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TCC RACISMO -SER NEGRO NO BRASIL

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS 
CURSO DE DIREITO 
 
 
 
 
 
SER NEGRO NO BRASIL: A LUTA PELA INCLUSÃO ÉTNICA FRENTE 
O ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE 
 
 
DAÍRA ANDRÉA DE JESUS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Itajaí (SC), 16 de outubro de 2007
 
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS 
CURSO DE DIREITO 
 
 
 
 
SER NEGRO NO BRASIL: A LUTA PELA INCLUSÃO ÉTNICA FRENTE 
O ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE 
 
DAÍRA ANDRÉA DE JESUS 
 
 
 
 
Monografia submetida à Universidade 
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como 
requisito parcial à obtenção do grau de 
Bacharel em Direito. 
 
 
 
 
Orientadora: Professora Mestra Andrietta Kretz 
 
 
 
 
 
 
Itajaí (SC), 16 de outubro de 2007
 
AGRADECIMENTO 
Primeiramente, agradeço à Deus por permitir que 
tudo se tornasse realidade. 
Agradeço ao meu pai Manoel, às minhas irmãs 
Daiane e Samara e ao meu sobrinho, o pequeno 
Richard pelo apoio nessa etapa difícil e cheia de 
surpresas, além de suportarem a minha constante 
ansiedade. 
Agradeço também a professora Andrietta pelo 
incentivo e, principalmente pela tranqüilidade na 
coordenação da pesquisa jurídica. 
 
 
DEDICATÓRIA 
Indubitavelmente, dedico este trabalho à minha 
mãe Mara, pelo exemplo de caráter, luta, força e 
por uma vida cheia de dedicação e amor. 
Obrigada por carinhosamente acreditar neste 
sonho e ser o meu espelho.
 
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE 
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo 
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do 
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a 
Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. 
 
Itajaí, 16 de outubro de 2007 
 
 
Daíra Andréa de Jesus 
Graduanda 
 
 
PÁGINA DE APROVAÇÃO 
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale 
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Daíra Andréa de Jesus sob o título 
Ser negro no brasil: A luta pela inclusão étnica frente o ordenamento jurídico 
vigente, foi submetida em 05 de novembro de 2007 à banca examinadora 
composta pelos seguintes professores: Andrietta Kretz (presidente), Maury 
Roberto Viviani (examinador), Newton Cesar Pilau (examinador) e aprovada com 
a nota 10 (dez). 
 
Itajaí , 20 de novembro de 2007. 
 
 
Professora Mestra Andrietta Kretz 
Orientadora e Presidente da Banca 
 
 
Professor Mestre Antonio Augusto Lapa 
Coordenação da Monografia 
 
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
COEPIR Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial 
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
 
ROL DE CATEGORIAS 
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à 
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. 
Ação afirmativa 
A ação afirmativa consiste numa série de medidas 
destinadas a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades 
sociais: aquela que parece estar associada a determinadas características 
biológicas (como raça e sexo) ou sociológicas (como etnia e religião), que 
marcam a identidade de certos grupos na sociedade. 1 
Constituição 
Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e 
suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, 
à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de 
governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos 
cidadãos.2 
Cor 
A cor corresponde à maior ou menor pigmentação da pele. 3 
 
1 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. 
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 15. 
2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 2. 
3 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da Constituição e direitos fundamentais. Rio de 
Janeiro: Takano, v. 17, 2001. p. 95. 
 
Crime 
Considera-se crime a infração penal a que a lei comina 
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou 
cumulativamente com a pena de multa (...)4 
Dignidade da pessoa humana 
A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser 
ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si 
e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta 
também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em 
condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele 
próprio edita.5 
Direitos fundamentais 
Direitos fundamentais são direitos do ser humano 
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de 
determinado Estado.6 
Discriminação racial 
A expressão discriminação racial significará qualquer 
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, 
descendência ou origem racial ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou 
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade 
 
4 Artigo 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 
1941). 
5SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Dignidade humana e Direito penal. Disponível em: 
<www.ibccrim.org.br>, 18.12.2002. Acesso em 20 jul. 2007. 
 
de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, 
econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida.7 
Eficácia 
Poder de uma norma de produzir, no tempo e no espaço, os 
efeitos desejados.8 
Etnia 
Pode ser definida basicamente como uma comunidade 
ligada por laços raciais, lingüísticos, religiosos e culturais. O termo é muito 
confundido com a palavra raça. 
Igualdade 
O princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera 
em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio 
executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas 
provisórias, impedindo que possa criar tratamentos abusivamente diferenciados a 
pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na 
obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e 
atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento. 9 
 
6 KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. 
Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 51 apud, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos 
Fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 34. 
7 Artigo 1º, da Convenção Internacional Sobre Todas as Formas de Eliminação da Discriminação 
Racial. 
8 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB-SC Editora. 2000, 
36. 
9 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° e 
5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: editora 
Atlas. 2007. p. 82. 
 
Injúria Preconceituosa 
Será preconceituosa ou discriminatória quando a ofensa à 
dignidade ou decoro utilizar elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, 
origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.10 
Preconceito 
Preconceito é uma atitude negativa, desfavorável, para com 
um grupo, ou seus componentes individuais. É caracterizado por crenças 
estereotipadas. A atitude resulta de processos internos do portador e não do teste 
de atributos reais do grupo. Nas Ciências Sociais, o termo preconceito é usado 
quase exclusivamente em relação aos grupos étnicos. Dentro dessa limitação há 
o consenso vastamente difundido quanto a alguns elementos da definição do 
termo: preconceito é uma atitude desfavorável para com um grupo étnico (ou 
membros individuaisdo grupo). 11 
Princípio 
(...) estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou 
normas por idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, 
donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem 
ou se subordinam. 12 
Raça 
A opinião da Biologia é, no presente caso, clara e 
inequívoca. A concepção moderna de raça, fundada sobre as teorias da 
 
10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. volume 2. 6 ed. São 
Paulo: Saravia, 2007. 320. 
11 MIRANDA NETO, Antonio Garcia et al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: 
Fundação Getúlio Vargas, 1986. p. 962. 
12 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 1999. p. 47. 
 
hereditariedade, priva de toda justificação a antiga concepção segundo a qual 
existiram diferenças fixas e absolutas entre raças humanas e, por conseguinte, 
uma hierarquia de raças superiores e inferiores. Para os sábios atuais, as raças 
são subdivisões biológicas de uma espécie única, a do Homo Sapiens, dentro da 
qual as características hereditárias comuns a toda espécie ultrapassam de longe 
as diferenças relativas e mínimas que separam as subdivisões.13 
Racismo 
O tratamento desigual manifestado pelo agente, em função 
de raça ou cor de pele, ou qualquer outro ato em que se identifique a 
desigualdade segundo critérios objetivos.14 
Validade 
É A NORMA CUJA ETICIDADE A COLOCA JURIDICAMENTE PERFEITA 
DENTRO DE UM SISTEMA POSITIVO.15 
 
13 DUNN, L.C. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 8. 
14 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 78. 
15 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica, p. 97. 
 
