Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
• Cientistas estabeleceram valores para processos ambientais básicos que, se ultrapassados, podem arneacar a sustentabilidade da Terra. Lamentavelmente, tres deles já foram excedidos POR JONATHAN FOLEY LIMI;TES PARA UM ; PLANETA SUSTENTAVEL CONCEITOS-CHAVE • Embora a mudan~ dimáti- ca seja foco de grande aten~o, a perda de biodi- versidade e a polui~o por nitrogenio excedem os limites seguros em graus mais acentuados. Outros processos ambientais ru- mam para niveis perigosos. • Adotar imediatamente fontes de energia de baixa emissáo de carbono, res- tringir o desmatamento e revolucionar as práticas agrícolas sáo medidas de- cisivas para tomar a vida humana na Terra mais sustentável. - Os editores 28 SCIENTlFIC AMERICAN BRASil Durantequase 10 mil anos - desde os primór-dios da civilizacáo e do Holoceno -, nossomundo foi inimaginavelmente grande. Vas- tidóes de terras e oceanos ofereciam recursos infi- nitos. Os humanos podiam poluir a vontade e evi- tavam repercussóes locais simplesmente ao se mu- dar para outro lugar. POyOSconstruíram impérios e sistemas económicos alicercados em sua capaci- dade de explorar o que presumiam ser riquezas ine- xauríveis. E jamais se deram conta de que esse pri- vilégio teria fimo Entretanto, gra\=as aos avances na saúde públi- ca, a Revolucáo Industrial e, mais tarde, a Revolu- cáo Verde, a populacáo mundial saltou de cerca de 1 bilháo de pessoas, em 1800, para quase 7 bilhóes hojeo SÓ nos últimos 50 anos, nosso número mais que dobrou. Alimentada pela riqueza, a utilizacáo de recursos também atingiu níveis assustadores. Em 50 anos, o consumo global de alimentos e água doce mais que triplicoue o de combustíveis fósseis quadruplicou. Agora, cooptamos entre 30% e 50% de toda a fotossíntese no planeta. Esse crescimento arbitrário fez com que a polui- \=aopassasse de um problema local para um ataque global. A reducáo do ozónio estratosférico e as con- centracóes dos gases de efeito estufa sáo complica- cóes óbvias, porém muitos outros efeitos nefastos estáo se manifestando. A súbita aceleracáo do crescimento populacional, o consumo de recursos e os danos ambientais mu- daram a face da Terra. Passamos a viver em um pla- Oq evitá-Ias? chefiada liéncia de Europa,dos trália - procurl meio de urna Q1 abrangente: críticos" planetários, te global em um de tudo o que já Coi Wito Após examinar llIIlIIt10SC nares de sistemas fíSicos e -~c- que nove proeessos ambieocüs amiopllmcial de ar- ruinar a capacidade do planeta de susrmrnr vida hu- mana. Em seguida, estipulamos limites para eJes - urna faixa dentro da qual a bnmanidade pode operar em seguranca, Sete processos apresenram um limite preciso (ver ilustraflio no pág. 29), definido científi- camente por um úniro número (que obviamente con- tém certa margem de incerteza). Tris deles - a mu- danca climática, a acidificacáo oceánica e a reducáo Junho 2010 E/':&'~ -&.~~${ij,~fii"~ A...•#s.¡l !;f ~fIJ "'~ rlJ~i2usvj ea • '"1. . éJ¡.~~C'&I)¡'_ '#, .-'lo. "F'q, •. ~Ú>,.. :s'Fe,& f.qQ 0'& "1. "1. '"'>'<!'S4 ~ &!hó, .céJ~_ "~~~éJ/ ~. ~S. . l}éJ~, , v: Concentraciio {unidades DObson}'VAl.!)¡ PRt-tNOI.JS11/IAL: 2SÓ ATUAL: 283 ~ .. LIMITE: 276•• 'fiI,¡".e -..-.- . ~,. a)(a de e)(tinqáO lrni\\"IOes de espécies por ano)\I~ p!\É-INoUSTf\\p.!..: 0,'\ *'\,0 ~1\lp.!..: .,,\00 I.It<1~.'\O s~. E ~ <i:r l• E::;J~- 11IC~ c: c: 80Ca¡ . CIo""1!!~1:!~ 8.a.~~ ~E§ ~ ~•....=..:;c(:J do ozónio estratosférico -constituem pontos críticos; outros quatro apontam o início de urna degradacáo irreversível. Os dois processos restantes - a poluicáo atmosférica por aerossóis e a poluicáo química global - nao passaram por estudos táo extensivos e seus limi- tes ainda nao foram definidos. Nossa análise mostra que tres processos já ex- cederam seus patamares: a perda de biodiversida- de, a poluicáo de nitrogénio e a mudanca clirnáti- ea. Todos os outros estáo se encaminhando aos seus limiares. Os limites individuais podem estar perfeitamente ajustados e outros poderáo ser acrescidos no futuro, mas o conjunto constitui urn surnário de "primeira ordem" das condicóes am- bientais mais perigosas do mundo e propóe urna estrutura básica para pensar sobre como gerenciar essas ameacas, A compreensáo das