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CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE 1 Adriana Zóboli Silvério 2 Danilo Rayme 3 Sérgio Taquini4 INTRODUÇÃO O propósito deste trabalho é analisar a Lei 13.467/2017 sob a ótica do Direito Trabalhista e identificar alguns impactos decorrentes de sua aplicação, quer seja, no ordenamento jurídico e/ou na vida do trabalhador. Será necessário um breve esclarecimento sobre as normas objeto de discussão paralela à análise de outras leis, inclusive, previsões normativas constitucionais. Servirão como estratégia hermenêutica a interpretação do tema com base em princípios constitucionais e princípios do Direito do Trabalho, permitindo o aprofundamento necessário ao debate e à aproximação ao interesse público e a finalidade social do trabalho. Outras esferas do Direito poderão ser analisadas conforme o entendimento na ciência jurídica unitária e sistêmica. Abordaremos precedentes jurisprudenciais para observar de que forma as instâncias superiores da justiça brasileira tem encontrado a pacificação das lides trabalhistas nos casos de contrato de trabalho intermitente. Nesse sentido, defenderemos a prevalência do fim social do trabalho e o interesse público como via concretizadora dos direitos trabalhistas, duramente conquistados desde a promulgação do Decreto-Lei nº5.452 de 01 de maio de 1943 conhecida como a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. 1 – DO TRABALHO INTERMITENTE 1 Paper apresentado à Disciplina de Direito do Trabalho I – Professora Stéphany Ulhôa Moratti - Para obtenção da nota N2B1 - 2021/1 - Faculdade Espírito Santense de Ciências Jurídicas - Faculdade PIO XII - Curso de Direito. 2 Acadêmico de Direito – Turma D3AN. 3 Acadêmico de Direito – Turma D3AN. 4 Acadêmico de Direito – Turma D3AN. 2 O trabalho intermitente é uma modalidade recente de contrato de trabalho, criado a partir da Lei nº13.467/2017, a chamada Reforma Trabalhista”, trazendo significativas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Quanto ao trabalho intermitente podemos caracterizá-lo através da contratação “por demanda”, sem determinar uma jornada mínima fixa, semanal ou mensal. A prestação do serviço não é contínua, portanto, pode ser interrompida após o término da tarefa, ou por decisão do empregador, a qualquer momento. Mantém-se a subordinação do empregado, portanto, continua como um contrato de trabalho e não pode ser confundido com a chamada terceirização, sendo esta outra forma de o empregador, reduzir os custos de contratação legalizada de trabalhador. O empregado, ao encerrar a atividade ou ser considerado dispensado da jornada contratada, ficará aguardando nova convocação, no entanto, sem remuneração desse período inativo. Afirma o que dissemos até aqui, as palavras de Luciano Martinez: Aqui, como se antedisse, a prestação dos serviços subordinados é oferecida de maneira fracionada, com alternância de períodos de atividade e de inatividade, segundo a lógica do just in time, vale dizer, do consumo fatiado, a granel, do número exato de horas, dias ou meses necessários à satisfação dos interesses patronais (MARTINEZ, 2019, p.607). É importante registrar que o contrato de trabalho intermitente, atrelado ao entendimento de flexibilização do trabalho com o escopo de modernização das relações de trabalho, trouxe insegurança ao trabalhador, pois este não sabe quando terá novas tarefas e quanto receberá ao final do mês. Portanto, a ideia de precarização do trabalho nos parece evidente. De posse dessas informações, analisaremos o que quis o legislador e o que poderá ocorrer, se já não vem acontecendo com certa frequência, em especial, neste período de pandemia, com as paralisações temporárias, os “lockdawns”, o que justificaria para o empregador a contratação por períodos de permissão do funcionamento das atividades. 