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1 Esther Perinni Lopes – Medicina UVV XXVIII REGULAÇÃO DO APETITE O apetite é diferente da fome. O apetite é uma balança que equilibra sinais fisiológicos da fome com fatores sociais e ambientais. A fome é um sinal fisiológico. Mas o que seriam esses sinais fisiológicos relacionados à fome? CENTROS NEURAIS REGULADORES DA INGESTÃO ALIMENTAR No hipotálamo, nós temos os centros neurais reguladores da ingestão alimentar, é nesse local onde é gerada a fome → Fome é aquilo que o organismo sente quando existe a necessidade de suprimento nutricional. Se o organismo precisa de energia ou de nutrientes, ele vai deflagrar os sinais da fome e o indivíduo vai buscar por alimento. Nos primórdios da raça humana, em que o ser humano buscava seu alimento assim como os animais buscam na natureza, quando o humano sentia fome, e não era tão simples como hoje em dia, o ser humano se comandava pelos sinais mandados pelo hipotálamo. O hipotálamo tem diversos núcleos. O núcleo responsável mais diretamente pela sinalização da busca alimentar, da fome, é o núcleo hipotálamo lateral. O núcleo arqueado também é muito importante na sinalização da fome, ele fica mais no limite inferior do hipotálamo. O núcleo ventro-medial também é muito importante, ele está diretamente relacionado com a saciedade, ele também se relaciona muito com a parte inferior do hipotálamo, que é próxima à haste hipofisária, onde se encontra a hipófise. Também tem o núcleo dorsomedial e o núcleo paraventricular. HORMÔNIOS E NEUROTRANSMISSORES REGULADORES DA FOME Dentro desse grupo de hormônios e neurotransmissores reguladores da fome e saciedade, temos as substâncias anorexigênicas e as orexigênicas. Substâncias anorexigênicas → substâncias que diminuem ou retiram a fome. Substancias orexigênicas → substâncias que estimulam a fome. As substâncias anorexigênicas são: As substâncias orexigênicas são: 2 Esther Perinni Lopes – Medicina UVV XXVIII → Núcleo arqueado O núcleo arqueado tem duas populações neuronais → dentro do mesmo núcleo existem dois conjuntos de neurônios que produzem substâncias orexigênicas como neuropeptídeo Y (NPY) e peptídeo relacionado à proteína agouti (AGRP) e existem os neurônios que produzem substâncias anorexigênicas, como o hormônio alfa estimulador dos melanócitos (alfa-MSH) e o transcrito regulado pela cocaína e anfetamina (CART). Os neurônios pró-opiomelanocortina (POMC) que produzem as substâncias anorexigênicas → alfa-MSH (hormônio alfa estimulador dos melanócitos) e o CART (transcrito regulado pela cocaína e anfetamina). O gene POMC é responsável pela molécula POMC, que é uma molécula muito grande que vai sendo clivada e produz o ACTH. O ACTH, depois de formado, é clivado e produz o alfa- MSH. Então qual é a relação do ACTH e o alfa-MSH (substância anorexígena)? O alfa-MSH é um derivado da clivagem do ACTH. As pessoas que possuem um adenoma produtor de ACTH, ou uma insuficiência adrenal primária (a hiperpigmentação é mais comum na insuficiência adrenal primária) têm hiperpigmentação da pele → pois o ACTH na molécula tem uma parte que é o alfa-MSH e, quando produzido em grandes quantidades, estimula o melanócito, causando a hiperpigmentação. ______________________________________________ O estímulo para a produção de alfa-MSH é algum hormônio do tipo insulina, leptina ou colecistocinina (anorexígenos), que vão estimular os neurônios do núcleo arqueado, o POMC e CART → esses neurônios são anorexígenos, produzem substâncias anorexígenas (inibidoras da fome) → uma dessas substâncias que essa classe de neurônios do núcleo arqueado produz é justamente o alfa-MSH, que vai atuar nos neurônios do núcleo paraventricular, nos receptores do alfa-MSH, que no caso são os receptores MCR-4 (receptores de melanocortina do tipo 4) e diminui a ingestão alimentar e aumenta o gasto energético. O alfa-MSH também vai atuar nos receptores de melanocortina do tipo 3, o MCR- 3, porque nesses neurônios ele vai ter uma ação inibitória. Resumindo: O alfa-MSH vai