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1 Anemias e Perdas de Sangue Hanna Briza PÚRPURA TROMBOCITOPENICA IMUNE A trombocitopenia imune (PTI) é uma forma adquirida de trombocitopenia causada principalmente pela destruição de plaquetas mediada por autoanticorpo. Os autoanticorpos também podem afetar megacariócitos e prejudicar a produção de plaquetas. A PTI é um diagnóstico de exclusão, caracterizado por trombocitopenia sem uma condição clinicamente aparente responsável pela baixa contagem de plaquetas; não há testes laboratoriais confiáveis para confirmar a diagnóstico. É uma patologia que se caracteriza pela ocorrência de plaquetopenia adquirida, frequentemente observada na forma crônica ou recorrente em adultos. Em crianças, geralmente, o quadro é agudo e autolimitado após um evento infeccioso. A causa da PTI permanece desconhecida na maioria dos casos, mas pode ser desencadeada por uma infecção viral ou outro gatilho imunológico ou ambiental. Pode ser dividida em dois grupos: ✓ PTI primária - PTI na ausência de outras causas ou distúrbios que possam estar associados à trombocitopenia. ✓ PTI secundária - trombocitopenia imunomediada com uma causa subjacente, incluindo induzida por drogas ou associada a doença sistêmica (por exemplo, lúpus eritematoso, infecção [por exemplo, HIV], deficiência imunológica [por exemplo, imunodeficiência comum variável ou síndrome linfoproliferativa autoimune] e outras causas). Patogênese Na PTI, os autoanticorpos (geralmente imunoglobulina G, IgG) são direcionados contra antígenos da membrana plaquetária, como o complexo glicoproteína (GP) IIb/IIIa. As plaquetas revestidas com anticorpos têm uma meia vida reduzida devido à depuração acelerada por macrófagos teciduais, predominantemente no baço. Além disso, os mesmos anticorpos podem inibir a produção de plaquetas. Os autoanticorpos também podem induzir a destruição de plaquetas mediada por complemento, bem como inibir função dos megacariócitos. No entanto, os anticorpos antiplaquetários não são detectados em até 50% dos pacientes; isso levanta a possibilidade de mecanismos alternativos de destruição de plaquetas. Foram descritas anormalidades nas células T, incluindo inclinação das células T auxiliares (Th) em direção a um tipo Th1 e tipo Th17 e uma redução nos números e função das células T reguladoras, que poderiam dirigir o processo autoimune. Em outras palavras a fisiopatologia da PTI é complexa e permanece incompletamente compreendida até os dias atuais. Epidemiologia No geral, a incidência de PTI varia de 2 a 4 casos por 100.000 pessoas/ano, com dois picos em adultos: um entre 20 e 30 anos com uma discreta predominância feminina e maior após os 60 anos, com distribuição igual entre os sexos. Embora alguns pacientes tenham um episódio de PTI seguido de uma remissão imediata, a PTI crônica se desenvolve em até 70% dos adultos com essa condição. Já em crianças é uma das causas mais comuns de trombocitopenia sintomática. A incidência anual de PTI na infância é estimada entre 1 e 6,4 casos por 100.000 crianças. Crianças com PTI podem se apresentar em qualquer idade, mas há um pico de incidência entre dois e cinco anos, um pico menor na adolescência. Na PTI infantil, há uma ligeira predominância de meninos para meninas, especialmente em bebês. Por outro lado, há uma predominância feminina de PTI em adolescentes e adultos mais jovens (por exemplo, 18 a 45 anos de idade). A hipótese para explicar a predominância feminina em adolescentes é que níveis mais altos de estrogênio podem promover autoimunidade. Manifestações Clínicas Muitos pacientes são assintomáticos. Para quem tem sintomas, estão relacionados a trombocitopenia e sangramento, mas os pacientes também podem sentir algum grau de fadiga. As manifestações clínicas de plaquetopenia são aquelas características de alteração da hemostasia primária, portanto, os pacientes apresentam-se com acometimento cutâneo mucoso. Como o sangramento geralmente ocorre na pele ou nas mucosas, o padrão às vezes é referido como sangramento “tipo plaquetário”. Os sinais típicos são petéquias (principalmente em membros inferiores) e equimoses espontâneas. Os sintomas de epistaxe, gengivorragia e hipermenorragia ou metrorragia são comuns, enquanto sangramento de TGI, hemorragia conjuntival e hematúria macroscópica são mais raros. Na PTI não há evidência de outros sinais e sintomas de acometimento sistêmico. Algumas 2 Anemias e Perdas de Sangue Hanna Briza vezes, o quadro clínico ocorre após um episódio de infecção viral, principalmente em crianças. Nos adultos, essa característica é menos frequente. Sangramento devido a trombocitopenia pode ocorrer em até dois terços dos pacientes. A