causas de nossos problemas mais urgentes nos fomece indícios de como solucioná- los. Em dois casos - mudanca climática e acidificacáo oceánica - o responsável é mais que conhecido: a utilízacáo de combustíveis fósseis, que lancam dióxi- do de carbono (C02) na atmosfera. Mudanfa dimátial- Embora nosso planeta já te- nha passado por urn significativo aquecimento indu- zido pelo homem, e certamente experimentará novas elevacóes de temperatura, cientistas e formuladores de políticas buscam meios para evitar as consequén- cias mais devastadoras - inclusive a perda das plata- formas de gelo polares, o colapso dos estoques de água doce e o desequilibrio de sistemas climáticos re- gionais. A concentracáo de C02 já está em 387 ppm (a medida usual, por volurne), e o debate sobre os ní- veis de ernissáo de gases de efeito estufa capazes de provocar mudancas drásticas prossegue. Os valores aceitáveis sugeridos variam entre 350 e 550 ppm de PROCESSOS AMBIENTAIS VITAIS devem permanecer dentro de certos limites. Caso contrário, o espaco operacional seguro, no qual a humanidade pode existir, será ameacado, A colora~áo indica o avance de um processo desde os níveis pré-industriais até ou além de certo limiar.A biodiversidade, o fluxo de nitrogenio e a mudan- ~a climática já excederam esses valores. (Os fluxos de nitrogenio e fósforo foram combinados porque tendem a ocorrer juntos.) www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASil 29 C02. Em nossa análise propomos uma meta conser- vadora, em longo prazo, de 350 ppm, para manter o planeta bem distante de pontos críticos climáticos. Mas, para atingir essa meta, o mundo precisa agir imediatamente para estabilizar as emissóes e, nas próximas décadas, reduzi-las substancialmente . Acidificafiio oce!inica - Esse é o primo menos co- nhecido da mudanca climática. A medida que as concentracóes atmosféricas de C02 aumentam, a quantidade de dióxido de carbono que se dissolve na água em forma de ácido carbónico cresce, deixando a superficie oceánica mais ácida. Os oceanos sáo na- turalmente neutros, com um pH de aproximada- mente 8,2, mas os dados mostram que esse valor já caiu para quase 8 e continua baixando. A mensura- <;:iloque utilizamos para quantificar essa mudanca é o nível decrescente de aragonita (uma forma de car- bonato de cálcio), que se forma na água superficial. Muitas criaturas - de corais a uma infinidade de fi- toplánctons, que constituem a base da cadeia alimen- tar oceánica - dependem da aragonita para construir seus esqueletos, conchas e carapacas. A acidez eres- cente pode enfraquecer severamente os ecossistemas oceánicos e as teias alimentares, constituindo outro Jonathan Foley é diretor do Instituto do Meio Ambiente, da University of Minnesota. Com formacáo em ciencias atmosféricas, ele trabalha principalmente com o vfnculo entre o uso da terra, a agricultura e o meio ambiente global. EM BUSCA DE SAíDAS Pennitir que processosambientais excedam certos limites pode ter graves implica~6es. mas algumas a~Oesdecisivas conseguem mante-Ios dentro de esferasseguras. (Para saber mais, ver "Solu{Oes para amea{as ambientais", a partir da página 58). CONSEQUENCIAS DA TRANSPOSIC;ÁO Ecossistemas terrestres e oceánkos colapsam SOLUC;ÓES posslvElS PROCESSOS AMBIENTAIS ~ OOw'ft@dtm Reduzir o desmatamento e o desenvolvi- mento de terras; pagar por servi~os de ecossistemas Reduzir a utiliza~o de fertilizantes; proces- sar dejetos animais; adatar veículos híbridos Reduzír a utiliza~o de fertilizantes; pro- cessar dejetos animais; processar melhor refugos humanos Adotar energia e combustíveis de baixo teor de carbono; taxar emissOes de carbono Limitar a expansác urbana; melhorar a eficiencia agrícola; pagar por servkos de ecossistemas Adotar energia e combustíveis de baixo teor de carbono; reduzir escoamentosu- perficial de fertilizantes Melhorar eficiencia da irriga~o; instalar dispositivos de baixo fluxo de água r:.l ••.,ur:u~· Eliminar os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs);testar efeitos de novas substancias químicas 30 SCIENTlFIC AMERICAN BRASil motivo contundente para que nacóes rumem para um futuro energético mais pobre em carbono. A hnplical¡a.o da Prodw;a.o de Alimentos A humanidade já sequestra 35% da superficie