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Ética versus moral APRESENTAÇÃO Nesta Unidade de Aprendizagem percorreremos as principais discussões acerca da ética e da moral. Buscaremos responder se, de fato, há essa distinção, e em que ela importa. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Construir um conceito de ética.• Elaborar um conceito de moral.• Diferenciar ética e moral.• DESAFIO Um importante debate que existe na concepção ética é aquele que discute a existência de valores universais, ou seja, se os valores podem ser considerados os mesmos dentro de todas as culturas, ou ao contrário, cada cultura possui sua própria percepção dos valores. Logo, podemos perceber que dentro do debate ético, tendo em vista os direitos humanos, temos uma visão relativista, ou seja, aquela na qual os valores são medidos a partir de cada cultura e, de outro lado, uma concepção universalista, que significa dizer que existem valores iguais para todos. A partir dessas concepções, propõe-se a construção de um texto que as discuta e aponte suas possibilidades, e também as possíveis críticas a ambos os modelos. Para realizar esse desafio, você deverá atender aos seguintes itens: 1 - dizer o que é o relativismo; 2 - sucintamente contextualizar o que são os direitos humanos; 3 - propor uma crítica à visão universalista em detrimento da relativista. INFOGRÁFICO Neste infográfico você poderá visualizar as diferentes concepções de ética e moral, bem como as distintas classificações que ambas recebem: CONTEÚDO DO LIVRO Neste capítulo, você irá percorrer as principais discussões acerca da ética e da moral. Você irá descobrir se, de fato, há essa distinção e em que ela importa. Aprofunde seus conhecimentos lendo o capítulo Ética versus Moral, do livro Bioética e biossegurança aplicada, base teórica para esta Unidade de Aprendizagem. Boa leitura. BIOÉTICA E BIOSSEGURANÇA APLICADA Wilian Bonete Ética versus moral Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Construir um conceito de ética. Elaborar um conceito de moral. Diferenciar ética de moral. Introdução Neste texto, você irá percorrer as principais discussões acerca da ética e da moral. Você irá descobrir se, de fato, há essa distinção e em que ela importa. O conceito de ética Moral e ética são conceitos habitualmente empregados como sinônimos, ambos se referindo a um conjunto de normas e condutas obrigatórias. Isso ocorre, e de maneira aceitável, porque temos dois vocábulos herdados: um do latim (moral) e outro do grego (ética), duas culturas antigas que assim nomeavam o campo de refl exão sobre os “costumes” dos seres humanos, sua validade e legitimidade (TAILLE, 2007). Nesse momento, vamos nos deter especificamente ao conceito de ética. A partir dos textos de filósofos como Platão e Aristóteles, é possível dizer que a ética (ou filosofia moral) inicia-se com Sócrates. Percorrendo as ruas de Atenas, na Grécia, Sócrates questionava aos jovens ou velhos o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir. Assim, ele perguntava: o que é a coragem?; o que é a justiça?; o que é a piedade?; e o que é amizade? A elas, os atenienses respondiam dizendo serem virtudes. Sócrates voltava a lhes indagar: o que é virtude? Os atenienses retrucavam: é agir conforme o bem. E Sócrates questionava, ainda: o que é o bem? (CHAUÍ, 2000). Sócrates embaraçava os atenienses porque os forçava a questionar a origem e a essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam praticar ao seguir os costumes de Atenas. Como e por que sabiam que uma conduta era boa ou má, virtuosa ou viciosa? O que eram e o que valiam realmente os costumes que lhes haviam sido ensinados? Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido dos costumes estabelecidos, quais as disposições de caráter (características pessoais, sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os valores da cidade, e por quê. Desse modo, con- forme Chauí (2000), as questões socráticas inauguram à ética porque definem o campo no qual os valores e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente moral. É sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz; que conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais. Nessa perspectiva, a ética pode ser vista como o conjunto de ideias que orientam a humanidade na busca de uma convivência satisfatória, um conjunto de normas e princípios a partir dos quais os seres humanos procuram elaborar distinções entre o bem e o mal, o certo e o errado, para que haja uma melhor convivência em sociedade (ALLES, 2014). A ética regulamenta as ações do convívio humano e também configura- -se como um conjunto de conhecimentos e teorias, expressos em princípios e normas, de que serve a vontade humana para bem conduzir as suas ações. Essas ações, por sua vez, voltam-se para a sobrevivência e a realização do ser humano como ser complexo e dotado de razão, sentimentos e emoções. Desse modo, a ética objetiva tornar a vida possível e passa a ser a mediação necessária para que a humanidade possa se aproximar da utopia sonhada em termos de convivência (ALLES, 2014). Chauí (2000, p. 342) destaca que, se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, é possível observar que a ética se firma em três grandes princípios da vida moral: Por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa. A virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, uma vez que cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano. A conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso poder Ética versus moral24 significa, principalmente, não se deixar levar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação. Em suma, para os gregos, a ética era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente os impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade e para formá-los como membros da coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos (CHAUÍ, 2000). A ética, portanto, consiste numa forma de postura e num modo de ser, à natureza humana. Trata-se de uma maneira de lidar com as diversas situações da vida e os modos como estabelecemos relações com outras pessoas. Podemos, também, conceber a ética como um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano na tentativa de explicar as regras morais de modo racional e fundamentado. Trata-se de uma reflexão sobre a moral. Assim, a ética é parte da filosofia que estuda a moral, refletindo e empreendendo questionamentos sobre as regras morais (SILVA, 2016). A palavra ética e o seu campo prático: a moral De onde vem a palavra ética? Do grego ethos, que até o século VI a.C. significava “morada do humano”. Ethos é o lugar onde habitamos, é a nossa casa. “Nesta casa não se faz isso”, “nesta casa não se admite tal coisa”. Ethos também significa “marca” ou “caráter”. Ética, portanto, é um conjunto de princípios e valores que usamos para responder às três grandes perguntas da vida humana: Quero? Devo? Posso? O que é moral? A prática dessas respostas. Portanto, ética consiste nos princípios que utilizamos para responder ao “Quero? Devo? Posso?”. Isso, todavia, não significaque não vivamos dilemas. Eles existem e serão mais tranquilamente ultrapassados quanto mais sólidos forem os princípios que tivermos e a preservação da integridade que desejamos. Fonte: Cortella (2015). 25Ética versus moral O conceito de moral A palavra moral é proveniente do termo em latim Morales, que signifi ca “relativo aos costumes”, aquilo que se consolidou como sendo verdadeiro, do ponto de vista da ação. A moral pode ser concebida como um conjunto de regras aplicadas no cotidiano e que são utilizadas como elementos norteadores dos julgamentos sobre o que é certo ou errado, moral ou imoral, bem como as suas ações. A moral é, ainda, construída mediante os valores previamente estabelecidos pela própria sociedade e os comportamentos aceitos e passíveis de serem questionados pela ética (SILVA, 2016). Chauí (2000) nos fornece vários exemplos para pensarmos a questão da moral. Vejamos alguns: Muitas vezes tomamos conhecimento de movimentos nacionais e in- ternacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países, e também no Brasil, muitas pessoas morrem de penúria. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha injustiça (especial- mente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Assim, nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso de moral. Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego, mas que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho permitirá sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Ele pode aceitar o emprego, mesmo sabendo o que será exigido dele? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a esposa morrendo? Uma mulher vê um roubo. Vê uma criança maltrapilha e esfomeada roubar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando por muitas dificuldades e que o roubo fará diferença para ele, mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que, com isso, a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo? Ou deverá ficar em silêncio, pois a criança pode correr o risco de receber punição excessiva, ser levada para a polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora revoltada, passar do furto ao homicídio? O que fazer? Esses relatos de situações apontadas por Chauí (2000), dentre outras mais dramáticas ou menos dramáticas, surgem sempre em nossas vidas cotidianas. Ética versus moral26 Nossas dúvidas quanto à decisão que deveríamos tomar não manifestam apenas nosso senso moral, mas também colocam à prova a nossa consciência moral, pois exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e assumamos todas as consequências delas, pois somos responsáveis por nossas opções. Assim, o senso e a consciência moral dizem respeito aos valores, senti- mentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida cotidiana (CHAUÍ, 2000). Para autores como Piaget e Kholberg, segundo Taille (2007), há um de- senvolvimento moral cujo vetor leva a uma determinada moral. Para Piaget, a moral autônoma é uma moral de igualdade, da reciprocidade e do respeito mútuo. Para Kholberg, o vetor do desenvolvimento moral leva ao ideal de jus- tiça pela equidade, pela perspectiva da reciprocidade universal, ao imperativo categórico de Kant, que afirma que devemos sempre tratar a humanidade, na nossa própria pessoa e na pessoa de outrem, como um fim em si e não apenas como um meio. Ao pensarmos sobre o conceito de moral, devemos conceber que, acima de tudo, a vida coletiva só se tornou possível porque o ser humano passou a estabelecer normas de convívio. Além disso, quando falamos de moral, ela não se refere apenas a um conjunto de normas impostas aos seres humanos, mas também à livre adesão a elas, motivo pelo qual um ato só pode ser considerado moral se passar pela aceitação da norma, ou seja, aquele que é aceito por livre vontade, e não por uma imposição mediante ameaças (COSSETIN, 2014). Para ser moral, um ato deve ser livre, consciente, intencional e responsável. Isso gera um compromisso de reciprocidade para com a sociedade. O sujeito, assim, deve saber o que e por que faz; não deve ser coagido ou obrigado a fazer algo. Além disso, o sujeito deve assumir a autoria do seu ato, reconhecendo-o como seu e respondendo pelas consequências de sua ação (COSSETIN, 2014). A responsabilidade, assim entendida, acaba criando um dever: a obriga- toriedade, o que implica a interiorização da norma, na autoimposição do seu cumprimento. Apesar de parecer contraditório, Cossetin (2014) destaca que o cumprimento da norma não é coercitivo, mas é sinônimo de liberdade. Por isso, nem mesmo a desobediência – o que determina o caráter moral ou imoral do ato – pode ser excluída, pois justamente por ser livre é que o sujeito pode transgredir a norma, mesmo aquela por ele escolhida. Diante disso, podemos afirmar que a moral é uma construção especifica- mente humana. Como, porém, o ser humano não é um ser natural e fixamente definido – e, além disso, é um ser social, e a sociedade sofre transformações 27Ética versus moral –, devemos conceber que a moral é uma construção histórica. É nesse sentido que, apesar de os sistemas morais estarem fundamentados em valores como o bem e a liberdade, o conceito daquilo que seja o bem e a liberdade varia histo- ricamente. Isso explica a diversidade de concepções éticas (COSSETIN, 2014). Moral como objeto de estudo e ética como estudo do objeto Conforme Cortina (2005), pensadora espanhola, a palavra Moral deve ser usada prefe- rencialmente para denotar o objeto de estudo, enquanto a palavra Ética – ou Filosofia Moral – deveria reservar-se à disciplina filosófica que busca refletir criticamente da moral. Esse uso encontra apoio na linguagem corrente. De fato, o termo “moral” é muitas