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COX, Robert W. Civil Society at the Turn of the Millenium: Prospects for an Alternative World Order. Review of International Studies, Vol. 25, No. 1 (Jan., 1999), pp. 3-28 Por Raissa Januzzi Pessotti Neste artigo, Robert W. Cox, trabalha o conceito de sociedade civil, especialmente o pensamento de Gramsci e discute a possibilidade de estruturação de uma ordem mundial alternativa. Para testar essa hipótese, o autor examina determinadas combinações de forças em diferentes sociedades, observando o papel da sociedade civil. Cox, parte da interpretação da realidade política social de Gramsci, expressa por Estado = sociedade política + sociedade civil. Apontando ser necessário compreender a relação entre as forças que formam um bloco histórico, os elementos material, organizacional e ideológico e o terreno político e social conflitante, em que a nova combinação de forças da sociedade civil emancipatória atua para transformação da ordem prevalecente. Na primeira seção, Cox explora o movimento de complexificação do conceito de sociedade civil ao longo da história. Inicialmente, o movimento Iluminista, produz uma conceituação de sociedade civil entendida como representação dos interesses particulares. Em um segundo momento, teóricos como Adam Smith e Hegel, procuraram desenvolver uma noção de sociedade civil mais “universalizada” com a definição do “bem-estar” como produto do atendimento dos interesses particulares. Em oposição aos autores, Karl Marx reconhecendo a crescente força do proletariado, incorpora ao conceito, outros grupos sociais e interesses conflitantes. Em um terceiro momento, Toqueville agrega um outro elemento complexificador, o “espírito da associação voluntária” (p. 6) fora do Estado. Neste momento, a dimensão da sociedade civil organizada é somada às forças hegemônicas do poder econômico e do poder estatal como componentes da noção de sociedade civil. Embora ainda mantenha como significado central, as relações sociais de poder como derivadas da economia. Cox faz duas importantes considerações, primeiro, que a formação do movimento corporativista na Europa do século XIX, empreendido pelos Estados para a cooptação de empregadores e trabalhadores industriais para conter ações disruptivas levou a exclusão de certos grupos do conceito de sociedade civil, por serem considerados impotentes e não organizados, portanto, não oferecendo ameaça à ordem hegemônica vigente. Segundo, que dentre as consequências da Revolução Francesa, foram a negação da existência da sociedade civil a partir do momento que negava a existência de qualquer elemento interferente entre o Estado e o cidadão. Concluindo a seção, Cox traz elementos-chave do pensamento gramsciano: a) a associação social deve ser estimulada em prol da formação de novos blocos hegemônicos e compactos, associando lideranças e movimentos vindos de baixo; b) a centralidade do chamado intelectual orgânico no processo de desenvolvimento das forças construtivas de uma sociedade autoconsciente; c) a diferenciação do conceito de sociedade civil como resultante de um processo top-down empreendido pelas forças capitalistas que homogenizam culturalmente e intelectualmente a sociedade a fim de manter sua hegemonia. E o processo bottom-up desenvolvidos pelos marginalizados do capitalismo em um movimento contra-hegemônico, orientados a uma transformação da ordem. Na segunda seção Cox aloca o conceito de sociedade civil historicamente na contemporaneidade, elucidando elementos que incidem sobre o conceito. A crise do capitalismo nos anos 70, desencadeou um corporativismo reverso, em que os elementos vulneráveis da sociedade, agora desassistidos, passam a unir-se e organizar-se no espaço político de recuo estatal. Cox aponta que a globalização acarretou mudanças significativas no modo de produção global, dividindo os trabalhadores de acordo com o grau de integração na economia global entre integrados, precariamente integrados e excluídos. Este elemento imprime uma nova configuração à base material da sociedade civil, levando ao alargamento da definição do conceito, que passa a ser utilizado também como expressão da vontade coletiva desvinculada do Estado (política) e do corporativismo (economia). Em termos gramscianos, partindo de uma perspectiva bottom-up, a sociedade civil é o espaço em que os prejudicados pela globalização organizam-se e buscam alternativas. E de uma perspectiva top-down, é onde o Estado e as forças corporativas cooptam elementos sociais para restringir a coordenação social e manter o status