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Tales Casagrande | Arquitetura da Sociedade Industrial | TF - Tópico IV. 01/12/2020 | Prof. Arq. Raquel Rodrigues Lima | Escola Politécnica – PUCRS A Arquitetura Oitocentista e suas Contribuições para o Movimento Modernista. Indubitavelmente a corrente modernista na arquitetura foi a mais inovadora em termos de conformação e eficiência dos espaços, cenários e materiais, aspectos que se aliam em um estilo que preza acima de tudo pela funcionalidade. Dotado uma racional e sincera pureza que explicita os sistemas construtivos e é clara quanto aos usos de cada parte de um todo construído, o movimento, então, despreza qualquer tipo de ornamentação desnecessária e deixa a beleza justamente por conta não da variedade de cores, figuras e elementos empregados, mas sim do conteúdo conciso gerado a partir da escassez dos mesmos. Sendo assim, pondo todo o cenário modernista em reflexão, seriam seus princípios totalmente inéditos? Uma análise rápida da produção arquitetônica do século anterior pode nos mostrar que não. Iniciemos a análise com o fator que talvez seja o estopim para todas as mudanças que estariam por vir: a revolução industrial revolucionou o modo de fazer arte, trabalhar e projetar, refletindo, consequentemente, não só nas unidades constituintes da cidade, como na sua organização como um todo. Em Jean Baptiste Andre Godin a urbe é análoga à uma grande indústria elaborar-se-ia o que hoje chamamos de cidade dormitório, já Howard imagina um refúgio para tudo de promíscuo que os centros industriais oferecem, propondo a cidade-jardim. A seguir, aumentaremos a escala para análises mais particulares. Como principal produto dos avanços da indústria em prol da arquitetura, temos a conformação e pré-fabricação dos metais, no século XIX, que então podiam ser moldados, replicados e usados de forma modular, à exemplo das entradas das estações de metrô de Paris, que em estilo Art Nouveau, reproduziam motivos da natureza no metal industrializado antes só alcançáveis pelas mãos de artesãos. Imgs. 1, 2 e 3 – Poste de sinalização e edículas de entrada para diferentes estações do Metrô de Paris. Fotos: Galeria ArchDaily. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/880796/classicos-da-arquitetura-entrada-das-estacoes-de- metro-de-paris-hector-guimard Acesso em: 30/11/2020. O segundo ponto a ser salientado é o gradual abandono para depois um desprezo da ornamentação. Na École de Beaux Arts, o grande teórico Viollet-le-Duc emanava um pensar no qual “ser verdadeiro de acordo com os métodos de construção é empregar os materiais de acordo com suas qualidades e propriedades. (...) As questões puramente artísticas de simetria e forma aparente são apenas condições secundárias na presença de nossos princípios dominantes.”, princípios estes esboçados em suas aulas. Já para Adolf Loos seriam “selvagens aqueles se apegassem ao papel decorativo da arquitetura em despeito ao seu valor funcional e social”. Desta maneira, as envoltórias que escondiam estruturas já metálicas foram aos poucos cedendo o protagonismo à carcaça. Até mesmo a maneira de setorização dos espaços recebera um novo princípio compositivo que não mais valorizava a simetria planimétrica, mas sim o dimensionamento inteligente dos ambientes, que resultava em uma fachada irregular com adições e subtrações que muito conversavam com o estilo cubista presente na arte. O palácio Stoclet, de aparência limpa e monocromática, é considerado o primeiro exemplar do protorracionalismo, onde o acoplamento de uma série de ambientes nos diferentes pavimentos gera uma notável economia espacial e duas vezes financeira, uma que diz respeito a materiais e outra a terreno. Imgs. 4 e 5 – Plantas-baixas e perspectiva da casa Stoclet, com escalonamento e elementos verticais típicos do Art Déco. Fonte: FUSCO, Renato de. História de la Arquitectura Contemporánea. Celeste Ediciones, 1992. Mencionada a poupança de solo pode ser diretamente relacionado o contexto norte- americano. Em Chicago, após o incêndio que devastou a cidade, e demonstrou a sensibilidade das do ferro fundido. Engenheiros puseram-se a desenvolver o aço à prova de fogo, descoberta que rendeu prédios inteiramente estruturados desta maneira e, portanto, o ganho de metros quadrados em altura e em massa das paredes poupada, que agora não mais exercia função de sustentação, agradando aos especuladores desta região que cada vez mais se valorizava. O Auditorium Building, do final do século XIX, concebido pelos arquitetos Dunkmar Adler e Louis Sullivan incorporava hotel, moradia, escritórios e uma grande casa de ópera em um complexo multiuso de onze pavimentos e é um expoente da verticalização de Chicago e além da nova maneira de erguer a construção, trazia pensamentos técnicos e tecnológicos (esperados para os modernos) que influíam na funcionalidade do edifício: a) a inserção da cozinha e do restaurante do hotel no