém a multiplicação da bactéria, ocasionando o desaparecimento espontâneo da lesão após, mais ou menos 4 semanas. • Microrganismo atinge os linfonodos regionais (linfadenite), normalmente, os inguinais e chega ao sangue através do ducto torácico. • 6 a 24 semanas, depois do desaparecimento do cancro, aparece um rash (erupção) cutâneo generalizado, atingindo toda pele e mucosas, na forma de pápulas ricas em microrganismos chamadas de roséolas sifilíticas. • Concomitantemente, aparecem sintomas sistêmicos como: → Prostração; → Dor de cabeça; → Febre baixa; → Anorexia; → Náuseas; → Vômitos; → Linfadenopatia generalizada. • Grande maioria dos microrganismos é destruída pela resposta celular e o rash desaparece espontaneamente. Nesse momento, acaba a fase contagiosa da doença, exceto para transmissão congênita. 2 0 2 0 . 2 J Ú L I A M O R A I S 1 4 3 ( 2 0 1 9 . 2 ) | 2 • Em 1/3 dos casos não tratados, pequeno número de microrganismos permanece latente no organismo por vários anos, podendo depois causar lesões no SNC, no aparelho cardiovascular ou na pele, chamada de sífilis terciária. IMUNIDADE • Não é protetora contra reinfecções. • Humoral: → Anticorpos não-específicos ou reagínicos: Contra a cardiolipina, substância presente no T. pallidum e em tecidos de mamíferos. Aparecem 20 dias após o aparecimento do cancro. → Anticorpos específicos: Contra antígenos treponêmicos. Aparecem 5 dias após o aparecimento do cancro. • Celulas: Desenvolve-se na fase da roséolas, contendo a proliferação. SÍFILIS ADQUIRIDA • Transmissão de um indivíduo para o outro. • Recente: Compreende os 2 primeiros anos de evolução da doença não tratada. → Sífilis primária: Cancro duro, com sorologia positiva. → Sífilis secundária: Roséolas sifilíticas, com sorologia positiva. → Sífilis latente recente: Ausência de sintomas, com sorologia positiva. Fase potencialmente contagiosa só para transmissão congênita. • Tardia: Mais de 2 anos de evolução da doença não tratada. → Sífilis latente tardia: Ausência de sintomas com sorologia positiva. → Sífilis terciária: ▪ Cardiovascular (80% dos casos): Aneurisma de aorta ascendente e estenose de coronárias. ▪ SNC (3 a 7% dos casos): Demência, paralisia, meningoencefalite crônica e tabes dorsalis (alteração da marcha e dos reflexos). ▪ Pele e ossos: Gomas, que são lesões granulomatosas destrutivas, nodulares ou ulceradas. • Diagnóstico laboratorial: → Pesquisa do treponema na lesão, relevante na sífilis primária. A coleta é feita a partir da raspagem da lesão, posteriormente, usa-se a microscopia de campo escuro ou o método de Fontana-Tribondeau para visualização. → Sorologia: Pesquisa de anticorpos no soro do paciente. Podendo ser feita de duas formas: ▪ Testes não-treponêmicos: Pesquisa de anticorpos reagínicos. A positivação ocorre após 20 dias do aparecimento do cancro. Sendo assim, apresenta resultado positivo em 80 a 86% na sífilis primária, esse percentual aumenta nas fases seguintes da doença. O antígeno utilizado é a cardiolipina + lectina e colesterol. As técnicas VDRL e RPR podem ser qualitativas e quantitativas, as quais são utilizadas para monitoramento pós- tratamento (queda de títulos de pelo menos 2 diluições). ▪ Testes treponêmicos: Pesquisa anticorpos específicos contra o treponema. A positividade é alta desde a fase inicial da doença, a sífislis primária (90 a 95%). Faz-se uso da TPHA (reação de hemaglutinação), na qual o antígeno são hemácias adsorvidas por T. pallidum, a sua positivação ocorre 10 a 20 dias após o aparecimento do cancro. Outra técnica é a FTA-Abs (reação de imunofluorescência indireta), na qual o antígeno é o T. pallidum cultivado em testículo de coelho, a sua positivação é precoce, identificando anticorpos de 5 a 8 dias após o aparecimento do cancro. CHANCE DE TRANSMISSÃO CONGÊNITA • Sífilis primária: 70 a 100%. • Sífilis latente recente: 40%. • Sífilis latente tardia: 10%. FALSOS POSITIVOS POR ANTICORPOS REAGÍNICOS • Mononucleose; • Hepatitites; • Hanseníase; • Doenças autoimunes. 