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Resenha - Novas Conferências de Psicanálise Teorias da Personalidade Uriel de Mendonça Batalha Silveira Introdução Freud, nesta conferência, tem como objetivo organizar conceitualmente pontos que antes, ou não haviam recebido a devida importância, ou ainda careciam de maiores polimentos a respeito da psicologia do ego. Assim, em toda sua apresentação, busca retomar pontos já citados em outras ocasiões, ou relembrar conceitos já utilizados, ou mesmo conceitos populares, a fim de desenhar uma nova elaboração para a psicanálise. Ao longo de seu discurso, traz à tona as questões humanas básicas, como o conflito entre nossos instintos e o mundo externo, ou mesmo nossa relação com nossos pais. Ratifica também a diferença entre identificação e relação objetal, ou seja, querer ser e quer ter, respectivamente. Novas configurações do aparelho mental A fim de trazer à tona a nova configuração do aparelho mental, começa com a reflexão sobre o ego tornar-se sujeito de observação de si mesmo, como um exercício de investigação sobre sua própria natureza e constituição. Com isso, introduz o efeito comumente percebido pelas pessoas, e por elas chamado de “consciência”, que constantemente sentem por ela serem observadas e prontamente acusadas, quando infringem algo que lhes é tido como lei moral. Esta instância, popularmente chamada de “consciência”, não necessariamente localiza-se apenas no continente consciente da psique, bem como o ego, como será mais à frente apresentado. Contudo, esta chamada “consciência” surge a partir do ego, e relaciona-se diretamente com ele, recobrando os padrões absorvidos das autoridades externas, como pais, professores e demais representantes de uma ordem ou lei, e é nomeada então de superego. O superego está presente na vida consciente e constantemente aponta um ideal a ser alcançado pelo ego, bem como traz consigo o papel de cobrança pelos resultados na busca desse ideal, aplicando punição com sentimentos de culpa e inferioridade sempre que a conduta ou resultados não são coerentes com o que é esperado pelo padrão ideal interiorizado. Essa nova instância assume o papel de restrição e correção moral antes desenvolvido pelos pais ou autoridades responsáveis pela criança, sem contudo, também absorve a postura de carinho, segurança e acolhimento que espera-se dessas. Além de certo grau de autonomia, o superego também apresenta parte de seu conteúdo em estado inconsciente, ou nunca surgindo, ou surgindo de forma latente. Novas distribuições topográficas da consciência Surge então a necessidade de diferenciar os conceitos e as palavras meramente descritivas, e encaixar cada um em seu devido lugar. Além da aparelhagem mental e suas funcionalidades específicas, há também a topografia da consciência humana, indicando a ilustrativa localização dos conteúdos em seus relativos níveis de consciência ou inconsciência. Como “o inconsciente” por si acabou se tornando uma palavra e um conceito muitas vezes misturado e confundido, esclarece-se que a localização de um conteúdo inconsciente não necessariamente terá relação com uma funcionalidade do aparelho mental que atua no inconsciente ou que está completamente imersa no inconsciente. Assim como por vezes conteúdos que estão em estado inconsciente surgem na consciência, ou vice versa, surge a necessidade de uma organização melhor dos termos e seus usos. Portanto, quanto à localização, estabelece-se três níveis, a consciência, onde os conteúdos estão presentes para o ego, e este faz uso deles, os processa e com eles se movimenta, juntamente com as percepções que apreende do mundo externo. Há o inconsciente, onde estão os conteúdos reprimidos, recalcados, não processados pelo ego ou por este abolidos da consciência, e que são de difícil acesso, ou mesmo, nunca acessado pela consciência. Contudo, entre essas duas fases extremas há uma fase intermediária, onde estão os conteúdos que não foram reprimidos para as profundezas do inconsciente, mas que também não configuram continuamente o palco da consciência, tendo sua participação latente. Toma nome então o pré-consciente, um lugar onde ficam os conteúdos conscientes quando não estão em cena na superfície da consciência, mas que também não foram reprimidos e bloqueados pelo ego. ID Ainda há uma necessidade de nomear adequadamente a parte do inconsciente, não o topográfico, mas sim, o funcional, que constitui o caldeirão dos instintos, que foge à realidade, às regras, à moral e ao domínio do tempo, que impulsiona o ser pela lei da satisfação dos prazeres e está continuamente sedento para saciar suas necessidades básicas. Freud nomeia esta instância da psiquê, que reside nas profundezas do inconsciente, mas da qual surge o ego, pelo contato com o mundo externo, de ID. Assim, em termos de funcionalidade sistêmica, o ID abarca exatamente o estado mais primitivo e instintivo do ser humano, aglomerando a energia que o movimenta e o impulsiona a agir de maneira a se saciar e continuar vivendo. O ID desconhece o tempo, e por ele não é influenciado, de modo que o mesmo desejo pode passar anos a fio atormentando o ego ou manifestando sintomas como se tivesse começado agora a pouco. O que o modifica é trazê-lo à luz da consciência para dissolvê-lo, em análise. Mundo externo O ego surge precisamente a partir dos primeiros contatos desta instância primitiva com o mundo externo, numa tentativa de conciliação das percepções de uma realidade externa com a realidade interna de desejos e energias. O ego começa seu papel de conciliador, buscando as melhores maneiras e momentos para satisfazer o ID, também tomando dele emprestado energia para exercer seu papel. Contudo, quanto mais lida com o mundo externo, mais distante acaba por ficar do ID, em termos de realização de seus anseios, visto que mais difíceis se tornam, seja pela influência de questões estruturais ou mesmo do tempo, forças sob as quais o ego deve se sujeitar a fim de permanecer em contato com a realidade externa. Super ego Além dessas duas pressões, a do ID para a saciação do desejo, e do mundo externo para a adequação às forças da realidade percebida e das questões concretas que a envolvem, há ainda uma terceira força que atua com suas cobranças, que é o já citado superego, desenvolvido a partir do referencial parental e das autoridades com as quais o ego vai encontrando ao longo de seu desenvolvimento, seja identificando-se ou desejando-as. O superego, diferente do ID, mas também com intenções parecidas, também demanda do ego a satisfação de suas cobranças, porém, não no nível de desejos primitivos e insaciáveis, mas no nível de exigências morais e padrões ideias a serem continuamente buscados. O superego cobra do ego a constante realização desse ideal, ameaçando-o com a culpa e o sentimento de inferioridade quando este não consegue cumprir com perfeição o que lhe é cobrado, trazendo à nível consciente a ansiedade e a angústia. Ego O ego é o conciliador entre essas três forças, que está constantemente pegando do ID a energia necessária para caminhar, enquanto interage constantemente com o mundo externo e lida com as questões advindas dele, balizando sua conduta a partir das cobranças internalizadas no superego dos padrões ideais absorvidos dos pais e das autoridades que modelaram a criança ao longo de sua fase inicial de desenvolvimento. É um trabalho exaustivo e constante de submeter-se a três senhores, cobrando coisas totalmente distintas e muitas vezes diretamente divergentes, e ainda ter que manter o equilíbrio entre a satisfação dos três enquanto existe num nível pessoal e subjetivo. O objetivo da análise é o fortalecimento do ego, para que este consiga absorver para si mais e mais energia do ID sem necessariamente vender-se à realização de seus desejos, agindo a partir de sua própria moralidade, sem ser brutalmente alvejado pelo superego e suas cobranças opressivas e depreciações morais, enquanto transita no mundo externo, lidando, tanto quanto possível, com leveza em relação às questões da realidade, pois, como Freudcita, mesmo a vida não sendo nada demais, é tudo o que temos.
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