terres- tre para cultivar alimentos e pastos, e a expansáo agrí- cola é a principal motivacáo para abrir novas áreas de plantio e, com isso, destruir ecossistemas naturais. Vários limites planetários correm risco de ser trans- postos por práticas de utilizacáo da terra. Perda de biodiversidade - A expansáo territorial é responsável por uma das maiores ondas de extin- cóes da história do planeta. Estamos perdendo espé- cies de cem a mil vezes mais rápido que as taxas na- turais passadas, observadas no registro geológico. Esse índice é constatado em ecossistemas tanto terres- tres como marinhos e pode minar processos ecológi- cos em escala regional e global. Os esforcos para con- servar a biodiversidade, particularmente nas sensíveis florestas tropicais, necessitam de muito mais atencáo, Poluifiío por nitrogenio e fósforo - A amplamen- te difundida utilizacáo de fertilizantes industriais de- sestabilizou a química do planeta. A aplicacáo de adubos sintéticos mais que dobrou os fluxos de nitro- genio e fósforo no meio ambiente, a razáo de 133 rni- lhóes de toneladas de nitrogénio e 10 milhóes de toneladas de fósforo por ano. As duas substancias causam intensa poluicáo da água, degradam nume- rosos lagos e rios e afetam áreas oceánicas litoráneas ao criar extensas "zonas monas" hipóxicas. Sáo ne- cessárias novas práticas agrícolas, que aumentem a producáo de alimentos e sustentem o meio ambiente. Esgotamento de (antes de água doce - Ao redor do globo, retiramos anualmente assombrosos 2.600 krn-' de água de rios, lagos e aquíferos para a irriga- cáo (70%), a indústria (20%) e o uso doméstico (10%). Em consequéncia, muitos rios caudalosos ti- veram seu fluxo reduzido; outros estáo secando por completo. Exemplos incluem o rio Colorado, que nao deságua mais no oceano, e o mar de Aral, na Asia Central, agora em grande parte desertificado. A demanda futura pode ser fenomenal. Melhoras drás- ticas na eficiencia global do consumo de água, parti- cularmente para a irrigacáo, ajudariam a evitar per- das mais sérias ainda. Fiquem Bem Longa A publicacáo inicial de nosso estudo na revista Natu- re, há vários meses, suscitou um saudáve\ debate cien- tífico. De modo geral, o trabalho foi bem recebido e visto como o que pretendeu ser: um experimento complexo para tentar definir perigosas linhas "in- transponíveis" para o mundo. Entretanto, fomos abertamente criticados por alguns cientistas pelo sim- ples fato de termos tentado fixar limites; outros nao ~g :5 ~ "ex-c ¡¡j "'8 Junho 2010 concordam com os números que estipulamos. Talvez o comentário mais importante seja que, ao determi- nar limites, podemos estar encorajando as pessoas a pensar que a destruicáo ambiental é aceitável, desde que ela se mantenha dentro dessas delimitacóes, Para que fique bem claro, isso nao é o que propomos! A sociedade nao deve permitir que o mundo se enea- minhe para um limite antes de agir. Um avance de 30% a 60% rumo a qualquer fronteira de seguran- ea também causará danos severos. Instamos as pes- soas a serem suficientemente espertas e altruístas (em relacáo a geracóes futuras) e ficarem o mais lon- ge possível dos limites, porque todos eles represen- tam uma crise ambiental. A maioria das críticas tem sido razoável, e previ- mos muitas delas. Sabíamos que a nocáo de limites exigiría mais estudos - particularmente para aprimo- rar os números. Mas sentimos que o conceito era po- deroso e ajudaria a estruturar um pensamento coleti- vo sobre limites ambientais para a existencia humana. E esperávamos que os resultados estimulassem dis- cuss6es na comunidade científica. Parece que esse de- sejo se concretizou. ~ :¡ ~o exz.. '"~ ~~o: '"2 ~ ~ -c '"oo '"~ -cz..: ti:: ~ ~ o o.. ~ 8 Ponto de Partida A medida que o mundo se empenha em atender as exigencias económicas, sociais e ambientais para a sustentabilidade global, é preciso respeitar um amplo conjunto de limites planetários. A sociedade já come- cou a enfrentar alguns desafios, mas apenas de um modo incipiente e parcial, tomando cada limite isola- damente. Entretanto, as delimitacóes estáo intima- mente interligadas. Quando um limiar é transposto, ele exerce pressáo sobre outros, aumentando o risco de excede-los. Por exemplo, ultrapassar a barreira da seguranca climática