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Andressa – P3B FMO – 2021.1 A definição de demência mais utilizadas são as fornecidas pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Nesta última versão, o termo demência, embora ainda aceito, foi substituído por transtorno neurocognitivo maior. Os critérios para demência do National Institute of Neurological Disorders (NINDS) são muito utilizados em estudos (Quadro 62.2). ♦ Demência é uma condição adquirida que representa um decréscimo em relação ao nível cognitivo prévio do indivíduo e com comprometimento das funções sociais e funcionais. Atualmente, considera-se que deva haver comprometimento de duas funções cognitivas ou de comportamento. As demências podem ser divididas por diferentes categorizações: • Pela causa: degenerativas e não degenerativas. • Pela localização principal: corticais e subcorticais. • Pela idade de início: precoce (início antes dos 65 anos de idade) e tardio (após os 65 anos). • Pela resposta ao tratamento: potencialmente tratáveis e irreversíveis. • Pelo tempo de evolução: rapidamente ou lentamente progressivas. Muito frequentemente essas categorias podem se apresentar num mesmo paciente; por exemplo, doença de Alzheimer (degenerativa), de início precoce (antes dos 65 anos), acompanhada por hipotireoidismo (condição que corrobora para o déficit cognitivo e potencialmente tratável). ‼Alguns tipos de demência predominam num grupo etário mais jovem (p. ex., a demência frontotemporal – DFT) e outras em idade mais avançada, o protótipo é a doença de Alzheimer (DA). EPIDEMIOLOGIA DAS DEMÊNCIAS ♦A taxa média entre idosos com idade igual ou superior a 65 anos foi 2,2% na África, 5,8% na Ásia, 6,2% na América do Norte, 7,1% na América do Sul, até 8,9% na Europa. É interessante realçar que a prevalência de demência aumentou com a idade em todas as regiões, exceto na América do Norte. HISTÓRIA E EXAME NEUROLÓGICO N A S D E M Ê N C I A S ►Para determinarmos a etiologia do comprometimento cognitivo, o histórico clínico e o exame neurológico são de extrema importância. Ao contrário de outras doenças, em que o paciente pode relatar com precisão seus sintomas, nos casos de déficits cognitivos o histórico deve ser avaliado tanto do ponto de vista do paciente quanto do relato do acompanhante, de preferência alguém que more ou conviva com o paciente e que seja capaz de comparar o momento atual com épocas anteriores ao início do distúrbio. Muitos dos pacientes podem apresentar anosognosia (sem percepção ou percepção inadequada quanto à própria condição) o que dificulta a narrativa pelo próprio indivíduo; outros podem apresentar problemas de memória ou de linguagem, acarretando falhas na história. ►O processo de entrevista com o informante consiste na abordagem inicial junto com o paciente e, após, sempre que possível, entrevista-- lo na ausência do paciente, já que o informante pode ficar inibido em falar das dificuldades na presença do paciente, principalmente quando há alterações comportamentais como desinibição ou Andressa – P3B FMO – 2021.1 hipersexualidade, e também para evitar um demasiado estresse do paciente com demências em fases moderadas, que pode se agitar ao ouvir o relato da extensão de seus déficits cognitivos. ‼O tempo e modo de início são importantes, bem como a taxa de evolução do comprometimento, os quadros degenerativos, em geral, apresentam início e evolução insidiosos. Considera-se que indivíduos com um a dois anos de história e estágio muito comprometido sejam portadores de demência rapidamente progressiva (em geral em semanas a meses), cujas causas devem ser amplamente afastadas, devido à maior possibilidade de tratamento etiológico ou secundária a doença priônica. ‼Quadros cognitivos e/ou comportamentais de início súbito remetem a causas vasculares, traumáticas ou infecciosas. Muitas vezes há uma falsa associação dos familiares a um início abrupto de uma doença que vinha se desenvolvendo de forma insidiosa e o paciente conseguia de alguma forma compensar os déficits e, deste modo, o início é associado a algum estresse emocional importante ou a outras doenças. Fatores de risco associados à comprometimento cognitivo devem ser exaustivamente perscrutados. Tais como: • Doenças neurológicas prévias: epilepsia, acidente vascular cerebral, encefalites, hemorragias meníngeas, traumatismos cranianos. • Doenças sistêmicas: vasculites, hepatopatia, doenças tireoidianas, síndromes malabsortivas, hipertensão arterial, dislipidemia, diabete. • Doenças infecciosas: hepatites, HIV, sífilis, encefalites medicações utilizadas, principalmente