Pág. 161 | Artigo Livre REVISTA SOCIAIS & HUMANAS - VOL. 32 / Nº 3 - 2019 ADOLESCÊNCIA, VIOLÊNCIA E INVISIBILIDADE SOCIAL: UMA REVISÃO CRÍTICA A PARTIR DA HISTÓRIA DE SANDRO ADOLESCENCE, VIOLENCE AND SOCIAL INVISIBILITY: A CRITICAL REVIEW FROM THE HISTORY OF SANDRO RESUMO Este artigo propõe uma reflexão sobre adolescência, violência e invisibilidade social. Para abor- dar o tema, parte-se da história de Sandro, retratada no documentário “Ônibus 174” e no filme “Última parada 174”. Busca-se discutir aspectos que interferem na construção de identidade em adolescentes que não encontram no olhar do outro um sentido para sua existência. Assim, ao não se sentirem pertencentes à sociedade, podem sofrer um processo de invisibilidade social, que os leva, muitas vezes, a se reconhecerem e serem reconhecidos nas cenas de violência. Dessa forma, o texto tece uma reflexão sobre as implicações da sociedade para com esses ado- lescentes. Sandro representa um conjunto de adolescentes que encontram na violência uma forma e um sentido de expressar e viver a vida, seguramente, com consequências que não podem ser banalizadas. Palavras- chave: Adolescentes; Violência; Problemas sociais; Ato infracional. 1 Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Psicóloga, Especialista em Sistema Público de Saúde pelo Programa de Residência Integrada em Sistema Público de Saúde da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa (UFSM). 3 Pós-Doutoranda e Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista Capes. 4 Docente do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). DOI: 10.5902/2317175826823 Camila Almeida Kostulski1, Patricia Matte Rodrigues2, Patrícia Paraboni3, Dorian Mônica Arpin4 RECEBIDo: 24/04/2017 | aCEIto: 15/10/2019 Pág. 163 | Artigo LivreArtigo Livre | Pág. 162 REVISTA SOCIAIS & HUMANAS - VOL. 32 / Nº 3 - 2019 REVISTA SOCIAIS & HUMANAS - VOL. 32 / Nº 3 - 2019 ADOLESCÊNCIA, VIOLÊNCIA E INVISIBILIDADE SOCIAL: UMA REVISÃO CRÍTICA A PARTIR DA HISTÓRIA DE SANDRO CAMILA ALMEIDA KOSTULSKI, PATRICIA MATTE RODRIgUES, PATRÍCIA PARABONI, DORIAN MôNICA ARPIN Tendo em vista esse panorama, o objetivo desse artigo é discutir alguns elementos referentes à violência e invisibilidade social vivida por adolescentes no Brasil. Para analisar e refletir sobre essas questões serão abordados alguns aspectos apresentados no documentário “Ônibus 174” de José Padilha (PADI- LHA, 2002) e no filme “Última parada 174” de Bruno Barreto (BARRETO, 2008). Ambos buscam retratar a história de vida de Sandro Barbosa do Nascimento, que, em 2000, sequestrou o ônibus 174, na cidade do Rio de Janeiro, caso que ganhou repercussão nacional e internacional. Vale ressaltar que as ideias apresentadas nesse artigo não pretendem desresponsabilizar os adolescentes pelos atos infracionais que praticam, mas lançar alguma luz acerca do entendimento dos aspectos, multideterminados, que estariam na origem de tais atitudes e comportamentos violentos. É preci- so atentar para o fato de que a indiferença, o não reconhecimento do outro enquanto ser humano, também pode se constituir uma forma de violência. Para a discussão que nos propomos neste artigo, primeiramente serão descri- tos, de forma sucinta, alguns aspectos abordados no documentário e no filme e, posteriormente, realizar-se-á uma articulação com a literatura que trata das temáticas da adolescência, violência e invisibilidade. 