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1 Beatriz Machado de Almeida Ortopedia – Aula 8 – Osteomielite Introdução • Infecção do osso: qualquer processo infeccioso no osso é denominado osteomielite. • Geralmente é de origem bacteriana (mais comum), mas qualquer patógeno pode acometer o osso. Pode ter infecções fúngicas, tuberculose. • Os microrganismos podem atingir o osso das seguintes maneiras: ❖ Invasão hematogênica – bacteremia: é a mais comum. O paciente faz uma bacteremia (circulação da bactéria na corrente sanguínea), sendo alocado em alguma estrutura (pulmão; válvula cardíaca → endocardite; osso). ❖ Inoculação direta (trauma): lesão corto- contuso, cirurgia aberta (contato do osso com o meio externo) para colocação de fio, placa ou parafuso. ❖ Infecção contígua (celulite): o paciente pode ter desenvolvido uma infecção na pele e tal infecção penetra no tecido celular subcutâneo, fáscia, até chegar ao osso. A metáfise do osso é a região mais acometida, porque o patógeno para na região metafisária. Lembrar que a gente tem a epífise, a metáfise e a diáfise. A grande maioria das osteomielites de causa hematogênica, principalmente, vão ocorrer na metáfise. Epidemiologia • Maior incidência nas 2 primeiras décadas de vida (metade ocorre com menos de 5 anos; é muito comum nas crianças); • 2 meninos (mais acometidos):1 menina. Fatores de risco • Neonatos criticamente doentes: pacientes com déficit do sistema imunológico/déficit de barreira podem desenvolver um processo infeccioso agudo, principalmente de origem hematogênica. • Hemoglobinopatia (doença falciforme – muito comum): paciente com qualquer distúrbio na hemoglobina é predisposto ao processo infecioso. • Imunodeficiência: existem várias síndromes. Um exemplo da transferência materno-fetal é o HIV, prevalente em nosso meio. Maior predisposição a processos infecciosos. Informações importantes • Geralmente ocorre apenas em um sítio; • RN criticamente doentes ou causado por MRSA → vários sítios: em relação aos pacientes que passam 2-3 meses na UTI na incubadora, é preciso ter cuidado com germes de origem hospitalar, podendo ter acometimento de vários sítios infeciosos, sendo um quadro muito mais grave com maior risco de sepse. • Ossos longos são os mais atingidos (80%): metáfise, fêmur, tíbia, úmero, antebraço. Pelve, coluna, escápula não são tão comuns. • Coluna (discite): 1-2%; lombar (principalmente L1 – transição toraco-lombar). Quando acomete o disco vertebral faz uma discite, principalmente se for de origem bacteriana. Se for de origem fúngica, pode acometer o corpo vertebral, como é visto pelo BK, infecção por tuberculose. Na coluna, pode acometer o corpo vertebral ou o disco intervertebral. Osteomielite 2 Beatriz Machado de Almeida Ortopedia – Aula 8 – Osteomielite Fisiopatologia Quando é de origem hematogênica, a gente tem a bactéria circulando no sistema sanguíneo, que vai passar pelo osso (tecido pouco vascularizado). CARACTERÍSTICAS DA OSTEOMIELITE • Desvantagem: Como o tecido ósseo é pouco vascularizado e tem locais ósseos que são menos vascularizados ainda, chega pouco antibiótico local (tratamento prolongado e difícil cura); • Vantagem: raramente é feito sepse, porque tem pouca circulação (a bactéria fica ali paradinha). É mais difícil fazer sepse quando comparado com uma pneumonia, endocardite. A bactéria cai na corrente sanguínea, vem pela artéria e, na hora de passar pro sistema venoso (fase de arteríola, vasos menores) existem vários vasos se intercalando, ou seja, um arcabouço/quantidade grande de vasos, sinusoides capilares irregulares. A tendência é a bactéria não conseguir passar nesse sistema de capilaridade, ficando aprisionada. A bactéria circula, mas fica aprisionada na rede de capilares, não conseguindo sair/extravasar pelo sistema venoso, fazendo com que a infecção se