atuar no MCR-4 no núcleo paraventricular com o objetivo de diminuir a ingestão alimentar e aumentar o gasto energético → o alfa-MSH vai atuar no MCR-3 lá no núcleo arqueado, mais especificamente nos neurônios do AGRP e NPY e exercer uma ação inibitória, para que o indivíduo não sinta fome. Os neurônios que produzem substâncias orexígenas, ou seja, AGRP e NPY, têm função de agir nos neurônios do paraventricular e estimular a fome → os neurônios do paraventricular não têm função de apenas estimular ingestão alimentar ou só estimular o gasto energético, tudo depende de quem se liga a ele!! → os neurônios AGRP/NPY se ligam no núcleo paraventricular para estimular a ingestão alimentar e inibir o gasto energético, tanto que são estimulados por grelina (hormônio conhecido como hormônio da fome). 3 Esther Perinni Lopes – Medicina UVV XXVIII Mutações no MCR-4 é a causa conhecida mais comum de obesidade monogênica (mutação em um único gene causando obesidade) → sem esse receptor, o alfa-MSH não consegue inibir a sensação da fome e o indivíduo vai comer compulsivamente. Se temos o estímulo do alfa-MSH e do CART, temos um desestímulo da ingestão alimentar e um aumento no gasto energético. Se o neuropeptídeo Y e a proteína relacionada a agouti estão estimulados, nós aumentamos a ingestão alimentar e inibimos o gasto energético. ______________________________________________ Mas como fazemos para inibir ou estimular o gasto energético? - Explicação mais detalhada do que já foi falado Nessa representação do hipotálamo (mais lá para cima), temos a demonstração da parte inferior e do núcleo arqueado (na parte do meio), onde temos os neurônios POMC e os neurônios AGRP. Nos neurônios POMC, onde há a produção das moléculas POMC e CART, eles vão mandar projeções para os neurônios do núcleo paraventricular que tem o receptor 4 da melanocortina (MCR-4) → quando temos um aumento da produção do alfa-MSH atuando no MRC-4, tem uma redução do apetite e esses neurônios têm outras conexões com outras áreas que vão modular a ingestão alimentar para menos. Esses neurônios também sofrem a influência das substâncias orexigênicas e anorexigênicas, como por exemplo a insulina, leptina, colecistocinina → estimulam os neurônios POMC, ou seja, são substâncias consideradas diminuidoras do apetite, anorexigênicas, pois estimulam a produção de POMC e CART, que são substâncias anorexigênicas. Já nos neurônios orexigênicos, elas diminuem a atividade, principalmente a leptina, que é produzida no tecido adiposo. Então a leptina inibe a atividade dos neurônios que aumentam a fome. Já a grelina que geralmente tem suas taxas altas pré-prandialmente, aumenta a estimulação desses neurônios que também têm conexão com os neurônios do núcleo paraventricular e liberam as substâncias. Os neurônios NPY/AGRP estimulam os neurônios do núcleo paraventricular fazem o contrário, estimulam a ingestão alimentar. Como são neurônios que fazem a modulação, eles se autorregulam, por isso que temos a conexão entre o NPY/AGRP e POMC/CART. _____________________________________________ De que forma nós atrapalhamos essa regulação? De inúmeras maneiras, como substâncias que podem atrapalhar a produção de POMC, aumentando ou diminuindo, assim como substâncias que podem aumentar ou diminuir a produção de AGRP ou NPY. Outro caso que pode acontecer é o de pessoas que fazem cirurgias que acabam lesando o hipotálamo → o núcleo ventromedial que é relacionado com a saciedade está em contato com a haste hipofisária que fica mais na região inferior, vai receber sinalizações e mandar para o núcleo arqueado. Os pacientes que têm tumores hipofisáriosque acabam acometendo a região hipotalâmica, e no processo cirúrgico esse hipotálamo inferior é acometido, é muito comum que essas pessoas percam a saciedade 4 Esther Perinni Lopes – Medicina UVV XXVIII → o paciente passa a comer muito, é extremamente comum que ganhem peso por conta da lesão hipotalâmica. POR QUE PARAMOS DE COMER? Tem uma regulação a curto prazo e uma regulação a longo prazo. Regulação