as com ação anticolinérgica: antidepressivos; antipsicóticos; agentes gastrointestinais – atropina, hiosciamina; agentes para incontinência urinária – oxibutinina, tolterodina. • Adesão a drogas: alcoolismo e outras drogas, como crack, cocaína etc. Outro ponto de extrema importância é a avaliação das atividades de vida diária; as básicas e as instrumentais. Como básicas consideramos: alimentação, vestir-se, higiene; como instrumentais, tarefas mais complexas, como preparar um lanche, controlar dinheiro, comentar notícias, capacidade de lidar com equipamentos eletrônicos etc. Pode-se fazer essa avaliação por meio de questionários estruturados ou de forma mais aberta, perguntando que tipo de atividades o paciente possuía e que atividades tem ou é capaz de realizar no seu cotidiano atualmente. ♦O exame neurológico é um dos pontos fundamentais para o diagnóstico das demências, e deve avaliar todos os aspectos: • Atitude/fácies. • Equilíbrio estático e dinâmico. • Motricidade – trofismo, inspeção, palpação, tônus, força muscular, coordenação, presença de movimentos involuntários e reflexos. • Sensibilidade – tátil, dolorosa, profunda e, se possível, térmica. • Linguagem. • Praxias – imitação de gestos sem sentido, imitação de gestos com sentido, realização de ação com objetos. • Gnosias – visual, tátil, auditiva. • Funções neurovegetativas – principalmente incontinência urinária e hipotensão postural. • Nervos cranianos. ‼É sugerida a realização da avaliação neuropsicológica completa, se disponível, principalmente nos casos iniciais e para se estabelecer diagnósticos diferenciais e programação de futura reabilitação cognitiva. Na prática clínica devemos utilizar instrumentos de rastreio e de avaliação das várias funções. Além disso, uma entrevista com os familiares deve dar informações suficientes para a avaliação da funcionalidade do paciente, tanto em atividades instrumentais da vida diária e atividades básicas, estas últimas refletindo mais a gravidade da doença. ♦ Instrumentos que podem ser utilizados para rastreio cognitivo – Recomendações • MiniExame do Estado Mental (Padrão). • CASIS (Cognitive Abilities Screening InstrumentShort Form) (Norma). • Bateria Breve de Rastreio Cognitivo (BBRC) (Norma). • Exame Cognitivo de Addenbrooke Revisado (ACER) (Norma). O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) pode ser utilizado, porém necessita mais estudos de normatização em diferentes escolaridades em nosso meio. INVESTIGAÇÃO NAS DEMÊNCIAS Após a suspeita inicial de comprometimento cognitivo, obrigatoriamente deve-se proceder à investigação etiológica. ‼Exames de sangue: • Hemograma. • Glicemia. • Ureia. • Sódio. • Potássio. • Creatinina. • Albumina. • Transaminases (ALT e AST). • Gama Glutamiltransferase (GamaGT). • Cálcio. • TSH e T4 livre. • Reações sorológicas para sífilis. • Vitamina B12 sérica. • Sorologia para HIV (< 60 anos ou quadros atípicos ou na suspeita clínica. ‼ Neuroimagem estrutural: A tomografia de crânio (TC) e/ou ressonância magnética (RM) Andressa – P3B FMO – 2021.1 devem ser utilizadas para avaliação inicial dos pacientes com demência, sendo a RM o métodode escolha pela sua maior sensibilidade. Em exames de neuroimagem estruturais: • Redução volumétrica do hipocampo, córtex entorrinal e cíngulo posterior na DA. • Redução volumétrica em regiões frontais e temporais na DFT (Demência Frontotemporal). • Redução volumétrica global e/ou em lobos occipitais em demência com Corpos de Lewy. ‼Neuroimagem molecular: Exames de imagem molecular podem exibir hipometabolismo em diferentes regiões, dependendo da etiologia e do processo degenerativo subjacente. ‼Líquido cefalorraquiano: O exame do líquido cefalorraqueano é importante no diagnóstico diferencial de causas secundárias de demência. Também podem ser dosadas proteínas indicativas de processo patológico de DA. • Doenças infecciosas do sistema nervoso que se manifestam com comprometimento cognitivo: sífilis, tuberculose, cisticercose, AIDS, herpes, meningites crônicas. • Doença de CreutzfeldtJakob (dosagem de proteína 1433 e de proteína tau). • Doenças neoplásicas, paraneoplásicas, linfoproliferativas. • Doenças inflamatórias e autoimunes (antiNMDA, antiLGI1, antiGAD, antiGABA, entre outros). • Hidrocefalia de pressão normal (taptest). D E M Ê N C I A S D E G E N E R A T I V A S A causa mais comum de demência degenerativa é a Doença de Alzheimer. Caracteriza-se pelo início insidioso de comprometimento da memória (com déficit predominante de aprendizado de novas informações) na maior parte dos casos, seguindose alterações nas funções