estabeleça, principalmente na metáfise. Começa na metáfise e vai se expandindo, podendo romper a cortical óssea e invadir a região epifisária/articular. Lembrar: O mais comum é a bactéria ficar aprisionada na metáfise (processo infeccioso localizado) e não invadir a região articular. Patógenos mais comuns • S. AUREUS: disparado (80% dos casos): é o principal germe, que vai ser tratado em todos os casos. Mesmo que na cultura venha positivo pra outros germes, é importante cobrir pra estafilococos, pois pode ter associação com polimicrobianos (mais de um germe acometendo um processo infeccioso). É o grande vilão! • Estreptococos do grupo A; • MRSA – Estafilo meticilina resistente. Normalmente são germes hospitalares. • Estreptococos do grupo B/ E. Coli → neonatos. Normalmente é contaminação no periparto. • S.pneumoniae; • H. Influenzae (queda devido a vacinação): Antigamente, era o 3º patógeno mais comum, mas depois da vacinação, a infecção caiu bastante. • Salmonella → patógeno clássico de quem tem Anemia falciforme; relação com a pessoa não ter o baço funcionante de forma perfeita → grande risco de contaminação por germes encapsulados. • Pseudomonas → Clássico de pacientes imunodeprimidos, grandes queimados, usuários de drogas intravenosas e pacientes hospitalizados (termina tendo contato com patógenos de acometimento/patologia mais grave → maior risco de sepse pela falta de controle do antibiótico). Clínica • Inicialmente são inespecíficos e leves; • Mal estar e febre baixa (às vezes somente noturna); a presença de febre é muito importante, pois este é um sinal que quase ninguém consegue mascarar. • Pode apresentar sinais de flogose: Eritema e edema local; • Dor localizada: o paciente pode referir dor no joelho, dor na coluna, no antebraço, em locais específicos. 3 Beatriz Machado de Almeida Ortopedia – Aula 8 – Osteomielite • Diminuição da mobilidade. O público infantil não sabe referir muito bem o acometimento ... às vezes ele começa a mancar, não andar direito → fazer investigação. Nestes casos (faixa etária pediátrica), é importante se preocupar com maus-tratos. RECÉM NASCIDOS É mais difícil ainda!!! • Intensa irritabilidade: é aquele neném que não para de chorar. • Ausência de um estado toxêmico evidente: não é um paciente que vai ter sepse franca e clara. Pode apresentar sinais de taquicardia, taquipneia, mas não é a sepse clássica. Lembrar que a sepse de origem óssea não é tão comum! • Dor a manipulação: não é fácil perceber que a criança está com dor se ela chora o tempo todo. Não é fácil de dar o diagnóstico. • Pseudoparalisia: dificuldade em mexer o membro por conta de dor. O paciente tenta restringir os movimentos dos braços, do MMII. • Drenagem de material purulento através da pele: ex. abscesso saindo pela pele → diagnóstico mais simples e fácil. Sabe-se de onde vem o sítio infeccioso. • Mais susceptível a artrite séptica: quanto menor a idade, maior a chance de o processo infeccioso invadir a articulação e fazer uma artrite séptica (processo infeccioso dentro da articulação). RN com febre a esclarecer → colher líquor, fazer USG abdominal (análise de coleção), palpar o paciente como um todo. LACTENTES >1 ANO ATÉ PRÉ-ESCOLAR • Dor e impotência funcional: o paciente começa a mancar, sentir dor no joelho, apontar pra região que tá doendo (normalmente tem edema, calor, flogose, processo inflamatório). Diferenciar de trauma, maus-tratos. • Edema e abscesso subperiosteal. ESCOLAR E ADOLESCENTE O diagnóstico fica um pouco mais simples, pois o paciente já consegue definir onde é que está doendo e a região que mais incomoda. • Sinais e sintomas focais. • Menos restrição funcional. • Ponto doloroso bem circunscrito: não é aquela coisa generalizada. • Lesão raramente ultrapassa córtex: fica dentro do osso (estrutura mais rígida). Diagnóstico • História clínica