3 Sabe-se que há a informalização do trabalho, com pessoas buscando a sobrevivência através de atividades remuneradas sem a proteção de contratos de trabalho. São os trabalhadores informais, que, naturalmente, por não ter vínculo empregatício, está invisível ao Estado, não contribuindo para a previdência, mas também não tendo a segurança do recebimento de benefícios previdenciários, fundo de garantia por tempo de serviço-FGTS, auxílio-doença, férias, 13º salário. Nesse sentido, quis o legislador, a princípio, resolver o problema da informalidade desses trabalhadores regularizando na forma de contrato de trabalhado intermitente. Mas, não parece razoável acreditar que se o trabalhador informal encontra a atividade que lhe dá o sustento sem a necessidade de contribuir para o FGTS e para a previdência social, o que naturalmente, reduzirá seus ganhos, porquê buscaria a formalização? Será que o “benefício” das férias ou dos proventos de aposentadoria por tempo de trabalho lhe seduziriam o suficiente para buscar a formalização? Acreditamos que não. Há ainda a intenção oculta, conforme nosso entendimento, que está por trás dos interesses dos legisladores, que tiveram suas campanhas financiadas por empresas interessadas em reduzir os custos de contratação de trabalhadores, que podem encontrar a “brecha” para não se obrigar, contratualmente, pelos períodos em que o trabalhador estiver à disposição do empregador, mas sem tarefas. Assim, o trabalho intermitente pode ser utilizado como forma de isentar o empregador de obrigações trabalhistas comuns aos contratos “padrão”. Observa-se também a informalidade proposta pela Lei 13.467/17 quando diz em seu caput que “o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito...”, o que poderá gerar conflitos entre as partes, por permitir o acordo verbal de um trabalho que já não possui garantia de continuidade do vínculo e sem a proteção à demissão sem justa. Essa condição tende a fragilizar ainda mais a posição do trabalhador, que no intuito de garantir mais horas de trabalho futuras, poderá se submeter às condições ainda mais precárias de trabalho. 4 Outra abordagem importante sobre a Lei 13.467/17 é a abrangência com que o legislador deu à norma do Art. 443 em seu parágrafo 3º quando diz que: Art.443 § 3o - Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 1943). Atendo-se ao trecho final “independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas...”, abre o precedente para que qualquer atividade, excetuando-se os aeronautas, que convenhamos, não há representam muito em números absolutos do número de trabalhadores no Brasil, todas as outras atividades podem ser convertidas em trabalho intermitente. Ainda que a atividade executada e o tipo de trabalho sejam importantes para determinar o trabalho intermitente, podemos ter um aumento significativo dessa modalidade de contratação. Trazendo mais esclarecimentos ao trabalho intermitente o contrato deve informar o valor da hora de trabalho e qual a jornada prevista. O silêncio do trabalhador será compreendido como negativa no aceite da oferta, sem prejuízo de convocações futuras. O empregado poderá ser comunicado para se apresentar ao trabalho através de carta, telegrama e até WhatsApp, apresentando aparente atualização das formas de comunicação nas relações de trabalho. Analisando o parágrafo anterior, podemos deduzir que o trabalhador poderá receber remuneração inferior a um salário mínimo, conforme a quantidade de horas trabalhadas. O problema reside na afronta ao que previu a ConstituiçãoFederal de 1988 em seu Art.7º incisos IV e VII: Art.7º IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; (BRASIL, CF/88). 