2 0 2 0 . 2 J Ú L I A M O R A I S 1 4 3 ( 2 0 1 9 . 2 ) | 3 → Teste rápido: Utilizado na triagem da infecção pelo Treponema pallidum. Baseado na técnica de imunocromatografia de fluxo lateral, detectando anticorpos específico anti-T. pallidum no soro ou sangue total. • Tratamento: → Droga de escolha: Penicilina G benzatina. → Alternativas: Doxiciclina ou ceftraixona (cefalosporina de 3ª geração). → Gestante: Penicilina G benzatina. → Tratamento inadequado da gestante com sífilis: ▪ Tratamento feito com qualquer outra droga que não seja penicilina G benzatina. ▪ Tratamento incompleto. ▪ Tratamento inadequado para a fase clínica da doença. ▪ Tratamento incompleto até 30 dias antes do parto. ▪ Parceiro sexual com sífilis não tratado ou inadequadamente tratado. SÍFILIS CONGÊNITA • Transmitida da mãe infectada para o bebê durante a gravidez ou na hora do parto. • Quanto mais recente for a infecção materna maior será o risco de transmissão para a criança. • Pode resultar em aborto, parto prematuro, morte do feto ou doença perinatal. • Neonato nascido de mãe infectada não tratada: → 26% nascem livres da doença; → 25% nascem soropositivos (anticorpos presentes), sem doença clínica; → 49% são sintomáticos (hepatoesplenomegalia, anemia, icterícia, lesões cutâneas, anomalias ósseas e dentária, linfadenopatia). • Recente: Sintomas ao nascerou até 2 anos. → Prematuridade; → Baixo peso; → Lesões cutâneo-mucosas; → Alterações ósseas (osteocondrite, periostite e osteíte); → Hepato-esplenomegalia; → Anemia; → Icterícia; → Dificuldade respiratória; → Rinite sero-sanguinolenta. • Tardia: Sintomas surgem a partir dos 2 anos. → Anomalias ósseas e dentárias (tíbia arqueada, fronte olímpica, nariz em sela, incisivos centrais superiores com entalhe semilunar (dentes de Hutchinson). → Surdez; → Dificuldade no aprendizado; → Retardo mental. • Sintomas podem se perpetuar por toda a vida do indivíduo. • Doença de notificação compulsória. • Estimativas: → Detecção de sífilis em gestantes: 20,8/1000 nascidos vivos. → Incidência de sífilis congênita: 8,2/1000 nascidos vivos. → Mortalidade por sífilis congênita: 5,9/1000 nascidos vivos. → Dificuldade de tratamento do parceiro: <20% dos parceiros concordam em se tratar. • Prevenção: → Teste sorológico, o teste rápido é frequentemente usado, nas grávidas no 1º trimestre, início do 3º trimestre e na hora do parto. → Tratar grávidas e seus parceiros com a penicilina G benzatina. → Tratamento recém-nascido com penicilina G cristalina ou procaína por 10 dias. ▪ Filhos de mães com sífilis não tratada ou inadequadamente tratada; ▪ Recém-nascidos com título de VDRL 4x maior que o da mãe; 2 0 2 0 . 2 J Ú L I A M O R A I S 1 4 3 ( 2 0 1 9 . 