Logo Passei Direto

A maior rede de estudos do Brasil

Grátis
147 pág.
COSMOLOGIA - PLATÃO

Pré-visualização | Página 5 de 37

primitivo. A 
grande síntese entre o Platonismo e o Cristianismo foi feita por Santo 
Agostinho (354-430), bispo nascido em Tagaste (mapa da Figura 1), na 
atual Argélia, sendo que ele fez várias alterações no platonismo original 
para adaptá-lo a suas posições doutrinárias. Santo Agostinho foi 
professor de Retórica em Cartago, Roma e Milão (mapa da Figura 1) e 
levou uma vida mundana com aventuras amorosas, jogos e busca de 
fama até se converter ao Cristianismo com 33 anos. 
 
Quando esteve em Milão por volta de 386, Agostinho foi influenciado 
por um grupo de amigos que sofriam inquietações existenciais e 
buscavam o aprimoramento intelectual. Através desses amigos, vários 
dos quais eram admiradores de Platão, ele tomou conhecimento de 
textos de inspiração platônica do filósofo egípcio Plotino (c. 204-270) e 
do seu discípulo, Porfírio (234-c. 305), ambos neoplatônicos pagãos13. 
 
Em termos de textos escritos, Platão foi um dos primeiros a deixar seus 
ensinamentos, não em escassos fragmentos, mas abundantemente 
escritos em rolos de papiro. Mas seus escritos foram extraviados 
inicialmente e o que temos hoje é a parte que foi resgatada, sendo que 
esse resgate ocorreu de forma descontínua. 
 
Curiosamente o Timeu chegou primeiro ao Império Romano do 
Ocidente e foi traduzido para o latim, ao menos em parte, pelo filósofo, 
estadista, orador e mestre romano da prosa, Cícero (106-43 AEC) e, 
novamente por volta de 321, pelo filósofo neoplatônico cristão Calcídio. 
 
 
13 O pensamento de Platão tinha sido redescoberto pelo filósofo alexandrino 
Amônio Sacas (c. 175-240) e passou a ser chamado neoplatonismo. Plotino foi 
discípulo de Sacas, pregou o neoplatonismo em Alexandria e, depois, em Roma. 
Para Plotino o atributo essencial do Ser Supremo era sua Unidade, tanto que o 
denominou Uno. Para explicar a multiplicidade, inclusive nós mesmos, afirmou 
que tudo fora do Uno era sua emanação. Para fazer o caminho de volta para o 
Uno, Plotino desprezou seu próprio corpo considerando a vida um exílio, na 
expectativa de um retorno e união mística com o Uno. 
18 
 
No prosseguimento do resgate na Europa dos textos de Platão, muito 
mais tarde foram trazidos de Constantinopla (mapa da Figura 1) para o 
mundo ocidental textos originais em grego após o saque dessa capital na 
Quarta Cruzada, em 1204. Assim, novas traduções de Platão só voltaram 
a ser feitas no Renascimento. 
 
Sendo, portanto, o único texto platônico conhecido no Ocidente até o 
século 12, o Timeu ficou precocemente conhecido aí desde a Alta Idade 
Média, porém os textos de Aristóteles que chegaram depois, 
principalmente a partir da invasão muçulmana da Península Ibérica no 
século 8, predominaram na Filosofia e Teologia cristã durante os séculos 
12 a 16, ofuscando a influência de Platão. Nesse movimento chamado 
Escolástica14, São Tomás de Aquino (1225-1274), frade dominicano 
italiano, foi personagem central na promoção da conciliação entre Fé 
(Teologia com fundamentos revelados por Deus através dos Textos 
Sagrados) e Razão (Filosofia com fundamentos racionais) estribando-se 
na filosofia de Aristóteles. 
 
Apesar do ofuscamento de Platão desde a Baixa Idade Média, Timeu 
manteve preeminência entre os seus diálogos até ser eclipsado por A 
República em meados do século 19. Depois Timeu ainda sofreu o duro 
golpe da pregação anti-Metafísica do Positivismo Lógico (ou Empirismo 
Lógico) dos anos 1920, segundo a qual a Metafísica tradicional – 
considerada mera divagação mental, sem nexo com a realidade - não 
tinha nenhum sentido, mas só as proposições confirmáveis 
empiricamente. Ora, o Timeu era claramente baseado nas Ideias que, 
segundo Platão, apesar de abstratas tinham existência própria, 
independentemente das coisas materiais, estas sim, meros simulacros 
das Ideias. Além disso, o Timeu era apenas um monólogo (como, de fato, 
veremos), não chegando a ser um diálogo de valor crítico como 
Parmênides, Teeteto e O Sofista, também de Platão, considerados, esses 
sim, apropriados para uso pedagógico. 
 
