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Saúde mental Mila Schiavini MED101 Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos CASO CLÍNICO: Paciente de 17 anos, do sexo masculino, previamente hígido, foi trazido ao PS por familiares pois há 1 mês tem estado agressivo, falando sozinho e com medo de seus colegas de classe. O paciente relata que há cerca de 3 meses tem percebido que alunos de sua escola estavam lhe tratando de forma estranha e “falando mal pelas costas”. Conta que colegas estavam tentando lhe prejudicar por terem “inveja”. Notou recentemente que eles o vigiavam no trajeto de volta para sua casa. Há 1 mês, alguns destes colegas começaram a falar dentro de sua cabeça, o xingando e o ameaçando de morte. Pais contam que paciente apresentou baixo peso ao nascer e que sempre teve dificuldades escolares e para interagir com outras crianças/adolescentes, ficando um tanto isolado na escola e sendo vítima de bullying. Relatam também que há cerca de 1 ano paciente se aproximou de seu primo mais velho, que faz uso frequente de cannabis; pais acreditam que paciente tenha experimentado maconha algumas vezes com tal primo. 1. Qual o diagnóstico sindrômico? Justifique a partir de elementos da anamnese que corroboram tal diagnóstico. Transtorno psicótico, devido aos delírios e alucinações. 2. É necessário realizar exames complementares para auxilio diagnóstico? Justifique e descreva os principais exames que devem ser solicitados, caso seja necessário. Sim, ressonância magnética de crânio, (buscando alguma lesão cerebral) toxicológico, hemograma completo, sorologia, TSH e T4L, ácido fólico, vitamina B12, função hepática e função renal. 3. Qual é a abordagem medicamentosa deste caso? Antipsicótico. 4. Quais orientações devem ser dadas aos pais deste paciente? Continuar com o acompanhamento do paciente por mais 3 meses, para fechar ou não o diagnóstico de esquizofrenia. ❖ Psicose: O que é psicose? • É a caracterização de um determinado transtorno mental. Transtornos mentais geralmente caracterizados por distorções do pensamento, sensopercepção (principalmente), emoções, consciência do eu e comportamento. • Termo utilizado para quadros em que estão presentes alucinações e delírios (sintomas positivos). ✓ Alucinações – percepção sem objeto (auditivas – principal –, visuais, olfativas, táteis, gustativas). ✓ Delírios – juízo falso (grandeza, ruína, persecutório, místico, etc). ❖ Transtornos psicóticos: • Transtornos psiquiátricos em que sintomas psicóticos são aspectos definidores, nucleares. • Caracterizados de acordo com o conjunto de sintomas, duração e curso. • Etiologia dos transtornos psicóticos: ✓ Psicoses induzidas: Por substâncias: medicamentos, drogas de abuso. Por condição médica geral: doenças clínicas. ✓ Psicoses primárias: Agudas: transtorno psicótico breve, puerperal. Transtornos do humor: depressão grave, transtorno afetivo bipolar. Crônicas: esquizofrenia, transtorno delirante persistente, transtorno esquizoafetivo. Outros: deficiência intelectual, autismo, transtorno do estresse pós traumático, alguns transtornos de personalidade. 1. Psicoses induzidas por substâncias: • Medicamentos: ✓ Imunossupressores: corticoides, ciclosporina, outros. ✓ Agentes dopaminérgicos: L-dopa, bromocriptina. ✓ Anticonvulsivantes: topiramato, fenobarbital, fenitoína. Saúde mental Mila Schiavini MED101 ✓ Psicoestimulantes: anfetaminas. ✓ Anticolinérgicos: biperideno. • Drogas de abuso: ✓ Intoxicação: cocaína, anfetaminas, LSD, quetamina. ✓ Abstinência: álcool (delirium – alteração do nível de consciência), sedativos, hipnóticos. 