pode impulsionar os índices de extincáo. Similarmente, a poluicáo por nitrogénio e fósforo tem o potencial de minar a capacidade de re- cuperacáo de ecossistemas aquáticos, acelerando acentuadamente a perda de biodiversidade. Indepen- dentemente de quanto as nossas solucóes térn sido bem-intencionadas, a tentativa de resolver um fator de cada vez fracassará com grande probabilidade. Nesse momento crítico, nao basta que os cientis- tas apenas definam os problemas e cruzem os bracos, Énecessário comecar a propor solucóes. Eis algumas ideias iniciais: • Fazer a transicáo para um sistema energético eficiente, de baixo teor de carbono. As premen- tes questóes da mudanca climática e acidifica- c;ao oceánica exigem que estabilizemos as con- centracóes atmosféricas de C02 o quanto antes e preferivelmente abaixo de 350 ppm. Essa mu- danca implicará grandes aprimoramentos da www.sciam.com.br GIGANTESCAS FLOREScENCIAS DE algas no mar Negro (redemoinhos verdes na parte inferior) sáo alimentadas por escoamentos agrícolas levados pelo rio Danúbio (embaixo), matando a vida aquática - um exemplo da natureza interligada de processos ambientais vitais, como o uso da terra e da biodiversidade. • PARA CONHECER MAlS A safe operating space for humanity. Johan Rockstrórn et al., em Nature, vol. 461, págs. 472-475, 24 de setembro de 2009. Commentaries: planetary boundaries. Nature Reports Climate Change, vol. 3, págs. 112-119,outubro de 2009. http://blogs.nature.com/ climatefeedback/2009/09/ planetary-boundaries.html Planetary boundaries: exploring the safe operating space for humanity, Johan Rockstrórn et al., em Ec%gy and Society, vol. 14, nº 2, artigo 32, 2009. www.stockholmresilience.org/ planetary-boundaries eficiencia energética e uma subsequente oferta proporcional de fontes alternativas de energia de baixo carbono. • Refrear drasticamente o desmatamento, sobre- tudo nos trópicos, e a degradacáo das terras. Muitos limites planetários, particularmente a perda de biodiversidade, estáo comprometidos em raza o da incessante expansáo de assenta- mentos humanos. • Investir em práticas agrícolas revolucionárias. Vários limites, inclusive os ligados a poluicáo de nitrogénio e ao consumo de água, sáo afetados por nossos sistemas agrícolas industrializados. Abordagens inovadoras sáo possíveis, entre elas o desenvolvimento de novas variedades de plantas e técnicas de agricultura de precisa o, além da utilizacáo muito mais eficiente de água e fertilizantes. A medida que implantarmos solucóes, devemos reconhecer que nao existe um simples manual de regras para alcancar um futuro mais sustentável. Ao avancarrnos, desenvolveremos novos princí- pios operacionais para nossos sistemas económi- cos, instituicóes políticas e acóes sociais, manten- do-nos rigorosamente atentos a nossa limitada compreensáo dos processos humanos e ambien- tais. Quaisquer padr6es de referencia ou práticas inovadoras devem nos permitir reagir a alteracóes nos indicadores da saúde ambiental e necessidades sociais. Isso nos ajudaria simultaneamente a me- !horar a resiliéncia de sistemas naturais e humanos, para que eles se tornem mais robustos e menos vul- neráveis a choques inesperados com muita proba- bilidade de ocorrer. Para maximizar essa capaci- dade rápida de recuperacáo, teremos de fazer o melhor possível para viver dentro doslimites de um planeta que está enco!hendo. _ SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 31 COMOENFRENTARAMEACAS I Especialistas revelam El ScIENllFIC AMERICAN quais acóes rnsnteráo os processos sob controle • CICLO DO NITROGENIOo PERDA DE BIODIVERSIDADE.......................... _ _ . Gretchen C. Daily, professora de ciencia ambiental, Stanford University Robert Howarth, professor de ecologia e biologia ambiental, Come" University míneas, em vez de milho, pois as perdas de nitrogenio sáo muito inferiores. A polukáo por nitroqénio resultante da chamada Operacáo Concentrada de Alimenta~oAnimal (Cafo, na sigla em ingles) constitui um problema enorme. Há relativamente pouco tempo, nos anos 70, a maioria dos animais era ali- mentada com plantas cultivadas local- mente e os dejetos retomavam as lavou- ras como adubo. Hoje, porém, eles sáo tratados com produtos cultivados a cen- tenas de quilómetros