SUMÁRIO 
 
 
RESUMO.........................................................................................XIV 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1 
 
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4 
UMA PROJEÇÃO HISTÓRICA DA PRESENÇA DO ELEMENTO 
NEGRO NO BRASIL COM DESTAQUE PARA A ORIGEM DO 
PRECONCEITO DE COR................................................................... 4 
1.1 A FORMAÇÃO ÉTNICA BRASILEIRA ............................................................4 
1.2 A ESCRAVIDÃO...............................................................................................8 
1.3 O PROCESSO ABOLICIONISTA.....................................................................9 
1.3.1 LEI EUSÉBIO DE QUEIRÓS ...............................................................................11 
1.3.2 LEI DO VENTRE LIVRE .....................................................................................12 
1.3.3 LEI DOS SEXAGENÁRIOS .................................................................................14 
1.3.4 LEI ÁUREA .....................................................................................................14 
1.4 DEFINIÇÃO DE PRECONCEITO DE COR ....................................................17 
1.4.1 A ORIGEM DO PRECONCEITO DE COR ................................................................18 
1.5 DEFINIÇÃO DE RAÇA ...................................................................................20 
1.5.1 O QUE É RACISMO?.........................................................................................24 
1.5.2 DEFINIÇÃO DE COR .........................................................................................25 
1.6 AFINAL, QUEM É NEGRO NO BRASIL? ......................................................26 
 
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 28 
APARATO NORMATIVO BRASILEIRO EM RELAÇÃO AO 
PRECONCEITO DE COR E SUA APLICABILIDADE PRÁTICA: A 
IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA 
DO BRASIL DE 1988 ....................................................................... 28 
2.1 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................28 
2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS..............................31 
2.2.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ...............................................34 
2.2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE.............................................................................36 
2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO APARATO NORMATIVO BRASILEIRO EM 
RELAÇÃO AO PRECONCEITO DE COR............................................................39 
2.4 DISTINÇÃO DO TIPO INJÚRIA QUALIFICADA NA MODALIDADE 
PRECONCEITUOSA, DO CRIME DE PRECONCEITO DA LEI 7.716/89............45 
2.5 BREVES DESTAQUES HISTÓRICOS ACERCA DO APARATO 
NORMATIVO INTERNACIONAL EM RELAÇÃO À LIBERDADE E A 
IGUALDADE.....................................................................................................4848 
2.6 REQUISITOS FORMADORES DA NORMA CONSTITUCIONAL: 
LEGITIMIDADE, VALIDADE E EFICÁCIA...........................................................49 
2.6.1 INEFICÁCIA SOCIAL DA LEGISLAÇÃO ANTI-RACISMO ...........................................52 
 
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 54 
 
 
A BUSCA PELA IGUALDADE E INCLUSÃO SOCIAL NO ESTADO 
DE SANTA CATARINA.................................................................... 54 
3.1 AÇÕES AFIRMATIVAS E SUA JURISDICIDADE .........................................54 
3.1.1 O SISTEMA DE COTAS RACIAIS .........................................................................58 
3.2 A MUDANÇA SÓCIO-RACIAL NO BRASIL ..................................................62 
3.3 O RUMO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS EM SANTA CATARINA ..................64 
3.3.1 AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO NO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ.........................................68 
3.4 A EDUCAÇÃO E A CAPACITAÇÃO DOS JURISTAS NA LUTA CONTRA O 
PRECONCEITO DE COR.....................................................................................71 
3.5 JURISPRUDÊNCIAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .......................72 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................77 
 
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 80 
 
ANEXOS........................................................................................... 86 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa aborda a existência da discriminação e 
do preconceito de cor na sociedade brasileira frente a legislação anti-racial em 
vigor. Denota uma investigação bibliográfica realizada a partir do artigo científico 
“O preconceito e a discriminação racial latente no contexto social catarinense 
frente o aparato normativo vigente” elaborado pela pesquisadora, sob a 
supervisão da sua orientadora. O assunto é polêmico porquanto vive-se num país 
escondido sob o mito da democracia racial. Faz-se um retrospecto da formação 
étnica brasileira, do aparato normativo em vigor e da produção internacional 
pertinente ao tema, enfatizando a distinção das categorias preconceito e 
discriminação, bem como, do tipo injúria qualificada mediante a utilização de 
referências a cor, etnia ou origem pelo artigo 140, §3º, do Código Penal do crime 
tipificado na Lei nº 7.716 de 1989. Dar-se-á ênfase também às ações afirmativas, 
especialmente, à iniciativa que vem ocorrendo no Estado de Santa Catarina e o 
longo caminho a ser percorrido para que seja alcançada a igualdade material 
previamente assegurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 
1988. Para alcançar o objetivo proposto, a pesquisa está dividida em três 
capítulos, com sub-itens, nos quais fica evidenciada a situação dos negros no 
Brasil, a luta pela inclusão étnica e a abundante legislação. As providências 
metodológicas para delinear este trabalho baseiam-se na utilização do método 
indutivo para o relato, operacionalizado pelas técnicas doreferente, das 
categorias, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica. 
 