2. Transtornos psicóticos induzidos por condição médica geral: • Neurológicas: delirium, demências, encefalites, epilepsia, esclerose múltipla, doença de Wilson, narcolepsia, vasculites do SNC. • Infecciosas: HIV/AIDS, neurossífilis, meningoencefalites. • Reumatológicas: lúpus eritematoso sistêmico, vasculites. • Oncológicas: neoplasias intracranianas. • Metabólicas: alteração da tireoide ou paratireoide, intoxicação por metais (chumbo, mercúrio), anóxia, uremia, encefalopatia hepática. ❖ Primeiro episódio psicótico: • Investigação: ✓ Primeiro, sempre investigar alguma doença orgânica ou se o paciente está sob uso de alguma substância. Quando for pensado em psicose induzida por alguma substância, verificar se o paciente está a pelo menos 30 dias sem usa-la. ✓ Neuroimagem estrutural: TC x RNM (primeiro passo, para descartar se tem alguma lesão cerebral causando essa alteração). ✓ Hemograma completo. ✓ Função renal e eletrólitos (todos). ✓ Marcadores e função hepática. ✓ TSH/T4L. ✓ Sorologia completa para sífilis e HIV. ✓ Glicemia em jejum. ✓ Vitamina B12 e ácido fólico. ✓ Toxicológico de urina. • Considerar: ✓ LCR. ✓ Eletroencefalograma. ✓ “Reumatograma”. ✓ Nível sérico de medicações em uso (quando cabível). ✓ Metais (se suspeitar de intoxicação por metais). ✓ Porfirinas urinárias (porfiria). • Tratamento: ✓ Independente de descartar algum transtorno orgânico ou uso de alguma substância, fazemos uso de: Antipsicótico para tratar o episódio agudo. Tratamento da causa de base. • Evolução: ✓ Remissão. ✓ Confirmação de um transtorno psicótico “primário”. ✓ Confirmação de um transtorno do humor. ❖ Esquizofrenia: • É a principal representante das alterações psicóticas. • Prevalência: 1% da população. • Maior incidência entre homens (15 a 25 anos) do que em mulheres (25 a 35 anos). • Homens apresentam risco 1,4 a 2,3 vezes maior. Saúde mental Mila Schiavini MED101 • Herdabilidade: 60%. • Expectativa de vida 20% menor, perda de 15 anos de vida. • Risco de mortalidade: 3 vezes maior. • Suicídio: risco de 10 a 20 vezes maior (20% tentam; 5% cometem). • Fatores de risco: ✓ Homens. ✓ Alterações no curso da gestação: infecções perinatais, complicações obstétricas, carência alimentar. ✓ Urbanicidade. ✓ Migração (principalmente segunda geração). Se mudar para outro lugar sem suporte familiar. ✓ Abusos e negligência na infância. ✓ Uso de maconha na adolescência. Pode aumentar de 2 a 3 vezes a incidência da esquizofrenia em adultos jovens. • Hipótese dopaminérgica: ✓ Todo transtorno psiquiátrico é poligênico e multifatorial. ✓ A dopamina está intimamente relacionada com o aparecimento de sintomas positivos e negativos. ✓ Acontece uma alteração da sinalização dopaminérgica. ✓ Sintomas positivos ou psicóticos (delírios ou alucinações): ocorre devido ao aumento da atividade dopaminérgica em vias mesolímbicas. ✓ Sintomas negativos ou deficitários (avolição e embotamento afetivo): relacionados a alterações de níveis dopaminérgicos na via mesocortical. • Quadro clínico: 1. Sintomas positivos ou psicóticos: ✓ Delírios: Alteração do conteúdo do pensamento. Alterações salientes, estruturadas e organizadas. Conteúdos bastante variados e frequentemente bizarros. Conteúdo: persecutório, autorreferente, de influência e controle. Alterações da identidade do “eu”: inserção, roubo ou propagação do pensamento. Atuação psicótica: desconfiança, persecutoriedade, hostilidade, auto e hetero agressividade. ✓ Alucinações: Principalmente auditivas (vozes), mas também visuais, olfatórias, táteis. Atuação psicótica: principalmente vozes de comando (mandam ele fugir, mandam ele se matar, mandam ele agredir). O paciente consegue descrever claramente a voz, o que ela manda ele fazer, se é voz de mulher ou de homem, ou seja, vai saber caracterizar a voz. 2. Sintomas negativos: ✓ Afeto embotado. Ele não reage aos estímulos do ambiente, não demonstra emoções. ✓ Humor pueril:incongruência afetiva (ex.: ri em momentos que são tristes), desajuste entre emoção e conteúdo do pensamento. ✓ Pensamento: pobre, diminuído, concreto. ✓ Alogia: dificuldade em expressar o pensamento. ✓ Anedonia: dificuldade em sentir prazer nas atividades. ✓ Abulia: dificuldade em tomar decisões, falta de vontade. ✓ Apatia: falta de entusiasmo, motivação, indiferença. 