gravidade é varia de hemorragia grave, que é rara, até petéquias leves nas extremidades. As manifestações clínicas ocorrem habitualmente naqueles indivíduos com contagem plaquetária inferior a 30 mil/mm³, sendo mais evidentes e graves em níveis plaquetários inferiores a 10 mil plaquetas/mm³, ou quando há uma redução abrupta da plaquetometria. Isso ocorre porque as plaquetas circulantes nos pacientes com PTI são mais jovens e com maior poder hemostático. As manifestações clínicas nesses indivíduos são menos graves quando comparadas a pacientes com plaquetopenia equivalente, porém com etiologia alternativa, como aquelas secundárias à insuficiência medular (p. ex., na aplasia de medula óssea idiopática ou induzida por quimioterapia). Epistaxe mínima, como observada apenas com assoar o nariz, é comum e pode não ser importante. Epistaxe contínua que requer intervenção com tamponamento nasal ou cauterização pode ser preditivo de maior risco de um sangramento mais sério. Em contraste com os achados mais comuns de petéquias e púrpura, uma hemorragia mais grave, como hemorragia intracraniana (HIC), sangramento gastrointestinal, sangramento menstrual grave e hematúria são bastante incomuns. A fadiga é um sintoma comum entre pacientes com PTI. Frequentemente correlaciona-se com trombocitopenia, mas pode ocorrer mesmo quando a contagem de plaquetas é apenas levemente reduzida. As causas não são bem conhecidas. Alguns especialistas sugerem que fatores contribuintes podem incluir condições e comorbidades associadas (por exemplo, lúpus sistêmico eritematoso [LES], hipotireoidismo), restrições de atividade, efeitos adversos de terapias médicas (por exemplo, distúrbios do sono causados por glicocorticoides), idade mais avançada, maior nível de estresse, disfunção autonômica, e/ou efeitos adversos causados por citocinas pró-inflamatórias. Em crianças há uma classificação das manifestações hemorrágicas da PTI: Diagnóstico PTI é definida como uma contagem de plaquetas abaixo de 100.000/ mm³ em pacientes nos quais outras causas de trombocitopenia foram afastadas. História clínica, incluindo avaliação de uso de drogas, exame físico e hemograma completo, são importantes para descartar outras causas de trombocitopenia e avaliar se há causas secundárias de PTI. Não existe um teste padrão de referência que estabeleça o diagnóstico de PTI. Atualmente o diagnóstico ocorre na maioria das vezes somente após a observação incidental de plaquetopenia ao hemograma. Os únicos testes recomendáveis para os pacientes com suspeita clínica de PTI são: ✓ Anti-HIV e anti-HCV em pacientes que tenham fatores de risco associados; ✓ Provas de função tireoidiana para exclusão de hipertireoidismo e/ou hipotireoidismo não manifestados clinicamente, previamente a esplenectomia eletiva; ✓ Mielograma em pacientes com mais de 60 anos, para descartar síndrome mielodisplásica, e nos menores de 18, para exclusão de leucemias agudas (também deve ser realizado em pacientes não responsivos a terapia e previamente a esplenectomia,com o objetivo de reavaliação/confirmação do diagnóstico inicial de PTI). Tratamento O objetivo do tratamento da PTI é fornecer uma contagem segura de plaquetas para evitar sangramentos clinicamente importantes, em vez de normalizar a contagem de plaquetas, assim, muitos pacientes não necessitam de intervenções para aumentar o número de plaquetas. Em adultos, a remissão espontânea é incomum, ocorrendo em aproximadamente 9% dos indivíduos. A necessidade de intervenção é guiada pelos sintomas de sangramento e pela contagem de plaquetas (isto é, se é baixa o suficiente para conferir risco grave de sangramento). A escolha da terapia depende da rapidez com que a contagem de plaquetas precisa ser aumentada e dos diferentes perfis de toxicidade das terapias disponíveis. Sangramento clinicamente importante é geralmente definido como sangramento que requer atenção médica. Pode variar em gravidade de hemorragia intracerebral com risco de vida a sintomas como sangramentos nasais frequentes que não param com 3 Anemias e Perdas de Sangue Hanna Briza medidas hemostáticas locais, menorragia que requer intervenção hormonal ou bolhas no sangue da mucosa oral que podem significar maior risco de sangramento clinicamente importante. Em pacientes assintomáticos ou com apenas sangramento mucocutâneo leve, a decisão de tratamento deve ser guiada pelo risco de futuros sangramento e preferências do paciente. Contudo, prever o risco de sangramento futuro entre pacientes com PTI é um desafio. Vários escores de risco foram desenvolvidos, mas seus utilidade na prática clínica é limitada por sua complexidade e falta de validação em grandes estudos. É geralmente