 
INTRODUÇÃO 
A relação da sociedade brasileira para com o negro é 
baseada na discriminação mascarada, cujo caráter é de ordem implícito e 
objetivo. Hodiernamente, atitudes violentas de grupos racistas e a implementação 
de ações afirmativas colocam reiteradamente na ordem do dia discussões acerca 
da identidade racial. 
Diante da atualidade e complexidade do tema, a presente 
Monografia tem como objeto a temática Ser negro no Brasil: a luta pela inclusão 
étnica frente o ordenamento jurídico vigente. 
O objetivo desse estudo é o reconhecimento da existência 
do preconceito de cor na sociedade brasileira, das inúmeras leis que dispõem 
acerca da matéria e da necessidade de uma efetiva mudança sócio-econômica e 
implementação de políticas culturais inclusivas para a eficácia social da norma. 
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1 fazendo uma 
abordagem acerca da evolução histórica da presença do elemento negro no 
Brasil, da escravidão, legislações abolicionistas e do legado enraizado na cultura 
nacional que é o preconceito de cor e em muitos casos a discriminação racial. A 
partir do retrospecto histórico traçado, da definição e da origem de categorias 
essenciais, parte-se para a análise de quem é realmente negro no Brasil, afinal, 
país auto-intitulado como multi-racial. 
No Capítulo 2, trata-se dos princípios constitucionais da 
dignidade da pessoa humana e da igualdade, das leis federais, estaduais e 
municipais relacionadas ao assunto ora discutido, com ênfase ao disposto na 
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diferencia-se o crime de 
racismo tipificado pela Lei nº 7.716 de 1989, do crime de injúria preconceituosa 
tipificado pelo artigo 140, §3º do Código Penal. Investiga-se também os três 
requisitos formadores da norma constitucional - legitimidade, validade e eficácia – 
e a eficácia social da legislação anti-racial. 
 2 
No Capítulo 3, cuida-se da urgente necessidade de 
implementação de uma mudança econômica e sócio-racial no país. Aborda-se a 
respeito da execução das medidas afirmativas, como eventos, palestras, projetos 
educacionais, inclusive das cotas raciais e dos projetos que já vêm sendo 
executado no Estado de Santa Catarina e no Município de Itajaí. 
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as 
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos 
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões 
sobre a luta do negro contra o preconceito e a discriminação racial e o aparato 
normativo vigente, principalmente o Texto Constitucional. 
A opção por este tema deu-se pela inefetividade do Estado 
através dos seus Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em evitar que 
os negros continuem a serem vítimas e estarem em condição de desvantagem 
mesmo após mais de cem anos da abolição da escravatura. 
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes 
hipóteses: 
� Existe preconceito e discriminação racial na sociedade 
brasileira, embora muitos equivocadamente acreditarem que se 
vive num país cuja democracia racial predomina. O preconceito 
denota uma atitude negativa para com um grupo caracterizado 
por crenças estereotipadas, conquanto que a discriminação 
racial é a exteriorização dessa atitude. 
� A legislação brasileira no que toca à essa temática de 
discriminação é abundante e severa. Todavia, falta 
aplicabilidade à norma, mais especificamente, a eficácia social 
dessas leis restam prejudicadas dentro de um sistema inerte, 
omisso e relapso. 
� Diversas medidas estão sendo colocadas em prática 
para a eliminação do cerne do problema que é o preconceito 
alojado no interior dos indivíduos. Nessa seara, as ações 
afirmativas aliadas ao desenvolvimento social e econômico 
podem ser medidas substanciais com resultados positivos. 
 3 
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase 
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados 
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente 
Monografia é composto na base lógica Indutiva. 
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as 
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa 
Bibliográfica. 
O assunto é relevante e atual uma vez que proliferam nos 
tribunais e na mídia brasileira questões envolvendo as polêmicas cotas raciais e 
demais políticas públicas de inclusão social, além da natureza da identidade 
racial. 
 
CAPÍTULO 1 
UMA PROJEÇÃO HISTÓRICA DA PRESENÇA DO ELEMENTO 
NEGRO NO BRASIL COM DESTAQUE PARA A ORIGEM DO 
PRECONCEITO DE COR 
 
1.1 A FORMAÇÃO ÉTNICA BRASILEIRA 
No tocante a formação étnica brasileira, constituem as três 
etnias pioneiras: os homens que vieram para o país, os índios e mais tarde os 
negros. Portanto, embora presente uma forte sensação de invisibilidade do negro, 
na sociedade concebida atualmente, esta é fruto de uma considerável relação de 
miscigenação étnica e diversidade cultural. 
Desde o início as relações não se revestem de caráter 
amistoso, pelo contrário, prevalece a lei do dominador imediato e mais forte – o 
europeu que, de modo geral, impôs seus costumes, língua e religião. 
Os jesuítas que para cá vieram aprendem a língua tupi-
guarani com o único objetivo de traduzir a língua nativa para uma importada e 
muito mais difícil. Tudo conforme manda a lei do dominador e visando à execução 
do projeto de dominação, os padres Manuel de Nóbrega e José de Anchieta 
foram grandes arquitetos. 
Os missionários dos ensinamentos de Cristo, daquela 
época, como por exemplo Santo Inácio de Loyola e novamente José de Anchieta 
preocupados com a salvação das almas dos escravos lutavam para que estes 
levassem uma vida cristã, porém sabiam que economicamente a escravidão era 
importante. 
 5 
Cláudio Valentim Cristiani16 discorrendo acerca dos 
elementos étnicos formadores da sociedade brasileira esclarece que: 
Os elementos formadores da cultura em geral, e do direito 
especificamente, no Brasil Colonial, tiveram origem em três etnias 
distintas. É evidente que essa formação não foi uma justa posição 
em que as condições particulares de cada raça tenham sido 
respeitadas. Antes, foi uma imposição dos padrões dos 
portugueses brancos aos índios e aos negros. 
Os jesuítas também têm a sua parcela de contribuição a 
favor da escravidão das populações negras, porque agiam em nome da 
civilização e da religião cristã, procurando ter os índios sob a sua administração 
para, posteriormente, livrá-los da escravidão como forma de não concorrerem 
com o tráfico negreiro, pois tinham interesse econômico na escravidão específica 
dos negros. Ainda assim, segundo Júlio José Chiavenato17, essa atitude dos 
jesuítas não impediu os índios de serem escravos. 
No entanto, em virtude da não adaptação dos índios ao 
trabalho escravo e devido às guerras com os brancos e a imposição da Igreja 
para não escravizá-los, sob o argumento de serem apropriados para a catequese, 
passa-se à escravidão dos negros. 
Por volta de 1531 desembarcam no Brasil os primeiros 
navios negreiros, época em que a população brasileira era má distribuída e as 
cidades estavam em lento desenvolvimento. Em 1568, o tráfico de escravos já era 
oficializado no Brasil, permanecendo de modo intenso, com um papel bastante 
significativo na economia do país. 
O homem negro não era visto como um ser humano, mas 
sim como mercadoria. Era comercializado proporcionando lucros para a coroa 
portuguesa. Essa comercialização englobava a exploração abusiva e condições 
de trabalho sub-humanas. 
 