esintomas: lembrar de investigar maus-tratos, espancamento. Febre é importante! Avaliar quadros que falam muito a favor de processos infecciosos claros. Fazer exame físico e avaliar o paciente como um todo., dando foco a região que ele mais se queixa. • Exames laboratoriais: Hemograma (ajuda principalmente quando se tem um desvio pra esquerda no leucograma), VSH e PCR (alta sensibilidade – acompanhar o processo infeccioso). • Exames de imagem: RX, cintilografia, RNM, TC, USG. • Cultura: diagnóstico definitivo em que se isola o patógeno e sensibilidade do patógeno. Diagnóstico - LAB • Hemograma com aumento dos leucócitos e desvio para a esquerda. • Aumento do VHS (S-92%); • Aumento da PCR (S – 98%). A especificidade é baixa, mas a sensibilidade é alta, ou seja, se o PCR tá alterado, é preciso ficar alerta. Diagnóstico - RX • Realizado em todos os pacientes; • Método tardio: pra ter uma alteração óssea demora pelo menos 1-2 semanas pra ter uma imagem de um processo infecioso. • Excluir outros diagnósticos, como por exemplo, a fratura. Importante para afastar tumor/câncer (comum em crianças). • Alterações: ❖ > 7 dias dos sintomas → elevação periosteal, espessamento cortical. 4 Beatriz Machado de Almeida Ortopedia – Aula 8 – Osteomielite ❖ 10-21 dias – Destruição óssea (consumo do osso pelo processo infeccioso). n Imagem 2: área de radiotransparência. Tc • Muito semelhante ao raio X: utilizada para diagnóstico tardio. • Preferível quando já tem destruição óssea. • Busca ativa por coleção extraóssea, ou seja, nas partes moles. De preferência, é importante fazer o diagnóstico antes da destruição óssea. Cintilografia óssea • Cintilografia (Tecnécio-99); • Muito mais sensível do que o raio X e mais rápido; • Diagnóstico precoce (1-24horas) → alteração na cintilografia. Então, se tiver disponível, é um ótimo exame. • Captação do radioisótopo (tecnécio 99, flúor) → local da osteomielite aguda; emissão da radiação que capta o processo infeccioso. • Altamente sensível (84-100%) e específico (70- 96%). Ressonância magnética • Alta sensibilidade (97%) e especificidade (92%): pra infecção óssea, sem dúvida, é o melhor exame! • Delinear a localização e extensão do comprometimento ósseo; • Envolvimento da placa de crescimento: lembrar que a infecção acomete a região metafisária. Invade a placa de crescimento, a epífise, quando não é uma infecção tão aguda assim, fazendo um processo destrutivo grande. Importante: A ressonância magnética é o padrão ouro na suspeita de osteomielite. ❖ Se forçar muito a visão, na radiografia, talvez consiga ver uma área de hipertransparência. Pra conseguir ver uma infecção na radiografia precisa que a infecção já esteja fazendo uma destruição óssea há muito tempo. Ou seja, o diagnóstico deveria ter sido feito um tempinho atrás. Quando aparece alterações na radiografia é porque o quadro já está bem destrutivo e, possivelmente, o paciente vai ter sequelas. ❖ A lesão é percebida, de fato, na ressonância. Edema ósseo no corte T2, coleção invadindo a região fora do arcabouço ósseo (invasão de partes moles). Diagnóstico - cultura • Isolamento do microrganismo que está acometendo o osso. • Diagnóstico definitivo; • A partir da punção óssea (sensibilidade 70-80%) ou hemocultura (sensibilidade 40-50%). A punção óssea ajuda muito no diagnóstico e deve ser feita pra poder isolar o patógeno e, assim, saber qual o perfil de sensibilidade dele, ou seja, qual antibiótico deve ser usado de forma mais correta. A técnica é semelhante a punção intraóssea, por se tratando de paciente pediátrico, o osso é molinho, sendo possível invadir com a ajuda de uma agulha. Pode ser guiada por USG ou raio X, ou até tomografia quando o osso é mais profundo (ex. coluna vertebral). O germe chega a fazer bacteremia. Então, se você tem um processo infeccioso ósseo, ele faz alguns 5 Beatriz