executivas, visuoconstrutivas e de linguagem. Inicia-se mais frequentemente após os 65 anos. ‼Tem seu diagnóstico baseado no quadro clínico e perfil de comprometimento cognitivo; exames de sangue com ausência de alterações sistêmicas, infecciosas ou metabólicas que possam levar à déficit cognitivo; ressonância magnética (preferencialmente) ou tomografia de crânio com atrofia das regiões temporais mediais. ♦A fisiopatologia da doença de Alzheimer caracteriza-se pelo acúmulo do peptídeo beta- amiloide, que inicialmente se agrega em oligômeros, que já exercem uma ação deletéria na ação sináptica colinérgica e alteração na potenciação de longo prazo; mecanismo envolvido na formação de memórias. O acúmulo de beta-- amiloide tem efeitos neurotóxicos diretos; leva a dano oxidativo por ação na peroxidação lipídica, oxidação de proteínas e formação de oxigênio e nitrogênio reativos; tem interferência no transporte e síntese de glutamato, com aumento de radicais livres pela excitotoxicidade; e causa dano inflamatório aos neurônios por ação da micróglia reativa quando ocorre o depósito amiloide no extracelular. ‼Atualmente a DA é diagnosticada baseada nos critérios do National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke – Alzheimer´s Disease and Related Disorders Association (NINCDSADRDA), publicados em 2011 (McKhann et al.), na tentativa de uniformizar o diagnóstico; porém, este se baseia na perda cognitiva suficiente para ter um comprometimento funcional e nas atividades sociais em relação ao nível prévio do indivíduo, pressupondo então o quadro demencial, desde que outras causas de comprometimento cognitivo sejam afastadas. Demência da DOENÇA DE ALZHEIMER 1. Demência da DA provável - Preenche critérios para demência e tem adicionalmente as seguintes características: 1.1. Início insidioso (meses ou anos). 1.2. História clara ou observação de piora cognitiva. 1.3. Déficits cognitivos iniciais e mais proeminentes em uma das seguintes categorias: • Apresentação amnéstica (deve haver outro domínio afetado). • Apresentação não amnéstica (deve haver outro domínio afetado). • Linguagem (lembranças de palavras). • Visualespacial (cognição espacial, agnosia para objetos ou faces, simultaneoagnosia e alexia). • Funções executivas (alteração do raciocínio, julgamento e solução de problemas). 1.4. Tomografia ou, preferencialmente, ressonância magnética do crânio deve ser realizada para excluir outras possibilidades diagnósticas ou comorbidades, principalmente a doença vascular cerebral. 1.5. O diagnóstico de demência da DA provável não deve ser aplicado quando houver: • Evidência de doença cerebrovascular importante definida por história de AVC temporalmente relacionada ao início ou piora do comprometimento cognitivo; ou presença de infartos múltiplos ou extensos; ou lesões acentuadas na substância branca evidenciadas por exames de neuroimagem; ou Andressa – P3B FMO – 2021.1 • Características centrais de demência com corpos de Lewy (alucinações visuais, parkinsonismo e flutuação cognitiva); ou • Características proeminentes da variante comportamental da demência frontotemporal (hiperoralidade, hipersexualidade, perseveração); ou • Características proeminentes de afasia progressiva primária manifestando-se como a variante semântica (também chamada de demência semântica, com discurso fluente, anomia e dificuldades de memória semântica ou como a variante não fluente, com agramatismo importante; ou • Evidência de outra doença concomitante e ativa, neurológica ou não neurológica, ou de uso de medicação que pode ter efeito substancial sobre a cognição. A segunda causa de demência de causa degenerativa em idosos é a demência com corpos de Lewy (DCL). Em estudos neuropatológicos a DCL aparece com uma frequência de 15 a 20% de todas as necrópsias em idosos. No Brasil, no estudo epidemiológico realizado na cidade de Catanduva, a DCL foi diagnosticada em 1,7% dos casos de demência. A DCL tem como características histopatológicas os corpos de Lewy intracelulares e neuritos de Lewy, formados pela agregação anômala de alfasinucleína; com a presença abundante de placas senis e esparsos novelos neurofibrilares. A característica central – demência – é essencial para o diagnóstico de provável ou possível. O perfil cognitivo mescla características corticais e subcorticais. Predominam desde o início, déficits de atenção, funções executivas e funções visuoespaciais. A memória pode estar comprometida de modo mais leve, nos casos iniciais. Outras características frequentes e importantes para o diagnóstico são as alucinações, flutuações da cognição e o parkinsonismo. Os