16 CRISTIANI, Cláudio Valentim, O direito no Brasil colonial. In: WOLKMER, A. C. (Org.). 
Fundamentos de história de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 213-214. 
 6 
Novamente Júlio José Chiavenato18: “Eram examinadoscomo animais: apalpados, dedos enfiando-se pelas bocas, procurando os dentes 
para adivinhar a idade ou conferir se o vendedor não mentia”. 
No mesmo caminhar, Jacob Gorender19 sustenta: 
(...) a tendência dos senhores de escravos foi a de vendê-los 
como animais de trabalho, como instrumentum vocate, bem 
semovente. O Eclesiástico comparou o escravo ao asno e 
Aristóteles escreveu que o boi serve de escravo aos pobres. A Lei 
Aquiliana, em Roma, ao tratar do crime de morte de escravo 
alheio, equiparou-a à de um quadrúpede doméstico, para efeitos 
de ação judicial de indenização pelo proprietário lesado. As 
Ordenações Portuguesas - Manuelinas e Filipinas – num mesmo 
título o direito de enjeitar escravos e bestas por doença ou 
manqueira, quando dolosamente vendidos. 
Para facilitar a compreensão do panorama sócio-cultural da 
época, analisando a literatura brasileira, constata-se que o negro não aparece na 
literatura freqüentemente, a não ser por motivo de piada ou papel ainda menor 
que secundário.20 O escritor Gregório de Matos relatando minuciosamente a vida 
do negro escreve que este era propenso a comer bananas e tinha uma espécie 
de piolho nos seus cabelos encaracolados. 
Mais tarde é que personagens como Henrique Dias, Calabar 
e Zumbi dos Palmares tiveram destaque na literatura, pelo papel de liderança e 
espírito guerreiro nas mais variadas batalhas que enfrentaram. Entretanto, é Frei 
José de Santa Rita Durão (1722 – 1784), no poema Caramuru, considerado o 
primeiro a incorporar a figura do negro nobre na literatura brasileira. 
Alguns pensadores como Montesquieu eram contra a 
escravidão por razões econômicas, a não ser, no caso de prisioneiros de guerra. 
 
17 Acerca do assunto consultar CHIAVENATO, Julio José. O negro no Brasil: da senzala à guerra 
do Paraguai. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 106. 
18 Ibidem, p. 106. 
19 GORENDER, Jacob. Ensaios 29. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1985. p. 50. 
20 Para maiores esclarecimentos consultar SAYERS, Raymond. O negro na literatura brasileira. 
Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1958. 
 
 7 
Ao passo que outros se mostraram totalmente contra a escravidão por motivos 
humanitários, acompanhado de diversos seguidores. 
O negro sempre procurou resistir, quer seja com baixa 
produtividade, com a formação de quilombos ou com lutas, suicídios, abortos. 
Destaca-se a Rebelião Baiana (1798), Insurreição Malê (1835), Revolta dos 
Escravos do Maranhão (1838/1841) e outras participações em movimentos 
sociais buscando a conquista e eficácia de direitos humanos fundamentais. 
Enquanto estratégia de resistência rumo a liberdade, os 
quilombos eram altamente organizados e marcaram a sociedade brasileira sendo 
uma das formas mais significativas de resistência. Formado por grupos 
comprometidos em viver em liberdade e reconstruir comunidades com uma nova 
consciência eram aldeias criadas por africanos que fugiam das plantações onde 
eram escravos. 
O Quilombo dos Palmares, que durou aproximadamente um 
século, é considerado o mais importante da época colonial. Foi liderado por 
Zumbi, até hoje visto e respeitado como um símbolo da resistência negra no 
Brasil. 
O fato é que a identidade da formação brasileira está 
relacionada à pluralidade étnica. Entretanto, o modelo de colonização do Brasil, 
com a escravidão primeiro do habitante nativo, depois a do negro, implicou na 
extinção de milhares de vida de maneira brutal. 
Apesar de todo o sofrimento, diante do significativo índice de 
descendentes de escravos, aqui estabelecidos, o papel do negro na formação do 
país é fundamental, seja transformando o solo brasileiro, lutando contra a 
natureza para a construção de casas, escolas e demais edificações, seja na rica 
diversidade cultural transmitida. 
 8 
1.2 A ESCRAVIDÃO 
No Brasil a escravidão influenciou a produção açucareira, 
cafeeira, mineira e do trabalho em serviços e ofícios urbanos. Frente a essa 
repercussão na economia e a proposta desta pesquisa, mister discorrer acerca 
da categoria em questão. 
Explique-se que de acordo com a Convenção sobre a 
escravatura, assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1962, pela Sociedade 
das Nações, atual Organização das Nações Unidas - ONU, a escravidão denota: 
(...) o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se 
exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de 
propriedade. O tráfico de escravos compreende todo ato de 
captura, aquisição ou cessão de um indivíduo com o propósito de 
escravizá-lo; todo ato de aquisição de um escravo com o propósito 
de vende-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de venda ou 
troca, de um escravo, adquirido para ser vendido ou trocado, 
assim como, em geral, todo ato de comércio ou de transporte de 
escravos. 
Apesar dos escravos negros serem uma preciosidade no 
mundo antigo, a escravidão enquanto categoria social já predominava. A maioria 
dos escravos nesse período eram brancos, até porque a travessia do Saara 
implicava num obstáculo difícil para os mercadores da época. 
Bárbaros, cidadãos que não podiam pagar as próprias 
dívidas, ou simples estrangeiros, enfim, é antigo o costume de escravizar 
determinados grupos, com verdadeiras capturas em massa. Toda a Europa 
traficava e aqui, não foi diferente. Formaram-se companhias internacionais e 
portuguesas a fim de desenvolver o comércio do tráfico de escravos. 
Salienta Jacob Gorender21 acerca do escravismo colonial: 
 
21 GORENDER, Jacob. Ensaios 29. O escravismo colonial. p. 41. 
 9 
Impõe-se, por conseguinte, a conclusão de que o modo de 
produção escravista colonial é inexplicável como síntese de 
modos de produção preexistentes, no caso do Brasil. Seu 
surgimento não encontra explicação nas direções unilaterais do 
evolucionismo nem do difusionismo. Não que o escravismo 
colonial fosse invenção arbitrária fora de qualquer 
condicionamento histórico. Bem ao contrário, o escravismo 
colonial surgiu e se desenvolveu dentro de determinismo sócio-
econômico rigorosamente definido, no tempo e no espaço. Deste 
determinismo de fatores complexos, precisamente, é que o 
escravismo colonial emergiu como um modo de produção de 
características novas, antes desconhecidas na história humana. 
Diante desse cenário, o processo abolicionista aparece 
como um avanço extremamente urgente e significativo para o fortalecimento da 
idéia de liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, embora saiba-se 
que na extinção do regime escravocrata tenha faltado assistência para o início do 
trabalho livre. 
1.3 O PROCESSO ABOLICIONISTA 
Quanto à erradicação da escravatura o Brasil foi o último 
país do ocidente a abolir a escravidão. Até 1850 o tráfico de escravos não tinha 
sido suprimida, mas surgiram as primeiras legislações relacionadas a garantias 
de igualdade racial. Foi um processo gradual, cuja implementação encontrou 
muita resistência no Brasil, devido à carência de mão-de-obra. 
Utilizando as palavras de Emilia Viotti da Costa, no que 
dizem respeito à abolição da escravatura destaca-se: 
Dessa forma, a abolição foi apenas um primeiro passo em direção 
à emancipação do povo brasileiro. O arbítrio, a ignorância, a 
violência, a miséria, os preconceitos que a sociedade escravista 
criou ainda pesam sobre nós. Se é justo comemorar o Treze de 
Maio, é preciso, no entanto, que a comemoração não nos ofusque 
 10 
a ponto de transformarmos a liberdade que simboliza num mito a 
serviço da opressão e da exploração do trabalho.22 
A luta pela extinção do processo de escravidão durou mais 
de oitenta anos e foi acentuada tendo em vista os ideais revolucionários 
abolicionistas e a imigração. Eliminar essa instituição aceita por mais de três 
séculos é uma batalha iniciada há muito tempo com repercussão até os dias 
atuais.Como o processo ocorre não em conseqüência de um 
desenvolvimento cultural ou de um amadurecimento social, mas sim por 
imposição de leis. Assim, o estudo da evolução das legislações propriamente dito 
é medida essencial para que se possa compreender melhor os reflexos do 
tratamento desigual ainda característico atualmente. 
Não é novidade que foi a pressão estrangeira, 
principalmente a da Inglaterra que influenciou na diminuição gradual do tráfico 
escravagista. Evidente que na época o processo abolicionista tinha um caráter 
exclusivamente econômico, mas foi de grande importância para o fim do 
verdadeiro genocídio praticado contra os negros africanos. 
A Inglaterra assumiu um papel extremamente positivo na 
extinção do tráfico negreiro, pois observava a lucratividade e o aumento da 
independência financeira de Portugal com o trabalho escravo. Com um interesse 
comercial expressivo interessou-se pela total eliminação do tráfico de escravos 
para o Brasil. 
Frente ao predomínio de uma falsa idéia de democracia 
racial o Brasil foi o país que trouxe o maior número de escravos. George Reis 
Andrews23 confirma: 
O Brasil foi o país que recebeu durante o período colonial e até o 
século XIX mais africanos escravos do que qualquer nação do 
 
