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ARENDT, Hannah A condição humana, 10º edição Editora_ Forense Universitária

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ARENDT, Hannah. A condição humana, 10º edição. Editora: Forense Universitária 
Capítulo II 
As esferas pública e privada
O homem: animal social ou político
· Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos; mas ação é a única não pode sequer ser imaginada fora dos homens. 
· Atividade do labor não requer a presença de outros, mas um ser assim que laborasse em completa solidão não seria humano e sim um animal laborans no sentido mais literal da expressão. 
· Nem um animal nem um deus é capaz de ação. 
· Esta relação especial entre a ação e a vida em comum, parece justificar plenamente a antiga tradução do zoon politikon de Aristóteles como animal socialis, que já encontramos em Sêneca e que, até Tomás de Aquino, foi aceita como tradução consagrada: o homem é por natureza, político, isto é social. 
· O uso latino da palavra societas tinha também originalmente uma concepção claramente política, embora limitada: indicava certa aliança entre pessoas para um fim específico. 
· O surgimento da cidade-estado significava que o homem recebera, além de sua vida privada, uma vida comum, koinon. 
· De todas as atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas somente duas eram consideradas políticas e constituintes do que Aristóteles chamava de bios politikos, a ação, praxis, e o discurso, lexis.
· O ser político, o viver numa polis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através de força ou violência. 
· A definição aristotélica do homem como zoon politikon não era apenas alheia e até mesmo oposta à associação natural da vida no lar, para entendê-la inteiramente precisamos acrescentar-lhe a sua segunda e famosa definição como, um ser vivo dotado de fala. 
A Polis e a Família 
· A distinção entre uma esfera de vida privada e uma esfera de vida pública corresponde à existência das esferas da família e da política como entidades diferentes e separadas da família e da política como entidades diferentes e separadas pelo o menos, desde o surgimento da antiga cidade-estado; mas a ascendência da esfera social, que não era nem privada nem pública no sentido restrito do termo, é um fenômeno relativamente novo. 
· O que chamamos de sociedade, é o conjunto de famílias economicamente organizadas de modo a constituírem o fac-símile de uma única família sobre-humana, e sua forma política de organização é denominada nação.
· É muito provável que o surgimento da cidade-estado e da esfera pública tenha ocorrido às custas da esfera privada, da família e do lar. 
· A divisão sexual do trabalho quanto a função de homens e mulheres, sendo respectivamente a manutenção individual e a sobrevivência da espécie. 
· A esfera da polis, era a esfera da liberdade e se havia uma relação entre essas duas esferas era que a vitória sobre as necessidades de vida em família constituía a condição natural para a liberdade na polis. 
· A política não podia ser meio para apenas proteger a cidade. Em todos os casos de sociedade de produtores em Marx, proprietários em Locke, de empregados como a ocidental, é a liberdade, e em alguns casos a pseudoliberdade, da sociedade que requer e justifica a limitação da autoridade política. 
· A liberdade situa-se na esfera social, e a força e a violência tornam-se monopólio do governo. 
· A polis se diferenciava da família pelo fato de somente conhecer iguais ao passo que a família era o centro da mais severa desigualdade. 
· É verdade que esta igualdade na esfera política muito pouco tem em comum com o nosso conceito de igualdade; significava viver entre pares e lidar somente com eles, e pressupunha a existência de desigualdade e estes, de fato, eram sempre a maioria da população na cidade-estado. 
· A igualdade longe de ser relacionada com a justiça nos tempos modernos, era a própria essência da liberdade, ser livre significava ser isento da desigualdade presente no ato de comandar e mover-se numa esfera onde não existiam governo nem governados.
· No mundo moderno, as esferas social e política diferem muito menos entre si. 