Todavia, ainda no século 20 se restabeleceu uma aceitação mais 
tolerante da velha Metafísica (para isso contribuiu o advento da Física 
 
14 “Escolástica” alude a Escola e denota o ensino autorizado pela Igreja nas 
recém-criadas universidades para a formação de membros do clero e da elite 
dirigente. 
19 
 
Moderna com a Mecânica Quântica e a Relatividade), que provocou um 
interesse renovado pelo Timeu que, certo ou errado, voltou a ser 
considerado uma reflexão séria sobre a natureza da realidade e do 
conhecimento. 
 
A verdade é que o sucesso do Timeu é eterno e universal porque todos 
nós compartilhamos do desejo de dar sentido ao Mundo em que vivemos 
e esse desejo é, no fundo, o que nos torna simplesmente humanos. É isso 
que garante a continuidade do longo cordão umbilical entre a Academia 
de Platão em Atenas e o atual Grande Colisor de Hádrons (Large 
Hadron Collider) instalado em Genebra, na Suíça. 
 
20 
 
O MUNDO SENSÍVEL15 
 
O Mundo de que Timeu falará é o Mundo sensível que nós hoje 
chamamos “Universo observável”. Inclui a Terra – o nosso Planeta -, 
tudo o que se encontra em sua superfície: os montes, os vales, os rios, os 
oceanos, as plantas e os animais dentre os quais, nós mesmos, seres 
humanos. Olhando para cima encontramos na imensidão do céu o Sol, a 
Lua, os cinco16 astros errantes ou planetas (Mercúrio, Vênus, Marte, 
Júpiter e Saturno) e as estrelas noturnas17. 
 
Mas há uma sutil, porém, importante diferença entre o nosso “Universo 
observável” e o Mundo da Cosmologia do Timeu. Segundo esta 
Cosmologia, o Universo observável que para nós é uma entidade 
unicamente material, embora para Platão fosse apreensível só pelos 
sentidos, abrigava elementos imateriais que eram as almas. Havia, como 
veremos, a Alma do Mundo, a alma da Terra, a alma dos astros e dos 
seres vivos. 
 
De qualquer forma, o tema em pauta somos nós mesmos envolvidos por 
um meio ambiente descomunalmente vasto. Com a rotina do dia-a-dia 
acabamos nos familiarizando com o Mundo, chegando a achar que ele 
não poderia ser diferente. Mas, pensando melhor, podemos nos dar 
conta de que faz sentido indagarmos: Por que o Mundo existe? Por que 
ele é assim? Por que estamos nele? Pela real dificuldade de responder a 
essas perguntas e tentando disfarçar nossa ignorância, preferimos 
mostrar desinteresse. 
 
Timeu diz que percebemos a existência do Mundo e de suas 
propriedades através das observações que dele fazemos com os nossos 
sentidos. Com o progresso científico e tecnológico que a humanidade 
alcançou, dispomos hoje de instrumentos sofisticados que amplificam a 
capacidade de percepção dos nossos sentidos, tais como gigantescos 
telescópios, radiotelescópios, observatórios espaciais etc. O Universo 
 
15 O termo “sensível” geralmente significa quem sente ou quem tem 
sensibilidade, mas aqui significa o que é perceptível através dos nossos sentidos. 
16 Na época de Platão ainda não havia sido inventada a luneta. A olho nu 
conseguimos enxergar os cinco planetas citados. 
17 Dizemos estrelas noturnas para excluir o Sol que também é uma estrela. 
21 
 
captado pelos instrumentos atuais chega a ser milhões de vezes maior 
que aquele observado a olho nu18. Porém, mesmo com esses 
instrumentos continuamos dependendo, em última instância, dos 
sentidos para termos uma percepção aumentada do Mundo sensível. A 
Astronomia e a Cosmologia de hoje contam ainda com um vasto corpus 
teórico, mas este não pode prescindir de dados experimentais e 
observacionais obtidos através dos nossos sentidos. Timeu, todavia, 
atribui um valor relativo ao conhecimento que alcançamos com os 
nossos sentidos. 
 
Ao apresentar a sua concepção sobre o Mundo sensível, Platão afirma 
que esse Mundo é perceptível pelos nossos sentidos porque ele, e tudo o 
que se encontra nele, é material, quer dizer, constituído
Página123456789...37