2 Sandro Barbosa do Nascimento: uma história marcada pela violência Sandro nasceu em 07 de julho de 1988. Viveu com a mãe até os 8 anos de idade, contudo ainda quando estava sob os cuidados da mãe, já tinha vi- vência de rua. Ele presenciou a mãe ser assassinada a facadas em seu local de trabalho. Depois disso, Sandro residiu com sua tia por um tempo, mas certo dia saiu de casa e não voltou mais. Ele encontrou um grupo de meninos que “moravam” nas ruas do centro do Rio de Janeiro e passou a viver com eles. Sandro começou a usar drogas e a praticar furtos. Em 1993, ele testemunhou mais uma tragédia, a chacina da Candelária, situação de extrema violência muitos de seus “irmãos” de rua são brutalmente assassinados. Apesar disso, parece não ter recebido nenhuma atenção do Estado e/ou das autoridades, permanecendo “invisível” aos olhos da sociedade. Devido ao seu envolvimento com as drogas e a prática de furtos, San- dro acabou cumprindo medidas socioeducativas. Ele passou pela instituição Padre Severino, que parece ter apresentado naquele momento, uma lógica punitiva e repressiva, portanto, em discordância com os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), no Art. 124, que dispõe em seu inciso V que o adolescente deverá ser tratado com respeito e dignidade, assim como no inciso X sobre a habitação em alojamento de modo que as condições sejam adequadas em termos de higiene e salubridade, aspectos que foram identificados como não presentes na história de internação de Sandro na re- ABSTRACT This article proposes to reflect upon adolescence, violence and social invisibility. In order to approa- ch the theme, it starts from Sandro’ story, whose narrative is portrayed in the “Ônibus 174” documentary and, in the movie called “Última Parada 174. It aims to discussion the aspects that injures the identity construction on the adolescents who do not meet a sense for their existences in the other’s looks, feeling apart from the society they live in. In the process of social invisibility, these adolescents often recognize themselves and are recognized by others through violence. In this way, the text builds a reflection upon the society implications with these adolescents. San- dro represents a group of adolescents that, in the position of being socially invisible, experience through violent acts one way, one path to express and live their lives, certainly with consequences that must not be minimized. Keywords: Adolescents; Violence; Social issues; Infraction act. 1 Introdução A adolescência consiste em um período de transição da infância para a idade adulta, representando para o adolescente um processo de distan- ciamento das formas de comportamento e privilégios típicos da infância. O adolescente passa por um processo no qual se vê convocado a reformular os conceitos que tem a respeito de si mesmo, que o levam a abandonar sua autoi- magem infantil e a projetar-se no futuro (CORSO; CORSO, 2018). O Brasil possui 25 milhões de adolescentes na faixa etária de 12 a 18 anos, o que representa cerca de 15% de sua população. Trata-se de um país marcado pela desigualdade social, acarretando em consequências diretas para a população infanto-juvenil (BRASIL, 2006). Os jovens são a parcela da popu- lação que tem o maior índice de mortes como resultado da violência, sendo que a maioria são negros, com idade entre 15 e 24 anos, pobres e do sexo mas- culino (SOARES, 2004). Além disso, o “Mapa da Violência 2015” aponta que os jovens são as maiores vítimas das mortes por armas de fogo no Brasil. Do total de 42.416 óbitos por disparo de armas de fogo em 2012, 24.882 foram de pessoas na faixa de 15 a 29 anos, o equivalente a 59%. Os números de jovens mortos por armas de fogo em 2012 são os mais altos já registrados pelo Mapa da Violência desde 1980 (WAISELFISZ, 2015). Recentemente, a Fundação Abrinq (2018), traçou um cenário do panora- ma da infância e da adolescência no Brasil, compilando levantamentos impor- tantes no país. Estes dados mostram que com relação à adolescência, em 2010, 3.936.869 era o número de pessoas de zero a 17 anos nas favelas; em 2015, 17,3 milhões se encontravam em situação de pobreza; e 5,8 milhões em situação de extrema pobreza. Em 2016, o número de denúncias ao disque 100 foi de mais de 144 mil dentre