22 COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. 6 ed. São Paulo: Global, 1997. p. 96. 
23 ANDREWS, George Reid. Negros e Brancos em São Paulo: 1888-1988. Trad. Magda Lopes. 
São Paulo: Universidade do Sagrado Coração, 1991. p. 21 
 11 
Novo Mundo e abriga atualmente a segunda maior população 
negra do mundo em termos numéricos absolutos. 
A imprensa brasileira, de um modo geral, não se mostrou a 
favor da causa abolicionista tão facilmente, tendo em vista os interesses 
econômicos vigentes, entretanto alguns juristas e demais intelectuais europeus 
davam grandes contribuições. 
É que em dado momento a escravidão passa a não ser tão 
lucrativa para a economia do país como anteriormente e cada vez mais ganha 
evidência a utilização daqueles com poder de compra no mercado, os 
trabalhadores assalariados. 
O gradual processo de abolição teve inúmeras legislações 
que contribuíram para que, de fato, acontecesse, algumas com maior repercussão 
prática enquanto outras nem tanto. Contudo, a idéia de minimização ou 
extermínio da escravidão começa a se fazer presente, através da ratificação de 
tratados, convenções, acordos e promulgação de leis. 
Já em 1810, rendendo-se às pressões, Portugal celebra 
tratado com a Inglaterra comprometendo-se a adotar medidas que viabilizassem 
uma abolição gradual do tráfico de escravos. Assim, em 1815 assina uma 
declaração reconhecendo juntamente com outros países da Europa a importância 
de exterminar o tráfico com urgência. 
1.3.1 Lei Eusébio de Queirós 
O tráfico de escravos sendo proibido em 7 de novembro de 
1831 (Lei Diogo Feijó), permitindo a entrada de africanos no país para uma vida 
legalmente livre, facilita a aprovação em 4 de setembro de 1850, da Lei Eusébio 
de Queirós, a qual teve uma pequena repercussão prática. 
 12 
Emilia Viotti da Costa24 narra que: 
A lei foi aprovada em 1850. Segundo a nova lei, a importação de 
escravos foi considerada ato de pirataria e como tal deveria ser 
punida. As embarcações envolvidas no comércio ilícito seriam 
vendidas com toda carga encontrada a bordo, sendo seu produto 
entregue aos apresadores, deduzido um quarto para o 
denunciante. 
A partir daí, inicia-se uma verdadeira caçada ao 
contrabando, que aos poucos diminui, com a vigilância da Inglaterra e das 
autoridades brasileiras, no combate as reiteradas tentativas de continuar o tráfico 
de escravos. 
1.3.2 Lei do Ventre Livre 
Em 28 de setembro de 1871, é aprovada a Lei de Ventre 
Livre, a qual, ainda atrelava os libertos a seus antigos donos até os 21 anos, pois 
determinava que as crianças trabalhariam nas fazendas tão-somente até essa 
idade. A liberdade dos filhos das escravas nascidos no Brasil a partir da vigência 
da lei foi uma utopia. É que as datas de nascimento dessas crianças eram 
alteradas. 
O projeto de lei que gerou muita polêmica e discussão entre 
o Partido Conservador e Liberal foi proposto pelo gabinete conservador em 27 de 
maio do mesmo ano, presidido pelo Visconde do Rio Branco, o senador José 
Maria da Silva Paranhos, preocupado com a imagem externa do país. 
Nesse sentido, Emilia Viotti da Costa25 preleciona: 
O projeto oferecia grandes vantagens aos proprietários: 
condenava a escravidão a desaparecer a longo prazo, sem abalo 
para a Economia, dando aos proprietários bastante tempo para se 
 
24 COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. p. 29. 
25 Ibidem, p. 47. 
 13 
acomodarem sem dificuldades à nova situação. E o que era ainda 
mais importante: respeitava o direito de propriedade. 
Igualmente foi pequena a repercussão prática da lei e as 
tentativas de burlá-la eram fortes. Entretanto é referência obrigatória para 
qualquer discussão relacionada à abolição da escravatura. Abriu espaço para 
novas iniciativas com a tutela de crianças pobres, ingênuas (filhos livres de 
mulheres escravas) e órfãs. 
Aliás, com relação às tentativas de burlar a Lei do Ventre 
Livre destaca-se: 
Senhores havia que procuravam emancipar escravos doentes ou 
incapacitados, em lugar de outros mais qualificados de acordo 
com os requisitos da lei. Esperavam, dessa forma, conseguir 
indenização por escravos que já se tinham tornado imprestáveis. 
Para evadir-se da lei, proprietários de escravos também se 
apressaram em alforriar com cláusula de prestação de serviços 
escravos que se achavam em condições de serem incluídos 
preferencialmente nas listas de escravos a serem emancipados 
pelo Fundo de Emancipação. (...) ingênuos continuaram a viver 
como escravos, a ser vendidos juntamente com suas mães, a ser 
castigados como qualquer outro escravo, perfazendo as mesmas 
tarefas a que teriam sido obrigados se não tivesse sido libertos 
pela lei de 1871. Para ele, a liberdade continuava uma promessa 
a ser cumprida num futuro distante.26 
Aos poucos, diminuía consideravelmente o índice da 
população escrava. Os abolicionistas, por sua vez, não pararam por aí, a luta 
ainda continuaria para assegurar o sonho de liberdade, igualdade e dignidade dos 
negros. 
 