· A transferência de todas as atividades humanas para a esfera privada e o ajustamento de todas as relações humanas segundo o molde familiar teve profundas repercussões nas organizações profissionais especificamente medievais nas próprias cidades e até mesmo nas primeiras companhias comerciais nas quais o lar comum original parecia estar implícito na própria palavra ‘companhia’ e em expressões como ‘aqueles que comem do mesmo pão’, homens que compartilham do mesmo pão e do mesmo vinho’. 
· O conceito medieval de ‘bem comum’, longe de indicar a existência de esfera política, reconhecia apenas que os indivíduos privados têm interesses materiais e espirituais em comum, e só podem conservar sua privatividade e cuidar de seus próprios negócios quando um deles se encarrega de zelar por esses interesses comuns. 
A promoção social 
· A passagem da sociedade, a ascensão da administração caseira, de suas atividades, seus problemas e recursos organizacionais, do sombrio interior do lar para a luz da esfera pública não apenas diluiu a antiga divisão entre o privado e o político, mas alterou o significado de dois termos e sua importância para a vida do indivíduo e do cidadão, ao ponto de torna-los quase irreconhecíveis. 
· O que chamamos hoje de privado é um círculo de intimidade cujos primórdios podemos encontrar nos últimos períodos da civilização romana, embora dificilmente em qualquer período da antiguidade grega. 
· Atualmente, não nos ocorre o aspecto de privação quando empregamos a palavra ‘privatividade’, e isto, em parte, se deve ao enorme enriquecimento da esfera privada através do individualismo. 
· O fato histórico decisivo é que a privatividade moderna, em sua função mais relevante, proteger aquilo que é íntimo, foi descoberta não como oposto da esfera político, mas da esfera social.
· Um fator decisivo é que a sociedade, em todos os seus níveis, exclui a possibilidade de ação que antes era exclusiva do lar doméstico. 
· Ao invés de ação a sociedade espera de cada um dos seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras regras, todas elas tendentes a normalizar seus membros e fazê-los comportarem-se, a abolir a ação espontânea ou reação inusitada. 
· O surgimento da sociedade de massas, indica apenas que vários grupos sociais foram absorvidos por uma sociedade única, tal como as unidades familiares haviam antes sido absorvidas por grupos sociais, com o surgimento da sociedade de massas a esfera social atingiu finalmente, após séculos de desenvolvimento, o ponto em que abrange e controla igualmente e com força, todos os membros de determinada comunidade. 
· Mas a sociedade equaliza, em quaisquer circunstâncias, e a vitória da igualdade no mundo moderno é apenas o reconhecimento político e jurídico do fato de que a sociedade conquistou a esfera pública e que a distinção e a diferença reduziram-se a questões privadas do indivíduo. 
· Esta igualdade moderna, baseada no conformismo inerente à sociedade e que só é possível porque o comportamento substituiu a ação como principal forma de relação humana, difere, em todos os seus aspectos, da igualdade dos tempos antigos.
· A triste verdade acerca do behaviorismo e da validade de suas leis, é que quanto mais pessoas existem, maior a possibilidade de que se comportem e menor a possibilidade de que tolerem o não-comportamento. 
· Karl Marx esteve certo ao concluir que a ‘socialização do homem’ produziria automaticamente um harmonia de todos os interesses, e apenas teve mais coragem de que seus mestres liberais quando propôs estabelecer na realidade a ‘ficção comunística’ subjacente a todas as teorias econômicas. 
· O que Marx não compreendeu, é que os germes da sociedade comunística estavam presentes na realidade de um lar com dimensões de nação e que impedia o completo desenvolvimento de tais germes não era qualquer interesse como tal, mas somente a já obsoleta estrutura monárquica do estado-nação.
· Qualquer vitória completa da sociedade produzirá semprealgum tipo de ficção comunística, cuja principal característica política é que será, governada por uma mão invisível, ou seja ninguém. 
· Marx previu essa mão invisível como ‘decadência do estado’. Embora não tivesse previsto seu equívoco quanto a revolução. 