vezes usado como substantivo, em suas diversas acepções, para designar âmbitos que constituem o objeto de estudo da Ética ou da Filosofia Moral: (1) ou um modelo de conduta socialmente estabelecido em uma sociedade concreta (“a moral vigente”); (2) ou um conjunto de convicções morais pessoais (“tal pessoa possui uma moral rígida”); (3) ou tratados sistemáticos sobre as questões morais (“Moral”), sejam doutrinas morais concretas (“Moral católica” etc.), sejam teorias éticas (“Moral aristotélica” etc., embora o mais corrente seja “ética aristotélica” etc.); (4) ou uma disposição de espírito produzida pelo caráter e atitudes de uma pessoa ou grupo (“estar com o moral alto” etc.); (5) ou uma dimensão da vida humana pela qual nos vemos obrigados a tomar decisões (“a moral”). Como adjetivo, em usos que interessam à Ética, o termo moral é preferencialmente usado em contraposição a “imoral”, ou em contraposição a “amoral”. Já o termo moralidade é muitas vezes usado, seja como (a) sinônimo de “moral”, no sentido de uma concepção moral concreta (por exemplo, quando dizemos “isso é uma imoralidade” = “isso não é moralmente correto”), seja como (b) sinônimo de “a moral”, isto é, uma dimensão da vida humana identificável entre outras e não redutível a nenhuma outra, e que se manifesta no fato de que emitimos juízos morais; ou ainda (c) ou na contraposição filosófica de cunho hegeliano entre “moralidade” e “eticidade”. Fonte: Gontijo (2006, p. 132–133). Diferenças entre ética e moral? Conforme defi nido anteriormente, ética refere-se ao campo da fi losofi a que investiga os comportamentos dos seres humanos, em diversas situações coti- dianas, enquanto a moral diz respeito aos valores, aos julgamentos, isto é, o campo prático das ações humanas. Ética versus moral28Apesar de cada um desses conceitos possuírem suas particularidades, existe uma estreita articulação entre ambos, na medida em que a ética tem como objeto de estudo a própria moral. Desse modo, tanto a ética implica a moral – enquanto “matéria-prima” de suas reflexões e sem a qual não existiria – quanto a moral implica a ética para se repensar, desenhando-se, desse modo, uma importante relação de circularidade e complementaridade (PEDRO, 2014). A Figura 1 ilustra a relação inerente entre ética e moral: Figura 1. A relação entre ética e moral. Fonte: Pedro (2014). Moral Ética Perceba que há um movimento intrínseco entre ética e moral. Essa valori- zação do conhecimento pensada como condição necessária ao modo de agir e de viver moral é, simultaneamente, um pressuposto desse mesmo agir e pensar. Isso, por outro lado, afasta a ideia de que a moral ou a ética pertencem exclusivamente ao domínio da intuição ou da emoção e não do conhecimento e da razão. Contudo, Pedro (2014) aponta que um equilíbrio entre ambas é imprescindível. Gontijo (2006) comenta que não se pode tratar ética e moral como an- tônimos. É contraditório, por exemplo, defender uma ética sem moral ou uma moral sem ética. Ocorre que alguns filósofos utilizam distintas nuances de significações, e geralmente o fazem para denotar diferentes aspectos da vida moral ou da reflexão moral, isto é, diferentes dimensões de um mesmo fenômeno. 29Ética versus moral É perceptível que uma parte da vida cotidiana em comum exprime-se mais adequadamente por ideias de obrigação e do dever, enquanto outra se expressa por aspirações. Devo, por exemplo, respeitar os direitos do outro, devo honrar os contratos, devo ser justo, fazem o bem, etc. Por outro lado, a generosidade não pode ser obrigada: ela expressa um dom gratuito (GONTIJO, 2006). A partir dessa exposição, quais seriam os conteúdos que compõem a ética e a moral? Taille (2007) enfatiza que toda ética contém uma moral, pois cabe justamente à moral regrar a vida em sociedade. Segundo o autor, podemos assumir que toda perspectiva ética deve ser coerente com certos deveres morais. Dito de outro modo, a moral não diz como é ser feliz, nem como ser, mas sim quais são os deveres a serem necessariamente obedecidos para que a felicidade individual tenha legitimidade social. Para conhecer um pouco mais sobre a ética e a moral em outros autores clássicos, leia o texto: “Considerações acerca da ética e da consciência moral nas obras de