26 Ibidem, p. 46. 
 14 
1.3.3 Lei dos Sexagenários 
Em 1885 a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva - Cotegipi 
(Lei 3.270) estabeleceu a liberdade para os maiores de 65 anos e mediante 
indenização, libertação gradual dos demais escravos. 
O projeto dessa lei provoca um clima de grande tensão, 
resistência e divergência entre partidários que, inclusive, seguiam uma ideologia 
parecida. Acerca do projeto comenta Emilio Viotti da Costa27: 
Analisando o novo projeto, artigo por artigo, diante de um grande 
número de pessoas que se reuniu no Teatro Politheama, Rui 
Barbosa demonstrou que, com as alterações introduzidas, ele se 
afastara completamente da versão original, representando uma 
concessão aos interesses escravistas. De fato, o novo projeto 
estipulava que os escravos emancipados aos sessenta anos 
ficavam obrigados a trabalharem mais três anos gratuitamente (ou 
até atingirem a idade de 65 anos), a título de compensação aos 
seus senhores. Oferecia ainda vantagens aos senhores que se 
decidissem espontaneamente a emancipar seus escravos, 
concedendo-lhes indenização. 
O problema era que poucos escravos atingiam essa idade e 
tal fato justifica-se pelas terríveis condições de vida que levavam, trabalhando 
duro, com uma jornada diária de trabalho sub-humana, sem o mínimo de cuidado 
médico ou apoio emocional. 
1.3.4 Lei Áurea 
Brilhante participação ativa de intelectuais e políticos como 
Joaquim Nabuco28, José Carlos do Patrocínio – ambos fundadores da Sociedade 
Brasileira contra a Escravidão em 1880 – e Ângelo Agostini que fomentaram o27 Ibidem, p. 68. 
28 Ver a obra de NABUCO, Joaquim. O abocionista. Brasília: Vozes, 1977. 
 15 
fortalecimento das campanhas abolicionistas por todo o país. Já em 1884 o 
Ceará, por exemplo, decretava o fim da escravidão. 
A agitação e o clamor público era muito expressivo, gerando 
inúmeros debates, conflitos, entraves políticos e lutas. Mas o árduo caminho para 
se chegar na conquista de libertação foi descrito principalmente pela classe 
dominante, até porque na época, apenas trinta por cento da população era 
alfabetizada. 
Diversos abolicionistas dedicados a causa estão anônimos 
na história, posto que não puderam escrever tampouco contar sua própria 
trajetória, ante a valorização exacerbada da ação parlamentar enquanto dádiva 
das classes dominantes. 
Aliás, interessante trazer a baila um pequeno trecho da obra 
O Abolicionista29: 
O abolicionismo era, além do mais, uma causa generosa e cristã e 
falava aos sentimentos filantrópicos que a sociedade cultivava. 
Ser a favor da emancipação dos escravos era ser a favor do 
progresso e da civilização, pois a escravidão fora condenada em 
nome do progresso e da civilização nos países mais 
desenvolvidos. (...) A abolição passara a ser uma causa nobre; a 
defesa da escravidão odiosa. Alistar-se nas fileiras do 
abolicionismo era também combater as oligarquias que se 
apegavam à escravidão. Para uns a escravidão era uma 
convicção; para outros, um expediente (ou talvez ambos) e, cada 
vez mais, as fileiras do abolicionismo recebiam novos recrutas. 
Intensificou-se a participação dos negros no processo 
abolicionista e as fugas em massa dos escravos aumentaram. Cada vez mais, os 
senhores temiam perder o controle da situação, juntamente com o seu patrimônio 
e estabilidade. 
A pressão sobre o governo imperial foi grande tanto interna 
(grande concorrência de mão-de-obra imigrante) quanto externa, principalmente 
 
29 COSTA, Emília Viotti da. A abolição. p. 63. 
 16 
da Inglaterra. O Projeto de Abolição foi apresentado à Câmara em 8 de março de 
1888 e em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel Cristina Leopoldina de 
Bragança sanciona a Lei nº 3.353 a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no Brasil. 
Finalmente, veio a abolição da escravatura. Abdias do 
Nascimento tece duras críticas à lei em comento, comparando-a a uma 
mistificação histórica, juntamente com a Lei do Ventre Livre, as quais, não 
implicaram numa redemocracia do país, propriamente dita. 
Interessante mencionar o seguinte trecho dessas críticas:30 
O 13 de maio de 1888, representou para aquela elite europóide o 
que representou para Pilatos o ato de lavar as mãos. E foi num 
outro 13 de maio que Rui Barbosa tocou fogo em todos os 
documentos relativos à escravidão e ao tráfico negreiro, tentando 
apagar de uma vez por todas essa nódoa no suposto humanismo 
brasileiro. Lavando suas mãos, nas águas rituais da magia 
branca, Rui Barbosa pretendeu liberar as classes dirigentes das 
conseqüências do seu tenebroso passado escravagista. Ao 
mesmo tempo, quis erradicar para sempre a possibilidade de o 
negro investigar mais minuciosamente sua própria história. Pois 
do resgate de sua história, o negro poderia passar à reivindicação 
do que de direito lhe cabe: a indenização pelos séculos de 
massacre, exploração e espoliação que sofreu. 
Mas a perseguição, insegurança e falta de valorização não 
havia terminado. Após a vigência das leis supracitadas, os negros são chamados 
a encontrar espaços em projetos políticos, econômicos e sociais, extremamente 
fechados. 
Os ex-escravos tiveram dificuldades em se adaptar a nova 
situação e o clima político que se criou era desfavorável a sua efetiva participação 
na sociedade. Viviam conforme lhes permitia a situação econômica e de saúde, 
peculiaridade regional, concorrência de mercado dentre outros desafios. 
 