· Desde o advento da sociedade, a admissão das atividades caseiras e da economia doméstica à esfera pública, a nova esfera tem-se caracterizado principalmente por uma irresistível tendência de crescer, de devorar as esferas mais antigas do político e do privado, bem como a esfera mais recente da intimidade. 
· A mais clara indicação de que a sociedade constitui a organização pública do próprio processo vital talvez seja encontrada no fato de que, em tempo relativamente curto, a nova esfera social transformou todas as comunidades modernas em sociedades de operários e de assalariados, essas comunidade concentraram-se imediatamente em torno da única atividade necessária para manter sua vida - o labor. 
· A sociedade é a forma na qual o fato da dependência mútua em prol da subsistência e de nada mais, adquire importância pública e na qual as atividades que dizem respeito à mera sobrevivência são admitidas em praça pública.
· O fato de uma atividade ocorrer em particular ou em público, não é, de modo algum, indiferente. 
· A promoção do labor à estatura de coisa pública, longe de eliminar o seu caráter de processo, o que teria sido de esperar, se lembrarmos que os corpos políticos sempre foram projetados com vistas à permanência e suas leis sempre foram compreendidas como limitações impostas ao movimento, liberou ao contrário, esse processo de sua recorrência circula e monótona e transformou-o em rápida evolução, cujos resultados, em poucos séculos, alternariam inteiramente todo o mundo habitado. 
· No instante em que o labor foi liberado das restrições que lhe eram impostas pelo banimento à esfera privada, e essa emancipação do labor não foi consequência da emancipação da classe operária, mas a precedeu, foi como se o elemento de crescimento inerente a toda vida orgânica houvesse completamente superado e se sobreposto aos processos de perecimento através dos quais a vida orgânica é controlada e equilibrada na esfera doméstica da natureza. A esfera social, na qual o processo do próprio domínio público desencadeou um crescimento artificial, por assim dizer, do natural. 
· Uma vez que o próprio princípio organizacional deriva claramente da esfera pública e não da esfera privada, a divisão do trabalho é precisamente o que sucede à atividade do labor nas condições da esfera pública e que jamais poderia ocorrer na privatividade do lar. 
A esfera pública: o comum
· O termo público, denota dois fenômenos intimamente correlatos mas não perfeitamente idênticos. Em primeiro lugar que tudo vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência, aquilo que é ouvido pelos outros e por nós mesmos, constitui a realidade. 
· Toda vez que falamos de coisas que só podem ser experimentadas na privatividade ou na intimidade, trazemo-las para uma esfera na qual assumirão uma espécie de realidade, que a despeito de sua intensidade, elas jamais poderiam ter tido antes do surgimento da era moderna e do concomitante declínio da esfera pública, sempre intensifica e enriquece grandemente toda a escola de emoções subjetivas e sentimentos privados, esta intensificação sempre ocorre às custas da garantia da realidade do mundo e dos homens.
· Uma vez que nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência, e portanto da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir da treva da existência resguardada, até mesmo a meia-luz que ilumina a nossa vida privada e íntima, em última análise, da luz muito mais intensa da esfera pública. 
· Esta ampliação da esfera privada, um encantamento, por assim dizer, de todo um povo, não a torna pública, não constitui uma esfera pública, mas ao contrário, significa apenas que a esfera pública refluiu quase que inteiramente, de modo que, em toda parte a grandeza cedeu lugar ao encanto, pois embora a esfera pública possa ser grande, não pode ser encantadora precisamente porque é incapaz de abrigar o irrelevante. 
· Em segundo lugar, o termo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. 
· A esfera pública enquanto mundo comum, reúne-nos na companhia uns dos outros e contudo evita que colidamos uns com outros. 
· O que torna tão difícil de suportar a sociedade de massas não é o número de pessoas que ela abrange, ou pelo o menos não é este fator fundamental, antes é o fato de que o mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras e de separá-las. 