critérios diagnósticos para DCL foram recentemente atualizados: ♦Critério essencial Indispensável para estabelecer DCL possível ou provável: 1. Demência com comprometimento cognitivo suficiente para interferir com funcionalidade social ou ocupacional. Critérios clínicos centrais 1. Quadro cognitivo flutuante com variações na atenção e vigilância 2. Alucinações visuais recorrentes, tipicamente bem formadas e detalhadas 3. Manifestação espontânea de um sintoma cardinal do parkinsonismo (bradicinesia, tremor ou rigidez) 4. Alteração do sono REM ♦Biomarcadores indicativos 1. SPECT ou PET com redução de atividade em transportadores dopaminérgicos nos núcleos da base 2. Cintilografia miocárdica com captação reduzida de MIBG 3. Polissonografia confirmado sono REM sem atonia DCL provável – requer: A. Presença de dois ou mais critérios clínicos centrais, com ou sem biomarcadores indicativos OU B. Apenas um critério clínico central com um ou mais biomarcadores indicativos ►DCL provável não deve ser diagnosticado fazendo uso apenas de biomarcadores indicativos Mudanças da personalidade, caracterizadas por desinibição nas atividades sociais, perda da autocrítica, irritabilidade ou apatia, e alterações das funções executivas são as manifestações mais comuns. A possibilidade de confusão com síndromes psiquiátricas não orgânicas é muito grande. ► Degeneração lobar frontotemporal é a denominação geral para um grupo de doenças que se caracterizam por esse fenótipo (ou por comprometimento da linguagem), mas que dependemde diferentes mecanismos genéticos e bioquímicos que começam a ser desvendados. ► A degeneração lobar frontotemporal incide principalmente na idade pré-senil e menos da metade dos casos apresenta história familial. A variante comportamental caracteriza-se por início insidioso e progressão lenta de perda cognitiva na qual o déficit predominante consiste de perda de julgamento com desinibição, impulsividade, perda do comportamento social e afastamento social. Os critérios diagnósticos mais recentes publicados estão resumidos no Quadro 62.4. Andressa – P3B FMO – 2021.1 DEMÊNCIAS NÃO DEGENERATIVAS A causa mais frequente de demência não degenerativa ou de demência secundária é a doença vascular cerebral. A demência vascular (DV) é muito frequente em países em que o controle dos fatores de risco para doenças vasculares é escasso, e também no Oriente, com prevalências de até 50% no Japão e China. Em estudo populacional brasileiro, sua prevalência entre idosos foi de 9,4%. A DV seria o estágio final do comprometimento cognitivo vascular (CCV), termo mais abrangente, que visa estabelecer o diagnóstico antes do aparecimento da demência. Com a prevenção primária e secundária de fatores de risco para doenças vasculares, a DV, ou melhor, o CCV pode ser considerado também uma demência potencialmente reversível, ou pelo menos, potencialmente estabilizável. Além da DV outras causas não degenerativas são: pós-trauma cranioencefálico, pós-infecciosa, por carências vitamínicas, de causas metabólicas entre outras. Questões - Demências 1) Resp: D 2) Sobre funções cognitivas e demências A) Demência está associada a comprometimento de memória B) Pacientes com diagnóstico de demência apresentam declínico cognitivo, com envolvimento da memória e mais funções cognitivas ( linguagem, função executiva, gnosias) C) O risco de demência é aumentado em pacientes com fatores de risco para doença vascular D) Na apresentação de um quadro demencial pode não se encontrar comprometimento precoce de memória como na Demência Fronto Temporal ou na Demência com corpúsculos de Lewy 3) Sobre demências A) Na ocorrência de Comprometimento Cognitivo leve há possibilidade de declínio em qualquer área da cognição B) Na doença de Alzheimer há depósitos extracelulares de peptídeo B- amiloide C) A doença de Alzheimer ocorre em indivíduos acima de 65 anos D) Mutações no gene da Apolipoproteína E constituem forte fator de risco para desenvolvimento de doença de Alzheimer de início tardio 4) Sobre demências A)Na demência fronto temporal o paciente apresenta alteração de comportamento, disfunção executiva e desinibição precoce. B) Pacientes com demência fronto temporal podem-se apresentar com quadro de afasia não fluente progressiva e demência semântica . C) Pacientes com DFT ( variante comportamental) tem história familiar positiva e demência de início precoce D) O perfil neuropsicológico de pacientes com DFT caracteriza-se por disfunção executiva com preservação relativa de memória e habilidades visuoespaciais
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