a curto prazo → na refeição individual, começamos a almoçar e em alguns minutos paramos pois o alimento foi suficiente, e precisamos sinalizar isso ao cérebro de alguma forma. Aqui na regulação a curto prazo, nós temos receptores orais que mensuram a ingestão → à medida que vamos comendo e o alimento vai passando pela boca, língua, mucosa da bochecha, mucosa interna e vamos deglutindo → a passagem do alimento, a quantidade de vezes que você deglute, isso vai sinalizando ao cérebro que você comeu muito ou que você comeu o suficiente. Depois temos também o enchimento gastrointestinal, a distensão da musculatura lisa do estômago é a próxima coisa que dá o sinal de saciedade. Você come, o alimento chega no estômago, enche o estômago e tem a distensão da musculatura lisa que dá a sensação de saciedade → é a lógica do balão intragástrico que é usado no tratamento para emagrecimento. Por que na cirurgia bariátrica se faz a restrição de uma parte do estômago? Porque a distensão daquela porção pequena do estômago que ficou responsável por receber a comida vai distender muito e aquilo vai sinalizar muito a saciedade. Os hormônios gastrointestinais que inibem ou aumentam a ingestão fazem essa regulação a curto prazo. Quando a gente come, à medida que o alimento vai chegando no duodeno, por exemplo, ocorre a liberação da colecistocinina que é produzida pela presença de gordura no duodeno, pelas células duodenais e estimula a produção de alfa-MSH, pois a CCK ganha a circulação sanguínea e vai lá no hipotálamo sinalizar a produção de alfa-MSH → que diminui o apetite. O glucagon-like peptide (GLP) tem sua produção estimulada por qualquer alimento, seja gordura, proteína ou carboidrato, mas basicamente precisa da absorção do alimento para estimular a liberação de insulina dependente de glicose. Então a liberação de insulina só acontece no caso do estímulo pelo GLP quando existe glicose circulando, porque é exatamente a presença do nutriente no intestino que faz com que seja liberado o GLP → indivíduo em jejum não libera GLP e consequentemente não libera insulina. O que estimula o aumento da ingestão a curto prazo? A grelina é liberada principalmente pelas células oxínticas do estômago, ela aumenta durante o jejum e existe uma quantidade muito grande de grelina antes da ingestão alimentar → levaria a um aumento da fome → a grelina cai depois que a gente come → a glicemia aumentada seria um dos fatores que levaria à queda da grelina. A grelina estimula a liberação de GH. ______________________________________________ A teoria glicostática (mais a médio prazo do que a curto) → a queda da glicemia aumenta o apetite, ou seja, o aumento da glicemia estimula os neurônios do centro da saciedade. Glicostática seria o equilíbrio da glicemia à medida que a glicemia vai caindo, temos o aumento do apetite, mas de que 5 Esther Perinni Lopes – Medicina UVV XXVIII forma o aumento desse apetite piora? À medida que as suas reservas de glicose (reservas mais imediatas) vão caindo, porque se o glicogênio hepático vai caindo e a glicemia não acompanha a necessidade, aí você começa a ter a sensação e fome, pois a glicemia também é uma grande estimuladora ou inibidora direta dos centros de fome (hipotálamo lateral e núcleo arqueado) e saciedade do hipotálamo → a glicose atua nesses centros! As teorias aminostática e a lipostática possuem mais ou menos a mesma ideia da teoria glicostática, mas a teoria lipostática é mais a longo prazo. Regulação a longo prazo → manutenção do depósito adequado de energia corpórea, a questão do controle do peso, a médio e longo prazo. O feedback do tecido adiposo regula a ingestão através da leptina. A leptina é uma substância produzida pelo tecido adiposo e ela estimula os receptores dos neurônios POMC. Poderíamos pensar da seguinte forma → quanto mais tecido adiposo, mais leptina, o que faria sentido fisiologicamente falando, mas por que o indivíduo chega a desenvolver obesidade se o próprio tecido adiposo se autorregula liberando a leptina, que é um hormônio