de distancia, tor- nando o retomo do esterco ao campo "antieconómico". A solu~o? Exigir que os praticantes da Cafo processem os refugos animais, exatamente como os municípios sáo obrigados a fazer com a matéria residual humana. Além disso, se consumíssemos menos came, haveria menos dejetos e menos fertilizantes sin- téticos seriam necessários para cultivar alimentos para as cria~óes. O ideal seria comer came procedente de animais cria- dos em pastos de gramíneas perenes. A explosiva expansáo da produ~o de etanol como biocombustível tam- bém agrava seriamente a poluicáo por nltroqénio, Vários estudos sugeriram que, se as metas de etanol estipuladas pelos Estados Unidos forem akarcadas, a quantidade de nitroqénio que descerá o rio Mississippi para alimentar as zonas mortas no Golfo do México poderá aumentar de 30% a 4O%.A melhor altemativa seria abrir máo da produ~ao de etanol de milho. Se o país quer depender de biocombustíveis, seria melhor cultivar gramíneas e árvores para queimá-Ias e gerar calor e eletrici- dade. A polukáo de nitroqénio e as emissóes de gases de efeíto estufa seriam muito inferiores. A atividade humana alterou acentuada- mente o fluxo de nitrogenio ao redor do globo. O maior contribuinte isolado pa- ra isso é a aplica~o de fertilizantes. En- tretanto, a queima de combustiveis fós- seis domina o problema em algumas regióes, como no nordeste dos Estados Unidos. Nesse caso, a solucáo é conser- var energia e utilizá-Ia com mais eficien- cia. Veículos híbridos constituem uma excelente opcáo: as emissóes de nitroge- nio sáo significativamente inferiores as de modelos tradicionais, porque os mo- tores desligam enquanto o veículo está estacionário. (As emissóes de veículos tradicionais na realidade aurnentam quando o motor funciona em marcha lenta.) As emissóes de usinas elétricas dos Estados Unidos também poderiam ser muito reduzidas se as instala~óes que transgridem a Lei do Ar Puro e suas emendas fossem obrigadas a respeitá- las. Proporcionalmente, essas usinas po- luem muito mais que a quantidade de eletricidade que produzem. Na agricultura, muitos fazendeiros poderiam utilizar menos fertilizantes e, ainda assim, as quedas de produtivida- de seriam mínimas ou inexistentes. O escoamento superficial de lavouras de milho em particular é evitável porque suas raízes penetram apenas alguns centímetros no solo e assimilam nutrientes só durante dois meses do ano. Além disso, as perdas de nitrogenio podem ser reduzidas em 30% ou mais se os agricultores plantarem lavouras de cobertura no invemo, como centeio ou trigo, que ajudam o solo a reter nitro- genio. Essasculturas também favore- cem a reten~ao de carbono, mitigando mudencas dimáticas, Melhor ainda seria cultivar plantas perenes, como gra- É hora de enfrentar a dura realidade de que as abordagens tradicionais de con- serva~ao de espécies específicas estáo condenadas ao fracasso. As reservas naturais existentes sáo pequenas demais, pouco numerosas, muito isola- das e excessivamente sujeitas a mudan- ~s para poderem sustentar mais que apenas uma diminuta fra~o da biodi- versidade da Terra. O desafio é tomar a conservacáo atraente - sob perspectivas económicas e culturais. Nao podemos continuar tratando a Natureza como um bufe de consumo ilimitado. Dependemos dela para a nossa seguran~ alimentar, água limpa, estabi- . lidade dirnática, peixes e frutos do mar, madeira e outros servkos biológicos e físicos. Para manter esses benefícios, nao necessitamos apenas de reservas remo- tas, mas de muitas áreas protegidas e amplamente espalhadas - como" esta- ~óes de servi~os de ecossistemas" . Alguns pioneiros estao integrando a conserva~o e o desenvolvimento humano. O govemo da Costa Rica remunera proprietários de terras pelos servi~osdos ecossistemas de florestas tropicais, inclusive a compensa~o de carbono, prod~ de energia hidrelétrica, con~o de biodiversidade e beleza cenica. A China está investindo US$ 100 bilhóes em "ecocorroensacáo", que inclui políticas inovadoras e mecanismos financeiros para recompensar a conser- ~o e a restaura~o. Além disso, o país está criando" áreas de conservacáo com fun~o ecossistérnica", que compóem 18% de sua área terrestre. A Colómbia e a África do Sul também adotaram drásticas mudancas de