30 NASCIMENTO, Abdias do. Combate ao racismo: Discursos e projetos. Brasília: Coordenação de 
Publicações – Câmara dos Deputados, 1983. p. 11. 
 17 
De um lado, aqueles que partiram para as zonas rurais, não 
raro foram substituídos pelo imigrante branco europeu ou japonês. De outro 
também foram preteridos nas cidades enquanto mão-de-obra para a nascente 
indústria brasileira. 
Até a oficial abolição da escravatura, a população negra era 
considerada mera mercadoria, e discutia-se constantemente o direito de existirem 
com seres humanos. Contra esta população foram usadas todas as formas de 
exploração, dominação e diferenças imagináveis que possam separar os 
cidadãos. 
Com essa extinção o negro não tinha os direitos sociais e de 
cidadania garantidos, mas juridicamente foi muito importante pois, repita-se, em 
tese, foi o fim da escravatura. A lei ora analisada não criou nenhum mecanismo 
para integrar o ex-escravo à sociedade, predominando uma questão verificada até 
os dias atuais – o preconceito de cor. 
1.4 DEFINIÇÃO DE PRECONCEITO DE COR 
A análise do aparato normativo antidiscriminação em vigor 
exige uma qualificação jurídica de fenômenos como Discriminação Racial e 
Preconceito, porquanto a possibilidade de interpretações equivocadas. 
Na definição da categoria preconceito, vale-se dos 
ensinamentos de Antonio Garcia Miranda Neto31: 
Preconceito é uma atitude negativa, desfavorável, para com um 
grupo, ou seus componentes individuais. É caracterizado por 
crenças estereotipadas. A atitude resulta de processos internos do 
portador e não do teste de atributos reais do grupo. Nas Ciências 
Sociais, o termo preconceito é usado quase exclusivamente em 
relação aos grupos étnicos. Dentro dessa limitação há o consenso 
vastamente difundido quanto a alguns elementos da definição do 
 
31 MIRANDA NETO, Antonio Garcia et al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: 
Fundação Getúlio Vargas, 1986. p. 962. 
 18 
termo: preconceito é uma atitude desfavorável para com um grupo 
étnico (ou membros individuais do grupo). 
O preconceito é a causa para a prática de atitudes 
discriminatórias, que culminam no racismo. É o elemento justificador dessas 
medidas abusivas que resulta da socialização do homem e da cultura do meio 
social que está inserido. 
José Leon Crochick32 assim se manifesta com relação ao 
tema: 
(...) aquilo que leva o indivíduo a ser ou não ser preconceituoso 
pode ser encontrado no seu processo de socialização, no qual se 
transforma e se forma como indivíduo. (...) O processo de 
socialização, por sua vez, só pode ser entendido como fruto da 
cultura e de sua história, o que significa que varia historicamente 
dentro da mesma cultura e em várias culturas diferentes. 
Cuida-se de um tema polêmico arraigado de interpretações 
equivocadas e fortalecido por segregações sociais, que apenas levam à 
conclusão do grau de ignorância da população brasileira que mascara a sua 
existência sob o argumento de “país da miscigenação racial.” 
Apesar do aparato normativo já citado, principalmente com a 
promulgação da Lei Áurea, a luta pela liberdade não foi concluída. Evidente que o 
preconceito de cor e a discriminação são questões sociais que urgentemente 
precisam ser resolvidas. 
1.4.1 A origem do preconceito de cor 
Na antiguidade, era a evolução de determinados povos que 
causava certos tipos de preconceito, mas com o passar do tempo a justificativa 
 
32 CROCHICK, José Leon. Preconceito, Indivíduo e Cultura. São Paulo: Rode Editorial, 1997. p. 
11. 
 19 
para um tratamento diferenciado baseou-se, principalmente, nas vantagens de 
ordem econômicas. 
Para corroborar tal assertiva, Arnold Rose33 em seu artigo: A 
origem dos preconceitos aponta que: “Uma das origens mais evidentes dos 
preconceitos é a vantagem ou o proveito material que deles se extrai”. 
Afirma Joel Rufino Santos34 sobre o tema: ”O racismo dentro 
dos países capitalistas desenvolvidos, quenão foram colônias (como a Inglaterra 
e a França, por exemplo), é fruto da competição e da divisão de trabalho.” 
O fato é que a origem do racismo não pode ser definida 
cientificamente, sendo impossível determinar datas precisas que indiquem o 
surgimento do tratamento discriminatório com relação às raças na humanidade. 
É Eliane Azevedo35, quem descreve a primeira referência 
racista aceita pelos pesquisadores: 
(...) a mais antiga referência a discriminação racial data de 
aproximadamente 2000 a.C e consta de um marco erigido acima 
da segunda catarata do Nilo, proibindo qualquer negro de 
atravessar além daquele limite, salvo se com o propósito de 
comércio ou de compras. Fica óbvio que a discriminação era 
fundamentalmente de ordem econômico-política, usando a raça 
como referencial. 
Destaca-se a título de exemplo o tipo de colonização 
portuguesa no Brasil em relação aos negros e indígenas, mantendo sobre eles o 
domínio e impondo sua cultura, fortalecido por um complexo de superioridade. 
Os próprios jesuítas, assim como inúmeros filósofos e 
pensadores que se preocupavam com a salvação das almas dos negros e com as 
suas condições de vida, tinham real consciência da sua importância para o 
desenvolvimento da economia daquela época. Enquanto isso, inicialmente as 
 
33 ROSE, Arnold M. A origem dos preconceitos. In: DUN, L.C. et. Al. Raça e ciência, 1972. p. 163. 
34 SANTOS, Joel Rufino dos. O que é racismo, 1984. p. 39. 
35 AZEVEDO, Eliane. Raça, conceito e preconceito. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 23. 
 20 
índias e posteriormente as negras eram sexualmente usadas e os filhos advindos 
dessa união não eram reconhecidos tampouco valorizados. 
Sob o âmbito mundial, a situação também não era das 
melhores. Os descobrimentos e colonizações contribuíram para a propagação do 
racismo, na medida em que aumentava a pobreza e a diferença entre as classes 
sociais. 
O ápice da difusão desse fenômeno deu-se com a 
exploração de argumentos biológicos para justificar as diferenças raciais pelo 
francês Joseph-Arthur Gobineau36, até hoje considerado o pai do racismo, que 
associava os negros aos macacos, escritor ensaio “A Desigualdade das Raças 
Humanas” e também os escritos de Charles Kingsley. 
Joseph-Arthur Gobineau, em síntese, defendia que os 
arianos representavam a raça suprema no mundo moderno. Para ele, negros, 
índios e brancos formam espécies diferentes, assim no caso de cruzamento entre 
si o descendente seria estéril ou teria alguma deficiência. 
Tais obras somadas as de outros autores baseadas na 
narrativa de viagens que descrevem vulgarmente as diferenças étnicas, 
auxiliaram na propagação de uma idéia errônea que até pouco tempo atrás era 
universalmente aceita. 
Embora a pesquisa de Darwin materializada em: Origem das 
Espécies, baseada, em resumo, na evolução das espécies tenha trazido novos 
argumentos científicos no que toca à raça humana, a influência social e 
hostilidade a determinados grupos, não diminuiu. 
1.5 DEFINIÇÃO DE RAÇA 
A categoria raça não guarda relação com o fator biológico, 
mas é muito utilizada na identificação de um grupo cultural ou étnico- lingüístico, 
 