2 ) | 4 ▪ Recém-nascidos com sintomas. → A criança infectada deve fazer o acompanhamento sorológico até os 2 anos de idade ou até a negativação do VDRL. • Diagnóstico: → Teste não treponêmico (VDRL): Título de anticorpos 2 diluições maior que o da mãe. → Teste treponêmico (FTA-IgM): Detecção de anticorpos IgM contra o T. pallidum, indica a infecção dele no útero. ▪ A mãe passa anticorpos IgG. → Pesquisa direta do treponema na lesão: Em material de lesão cutâneo-mucosa ou secreção nasal. • Tratamento: → Droga de escolha: Penicilina G cristalina ou procaína. • Acompanhamento: → Todo recém-nascido cuja mãe é soropositiva para sífilis deve ser acompanhado pelo menos 18 meses. → Realizar VDRL com 1, 3, 6, 12 e 18 meses de vida, interrompendo o segmento com dois resultados consecutivos não reagentes. → Acompanhamento oftalmológico, neurológico e audiológico semestral por dois anos. CANCRO MOLE • Haemophilus ducrey, um bastonete gram negativo, microaerófilos. • Bactéria penetra por mucosa ou lesão da pele. SINTOMAS • Pápula que evolui para úlcera de consistência amolecida; • Dolorosa com base inflamada; • Recoberta por exsudato purulento espesso; • Sangra facilmente; • Lesões múltiplas; • Após 1 semana aparece a linfadenopatia inguinal. DIAGNÓSTICO • Coloração de gram do material da lesão. TRATAMENTO • Azitromizina. • Ceftriazona. • Ciprofloxacina. GRANULOMA INGUINAL OU DONOVANOSE • Klebsiella granulomatis, um bacilo gram negativo. • Bactéria invade células mononucleadas endoteliais, formando granulações metacromáticas, chamado corpúsculos de Donovan. • Período de incubação longo de 9 a 50 dias, o que dificulta a cadeia de rastreio de transmissão da doença. SINTOMAS • Nódulo subcutâneo endurecido, que evolui para úlcera indolor com sangramento fácil. DIAGNÓSTICO • Feito a partir do esfregaço da lesão, corado por Giemsa ou Wright. TRATAMENTO • Azitromicina. • Doxiciclina. • Ciprofloxacina. • Sulfametoxazol-Trimetoprim. GONORREIA • Doença infecciosa inflamatória do trato uro-genital de transmissão sexual. • Agente etiológico é a Neisseria gonorrhoreae, que são cocos gram negativos, microaerófilos. → Pili tipo IV: Promove ligação às células do hospedeiro e intensa variação antigênica da pilina. → Lipídeo A: Endotoxina com atividade pró- inflamatória. → IgA-protease: Enzima que quebra IgA, anticorpo presente nas mucosas. 2 0 2 0 . 2 J Ú L I A M O R A I S 1 4 3 ( 2 0 1 9 . 2 ) | 5 PATOGENIA • Aderência às células epiteliais da mucosa do trato uro-genial. • Pentração por endocitose. • Reação inflamatória no local da penetração. → Uretra anterior no homem. → Canal endocervical na mulher. • Presença de secreção purulenta. QUADRO CLÍNICO • Período de incubação: 2 a 7 dias. • Sintomas: → Homem: Secreção uretral purulenta, disúria (uretrite), prostatite e epididimite. → Mulher: Secreção vaginal purulenta e disúria. Formas não tratadas podem evoluir para doença inflamatória pélvica, acometendo as trompas (salpingite) e ovários. → Mucosas extra-genitais: Orofaringe, reto, conjuntiva. → Ofaltima neonatal: Infecção da conjuntiva do recém-nascido, adquirida na hora do parto, devido à passagem pelo canal vaginal contaminado. → Forma disseminada: 2% dos casos não tratados evoluem para bacteriemia e, posteriormente, erupção cutânea (másculas), endocardite, meningite e artrite. IMUNIDADE • Produz imunidade humoral e celular. • Não previne reinfecções, devido a grande variedade antigênica da pili e outras estruturas. EPIDEMIOLOGIA • Doença infecciosa de ocorrência mundial. • Único hospedeiro natural é o homem. • Bactéria extremamente sensível a variações de temperatura e à dessecação, só sobrevivendo cerca de 1 a 2 horas fora do hospedeiro. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL • Material clínico: No homem podemos coletar o raspado uretral ou o primeiro jato de urina. Já nas mulheres coletamos a secreção do canal endocervical. → Bacterioscopia direta (Gram): Apenas esse já serve para diagnóstico nos homens. → Cultivo e identificação: Comum de ser feito nas mulheres para diferenciação e especificar se é a N. gonorrhoeae. → PCR: Detecção rápida no material clínico, possuindo maior sensibilidade do que o cultivo. TRATAMENTO • Poucas opções terapêuticas devido à crescente resistência aos antimicrobianos disponíveis. • Escolha: Ceftriaxona IM dose única + Azitromicina (500mg – 2 comprimidos) VO dose única. URETRITE INESPECÍFICA CLAMÍDIAS • Bactérias de tamanho muito pequeno que são parasitas intracelulares obrigatórias. • Corpúsculo elementar: Forma infectante, adaptada à sobrevivência extra-celular, no momento em que ela se desloca para infectar outra célula. • Corpúsculo reticular: Forma adaptada à sobrevivência intracelular. CLASSIFICAÇÃO URETRITE INERSPECÍFICA OU NÃO- GONOCÓCICA (UNG) • Chlamydia trachomatis sorotipos D a K. PREVENÇÃO DA OFTALMIA NEONATAL Aplicação de nitrato de prata a 1% (método de Crede) ou aplicação de tetraciclina a 1% (colírio). TRACOMA Doença inflamatória ocular caracterizada por ceratoconjuntivite crônica recidivante, o que provoca cicatrizes na conjuntiva palpebral superior, com mudança na posição da pálpebra superior e dos cílios. Os cílios com posição alterada sofrem atrito com o globo ocular provocando ulceração na córnea com opacificação e redução da acuidade visual, podendo levar à cegueira. CONJUNTIVITE DE INCLUSÃO Inflamação da conjuntiva do indivíduo, que se dá através de um reservatório no trato genial. Outra possibilidade, é o banho em piscinal mal cloradas, mãos, toalhas ou durante o parto (RN). Ocorre uma reação inflamatória na conjuntiva, com produção de grande quantidade de secreção purulenta. 2 0 2 0 . 2 J Ú L I A M O R A I S 1 4 3 ( 2 0 1 9 . 2 ) | 6 • Caracterizada pela presença de secreção purulenta, semelhante à da gonorreia. • 30 a 50% dos casos de uretrite não gonocócica são causadas por clamídia. → Pode ser causada por micoplasma (não possuem parede celular): Mycoplasma hominis, Mycoplasmagenitalium, Ureaplasma urealyticum. • Transmissão por contato sexual. • Diagnóstico laboratorial: PCR. • Tratamento: Doxiciclina ou Azitromicina. LINFOGRANULOMA VENÉREO • Chlamydia trachomatis sorotipos L. • Provoca lesão no trato genital. • Transmissão por contato sexual. • Período de incubação: 1 a 4 semanas. • Síntomas: Lesão ulcerativa na forma de pápula, que desaparece espontaneamente. Posteriormente ocorre linfadenopatia inguinal, com formação de bubões. • Tratamento: Doxiciclina ou Azitromicina. VAGINOSE BACTERIANA • Desequilíbrio da microbiota vaginal com desaparecimentos do Lactobacilos e aumento da Gardnerella vaginalis, em associação com anaeróbios próprios da microbiota vaginal (Bacteroides, Prevotella sp., Mobiluncus sp. e outros). → Não é infecção pois não há invasão do tecido. • Agente etiológico: Gardnerella vaginalis cocobacilos gram lábeis (comportamento variável), móveis e facultativos. • Patogenia: Bactérias aderem às células epiteliais da mucosa vaginal, sem invasão. SINTOMAS • Odor fétido; • Elevação do pH vaginal; • Corrimento vaginal. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL • pH vaginal > 4,5. • Teste de Whiff: Odor desagradável após a adição de KOH 10% à secreção. As bactérias da microbiota liberam aminas voláteis, a partir de seu metabolismo, e esse odor se manifesta na presença de pH alcalino. • Bacterioscopia gram: Presença de clue-cells. → As clue-cells dão dica para o diagnóstico da vaginose, são células epiteliais com cocobacilos gram lábeis aderidos. → Ausência de lactobacilos (bastonetes gram positivos). TRATAMENTO • Metronidazol de uso tópico ou sistêmico.
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