5 Portanto, a possibilidade de remuneração inferior a um salário mínimo, atualmente no valor de R$1.100,00(um mil e cem reais), conforme a Lei 13.467/17 e a regulamentação do trabalho intermitente é totalmente possível, o que contraria a Constituição Federal em seu Art.7º. Ademais, recebendo menos de um salário mínimo, o trabalhador sob o contrato intermitente, não terá as condições necessárias vitais básicas e às de sua família atendidas, o que fere o princípio da dignidade humana, quer seja, uma garantia também constitucional prevista no Art.1º inciso III da CF/88. Acrescento semelhante entendimento o que diz Carlos Henrique Bezerra Leite: Além disso, o novel art. 425-A da CLT (e os arts. 2º a 6º da Portaria MTE 349 de 23-5-2018, que “regulamentam” o trabalho intermitente) é, segundo pensamos, manifestamente inconstitucional, porque o trabalhador só receberá remuneração quando convocado pela empresa, que utiliza o seu serviço e depois o descarta como se fosse uma mercadoria, violando, 697 assim, os princípios da dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador, do valor social do seu trabalho, da busca do pleno emprego, da correção das desigualdades sociais e da função social da empresa (CF, arts. 1º, III e IV, 170, caput, III, VII e VIII), sendo certo, ainda, que esse “trabalhador intermitente” poderá nada receber durante um mês ou meses ou auferir remuneração inferior ao salário mínimo, o que fere o disposto no art. 7º, IV, da CF. (LEITE, 2019, p.697 e 698). Observa-se que Carlos Henrique Bezerra Leite acrescenta ainda o prejuízo aos princípios da busca pelo pleno emprego, da correção das desigualdades sociais e da função social da empresa como consequência da Lei 13.467/2017 e a consequente criação do Art.425-A na CLT. Problemas estes que compactuamos da mesma preocupação do autor. 2 – DECISÕES RECENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO Para demonstrar como os tribunais têm decidido sobre os conflitos originados no entendimento divergente sobre o trabalho intermitente ou em situações que tangenciam essa modalidade de contratação, apresentamos o caso exposto Acórdão 6 (PJE) nº0000411-56.2019.5.17.0009 DE 29/03/2021 (AC. 0/0) 13/04/2021 18:30 PROCESSO, cuja ementa é a ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 791-A, § 4º, DA CLT, cujo Recorrente e Recorrido são os mesmos: Átila de Almeida Siqueira, DIKMA SERVICOS GERAIS LTDA, ARCELORMITTAL BRASIL S.A. na 9ª Vara do Trabalho de Vitória/ES e cujo Relator é o Excelentíssimo Desembargador Marcello Maciel Mancilha. No caso em tela é possível observar como o contrato de trabalho intermitente foi visto como vínculo de pouca segurança jurídica e justificativa para configurar hipossuficiência do trabalhador e consequente direito à justiça gratuita, ainda que representado por advogado privado: “...Não bastasse isso, o reclamante possuía vínculo de trabalho precário com a 1ª reclamada (contrato intermitente) e os contracheques juntados, em id. c219c09, indicam o recebimento de remuneração mensal de aproximadamente R$1.000,00 - inferior, portanto, ao limite estipulado no §3º do art. 790 da CLT -, não sendo crível que o autor tenha aumentado seu patamar econômico desde então...” (Relator Des. Marcelo Maciel Mancilha). Fica o registro do termo “vínculo de trabalho precário” utilizado pelo magistrado, que confere a ideia de fragilidade na relação contratual de trabalho, percebendo remuneração ao empregado em quantidade insuficiente para que possa arcar com as custas do processo. Parece-nos, que é visível aos olhos da justiça, através da atuação do servidor público responsável pela análise do caso, que a modalidade contratual de trabalho intermitente não permite ao empregado, em condição de trabalho esporádica, auferir recursos que lhe garanta o usufruto de condições adequadas de autonomia econômica. Outro caso que apresentamos trata-se de recurso de Revista n° TST-AIRR-11109- 68.2014.5.15.0069, cuja ementa é: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DECISÃO COLEGIADA. INADEQUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE, sendo o Agravante pessoa jurídica, AUTOPISTA REGIS BITTENCOURT S.A. e a Agravada WANDA RAMOS, no qual os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negam provimento ao Agravo de Instrumento, em desfavor da empresa no ramo de Concessionárias de rodovias, pontes, túneis e serviços relacionados, 7 sediada em São Nicolau/SP, no qual a Agravada Wanda Ramos, questiona em seu recurso, Remuneração, Verbas Indenizatórias e Benefícios, Adicional de Periculosidade, Responsabilidade Civil do Empregador