Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 5: OBSTRUÇÃO INTESTINAL: A obstrução intestinal é definida como um quadro sindrômico marcado pela ausência de trânsito gastrintestinal, seja ela causada por bloqueio total, parcial ou por diminuição do peristaltismo. Comparação entre o percurso da obstrução parcial (esq.), que permite passagem de flatos e fezes líquidas, e completa (dir.), interrupção total do trânsito É possível classificar essas apresentações como funcionais, secundárias a quadros morfofisiológicos alterados (sem bloqueio direto), ou mecânicas, decorrentes da oclusão física intestinal, podendo ser intraluminal, da parede ou extra-intestinal. Destacam-se, como etiologias clássicas: Obstrução funcional: íleo paralítico pós-operatório, inflamatório ou resultante de medicamentos ou distúrbios metabólicos; o Síndrome de Ogilvie: síndrome marcada por disautonomia nervosa, capaz de causar pseudo- obstrução intestinal sem fator mecânico Obstrução mecânica intraluminal: neoplasias, principalmente o adenocarcinoma de cólon; Obstrução por lesões na parede intestinal: intuscepção, principalmente em crianças; Obstruções por causas extraintestinais: causadas por bridas (cordões de tecido cicatricial no intestino) ou hérnias (destaque para as femorais, com maior risco de estrangulamento). Causas para obstrução intestinal Nesse quadro, ainda é possível diferenciar interrupções completas ou parciais do TGI, e apresentações altas (jejuno e íleo proximal) ou baixas (íleo terminal e intestino grosso). Causas mais comuns de obstrução quanto a origem topográfica Esse tipo de patologia é mais comum dentre adultos e idosos, sendo a região mais acometida o intestino delgado. Ainda nesse perfil epidemiológico, alguns fatores de risco são evidentes para o surgimento desse quadro, a saber: Histórico de cirurgias abdominais ou pélvicas; Hérnias inguinais ou abdominais; Portadores de doença inflamatória intestinal; Histórico individual ou familiar de neoplasia; Radioterapia prévia; Ingestão de corpo estranho. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Etiologias mais frequentes de obstrução intestinal em grupos de risco FISIOPATOLOGIA: Nos processos de obstrução intestinal, a alça acometida apresenta dilatação proximal em decorrência do acúmulo de gases e secreções decorrentes do bloqueio. Com a manutenção desse quadro, ocorre edema do intestino, afetando sua capacidade absortiva, o que só aumenta o sequestro de líquidos para o lúmen. Esse processo, em fases iniciais, é responsável por estimular a peristalse reflexa logo abaixo do foco de oclusão, que logo cessa, estagnando o trânsito intestinal. Com o agravamento da obstrução, a pressão interna pode levar à compressão de vênulas e vasos linfáticos da parede intestinal, diminuindo a perfusão para o órgão. O resultado dessa progressão é a isquemia, que pode provocar, na ausência de intervenção rápida, necrose ou perfurações, quadro conhecido como sofrimento de alça. Causas vasculares secundárias também estão associadas a esse desfecho, como o volvo (torções intestinais), as invaginações e o estrangulamento de hérnias, criando alças fechadas. Representação de uma hérnia estrangulada (esq.), volvo (meio) e intuscepção intestinal (dir.) Necrose de alça por hérnia inguinoscrotal Com a formação de edema, há acúmulo de líquido no terceiro espaço, gerando desidratação e hipovolemia. Quando essas oclusões atingem áreas mais superiores, há também alcalose metabólica e diminuição na concentração de cloro e potássio sérico, junto a presença de vômitos com suco gástrico. Manifestações sistêmicas se instalam com o avanço da obstrução e da desidratação, evoluindo com oligúria, hemoconcentração e até mesmo choque hipovolêmico Os sinais vitais podem sofrer alterações em decorrência do aumento da pressão intra-abdominal, que causa dificuldade respiratória e redução do retorno venoso. Por fim, as barreiras intestinais antibacterianas são rompidas, estimulando a migração de microrganismos em direção ao lúmen do órgão, o que, junto à perfuração por isquemia, pode levar a um Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA quadro de peritonite. Esse desfecho pode causar morte por sepse. Fisiopatologia da obstrução intestinal e de seus reflexos clínicos QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: A apresentação clínica de um paciente com obstrução intestinal é bastante variada, seja devido à etiologia do quadro ou pelo grau de comprometimento das alças. Ainda assim, alguns sintomas são bastante comuns, como dor periumbilical em cólica com início súbito, náuseas, vômitos e interrupção na eliminação de flatos e fezes. Esses eventos marcam o primeiro estágio do quadro. Destacam-se, como achados semiológicos a presença de distensão abdominal com ruídos hidroaéreos metálicos (em quadros agudos, diminuindo com a cronicidade) e ausência de fezes na ampola retal. A passagem para o segundo estágio da obstrução intestinal é marcada pela desidratação resultante da interação entre êmese e edema do intestino. Como nessa etapa já pode haver translocação bacteriana e sofrimento de alça, a dor pode se transformar em peritonite difusa (principalmente se há defesa abdominal), ou anunciar perfurações. Alguns outros sintomas podem ser associados ao quadro, diferindo quanto ao nível da obstrução mecânica, a saber: Obstrução alta: por acometerem o intestino delgado, há maior volume de queixas com vômitos biliosos precoces e obstipação. Normalmente esses pacientes apresentam histórico de cirurgias abdominais; Obstrução baixa: acometendo o intestino grosso, nota-se a presença de vômitos tardios, inicialmente biliosos, mas que se tornam fecaloides com o avanço da doença. O sintoma de maior destaque, no entanto, é a distensão abdominal. Obstruções mecânicas O diagnóstico da obstrução intestinal deve contar com a realização mandatória do exame clínico (achados descritos acima), que normalmente já direciona a formulação de hipóteses, confirmadas por exames laboratoriais e métodos de imagem. Esse processo pode também auxiliar o preparo pré-operatório do paciente. Os principais exames solicitados são os de rotina do abdome agudo (adiografia de tórax e abdome [de pé e em decúbito), hemograma, eletrólitos, gasometria arterial, coagulograma, e análise da função renal, amparados por enema opaco e, quando necessário, videolaparoscopia. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Exames complementares na avaliação da obstrução intestinal Os resultados dos exames complementares podem ser normais nas primeiras fases da obstrução, porém, com o avanço do quadro surgem hemoconcentração, leucocitose (quando com desvio à esquerda, sugere complicações) e distúrbios hidroeletrolíticos. Caso ocorra aumento no número de leucócitos sem a presença simultânea de aumento no hematócrito, há indícios de estrangulamento de alça. A análise radiológica, por sua vez, permite a identificação de dilatação em alças intestinais com presença de níveis hidroaéreos, indicativos do local da oclusão. Radiografia evidenciando dilatação de alças intestinais (setas azuis) e o sinal do empilhamento de moedas (setas amarelas) Níveis hidroaéreos (reta laranja) presentes na avaliação da obstrução abdominal alta Se a obstrução for completa, não há presença de ar na ampola retal, nem no cólon. Frente a dúvidas diagnósticas, outros métodos também são usados. Em quadros de torção, é possível detectar a área afetada, normalmente associada a um megacólon. Perfurações intestinais, por suavez, são identificadas por pneumoperitônio e acúmulo de líquidos no abdome, bem como pela perda das haustrações intestinais (cólon). O contraste baritado apresenta alguns empecilhos para sua utilização ampliada, como a dificuldade no trajeto ao ponto ocluído. No entanto, em casos de dificuldade na localização do ponto de obstrução, esse método se faz útil. No volvo intestinal, por exemplo, o contraste forma a imagem clássica em bico de pássaro. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Bico de pássaro detectado por enema baritado Técnicas endoscópicas, como a retossigmoidoscopia, são capazes de confirmar o diagnóstico de neoplasias ou volvos no cólon sigmoide, classificando também a viabilidade tecidual. Tumores detectados endoscopicamente, causando estenose ou oclusão intestinal Volvo intestinal em endoscopia (estenose precedida por aproximação da mucosa em espiral) A colonoscopia, outra técnica de mesma origem, não apresenta resultados tão positivos, mas pode ser uma alternativa para detecção e tratamento de oclusões por corpo estranho. Exames tomográficos podem ser utilizados para melhor visualização de áreas que precedem a obstrução, auxiliando o diagnóstico de massas pouco evidentes ao raio-X. Tomografia com níveis hidroaéreos e colapso do ceco e do cólon sigmoide (setas) por obstrução intestinal TRATAMENTO: Na maioria das vezes, o tratamento das obstruções intestinais é cirúrgico, tendo como principal técnica utilizada a laparotomia exploradora (a videolaparoscopia também está ganhando espaço). Em obstruções parciais, no entanto, a conduta deve ser expectante, desde que seja mantida a capacidade de eliminação de fezes e flatos. Com a grande possibilidade para o encaminhamento cirúrgico, o paciente é mantido em jejum, com a instalação de uma sonda nasogástrica, que também atua na descompressão abdominal. A hidratação é fundamental, assim como a analgesia e a atibioticoprofilaxia. Medidas de suporte mais invasivas, como sondagem vesical e intubação, podem ser implementadas caso necessário. Se não houver melhora clínica em alguns dias ou na iminência de agravamento do quadro, o tratamento cirúrgico deve ser Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA performado com urgência, desde que o paciente esteja hemodinamicamente estável. Técnicas recomendadas nas diferentes formas de obstrução intestina A preservação do comprimento intestinal deve sempre ser priorizada, principalmente em quadros simples, porém, caso exista necrose ou sinais de estrangulamento, algumas porções do intestino podem ser ressecadas. Fluxograma para avaliação e atendimento do paciente com obstrução intestinal Quanto ao prognóstico do quadro, a mortalidade é mais elevada em oclusão com sofrimento de alça, decrescendo com a intervenção cirúrgica precoce (até 36h).
Compartilhar