topo, de forma a não perturbar os hospedes com fumaça; b) a forma do auditório como uma série de arcos elípticos concêntricos que propagam lateral e verticalmente o som, garantindo boa acústica e por último mas não menos importante c) o emprego de uma importantíssima inovação, o elevador de passageiros, cuja utilidade foi descrita pelo crítico Montgomery Schuyler em 1899, dez anos após o início do empreendimento – “o elevador dobrou a altura do edifício de escritórios e a estrutura de aço dobrou-a mais uma vez”. A readoção das obras de uso misto uso misto, visto no edifício Auditorium, assim como a verticalização e ritmação vistas ainda mais claramente no Guaranty Building, em Buffalo-NY, também creditado a Sullivan, são abordagens edificatórias posteriormente alçadas nas premissas de bom planejamento da importantíssima urbanista modernista Jane Jacobs (1944-1966), quando defende suas teses sobre a essencialidade da densidade e diversidade e dos usos combinados como estratégias para a vitalidade dos grandes centros. Imgs. 8 e 9 – Corte longitudinal do Auditorium Building (1889-1889) de Adler e Sullivan e detalhe da estrutura do Leiter Building (1889) de LeBaron Jeney, ambos na cidade de Chicago, respectivamente. Também neste momento surgem conceitos como o design industrial e o desenvolvimento do concreto unido à perfis metálicos que resultaram no advento do concreto armado. Datado de 1849 por meio de experimentos com cubas e tubos por Joseph Monier, esta modalidade construtiva foi amplamente difundido pelos modernistas através de suas “caixas dentro de caixas”, assim como a máxima “a forma segue a função” que ao contrário do que muitos pensam, não é de autoria de Le Corbusier, mas sim de Sullivan. Em se tratando de nossa temática relativa às materialidades inovadoras e edifícios públicos, é imprescindível citar o Palácio de Cristal, símbolo da Arquitetura Eclética do século XIX. Instalado no Hyde Park de Londres, trazia ornamentações leves com motivos orgânicos, mas somente em sua estrutura pré-fabricada, evidenciando a vontade de exibir o adereçamento não como espetáculo projetual à parte, mas sim como consequência das maravilhas fabris. A modulação do pavilhão de exposições é configurada pela repetição de 3300 colunas metálicas, 400 toneladas de vidro e 205000 caixilhos em madeira, todos estes aliados a aspectos volumétricos já conhecidos, tais quais a planta em cruz com transepto e sobre ele cobertura com abóboda de berço, estilísticas relidas em planos envidraçados chocantes aos olhos da época. São ainda atributos da era precedente ao modernismo movimentos como a sintetização projetual, seja pela anulação de estilos anteriores em prol de mera economia, seja por uma “intencionalidade simplificadora” (ver Loos e sua produção residencial); a assimetrização resultante do racionalismo empregadono dimensionamento dos espaços e a abstração, uma vez que os motivos deixam de ser literais e pictóricos e sofrem uma geometrização, típica do Art Déco. Img. 8 – A geometrização no estilo Art Déco expressa no em guarda-corpos. Fonte: MARGENAT, Jean Pedro. Arquitectura Art Deco en Montevideo: quando no todos catedrales eran blancas. Edição do autor (2ª edição), Montevideo, 2000. Img. 9 – Croqui autoral de interpretação do Palácio de Cristal e suas tecnologias. O modernismo certamente não teria lugar se não houvesse o abandono da figuratividade no Art Déco, as inovações estruturais da arquitetura do ferro dos engenheiros advindos, muitas vezes, da École Polithechnique, e principalmente a mecanização ocorrida após a Revolução Industrial, gerando avanços já comentados em quesito de otimização, precisão, eficiência etc. Diz-se então que a revolução arquitetônica ocorrida no século XX e famosa por seu purismo e preocupação com a funcionalidade que hoje conhecemos como “movimento modernista” não é fruto de mentes sobre-humanas que bolaram ideias jamais antes vistas, mas sim da aplicação e do desenvolvimento de conceitos e tecnologias já experimentados, agora em projetos lapidados e vanguardistas que jogaram ao vento todos os cânones estéticos seguidos até então e expressaram sobre o papel um racionalismo que já começara a cercar a arquitetura décadas antes. Referências Bibliográficas: BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna, São Paulo: Perspectiva. FABRIS, Annateresa. Ecletismo na Arquitetura Brasileira, São Paulo: Nobel; Editora da Universidade de São Paulo: 1987. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003. FUSCO, Renato de. História de la Arquitectura Contemporánea. Celeste Ediciones, 1992. GILETTE, Arthur. Art Nouveau: uma estética. Museum Magazine, UNESCO. MARGENAT, Jean Pedro. Arquitectura Art Deco en Montevideo: quando no todos catedrales eran blancas. Montevideo: edição do autor (2ª edição), 2000. SILVA, Gilberto Gomes da. Arquitetura do Ferro no Brasil, São Paulo: Nobel, 1987.
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