Grátis
104 pág.

História e Cultura Brasileira
UNICESUMAR
Denunciar
Pré-visualização | Página 4 de 20
ó r i a e C u l t u r a B r a s i l e i r a O OUTRO BRASIL QUE VEM AÍ (GILBERTO FREYRE) Eu ouço as vozes eu vejo as cores eu sinto os passos de outro Brasil que vem aí mais tropical mais fraternal mais brasileiro. O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados terá as cores das produções e dos trabalhos. Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças terão as cores das profissões e das regiões. As mulheres do Brasil em vez de cores boreais terão as cores variamente tropicais. Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil, todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor O preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco. Na primeira metade do século XX, muitos historiadores olharam para o passado e tentaram buscar respostas para o tipo de sociedade que foi formada no Brasil. Dentre as principais obras e seus respectivos au- tores, estão: Gilberto Freyre, com a obra Casa-Grande e Senzala (1933), na qual o autor aborda questões étnicas e culturais. Sérgio Buarque de Holanda, com a obra Raízes do Brasil (1936), em que o autor trabalha o conceito de homem cordial, e Caio Prado Júnior, com sua obra Formação do Brasil Contemporâneo (1942), em que o autor aborda as questões econômicas sob o viés marxista. Essas três obras são de estudo obrigatório para qualquer um que queira entender o processo colonizador que formou nossa sociedade. Fonte: Autor. 19G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Muitos professores que conheço já realizaram traba- lhos maravilhosos com seus alunos, quando o tema é relacionado a diversidade cultural do Brasil. Aliás, conforme a orientação pedagógica da instituição, trabalhos interdisciplinares são a verdadeira essên- cia do aprendizado, tendo em vista que contribuem para que o estudante coloque na prática aquilo que aprendeu na teoria. Lembro-me quando cursava o 9º ano (antiga oitava série) e que um professor havia delegado à sala um trabalho em que cada grupo deveria ser responsá- vel por apresentar um Estado do Brasil e destacar suas características econômicas e culturais. Para um garoto de quatorze anos e em uma época que não se ouvia falar de internet, o jeito era recorrer ao que estava ao alcance imediato. Sendo assim, fiquei com o tema o Estado do Rio Grande do Sul. Desde criança fui acostumado a ouvir música gaúcha com meu avô materno – embora ele não fosse gaúcho. Como eu tocava violão e um colega de classe tocava sanfona, conseguimos umas bom- bachas e algumas meninas conseguiram vestidos de prenda. Resultado: tocamos, cantamos e apresenta- mos algumas danças típicas do Rio Grande do Sul, como a vanera, o bugio, a rancheira e o xote. Entretanto, podemos dizer que o Rio Grande do Sul se resume a isso? No que diz respeito à tradição culi- nária, será que todo gaúcho toma chimarrão e gosta de churrasco? Certamente que não. Isso também se aplica ao Brasil como um todo. E tudo isso diz respeito ao processo de colonização empreendido pelos europeus no século XVI. Fonte: Fato real vivido pelo professor Kleber Men Churrasco – um dos pratos mais apreciados pelos gaúchos. H i s t ó r i a e C u l t u r a B r a s i l e i r a Recens elaborata mappa geographica regni Brasiliae in America Meridionali maxime celebris, autor: Seutter, Matthaeus, 1730 21G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Se observarmos como se processou a colonização da América de Norte a Sul, observando as características das 13 Colônias Inglesas instaladas na América do Norte, a colonização espanhola e a colo- nização francesa, vamos perceber, obviamente, que as diferenças são inúmeras. Se ao invés de observarmos as características eco- nômicas, focarmos nos pontos que envolvem a cultura, a lista de diferenças será ainda maior. O Colonizador Português e a sua Influência na Formação da Cultura e da Sociedade Brasileira H i s t ó r i a e C u l t u r a B r a s i l e i r a C ada colônia que se desenvolveu na América foi, grosso modo, um espe- lho do que era a sua Metrópole euro- peia, no que diz respeito à estrutura social e política. Entretanto, no que se trata dos fatores econômicos, essa região representava uma amplitude bem maior, em razão da abun- dância de terras sob um clima mais favorável à produção agrícola. O que acabou por criar uma sociedade que, segundo Freyre (2006, p. 65), no que diz respeito à colonização da América tropical, formou-se: Uma sociedade agrária na estrutura, es- cravocrata na técnica de exploração eco- nômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição. Sociedade que se desenvolveria defendida menos pela consciência de raça, quase nenhuma no português cosmopolita e plástico, do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política. Antes que possamos seguir em frente com nossa análise, é preciso deixar alguns pontos elucida- dos com relação à citação acima. Quando o autor se refere a nossa sociedade ser escravocrata, significa que a base de nossa colonização era a relação entre senhores e escravos. Não que por aqui não houvesse trabalho livre, mas, se com- pararmos este com a escravidão, essa última, sem dúvida alguma, era predominante. Freyre (2006) também destacou que, em terras brasileiras, a miscigenação foi maior do que em qualquer outro país americano, tudo isso se deveu à natureza dos portugueses que, segundo o autor, não possuíam orgulho racial e, sendo assim, eram pessoas que facilmente se adaptavam a qualquer situação. Além disso, o que se viu em outras regiões da América foi uma profilaxia social, em que os europeus não se misturaram com os nativos de forma tão in- tensa, como ocorrida por aqui, por se acharem superiores. Em suma, o autor afirmou que, do ponto de vista do orgulho racial, de evitar se misturar com alguém de outra raça, os portugueses prati- camente ignoraram isso. Assim, já identificamos que a miscigenação, ao contrário do que se viu em outros países, ocorreu de forma muito mais livre, pois essa prática encontrou pouquíssimas barreiras. Nesse diapasão, destaca-se que um dos fato- res sobre a facilidade que essa relação inter-racial encontrou na América Portuguesa se dá pelo fato de que os portugueses, em seu passado, também foram formados a partir da mistura de raças, por serem um povo, em razão de sua situação geográfica, mais propenso a intera- girem com outras culturas. Segundo Holanda (1995, p. 31), A Espanha e Portugal são, assim como a Rússia e os países balcânicos (e em certo sentido também a Inglaterra), um dos territórios-ponte pelos quais a Europa se comunica com os outros mundos. Assim, eles constituem uma zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns 23G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R casos, desse europeísmo que, não obs- tante, mantêm como um patrimônio necessário. Perceba que, pelo fato de Portugal ser um país situado na periferia da Europa, isso facilitou o contato com outros povos, per- mitindo que os portugueses deixassem o “orgulho étnico” de lado – ou melhor, nem o desenvolvessem completamente –, o que acabou proporcionando uma maior intera- ção cultural. Essa visão também é compar- tilhada por Freyre (2006, p. 66): A singular disposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos, explica-a em grande parte o seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África. Nem intransigentemente de uma nem de outra, mas das duas. A influên- cia africana fervendo sob a europeia e dando um acre requeime à vida sexual, à alimentação, à religião; o sangue mouro ou negro correndo por uma grande po- pulação brancarana quando não predo- minando em regiões ainda hoje de gente escura. Holanda (1995) e Freyre (2006) concordam com o fato de que os portugueses não possu- íam objeções quando o assunto