políticas. Tresmedidas de vanguarda ajuda- riam o resto do mundo a ampliar esses modelos de sucesso. Primeiro: novas ciencias e ferramentas para valorizar e contabilizar o capital natural em termos biofísicos, económicos e outros. Por exemplo, o Projeto Capital Natural criou o software InVEST.que integra a valori- za~o de servkos ecosslstémicos e trocas, que govemos e corporacóes podem empregar no planejamento da utiliza~o de terras e recursos, e no desevolvimento de infraestrutura. Segundo: dernonstracóes convincentes dessas ferramentas em políticas de recursos.Terceiro: cooperacáo entre govemos, organiza~óes de desenvolvi- mento, corporacóes e comunidades para ajudar na~óes a construír economias mais duráveis, conservando simultanea- mente servi~os ecossistémicos vitais. 32 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010 AMBIENTAIS 1 ~ i o CICLO DO FÓSFORO.... ..m" David A Vaccari. diretorde Engenharia Civil,Ambiental'e Oceanica, Stevens/nstitute ofTechnology A demanda de fósforo está cr~endo mais rápido que a populacáo gra~ a melhoria das condi~óes de vida. De acor- do com os índices de consumo atuais, as reservas prontamente disponíveis dura- ráo menos de um século. Portanto, nos- 50S dois objetívos sáo conservar o fósfo- ro como um recurso e reduzir seu escoa- mento das lavouras, o que danifica ecos- sistemas costeiros. O fluxo de fósforo mais sustentável no meio ambiente seria o natural: 7 milhóes de toneladas por ano. Para atin- gir esse marco e ainda assim atender a nossa demanda, de 22 milhóes de tone- ladas/ano, teriarnos de reciclar ou reuti- lizar 72% do produto, e um aumento do consumo implicaria uma reciclagem mais ihtensiva. É possível reduzir o fluxo com tecno- logias existentes. Técnicas agricolas de conservagio, como plantio direto e ter- raceamento, poderiarn limitar a quanti- dade de fósforo que entra nos ríos,a ra- záo de 7,2 milhóes de toneladas por ano. A maior parte está contida em dejetos de animais de fazendas que ainda nao sao reciclados - cerca de 5,5 milhóes de toneladas/ano acabam nos mares - e poderia ser eliminada no transporte do estrume até áreas agricolas para ser aplicado como adubo. No caso dos resíduos humanos, as tecnologias existentes podem aumentar a recupera- gía entre 50% e 85%, economizando 1 milhao de toneladas/ano. Com base no que é praticável, em vez do que é necessário para evitar ce- nários perigosos, essas a~óes sáo per- feitamente viáveis. E reduziriam o des- perdício em vias aquáticas de 22 para 8,25 milhóes de toneladas/ano - nao muito acima do fluxo natural. ~..~U!»~9.~t~~!~J]~ Adele C. Monis, diretora de políticas' do Projetode Ciencia Econ6mica Climá- tica e Energética, Brookings Institution Embota aparentementeseja {ma ded- sao dentfflCa, detenninar uma concen- tra<;aoatrnosférica",queestabilize os gases de efeito estufa."eXigeuma avaliagio de wstos e beneficios para alcan~rmetas diferentes e estipular quem pagará. Diante da dificuldade disso, deveriarnos adatar políticas que minimizem os custos e preservem a dedsáo consensual de agía por muitos anos. O primeiro passo é nao acabar com esse incipiente consenso com ambi~óes de curto prazo, porque eleitores indigna- dos exigirao a derrubada de um progra- ma que. em sua opiniao.é oneroso dernais. Políticas climáticas baseadas em pre- ~os podem evitar limites económicos e políticos desse genero.lntemamente, uma opgio é uma crescente, porém razoável, taxa para gás de efeito estufa aplicada a toda a economia. Outra possibilidade é o sistema" cap-and- trade" (o comércio de cotas de emis5ÓeS de gases), em que as permissóes de emissóes sáo comercializadas a preces que aumentem com o tempo. Uma faixa de preco regulamentada manteria o custo das emissóes suficientemente alto para obter redu~óes ambiciosas, mas limitaria os riscos a economia se o teto se mostrasse rigoroso dérnels, Acordos intemacionais tambérn de- veriam permitir comprometimentos ba- seados em preces como uma alternati- va para rígidos limites de emissóes que pos-sam se mostrar inviáveis. Um tratado climático poderia permitir que as na~óes aceitem uma taxa para emissóes acima de determinado nível. Essa flexibilidade abrandaria as preocuparóes de países em desenvol- vimento de que esse teto refreie a redu~ao da pobreza. ~ 8 ~s 1 :;¡ z !! t;; 5 ~ www.