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Josy S. Patologia CASO CLÍNICO: Menina, 3 anos, quadro súbito de dor em hipocôndrio esquerdo, evoluindo com palidez mucocutânea intensa progressiva e letargia nas últimas horas, além de surgimento de pequenas petéquias em porções distais de membros, iniciados há ±40 minutos. Mucosas hipocoradas+++/IV e ressecadas, com icterícia discreta de escleras. Sinais de desconforto respiratório. Baço palpável, de consistência endurecida. No primeiro teste do pezinho foi identificada uma alteração (não soube precisar qual) e o médico que a acompanhava solicitou outro exame para confirmar o diagnóstico. Mutações podem alterar a sequência primária de aminoácidos da globina, resultando por vezes em doenças clinicamente significativas: hemoglobinopatias. Podem ser alterações qualitativas ou quantitativas: ➢ Qualitativa: todas as cadeias são formadas, mas possuem alterações na cadeia. ➢ Quantitativa: deficiência na produção das cadeias. Ex: a anemia falciforme é predominantemente qualitativa. São produzidas todas as cadeias globinas, mas a cadeia β tem uma mutação, passando a ser produzida de maneira inadequada. Ex 2: a talassemia é predominantemente quantitativa. Há não produção de uma ou mais cadeias globínicas. A hemoglobina é uma molécula de quatro subunidades (normalmente 2 α e 2 β) e forma tetrâmero que abriga o heme (contendo o oxigênio), fazendo o transporte pelo corpo. ➢ Hemoglobinopatia hereditária ➢ Comum em indivíduos de ascendência africana ➢ Mutação pontual: substituição de Ácido Glutâmico por Valina, no 6º códon do cromossomo 11. A mutação pontual na β-globina promove a polimerização da hemoglobina desoxigenada. Tal polimerização modifica a estrutura para uma forma de agulha, mais rígida, reduzindo a maleabilidade e capacidade de transportar O2. A maleabilidade prejudicada compromete a capacidade da célula de se deformar para passar por sinusóides, podendo levar à: anemia hemolítica, obstrução micro-vascular e dano tecidual isquêmico. HEMOGLOBINOPATIAS DOENÇA FALCIFORME Além disso, a mutação modifica a membrana celular, tornando-as mais aderentes (sem estímulo externo) ao endotélio vascular e formando trombos. Devido à esses fatores, ela pode romper por conta da sua própria pressão ou por macrófagos do leito vascular, causando hemólise crônica. Estado constante de inflamação por conta da lesão de endotélio. ❖ GENÓTIPOS: ➢ Heterozigose: anemia discreta, com crises hemolíticas mais esparsas. ➢ Homozigose: anemia grave, crônica, intensa, podendo ter necessidade de transfusões sanguíneas. ❖ LESÕES FREQUENTES: • Acidentes cerebrais hemorrágicos • Necrose asséptica da cabeça do fêmur • Úlceras cutâneas • Necrose das papilas renais • Auto-esplenectomia • Obstrução da circulação pulmonar (cor pumonale) Obs: Relacionadas à vaso-oclusão e/ou privação de oxigênio. ❖ FATORES QUE INFLUENCIAM NA GRAVIDADE DO CASO: 1) Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM): quanto maior a concentração de HbS, maior a probabilidade de agregação e polimerização. 2) pH Intracelular: pH ácido (reduzido) diminui a afinidade da hemoglobina por oxigênio, aumentando a fração de HbS desoxigenada e favorecendo a polimerização 3) Tempo de Trânsito pelo Leito Microvascular: maior tempo favorece a agregação da HbS e a sua polimerização. Principalmente nos sinusoides esplênicos por ter fluxo sanguíneo mais lento. ❖ HEMOGLOBINA FETAL (HbF): • Produzida na vida uterina • Cerca de 80% das hemoglobinas do RN (fortemente ligada ao oxigênio) • Gradativamente substituída até o 6º mês • Pode estar presente em adultos e quantidades muito pequenas • Inibe polimerização • Aumento pelo uso de hidroxiuréia Tem possibilidade de reversibilidade: A reoxigenação das hemácias consegue despolimerizar, porém, à medida que vai acontecendo as polimerizações, fica cada vez mais difícil de dissolver, até o ponto em que se torna irreversível: enrijecida, pico de aderência e formação fortemente de trombos. ❖ MORFOLOGIA: ➢ Células falciformes ➢ Reticulocitose (eritrócito que não terminou de ser maturado por conta da hemólise intensa, gerando hiperplasia da medula para tentar compensar a queda de eritrócitos. Não da tempo de maturar, gerando os reticulócitos) ➢ Corpúsculos de Howell-Jolly (restos de núcleo) ➢ Hiperplasia eritróide de medula óssea A microcirculação é a mais comum para vaso-oclusão, porque é mais fácil de entupir devido ao maior contato da célula com o endotélio vascular e o diâmetro do vaso. Entretanto, pode ocorrer em qualquer vaso. A liberação intravascular de hemoglobina, além da vaso-oclusão recorrente e dos processos de isquemia e reperfusão, leva ao dano e ativação das células endoteliais da parede do vaso. A Hemoglobina fora da célula é inflamante, favorecendo a adesão celular. Induzindo a resposta inflamatória e adesão de leucócitos e eritrócitos. Além disso, as hemácias livres indisponibiliza o Óxido Nítrico produzido no endotélio, porque se ligam fortemente à ele. Desse modo, não vai haver vasodilatação, agravando ainda mais o caso. Pode haver vasoconstricção, causando hipertensão pulmonar e priaprismo. O estresse oxidativo pode ocasionar redução no fluxo sanguíneo, contribuindo para o processo de vaso-oclusão. Além desses fatores, a falcização repetida pode levar à dano da