recomendado que pacientes que estão recebendo anticoagulantes ou agentes antiplaquetários devem receber tratamento para manter contagens de plaquetas acima de 50.000/mm³. Confirmação diagnóstica antes de tratar: Embora a PTI seja provavelmente o diagnóstico correto na maioria dos pacientes com trombocitopenia isolada, o encaminhamento a um hematologista é apropriado para todos os pacientes com uma nova observação de trombocitopenia com contagem plaquetária abaixo de 100.000/mm³. Ocasionalmente, os pacientes são erroneamente rotulados como portadores de PTI e são desnecessariamente expostos a tratamentos, incluindo administração de glicocorticoides e/ou esplenectomia, quando eles na verdade têm outras condições (por exemplo, trombocitopenia induzida por drogas). Portanto, é importante considerar diagnósticos alternativos antes de iniciar o tratamento. Glicocorticoides: O tratamento com glicocorticoides é a terapia padrão inicial para pacientes com PTI. Os glicocorticoides aumentam a contagem de plaquetas em aproximadamente dois terços dos pacientes, com a maioria dos pacientes respondendo dentro de dois a cinco dias. Os esquemas de tratamento mais comuns são altas doses de dexametasona 40 mg por via oral por dia durante quatro dias (também conhecida como pulso de dexametasona), ou prednisona oral a 1 mg/kg diariamente por uma a duas semanas, seguida por uma redução gradual. Para a maioria dos pacientes sugere- se altas doses de dexametasona porque essa opção evita exposições prolongadas à prednisona oral, que podem estar associadas a toxicidades significativas. Altas doses de dexametasona também parecem funcionar mais rapidamente. Embora 60 a 80% dos pacientes com PTI tenham resposta inicial aos glicocorticoides, apenas 30 a 50% dos adultos têm uma resposta sustentada após a descontinuação dos glicocorticoidess. Em alguns estudos, o uso continuado tem sido associado a maior incidência de remissão a longo prazo, mas exposição prolongada a glicocorticoides não é recomendado devido a efeitos adversos. Imunoglobulina intravenosa: A imunoglobulina (IG) pode aumentar a contagem de plaquetas em 24 a 48 horas na maioria dos pacientes com PTI; esse efeito é reproduzível o suficiente para que a resposta na contagem de plaquetas à IG já ter sido usada como critério de diagnóstico para PTI. É mais útil para pacientes que necessitam de um aumento rápido e temporário na contagem de plaquetas (por exemplo, para tratamento urgente de sangramento associado a trombocitopenia ou antes de um procedimento invasivo urgente) ou aqueles que são incapazes de tolerar glicocorticoides e aguardam o início de uma terapia de segunda linha. A IG aumenta a contagem de plaquetas, interferindo na captação das plaquetas revestidas com autoanticorpos pelos macrófagos. Alguns pacientes podem não ter uma contagem estável e segura de plaquetas após terapia com glicocorticoides ou imunoglobulina intravenosa (IG). Terapia com esplenectomia, rituximab, agonistas do receptor de trombopoietina (TPO-RAs) ou terapia imunossupressora pode ser apropriado para pacientes que continuam a ter sangramento clinicamente significativo, pacientes com contagem de plaquetas <10.000 a 20.000/mm³ e alguns pacientes com contagem de plaquetas no intervalo de 20.000 a 30.000/mm³ após terapia de primeira linha. A esplenectomia é um tratamento efetivo para a PTI, levando a remissão completa e durável em 2/3 dos pacientes. É terapia de segunda linha, já que 9% dos indivíduos apresentam PTI aguda e entram em remissão espontaneamente. Deve ser considerada após 6 meses de evoluçãonaqueles pacientes com plaquetopenia persistente e grave, após falha de resposta com corticosteroides, ou mais precocemente em alguns casos graves e refratários. Prognóstico A maioria dos adultos com PTI alcançará uma contagem segura e estável de plaquetas. No entanto, muitos exigirão um ou mais esquemas de tratamento e alguns podem ter complicações hemorrágicas se a trombocitopenia for grave e/ou apresentarem outras 4 Anemias e Perdas de Sangue Hanna Briza comorbidades que predispõem ao sangramento. Alguns casos de remissão espontânea aparentem podem na verdade representar formas autolimitadas de trombocitopenia devido a outras causas, especialmente drogas, que podem ter sido negligenciadas. A mortalidade da PTI é considerada semelhante ou apenas ligeiramente mais alta do que uma população da mesma idade, apesar da possibilidade de hemorragia fatal por trombocitopenia ou infecção no cenário de terapias que causam imunossupressão. Pacientes com PTI têm maior probabilidade de morrer de condições não relacionadas à PTI do que à PTI ou seu tratamento.
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