~ciam.com.br USODATERRA Eric F. Lambin. professor de.Jistemas terrestres, Stanford University e Universidadede Louvain Para controlar o impacto causado pelo uso da terra, precisamos focalizar a dis- tribuigio global das lavouras. Uma agri- cultura intensiva deveria se concentrar em terras que tem o melhor potencial de gerar lavouras de alta produtividade. Mas uma fra<;aosignificativa desse solo de excelente qualidade está sendo per- dida. Estamos nos arriscando a atingir um ponto em que qualquer aumento de produgio de alimentos (sem mencionar os biocombustiveis) acarretaria um ace- lerado desmatamento de florestas tropi- cais e outros ecossistemas, bem como uma expansao das lavouras para tenras marginais, com produtividade menor. É possível evitar a perda das melho- res terras agrícolas ao controlar sua degradagio, o depauperamento de água doce e a expansao urbana. Essa medida exigirá um zoneamento e a adagio de práticas agrícolas mais eficientes, particularmente nos países em desenvolvimento. A necessidade de terras cultiváveis também pode ser reduzida se diminuirmos o desperdício ao longo da cadeia de distribuigio alimentar, encorajarmos um cresdmento populacio- nal mais comedido, garantirmos uma distribuigía mais justa de alimentos no mundo e Iimitarmos significativamente o consumo de came em países ricos. Também se podem poupar mais terras para a Natureza ao converter em leis ri- gorosas políticasde "reserva·, corno fez a Uniao Europeia (UE).Alguns países em desenvoIvimento (China,VlE!lna,Costa Rica)conseguiram fazer a transigía do desmatamento para o reflorestamento. 1550 ocorreu g~ a um melhorgerencia- mento ambiental e a uma forte deter- minagio para modernizar o uso da terra. SCIENTIFIC AMERICAN BRASil 33 • ACIDIFICACAO OCEANICA . Scott C.Doney, cientista senior, Instituto Oceanográfico Woods Hole Os oceanos esta o ficando mais ácidos por causa das ernissóes mundiais de dióxido de carbono, porém existem solucóes globais, regionais e locais viáveis. Em termos globais, precisamos parar de lan~r C02 na atmosfera e, talvez, em algum momento, fazer retroceder sua concemracáo a níveis pré-industriais. As principais táticas sáo melhorar a eficiencia energética, adotar energia renovável e nuclear, proteger florestas e explorar tecnolo- gias para o sequestro de carbono. Regionalmente, o escoamento de nutrientes para águas costeiras nao apenas cria zonas mortas, mas amplifi- ca a acidifica~o. O excesso de nutrien- tes estimula o crescimento do fitoplánc- ton e, a medida que este morre, o CO2 oriundo de sua decornposkáo acidifica a água. Precisamos ser mais inteligen- tes sobre como adubamos lavouras e gramados, e como tratamos o estrume de animais e nossos próprios sistemas de esgoto. Outra medida é reduzir a chuva ácida, causada principalmente por ernlssóes de usinas elétricas e industriais. A chuva nao para ao atingir a linha costeira. Localmente, a água acídica poderia ser protegida com calcário ou bases quí- micas produzidas eletroquimicamente a partir de água e rachas marinhas. Mais prático, porém, provavelmente é prote- ger vivedouros específicos' para crustá- ceos e indústrias pesqueiras de aquicul- tura. Moluscos larvais, como mexilh6es, mariscos e ostras, parecem ser mais suscetiveis a acidifica~o que adultos, e reciclar conchas velhas no lodo pode ajudar a proteger o pH e proporcionar um substrato melhor para a fixa~o larval.As incubadoras de crustáceos podem controlar a química da água e produzir espécies mais robustas. Espera-se que a queda do pH oceá- nico acelere nas próximas décadas; por- tanto, os ecossistemas marinhos teráo de se adaptar. Podemos aumentar suas chances de sucesso ao restringirmos ou- tras agress6es, como a polui~o da água e a sobrepesca, tomando-os mais capazes de resistir a certa acidifica~o, enquanto nos afastamos de uma econo- mia baseada em combustiveis fósseis. 34 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL ~~!I~~~~~º..~.~...~~.