Machado de Almeida Ortopedia – Aula 8 – Osteomielite episódios de bacteremia, sendo possível pegar na cultura às vezes. Diagnóstico diferencial • Contusão: trauma na região óssea pode dar um quadro semelhante de dor e flogose, mas geralmente não vem associada a febre, por exemplo. • Artrite séptica: processo infeccioso articular. • Celulite: processo infeccioso somente superficial/ da pele. Pode penetrar até chegar na estrutura óssea. • Tendinite: processo inflamatório tendíneo. • Câncer ósseo; imagem – osteossarcoma. Tumor ósseo é muito frequente na população pediátrica. O diagnóstico diferencial com tumor em relação ao processo infeccioso às vezes só vai ser dar na anatomia patológica. • Infarto ósseo: principalmente em quem tem hemoglobinopatia. Edema grande na RNM dá pra saber se é infarto ósseo ou processo infeccioso. Às vezes esse resultado só vai se dar através de uma cultura. Tratamento • Cuidados gerais: hidratação e analgésico. Pela hiperpressão que o abscesso causa, esse paciente em geral, sente muita dor. Ter muito cuidado com a parte nutricional e hidratação. • Antibioticoterapia (EV por 7-10 dias e depois VO por 4 semanas). Tempo prolongado de uso de antibiótico, pois o osso é pouco vascularizado, tendo dificuldade pro antibiótico alcançá-lo. • Influenciado pelo agente causador de 90% dos casos – Staphylococcus aureus); ❖ Oxacilina: 200mg/kg/dia IV: normalmente de 4 em 4 horas. ❖ Clindamicina 30 – 50 mg/kg/dia; ❖ Cefalosporina de 1º geração: cefazol, cefalotina. ❖ MRSA: vancomicina 30-50 g/kg/dia: casos resistentes, normalmente associados a germes hospitalares. • Acompanhamento ortopédico: VHS, PCR, leuco e RX. O paciente tem que ter uma curva de melhora nas primeiras 48 horas. Caso contrário, é preciso uma mudança de tratamento/conduta. Às vezes, é feita uma nova cultura pra avaliar se aquele germe se mantém o mesmo ou se é uma infecção polimicrobiana. Tratamento cirúrgico • Falha do tratamento conservador; • Abscessos subperiosteal (pra fora do osso) → Drenar; • Sequestros ósseos (osso morto dentro da estrutura do abscesso) → remover (quebrar a parte cortico-lateral do osso pra poder drenar, lavar com 10-20l de soro fisiológico pra tentar diluir a quantidade de colônias de bactérias e fazer com que esse processo infeccioso seja debelado); • Focos infecciosos contíguos (celulite mais distal, atrite séptica) → debridar + ATB. Na população pediátrica, a tendência é tentar o tratamento puramente conservador. Na população adulta (crianças mais velhas, adolescentes e adultos), tende a ser mais agressivo. Quanto mais velha a faixa etária, maior a tendência de abordar cirurgicamente, pra não deixar esse quadro infeccioso evoluir. A osteomielite pode causar sequelas gravíssimas se não tratada de forma precoce. Osteomielite crônica A principal sequela da osteomielite é a osteomielite crônica, ou seja, aquela osteomielite aguda que não foi tratada de forma correta ou no tempo correto. • Rara; 6 Beatriz Machado de Almeida Ortopedia – Aula 8 – Osteomielite • Consequente a uma osteomielite não diagnosticada ou tratada inadequadamente; ex. quando era pra ter feito um tratamento cirúrgico e optou-se pelo tratamento apenas conservador; uso de antibiótico incorreto; cultura de forma incorreta e tratamento do germe errado. • Sinais e sintomas de inflamação óssea por mais de 2 semanas de evolução do quadro + RX evidenciando osso desvitalizado (destruição óssea); TRATAMENTO ❖ Remoção dos ossos desvitalizados: às vezes precisa remover um pedaço, podendo ser feita até a amputação do membro. ❖ ATB por 6 meses ou mais. Enquanto na osteomielite aguda, o antibiótico é utilizado por 5 semanas, na osteomielite crônica tem que utilizar por até 6-10 meses. Material baseado na aula de Dr. Davi Veiga – MedicinaUniFTC – 7º semestre
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