3. Desorganização ou alteração dos sintomas cognitivos: ✓ Desorganização do pensamento: associação frouxa de ideias, desagregação (em casos graves – você pergunta algo e o paciente responde algo que não tem a ver com a pergunta), descarrilhamento, esquizofasia (“salada de palavras”), bloqueio de pensamento, neologismos, estereotipias verbais. ✓ Desorganização do comportamento: comportamentos bizarros, ambivalência. 4. Déficits cognitivos: ✓ Amplos: função executiva, atenção, memória, cognição social, QI. ✓ Mais associados a disfunção cotidiana do que sintomas positivos ou negativos. ✓ Estáveis ao longo do curso da doença. ✓ Ausência de tratamento eficaz estabelecido. • Critérios diagnósticos (DSM-5): Saúde mental Mila Schiavini MED101 A. Dois ou mais dos seguintes, cada qual presente por uma porção significativa de tempo durante o período de 1 mês. Pelo menos 1 deles deve ser o 1, 2 ou o 3: 1. Delírios. 2. Alucinações. 3. Discurso desorganizado. 4. Comportamento amplamente desorganizado ou catatônico. 5. Sintomas negativos (embotamento afetivo, alogia ou abulia). B. Disfunção social/ocupacional. C. Duração: sinais contínuos da perturbação persistem pelo período mínimo de 6 meses (pelo menos 1 mês de sintomas que satisfazem o critério A e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos ou residuais). D. Exclusão de transtorno esquizoafetivo e transtorno de humor. • Curso e prognóstico: ✓ Representação A: há um surto, o paciente cai e não ocorre outros. ✓ Representação B: há o primeiro surto, ocorre uma estabilização seguida de outros surtos e o paciente vai decaindo, agravando os sintomas negativos, podendo ter um quadro residual (parecido com a demência). ✓ Representação C: vários episódios psicóticos, porém, o paciente retorna ao padrão habitual. ✓ Representação D: o paciente tem apenas um episódio psicótico e retorna ao padrão habitual. OBS: na esquizofrenia, o paciente normalmente não volta para o padrão habitual depois de um surto. • Curso clínico: ✓ Estabilização do quadro: Melhor resposta dos sintomas positivos ao tratamento. O objetivo é reduzir as alucinações e os delírios. Persistem os sintomas negativos e cognitivos. Há uma piora com o tempo e não há medicação que atue especificamente nesses sintomas. Avaliar sintomas positivos residuais, ainda que nem sempre se consiga remiti-los. O objetivo do tratamento é diminuir e não remitir. ✓ Reabilitação: Relações familiares. Amizades, relacionamentos amorosos. Estudo/trabalho. INSS/aposentadoria x trabalho. ✓ Evolução com tratamento: 1/3 dos casos, ocorre estabilização. 1/3 pioram, resultando em quadros demenciais. 1/3 melhoram. Possível piora progressiva dos sintomas negativos e da perda cognitiva, não há progressão para demência. Podendo apenas se assemelhar em quadros residuais. ✓ Tratamento: Antipsicóticos: Primeira geração: haloperidol, clorpromazina e trifluoperazina. Segunda geração: risperidona, olanzapina, queriapina, ziprasidona, aripiprazol, lurasidona, clozapina. Na prática, se usa um antipsicótico de segunda geração, que tem menos efeitos colaterais. Saúde mental Mila Schiavini MED101 Os antipsicóticos podem causar síndrome metabólica. Objetivo: controle de sintomas positivos com menor dose possível (minimização de efeitos colaterais). Atenção: a dose terapêutica é flexível. Tempo de uso: 4-8 semanas, mas pode haver melhora