Freud, Klein, Hartmann e Lacan” (JUNQUEIRA; COELHO JUNIOR, 2005). Dessa forma, é preciso escolher quais são os deveres, definir que moral condiciona a busca da felicidade. Nesse sentido, Taille (2007) destaca três virtudes morais: justiça, generosidade e honra. A premissa que envolve esses três conteúdos é o imperativo categórico kantiano de que existe uma dignidade inerente a cada ser humano e que ela deve ser estritamente respeitada. A primeira virtude, então, é a justiça, a mais racional de todas as virtudes, segundo Piaget. Um dos elementos que a inspira é o princípio de igualdade. Todos os seres humanos, independentemente de sua origem social, cognitiva, dentre outros, têm o mesmo valor intrínseco e, logo, não devem usufruir de nenhum privilégio. Por exemplo, é injusto negar o direito de voto a analfabetos, uma vez que tal negação implica em colocá-los como cidadãos de segunda ordem. Outro elemento essencial para se pensar a justiça é a equidade, o que implica em tornar iguais os diferentes. Em outras palavras, os seres humanos apresentam diferenças entre si, e elas devem ser consideradas no intuito de que, no final, a igualdade entre todos os seres humanos seja realizada (TAILLE, 2007). A segunda virtude diz respeito à generosidade. Essa virtude consiste no fato de se dar ao outro o que lhe falta, sendo que essa falta não corresponde Ética versus moral30 a um direito. Nesse ponto, ela se diferencia da justiça e, ao mesmo tempo, a complementa. Por exemplo: é justo que um professor não atribua uma nota maior a um determinado aluno somente porque seus pais possuem um status privilegiado na sociedade. Todavia, é generoso que o professor, depois da aula, disponha-se a ajudar aqueles alunos que, porventura, necessitem de ajuda. Assim, ter aulas depois do horário formal de aulas não corresponde a um direito do aluno, porém ministrá-las é fazer prova de generosidade (TAILLE, 2007). A terceira virtude elencada por Taille (2007) refere-se à honra. Para o autor, a honra decorre do autorrespeito, é o valor moral que a pessoa tem aos próprios olhos e a exigência que faz ao outro para que esse valor seja reconhecido e respeitado. Nessa direção, temos com o autorrespeito um sentimento que une os planos moral e ético. Uma vida feliz, para merecer o qualitativo de ética, implica em experimentar o autorrespeito e, logo, agir com honra. A vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Nesse sentido, a ética se realiza plenamente quando interiorizamos nossa cultura, de tal maneira que praticamos esponta- neamente e livremente os seus costumes e valores, sem neles pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos, pois são como nossa própria vontade os deseja. O que é, então, o dever? Significa, em outras palavras, o acordo pleno entre nossa vontade individual e a totalidade ética e moral (CHAUÍ, 2000). Desse modo, cada sociedade, em diferentes épocas de sua história, define os valores positivos e negativos, os atos permitidos ou proibidos para seus membros. Ser ético e livre será, portanto, estar de acordo com as regras morais de nossa sociedade, interiorizando-as (CHAUÍ, 2000). Para um maior aprofundamento sobre o tema da ética e da moral, leia a obra “Ge- nealogia da Moral” (NIETZSCHE, 2017), escrita originalmente em 1887. Essa obra foi considerada polêmica por contestar a ideia de que a razão teria o poder de intervir sobre os desejos e as paixões, identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional. 31Ética versus moral Ética versus moral32 ALLES, L. Ética a partir dos paradigmas. In: RUEDELL, A. (Org.). Filosofia e ética. Ijuí: Unijuí, 2014. p. 93-104. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 10. ed. São Paulo: Ática, 2000. CORTELLA, M. S. Qual é a tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. CORTINA, A. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. COSSETIN, V. Teorias éticas. In: RUEDELL, A. (Org.). Filosofia e ética. Ijuí: Unijuí, 2014. p. 104-110. GONTIJO, E. D. Os termos “ética” e “moral”. Mental, Barbacena, ano 4, n. 7, p. 125-135, nov. 2006. JUNQUEIRA, C.; COELHO NETO, N. E. Considerações acerca da ética e da consciência moral nas obras de Freud, Klein, Hartmann e Lacan. Psychê, São Paulo, ano 9, n. 15, p. 05-124, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psyche/ v9n15/v9n15a09.