· A negação do mundo como fenômeno político só é possível à base da premissa de que o mundo não durará, mas à base de tal premissa, é que inevitável que essa negação venha, de uma forma ou de outra a dominar a esfera política. 
· A opinião da era moderna acerca da esfera pública, após a espetacular promoção da sociedade à proeminência pública, foi expressa por Adam Smith quando, com desarmante franqueza, ele mencionou essa desafortunada raça de homens chamados de homens de letras, para os quais a admiração pública, fica entre médicos, juízes/jurídico e para filósofos. 
· Nestas palavras fica evidente que a admiração pública e a recompensa monetária têm a mesma natureza e podem substituir uma à outra. 
· A admiração pública é também algo a ser usado e consumido, e o status como diríamos hoje, satisfaz uma necessidade como o alimento satisfaz outra: a admiração pública é consumida pela vaidade individual da mesma forma que o alimento é consumido pela fome. 
· A admiração pública consumida diariamente em doses cada vez maiores, é ao contrário, tão fútil que a recompensa monetária, pode-se tornar-se objetiva e mais real. 
Esfera privada: a propriedade
· O homem privado é ausente dos outros, não existe em suma.
· Nas circunstâncias modernas, essa privação de relações, objetivas, com os outros e de uma realidade garantida por intermédio destes últimos tornou-se fenômeno de massa da solidão, no qual assumiu sua forma mais extrema e anti-humana.
· O motivo pelo qual esse fenômeno é tão extremo é que a sociedade de massas não apenas destrói a esfera pública e a privada: priva ainda os homens não só do seu lugar no mundo, mas também do seu lar privado, no qual antes eles se sentiam resguardados contra o mundo e onde, de qualquer forma, até mesmo os que eram excluídos do mundo podiam encontrar-lhe o substituto no calor do lar e na limitada realidade em família. 
· Parece ser da natureza da relação entre as esferas pública e privada que o estágio final do desaparecimento da esfera pública seja acompanhado pela ameaçada de igual liquidação da esfera privada. A palavra privada, em conexão com a propriedade, em termos do pensamento político dos antigos, perde imediatamente o seu caráter privativo e grande parte de sua oposição à esfera pública em geral, aparentemente, a propriedade possui certas qualificações que, embora situadas na esfera privada, sempre foram tidas como absolutamente importantes para o corpo político. 
· A profunda conexão entre o privado e o público, evidente em seu nível mais elementar na questão da propriedade privada, corre hoje o risco de ser mal interpretada em razão do moderno equacionamento entre a propriedade e a riqueza, de um lado, e a inexistência de propriedade e pobreza, de outro. 
· A propriedade e riqueza são de maior relevância historicamente para a esfera pública que qualquer outra questão ou preocupação privada, e desempenharam, pelo menos, formalmente, mais ou menos o mesmo papel como principal condição para a admissão do indivíduo à esfera pública e à plena cidadania. 
· O atual surgimento, de sociedades real ou potencialmente, muito ricas, nas quais ao mesmo tempo não existe propriedade, porque a riqueza de qualquer um dos seus cidadãos consiste em sua participação na renda anual da sociedade como um todo,mostra claramente quão pouco essas duas coisas se relacionam entre si. 
· Antes da era moderna, que começou a expropriação dos pobres e em seguida passou a emancipar as novas classes destituídas de propriedades, todas as civilizações tiveram por base o caráter sagrado da propriedade privada. A riqueza, ao contrário, nunca fora sagrada. 
· Originalmente, propriedade significava nada mais menos que o indivíduo possuía seu lugar em determinada parte do mundo e portanto pertencia ao corpo político, isto é, chefiava uma das famílias, que no conjunto, constituíam a esfera pública. 
· A esfera não privativa da esfera doméstica residia originalmente no fato de ser o lar a esfera do nascimento e da morte, que deveria ser escondida da esfera pública por abrigar coisas ocultas aos olhos humanos e impenetráveis ao conhecimento humano.

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