~~~º~~ Peter H. Gleick, presidente do Pacific Institute Poucos observadores racionais negam a necessidade de se estabelecerem limites para o consumo de água doce. Mais con- troverso é defini-Ios ou determinar que medidas deveráo ser tomadas para que nos restrinjamos a eles. Outra maneira de desaever essa res- tri~o é o conceito de "pico d'água" (quando o índice de demanda é maior que o do reahastecimento do suprimen- to). Tres ideias diferentes silo úteis. Iimi- tes de "picos renováveis" constituem o total de fluxo renovável de um desagua- douro, ou bacia hidrográfica. Muitos dos principais rios da Terra já se aproximam desse limite - quando a eveporacáo e o consumo ultrapassam o reabastecimen- to natural por meio da predpitacáo ou de outras fontes. Limites de pico" nao reno-váveis" se aplicam onde o consu- mo de água por humanos excede em muito os índices de reahastecimento natural, como nas hacias fósseis de águas sebterráneas das grandes planí- cies.LJbia, India, norte da China e partes do vale central da Califómia. Nessas bacias, um aumento de extra~ao é seguido por um equilíbrio e depois uma redu~o, a medida que os custos e os esforcos necessários para conseguir aumentar novamente o recurso min- guante se elevam - um conceito similar ao do pico de produ~o de petróleo. Água de "pico ecológico" é a ideia de que retiradas crescentes de um siste- ma hídrico acsbaráo atingindo um pon- to em que qualquer beneficio económico extra para extrair a água é suplantado pela destrui~o ecológica adicional causada por isso. Embora seja difícil quantificar precisamente esse ponto, já excedemos claramente o pico ecológico da água em muitas bacias ao redor do mundo, onde ocorreram danos imensos, como no mar de Aral, nos Everglades, no vale Sarrarnento-Sáo Joaquim e em muitas bacias fluviais na China. A boa noticia é que o potencial para economizar, sem prejudicar a saúde hu- mana ou a produtividade económica é vasto. É possível promover melhorias na eficiencia do consumo de água em mui- tos setores. Podem-se cultivar mais alimentos com menos água (e menor contamina~o desta) ao passar da irriga~o convencional por aspersáo, para sistemas de gotejamento e sprinklersde predsáo, juntamente com o monitoramento e o gerenciamento mais acurado da umidade do solo. Usinas elétricas convencionais podem passar do resfríamento a água para um resfría- mento a seco, e mais energia pode ser gerada porfontes que utilizam nenhu- ma ou extremamente pouca água, como células fotovoltaicas e energia eólica. Nas residencias, milhoes de pessoas podem substituir dispositivos ineficientes por outros mais funcionais, particularmente máquinas de lavar, instala~oes sanitárias e chuveiros. •DEGRADACAO DO OZONIO . David W.Fahey, físico,Administra~o Nacional Qceanica eAtmosférica No decorrer de duas décadas, o Protoco- lo de Montreal, nos termos da Conven~ao de Viena para a Prot~ao da Camada de Ozónio, reduziu em 95% a utiliza~ao de substancias que empobrecem o ozónio - especialmente os clorofluorcarbonos (CFCs)e os halons. A partir de 1Q de janeiro, sua produ~o foi suspensa nas 195 nacóes signatárias do protocolo. Como resultado disso, a degrada~o do ozónio estratosférico reverterá, em grande parte, até 21 OO. Essaconquista dependeu, em parte, de substitutos intermediários, notadamente os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) e a crescente utiliza~o de compostos que nao provoca m degrada~ao, como os hidrofluorcarbonos (HFCs). O atual sucesso depende de vários passos: • Continuar observando a camada de ozónio, para detectar imedia- tamente quaisquer mudencas inesperadas. Garantir que as na- ~6es de fato siga m os regulamen- tos; por exemplo, a elimina~ao paulatina dos HCFCs,que só será completada em 2030. • Manter o Painel deAvalia~ao Cien- tífica sob o protocolo. Ele atribui causas as mudancas na camada de ozónio e avalia novas substan- cias químicas quanto ao seu po- tencial de destruí-la e contribuir para a rnudanca climática. • Mantero Painel deAvalia~aoTec- nológica e Económica. Ele fomece íntormacóes sobre tecnologias e compostos substi- tutos que aju-dam as nacóes a determinar como a demanda de dispositivos para refrigera~ao, ar- condicionado e materiais isolantes de espu-ma pode ser atendida, protegendo simultane- amente a camada de ozónio, Os dois painéis também teráo de avaliar, em conjunto, as rnudancas climáticas e a recuperacáo da camada de ozónio, I :;; «z:;: ~ ~ z o 2j '"-c 8j "'8 1.p ~ 'e f ~s 11 1 z ~~~~ BURACO DE OZÓNIO (azul) Junho 2010
Compartilhar