membrana dos eritrócitos com a exposição de proteínas na superfície celular e a produção de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS). ❖ PROCESSO: Ativação das células endoteliais: • Expressão de moléculas de adesão (VCAM-1, ICAM-1 e E- selectina) na superfície celular. • Produção de citocinas e quimiocinas como IL-8 (quimioatratora de leucócitos), IL-6 (pró-inflamatória) e GM-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos) • Liberação de fatores pró-coagulantes e fatores vasoconstritores potentes, como as Endotelinas1 e 2 (ET-1, ET-2) OBS: Percebe-se a presença de um ambiente extremamente trombogênico. ❖ INFLAMAÇÃO: O estado inflamatório crônico exerce papel fundamental na ativação das células endoteliais e células sanguíneas, principalmente leucócitos. Há elevação de inúmeras moléculas inflamatórias: TNF-α, IL-1β (citocinas ligada diretamente à resposta Th1), proteína C reativa (fase aguda, associada a coagulação), M-CSF (fator estimulador de colônia de macrógafos), IL-3, GM-CSF, IL-8 e IL-6. PROCESSO DE VASO-OCLUSÃO ❖ ADESÃO CELULAR: A expressão de moléculas como VCAM-1, ICAM-1 e selectinase CD36 na superfície das células endoteliais ativadas, tem como consequência a captura das células brancas e vermelhas que, por sua vez, também apresentam propriedades adesivas aumentadas. As células vermelhas e, em especial, os reticulócitos de indivíduos com doenças falciformes apresentam maior capacidade adesiva contendo: integrinaVLA-4, CD36, ICAM-4 e BCAM/Lu, que estão altamente expressas nessas células e interagem com as moléculas subendoteliais da parede vascular (laminina, trombospondina, fibronectinaetc.) ou com as moléculas das células endoteliais (CD36, VCAM-1, BCAM/Lu, P-selectina, entre outras). Leucócitos: ativados na circulação de indivíduos com AF, também aderem com mais facilidade ao endotélio vascular, promovendo a adesão de outras células (como hemácias), na presença de um estímulo inflamatório. Mac-1 e LFA-1, L-selectina, e ligantes da E-selectinana = superfície dos leucócitos. ICAM-1, P-selectinae E-selectinapresentes = na superfície das células endoteliais. ❖ PLAQUETAS E COAGULAÇÂO: Níveis elevados de marcadores de ativação de trombina, plaquetas e células endoteliais: ➢ Dímero-D ➢ Trombina-Antitrombina(TAT) ➢ Ligante de CD40 solúvel (CD40L) ➢ Fator Tecidual (FT) ➢ Fator Ativador de Plaquetas (FAP) ➢ Fator devon Willebrand(FvW) ❖ CRISES DE FALCIZAÇÃO: Apresentam períodos sem manifestações clínicas - fase estável da doença. Podem ser interrompidas por manifestações agudas – crises de falcização: crises vaso-oclusivas ou episódios dolorosos, crises aplásicas, hemolíticas e de sequestro. 1) Crises vaso-oclusivas • Episódios dolorosos agudos (vaso ocluído o sangue não passa, isquemia, processo inflamatório, lesão de nervos = dor) • Frequência/gravidade variam Apesar do ambiente extremamente inflamatório, há presença de algumas proteínas anti-inflamatórias: ➢ Heme-Oxigenase-1 ➢ IL-10 Atuam, possivelmente, tentando limitar a produção de moléculas inflamatórias e a ativação endotelial na doença. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • Fatores desencadeantes variados: infecção, desidratação (tem menos sangue, ou seja, as células ficarão mais juntas, polimerizando mais) e tensão emocional de qualquer natureza. • Mais frequente na terceira e quarta décadas de vida • Taxa de mortalidade mais alta em adultos • Oclusão microvascular é o fator inicial do episódio doloroso • Isquemia dos tecidos -> resposta inflamatória aguda • Principais alvos: ossos longos, articulações e região lombar • Outras regiões: couro cabeludo, face, tórax e pelve • Episódios agudos de dor/inchaço frequentes em crianças menores de 6 meses – Dactilite • Autolimitadas (desaparecem após uma semana, apesar de recorrentes) – devido à grande renovação de hemácias funcionais e fagocitose de trombos pelos macrófagos 2) CRISES APLÁSICAS (queda de hemoglobina/reticulócitos): Diminuição dos níveis de hemoglobina, + níveis de reticulócitos reduzidos = insuficiência transitória da eritropoese Costuma ser desencadeada por infecção de parvovírus B19 em crianças. Já em adultos, costuma ser desencadeasa por S. pneumoniae, salmonelas e pelo EBV. Pode haver necrose medular óssea extensa, com febre, dor óssea, reticulocitopenia e reação leucoeritroblástica. OBS: iatrogênico de tensões supramáximas de oxigênio inalatório podem suprimir a produção endógena de eritropoetina após dois dias de uso. O oxigênio externo vai fazer com que o corpo ache que está tudo bem e o rim deixa de produzir eritropoetina. Com isso, os precursores de eritrócitos não são estimulados, agravando o quadro anêmico. 3) CRISES HEMOLÍTICAS Também denominadas de crises hiper-hemolíticas = incremento brusco na taxa de hemólise. São raras e estão relacionadas a infecções por Mycoplasma, deficiência de G6PD ou esferocitose hereditária associadas. Manifestações: agravamento da anemia e acentuação da icterícia. 4) CRISE DE SEQUESTRO ESPLÊNICO Episódio agudo caracterizado pelo acúmulo rápido de sangue no baço. Há queda nos níveis de hemoglobina, hiperplasia compensatória de medula óssea e esplenomegalia súbita. São responsáveis por elevado percentual de mortes nos primeiros dez anos de vida.
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