quo. Nesse contexto de mundial de globalização, caracterizado pela multiplicidade de autoridades e ausência de poder coercitivo formalmente legitimado, o termo governança global emerge como uma prática de controle e ajuste das economias nacionais ao liberalismo econômico. Dentro dos Estados, essa estrutura é sustentada pelos grupos beneficiados pela globalização, do lado de fora, pela política hegemônica neoliberal e sistema financeiro, dispondo do uso da força militar como alternativa quando os elementos ideológicos e políticos são insuficientes. Cox, destaca o distanciamento entre a autoridade política e o cotidiano da sociedade, em função da descrença popular na competência e integridade do governo e o aumento da corrupção, como consequência desse fenômeno. Por outro lado, Cox identifica alguns elementos em diferentes sociedades no mundo, que constatam o ressurgimento de movimentos bottom-up, ainda que fracos e descoordenados, ainda representam elementos de contrapeso à estrutura vigente. Dentre eles, a proliferação de organizações não governamentais (ONG) de autoajuda com vínculos transnacionais, procurando atuar onde o Estado está ausente e fora da lógica corporativista global. Sobre a já mencionada existência de um espaço político entre a sociedade civil e a autoridade constituída, Cox assinala que este passa a ser preenchido por duas forças, o populismo excludente (movimentos de extrema direita, racistas e xenofóbicos), cultos religiosos e pelo que ele denomina “mundo encoberto” (atividades clandestinas e/ou criminosas ligadas ao Estado). Há uma sobreposição entre o populismo excludente dos movimentos de extrema direita, os cultos de fim do mundo e as atividades do mundo encoberto, cuja relação entre essas forças pode ser tanto cooperativa quanto conflituosa. Cox afirma que é precisamente nesse espaço político que a sociedade civil deve desenvolver-se, na medida que sua participação é mais atuante, reduz-se o espaço para as forças excludentes e encobertas. Na terceira seção, Cox aborda elementos importantes do pensamento de Gramsci, cuja visão da sociedade estratificada deriva das relações de produção, mas que inclui de forma significativas outras classes além da burguesia e proletariado. Sendo essa a condição material preliminar para a construção de um bloco contra-hegemônico, possibilitado pela conscientização social. Para Gramsci a consciência é uma construção histórica que possui distintas gradações e está associada a condições materiais, que ele distingue entre o nível mais baixo, o “corporativo”, caracterizado por um grupo de pessoas autointeressadas que não desafiam o status quo e um mais elevado, a “consciência de classes” que questiona o Estado e representa a unificação de formas de consciências corporativas. Cox acrescenta que o termo classe, adquiriu caráter ambíguo porque engloba uma variedade de identidades, de gênero, étnicas, religiosas e nacionais. E que por muitas vezes parecem opostas, o que abre espaço para ação fragmentadora do poder hegemônico. Entretanto, há um ponto de convergência entre essas identidades, a exploração e a exclusão, portanto, o desafio está em estabelecer laços entre os desfavorecidos pela globalização para construção de um bloco contra-hegemônico. Transpassando esse desafio, alcançaremos o nível mais alto de consciência para Gramsci, a “consciência hegemônica”, caracterizada pela incorporação dos interessesdas classes não fundamentais. O autor aborda ainda mais quatro conceitos-chave do pensamento de Gramsci a) o papel dos intelectuais orgânicos na ampliação da conscientização; b) a guerra de posição como estratégia a longo prazo de construção de grupos sociais autoconscientes; c) a guerra de manobra, que consiste na tomada do poder do Estado antes da base social ser estabelecida; d) a revolução passiva, que possui vários significados mas em síntese é uma transformação incompleta da sociedade. Na quarta e última seção, Cox analisa a relação entre as forças top-bottom, bottom-up, as forças do populismo excludente e do mundo encoberto em diferentes sociedades e suas implicações na sociedade civil. A partir do qual extrai algumas conclusões gerais. Existem três principais forças relacionadas que atuam na sociedade globalizada: o Estado, o mercado e a sociedade civil. Esta última, constitui um campo próprio de relações de poder, cuja natureza e condição é variável no tempo e espaço como produto das próprias dinâmicas internas e da relação com as demais forças. Em última instância, cabe à sociedade civil atuar em apoio ou oposição contra-hegemônica imbuída