tardia. Garantir aderência. Quando não for possível, fazer uso da medicação injetável. Monoterapia. Os sintomas positivos respondem mais facilmente. Os negativos costumam persistir. Sintomas negativos: ➢ Aps de segunda geração, antidepressivos e clozapina (um antipsicótico muito eficaz, porém, não é a primeira escolha. Para utilizar a clozapina, é necessário ter um acompanhamento do paciente semanal, já que ela vai alterar o padrão leucocitário do paciente). ➢ Sem aderência – considerar medicações de depósito. - Haloperidol decanoato: 28/28d. - Paliperidona (injetável): mensal/trimestral. - Sempre usar VO antes (risco de Síndrome Neuroléptica Maligna – cursa com alteração de temperatura, precisa de internação). Após melhora: manutenção da dose que atingiu resposta/melhora. Na maior parte dos casos, o uso vai ser contínuo. Reabilitação: Treinamento de habilidades sociais. Reabilitação cognitiva. Reinserção ocupacional. Psicoterapia: terapia cognitiva para sintomas positivos. Terapia familiar e individual. EMT: alucinações. A via mesolímbica é responsável pelos sintomas positivos e a via mesocortical é responsável pelos sintomas negativos. Dependendo do antipsicótico usado, no caso dos de segunda geração que atuam sobre um receptor específico (a maioria na via mesolímbica), terá como consequência a diminuição da dopamina nesses locais. Para tratar os sintomas psicóticos deve-se atingir a via mesolímbica inibindo os receptores dopaminérgicos, consequentemente, diminuindo delírios e alucinações. Ao agir na via mesocortical, diminuirá os sintomas negativos. A inibição também pode acontecer na via tuberoinfundibular (altera o eixo da hipófise, mexendo na produção da prolactina. Ex.: a risperidona aumenta muito a produção de prolactina, paciente começa a produzir leite) e na via nigro-estriatal (onde há reações extra-piramidais, alterações musculares). Outras medicações: Antidepressivos. Controle de sintomas ansiosos. Baixas expectativas de resposta em sintomas negativos. Valproato/carbamazepina: agitação, agressividade. ❖ Transtorno psicótico breve: • Esquizofrenia – diagnóstico diferencial. • Diferente da esquizofrenia, os sintomas positivos terão duração até 1 mês no máximo. • Recuperação completa. ❖ Transtorno esquizofreniforme: • Atende o critério A para esquizofrenia. • Mas duração entre 1 mês e 6 meses, não mais do que isso como na esquizofrenia. • Sem necessariamente prejuízo funcional. Saúde mental Mila Schiavini MED101 • Pode haver uma recuperação completa • Diagnóstico provisório, cerca de 2/3 evoluem para diagnóstico de esquizofrenia. ❖ Transtorno delirante: • Um ou mais delírios, com duração de ao menos 1 mês. • Sem marcado prejuízo funcional. • Tipos: persecutório, somático, erotomaníaco, de ciúme, de grandeza, etc. • Se alucinações presentes, estão relacionadas estritamente ao tema do delírio (ex.: sensação de bichos andando sobre a pele, no caso de delírio de infestação). • Prevalência: 0,2%. ❖ Transtorno esquizoafetivo: • É um diagnóstico de exclusão, descarta-se todas as outras possibilidades primeiro. • Episódios de humor (depressão ou mania) ocorrem junto com sintomas da fase ativa da esquizofrenia (critério A da esquizofrenia). • Não fecha critério para esquizofrenia nem para transtorno de humor. Fica entre um e outro. • Delírios ou alucinações na ausência de episódio de humor, durando pelo menos 2 semanas. • Episódios de humor estão presentes durante a maior parte da duração total da doença. • Prevalência: 0,3%. ❖ Outros diagnósticos diferenciais: • Outros transtornos psicóticos. • Transtorno psicótico não especificado. • Transtorno psicótico induzido por substâncias. • Transtorno psicótico devido à condição médica.
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