e Indenização por Dano Moral. Conforme descrito no recurso de revista a decisão colegiada do tribunal, destaca-se o trecho: “...restando comprovado que a obreira laborava em área de risco, é devido o adicional em tela em razão do perigo a que era exposta, e não pelo tempo de exposição ao risco, pouco importando se a empregada trabalhava em caráter permanente ou intermitente” (Relator Ministro João batista Pereira). Conforme acórdão, a agravante Autopista Regis Bittencourt S.A. e Outro, recorreu ao agravo de instrumento, onde solicita rever a decisão judicial, onde os Ministros da oitava turma do Tribunal Superior do trabalho, negam a o provimento desse agravo (solicitação de revisa da empresa), além disso, majoram para o valor dobrado, no caso o valor da indenização, (R$ 20.000,00) em favor da trabalhadora, onde provavelmente a empresa já havia tido outras sessões de audiência ocorridas em seu desfavor. Ressalvo as palavras dos Ministros do TST, a agravante pouco importou com a exposição da empregada, onde, não foi caracterizado nos autos o tipo de contrato de trabalho, de caráter permanente ou intermitente, sabendo que os direitos de ambos os contratos para os trabalhadores são os mesmos. Foi caracterizado que o empregador não tinha preocupações necessárias com seus empregados, onde é cabível ao empregador todas as seguranças que o trabalhador tenha direito, mesmo sendo contrato intermitente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto até aqui, após considerações a respeito da criação da Lei 13.467/2017 nomeada Reforma Trabalhista e em especial a inclusão do Art.425-A no Decreto-Lei nº5.452 de 01 de maio de 1943 que deu origem a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT trouxeram um enorme desafio ao trabalhador pois este que já enfrenta resistência na manutenção dos direitos conquistados, agora deverá 8 desenvolver um perfil de autonomia para negociar com o empregador melhores condições de trabalho. E deverá fazê-lo, resilientemente, pois as condições de vida e as oportunidades de trabalho e renda reduziram e tem se tornado pouco atrativas do ponto de vista financeiro neste período de pandemia viral. Caberá aos operadores do Direito compreender seu papel social enquanto defensores dos direitos trabalhistas já conquistados. Caberá também ao legislador buscar novas formas de proteção ao trabalho e ao trabalhador, legislando a favor desta categoria social que responde pela força de trabalho do país, carregando a responsabilidade diária de produzir, consumir e subsistir. Por fim, entregamos a proposta de continuar discutindo as mudanças discutidas neste trabalho, a fim de apurar as interpretações a respeitodas novas leis criadas, sob a égide dos princípios da Dignidade Humana e do Valor Social do Trabalho. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilad o.htm. Acesso em: 21 abr. 2021. ______. Lei nº. 13.467/17, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação as Leis do Trabalho (CLT). Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 21 abr. 2021. ______. Decreto-Lei nº. 5.457 de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho - (CLT). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.htm. Acesso em: 21 abr. 2021. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2019.1. MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.1. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES). Acórdão nº 0000411- 56.2019.5.17.0009 (RORSum). Relator Des. Marcello Maciel Mancilha. Acórdão Data 13 de abr de 2021. Disponível em https: https://www.trtes.jus.br/principal/publicacoes/leitor/272786004/?pq=KHtpbnRlcm1pd GVudGV9KQ==&fmt=2. Acesso em 21 de Abr de 2021. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Turma (SP). Acórdão nº AIRR - 11109- 68.2014.5.15.0069 (RORSum). Relator Ministro João Batista Brito Pereira. 9 Acórdão Data 14 de abr de 2021. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/#5b21defa4d63feff640b2c6667977d4b. Acesso em 21 de Abr de 2021.
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