de potencial emancipatório. Cox, no decorrer do texto, traz as definições de Gramsci e acrescenta particularidades sobre esses conceitos surgidas em função da globalização. Gramsci, divide em três níveis a relação entre as forças. O primeiro, são as forças sociais, produto objetivo do desenvolvimento das forças de produção material. O impacto da globalização sobre as classes produziu uma acentuada divisão interna entre os pequenos beneficiados ou integrados pela globalização e a grande massa dos excluídos. Cox ressalta que o ponto de partida para a compreensão das relações sociais agora, assenta-se sobre a relação direta de consumo e não mais sobre as relações de produção. O segundo nível, as forças políticas, estão ligadas à conscientização, tanto sobre o papel do indivíduo na sociedade quanto em relação aos seus pares. Segundo Cox, na atualidade, o desafio consiste em promover uma conscientização entre os diversos grupos desfavorecidos pela globalização para levar adiante de forma consistente a construção de um bloco histórico contra-hegemônico em uma guerra de posição a longo prazo. Onde recai sobre os intelectuais orgânicos de Gramsci, o desafio de promover o “entendimento comum sobre a natureza e as consequências da globalização” (p. 26) em todos os níveis. E cujo obstáculo central é a dificuldade da aparente oposição entre as demandas dos grupos e pelas chamadas forças do mundo encoberto que atuam na alienação e desintegração dos laços sociais. Já o terceiro nível são as relações de força militar, em que Gramsci subdivide entre o controle do aparelho repressivo do Estado e o político-militar relativo ao grau de coerência de determinada população, que ainda segundo o autor, a situação de desintegração é condição básica para sustentação de regimes opressores. Cox, afirma que é precisamente esse cenário que caracteriza o estado da maior parte das sociedades na globalização e aponta que o caminho para superação dessa situação deve ser trilhado pelo desenvolvimento do espírito de solidariedade local, estabelecimento de vínculos com sociedades de outros países e com a democracia participativa. Diante disso, Cox enfatiza dois principais elementos para a construção de um bloco contra-hegemônico são a) orientar o modo de pensar por uma perspectiva dialética, que permita superar a noção amplamente difundida da competitividade como critério último da política; b) o resgate do espírito de solidariedade, solapado pela crise do capitalismo nos anos 1970, que enfraqueceu os laços entre as pessoas e os Estados, minando também a confiança popular na capacidade dos Estados de prover condições sociais adequadas para os indivíduos. O autor conclui, ressaltando a centralidade da sociedade civil como campo de batalha para a reconstrução de um sistema de Estados distinto do atual existente, e sugerindo como estratégia para as esquerdas, enquanto não estrutura-se uma guerra de posição a longo prazo, a participação política eleitoral como tática defensiva e o mais importante, “ressuscitar o espírito de associação na sociedade civil” (p. 27). A utilização da noção de potencialidade contra-hegemônica da sociedade civil desenvolvida por Gramsci neste artigo está extremamente alinhada com as premissas críticas da observação e interpretação das realidades sociais e consequentemente da ordem hegemônica mundial. Cox, abandona o anacronismo e aloca as definições de sociedade civil gramscianas na realidade contemporânea, fazendo um diagnóstico da combinação de forças atuantes no contexto da globalização e trazendo importantes contribuições sobre a sociedade civil contemporânea. Como o impacto da globalização na fragmentação interna das classes sociais e a atuação das forças do “mundo encoberto”, configurando obstáculos para a formação de um bloco histórico contra-hegemônico. Em última instância, o que Cox coloca é que a luta pela construção de uma nova ordem mundial solidária pós globalização não está totalmente contemplada pela noção da superação da luta de classes nos termos marxistas. O autor defende um tipo de interseccionalidade entre classes à nível local, regional e global, para a superação do bloco hegemônico, onde sociedade civil é simultaneamente o campo de batalha e a força motriz para essa mudança. Reunir os excluídos da globalização em um bloco histórico contra-hegemônico, combatendo especialmente os desafios impostos pelo chamado “mundo secreto”, produto do distanciamento da sociedade civil da participação política e das forças neoliberais em todos os níveis.
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