anorexígeno? Porque mais leptina inibiria mais ainda a ingestão, pois ela aumenta atividade simpática, estimula a liberação dos hormônios anorexígenos, diminui NPY e AGRP e diminui a liberação de insulina. Entretanto, não é isso que acontece, pois nos indivíduos obesos que vão se tornando cada vez mais obesos, os receptores da leptina se tornam resistentes à atividade da leptina, os receptores hipotalâmicos da leptina, ou seja, um estimulo muito grande a longo prazo da leptina faz com que esses receptores deixem de ser ativados, seja por downregulation ou seja por algum mecanismo pós receptor, então esses indivíduos obesos têm altas taxas de leptina circulante mas não tem atividade dessa leptina por resistência nos seus receptores. REGULAÇÃO DO ESTOQUE ENERGÉTICO A manutenção do peso corpóreo a longo prazo, ou seja, do estoque energético, é um equilíbrio entre ingestão e gasto. Quando desequilibramos isso, podemos ter a obesidade. Para cada 9,3 calorias em excesso (acima do que você gastou de energia no seu dia) = 1 g de gordura é armazenada → claro que isso muda de organismo para organismo, pois temos mecanismos de armazenagem e gasto energético diferentes de indivíduo para indivíduo. Existem indivíduos que possuem uma maior capacidade de, em vez de acoplar a sua energia sob a forma de ATP, liberam essa energia sob a forma de calor. OBESIDADE Se você consome 100 calorias a mais por dia do que você gastou → 3000 calorias por mês → 36000 calorias por ano → 4 kg por ano de ganho de peso → 40 kg em 10 anos. → não é exatamente assim que funciona, mas essa é a lógica. 6 Esther Perinni Lopes – Medicina UVV XXVIII A gordura então, à medida que vamos tendo mais ingestão do que gasto, ela começa a ser armazenada nos adipócitos e pode ser armazenada na cavidade peritoneal (não é normal, só começa a acontecer quando excede muito o que já tem). Existe uma pré-disposição genética para o acúmulo de gordura dentro da cavidade peritoneal. Existem indivíduos que não são tão obesos do ponto de vista geral amplo, por exemplo aqueles indivíduos que possuem obesidade visceral sem possuir o IMC acima de 25 (sobrepeso ou obesidade) → existem causas genéticas envolvidas nisso. HIPERPLASIA VS. HIPERTROFIA DOS ADIPÓCITOS Acreditou-se por muito tempo que os adipócitos não sofriam hiperplasia depois de adultos, a hiperplasia acontecia nos primeiros anos de idade. Mas isso não é mais verdadeiro, descobriu-se que os adipócitos adultos sofrem hiperplasia sim e isso é muito ruim pois quanto mais células adiposas você tem, mais gordura você consegue armazenar, então além de hipertrofia você também pode ter uma hiperplasia do adipócito, principalmente o adipócito visceral que é um adipócito metabolicamente mais ativo e com uma característica mais maléfica, ele também sofre hiperplasia. O indivíduo com hiperplasia, mesmo que ele perca peso, depois para ganhar peso é muito mais fácil → indivíduo tem uma maior dificuldade de manutenção de peso depois. OBESIDADE A obesidade não é um fator isolado, a não ser quando se trata de mutações monogênicas que são muito raras. Temos um ciclo de fatores que se agregam para levar a obesidade. ➔ Sedentarismo ➔ Ingestão excessivae alta densidade calórica ➔ Lesões hipotalâmicas ➔ Mudança no set point do controle da ingestão → o set point é o limite, o ponto de corte do controle hipotalâmico. A mudança do set point do controle da ingestão está relacionada, por exemplo, com a superalimentação das crianças → se você acostuma a criança desde bebê a comer muito, ele vai aprender a comer muito → uma criança vai comer até saciar seus sinais de fome e alcançar o sinal da saciedade → se a criança já esta satisfeita mas a mãe a obriga a comer mais (por pensar que aquilo não foi o suficiente para suprir as necessidades nutricionais) a criança vai se acostumar e comer aquela quantidade de comida e o set point do hipotálamo vai definir como se apenas aquela quantidade de alimento fosse capaz de promover a sensação da saciedade.
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