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2017. NIETZSCHE, F. Genealogia da moral. Ed. de Bolso. São Paulo: Cia das Letras, 2017. PEDRO, A. P. Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum Kriterion, Belo Horizonte, n. 130, p. 483-498, dez. 2014. SILVA, D. A diferença entre ética e moral. [S.l.]: Estudo Prático, 2016. Disponível em: < https://www.estudopratico.com.br/qual-diferenca-entre-etica-e-moral/ > Acesso em: 17 jul. 2017. TAILLE, Y.. Ética e moral: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Armted, 2007. 33Ética versus moral Leituras recomendadas CAREL, H.; GAMEZ, D. Filosofia contemporânea em ação. Porto Alegre: Artmed, 2008. HESSEN, J. Filosofia dos valores. Coimbra: Almedina, 2001 KANT, E. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. MARCONDES, D. Iniciação à filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. MARCONDES, D. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. RACHELS, J.;RACHELS, S. A coisa certa a fazer: leituras básicas sobre filosofia moral. 6. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. RACHELS, J.; RACHELS, S. Elementos de filosofia moral. Porto Alegre: AMGH, 2013. DICA DO PROFESSOR Neste vídeo você poderá apreender algumas distinções básicas entre ética e moral, bem como conhecer algumas correntes teóricas a respeito desses conceitos. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Leia as alternativas abaixo e assinale a afirmativa correta: A) Para Freud, a moral é obedecer a um "ser coletivo". B) Em Freud podemos dizer que o sujeito possui uma moral autônoma. C) Em Piaget podemos afirmar que o caminho do desenvolvimento moral é o da autonomia. D) De acordo com Kohlberg, a moral é desenvolvida a partir da emoção. E) Durkheim e Freud colocam acento na razão, no que diz respeito à moral. 2) Leia as alternativas abaixo e assinale a afirmativa correta: A) Na contemporaneidade aceita-se que a moral seria como um conjunto de deveres. B) O relativismo axiológico afirma que os valores são universais. C) O relativismo antropológico afirma a existência de uma moral igual para todos os homens. D) As teorias de Freud e de Durkheim são coerentes com o relativismo axiológico. E) Piaget é um autor que se distancia do argumento iluminista de um progresso gradativo da humanidade. 3) Leia as alternativas abaixo e assinale a afirmativa correta: A) Existem teorias que distinguem a moral da ética pela sua aplicação: moral é privada, ética é pública. B) A única teoria válida, para distinguir ética de moral, é aquela que as separa de acordo com a ideia de que a ética seria a teoria que estuda as práticas morais. C) Ética e moral são diferentes inclusive em sua raiz etimológica. D) Há mais uma distinção entre moral e ética: esta última significaria a busca por saber como devo agir, e aquela outra, buscaria saber qual vida quero viver. E) A moral em nada se alia à ideia de obrigatoriedade do cumprimento de regras. 4) Leia as alternativas abaixo e assinale a afirmativa correta: A) A questão da felicidade está aliada à uma dimensão objetiva, relacionada ao que a pessoa possui de bens tangíveis. B) A felicidade depende exclusivamente de estados internos. C) A felicidade depende também de estados internos. D) A felicidade pode ser obra de um curto momento da vida. E) O prazer é a fonte inquestionável para o alcance da felicidade. 5) Qual autor pensou a teoria na qual a moral é algo que desenvolve-se da heteronomia para a autonomia? A) Freud. B) Lacan. C) Piaget. D) Kant. E) Aristóteles. NA PRÁTICA O debate enriquece o conhecimento e ao mesmo tempo sensibiliza as pessoas para as diferenças. Não há cultura que esteja por completo resolvida, tampouco haverá cultura que não tenha nada a ensinar. O pluralismo e o diálogo, junto das reflexões constantes, são a válvula pela qual o diferente é recebido. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum Este artigo tem por objetivo essencial contribuir para o esclarecimento teórico-filosófico do uso de conceitos como ética, moral, axiologia e valores, habitualmente empregues para nos referirmos a uma mesma realidade. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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