36 Ibidem, p. 25. 
 21 
adquirindo uma variedade de significados. Nesse viés, o sentimento das 
diferenças raciais é universal. 
Dunn37 enfatiza que: 
A opinião da Biologia é, no presente caso, clara e inequívoca. A 
concepção moderna de raça, fundada sobre as teorias da 
hereditariedade, priva de toda justificação a antiga concepção 
segundo a qual existiram diferenças fixas e absolutas entre raças 
humanas e, por conseguinte, uma hierarquia de raças superiores 
e inferiores. Para os sábios atuais, as raças são subdivisões 
biológicas de uma espécie única, a do Homo Sapiens, dentro da 
qual as características hereditárias comuns a toda espécie 
ultrapassam de longe as diferenças relativas e mínimas que 
separam as subdivisões. Esta mudança de perspectiva biológica 
tende a revalorizar a concepção de unidade humana que se 
encontra nas antigas religiões e mitologias, e que tinha 
desaparecido durante o período de separatismo geográfico, 
cultural e político, do qual saímos atualmente. 
Para Eliane Azevedo38: 
O ponto fundamental do conceito de raça é o fato de que as 
populações, em cujas características se elaboram as 
classificações raciais, pertencem à mesma espécie. Em outras 
palavras, o mais fundamental aspecto biológico das raças está 
naquilo que as une e não naquilo que as separa. 
Cientificamente, é sabido que as raças não têm origens 
genéticas diferentes, as diferenças físicas que deram origem à classificação das 
mesmas resultam de adaptações climáticas, de acordo com as regiões que os 
homens ocupavam acentuado pelo processo de seleção natural. Assim, 
sociologicamente, as raças surgiram quando o homem já havia atingindo o 
estágio de homem moderno. 
 
37 DUNN, L.C. Raça e Ciência. p. 8. 
38 AZEVEDO, Eliane. Raça, conceito e preconceito. p. 22. 
 22 
Inicialmente, importa ressaltar a idéia de que é impossível 
delimitar as raças, pois as variações existentes entre tais grupos são superficiais, 
o que inibe, ou melhor, impossibilita a separação biológica. A maioria das 
classificações baseiam-se em características físicas, o que é ineficaz. Os estudos 
de freqüências gênicas, através de marcadores genéticos no sangue também não 
são perfeitos. 
O mais importante é que embora as variadas características 
do ser humano, todos pertencem à mesma espécie. Essa idéia de unicidade está 
relacionada à descoberta da hereditariedade biológica. Todos os homens 
descendem de ancestrais comuns sendo, portanto, apresentados pelo sangue, 
tendo uma herança biológica comum. 
Essa evidente variedade de características físicas dos 
grupos tem uma importância prática no sentido de que estabelece separações 
entre a população. Por exemplo, a cor da pele oferece imediata impressão da 
diferença entre os grupos. 
De maneira geral, é comum dizer que a raça é caracterizada 
pela freqüência de características hereditárias que não aparecem uniformemente 
em todos os seus membros. Ocorre que além dos indivíduos se diferenciarem, o 
meio no qual estão inseridos, também não é o mesmo e algumas combinações de 
genes, se adaptam melhor do que outras a certas condições. 
Interessante mencionar o trecho do artigo de Harry 
Shapiro39: 
Se compararmos as raças sob o ponto de vista da resistência 
biológica, também não se constatam, pelo menos até o presente 
momento, diferenças acentuadas que permitam afirmar que uma 
seja superior à outra. Certos fatos parecem provar que todas as 
raças se adaptam progressivamente ao seu meio, o que lhes 
permite acomodar-se melhor às suas condições de existência do 
que o fazem os grupos de invasores adaptados a condições 
diferentes. É assim que as recentes pesquisas sobre a perda do 
 
39 SHAPIRO, L. HARRY. Raça e Ciência. p. 133-134. 
 23 
calor corporal provaram que os negros dispõem, nesse aspecto, 
de um mecanismo fisiológico mais eficaz que os brancos. Não se 
segue que o negro tenha uma superioridade biológica sobre o 
branco, salvo nas circunstâncias especiais onde este fenômeno 
de adaptação constitui para ele uma vantagem. Analogamente os 
esquimós têm, no seu próprio meio, uma clara superioridade 
sobre todas as outras raças; mas esta vantagem torna-se para 
eles um inconveniente em outras regiões. Pretende-se, por vezes, 
que as raças que vivem sob climas menos extremos e não sejam 
constrangidas a adaptar-se a situações também especiais, se 
acomodam a uma maior variedade de condições mesológicas. 
Mesmo se assim for, seria difícil classificar estas raças a partir de 
sua resistência biológica, visto que tais julgamentos só têm, no fim 
de contas, um valor relativo e provisório. 
No que diz respeito a idéia deraça pura, registre-se que é 
incompatível com os conhecimentos de genética desenvolvida até então, portanto 
anticientífica. A mistura dos povos acompanhou os agricultores ainda no período 
de difusão do emprego do arado e posteriormente os bárbaros, que inventaram o 
carro de guerra, domesticaram o cavalo e diversas outras invenções e se 
espalharam por toda a Europa. 
Até mesmo entre os judeus, que são conhecidos por um 
certo isolamento reprodutivo, a partir de estudos de cálculos de freqüências 
gênicas, constatou-se uma mistura racial na taxa aproximada de 1% de genes por 
geração. Para corroborar40: 
Todavia, estudos antropológicos demonstram semelhanças entre 
judeus e não-judeus vivendo na mesma região, e os geneticistas, 
através de cálculos de freqüências gênicas, concluíram que existe 
mistura racial entre os judeus a uma taxa média de 1% de genes 
por geração. 
Então, fica claro que tendo como justificativa a especialidade 
científica, do ponto de vista biológico as raças humanas não existem, tese já 
pacificada. Seguindo essa linha de raciocínio, a idéia de classificação biológica de 
 
40 AZEVEDO, Eliane. Raça, conceito e preconceito. p. 33. 
 24 
afro-descendência através da morfologia, fica para segundo plano, ou melhor, é 
amplamente desvalorizada. 
Resta a identificação a partir das características e critérios 
de ordem psicológica e cultural, o que deixa inúmeras dúvidas. A própria 
categoria ‘mulato’, por exemplo, dentre tantas outras, é popular e não de 
antropologia física. 
Incabíveis e superadas, portanto, as teses referentes à 
pureza e uniformidade de raças, destaca-se a imprecisão, má colocação e 
confusões geradas pelo termo mulato. 
1.5.1 O que é racismo? 
Colhe-se do artigo 1º, da Convenção Internacional Sobre a 
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial a única definição de 
discriminação racial disponível no ordenamento jurídico: 
A expressão discriminação racial significará qualquer distinção, 
exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, 
descendência ou origem racial ou étnica que tem por objetivo ou 
efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício 
num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos 
humanos e liberdades fundamentais no domínio político, 
econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua 
vida. 
Esse reconhecimento dos direitos humanos foi aprovado 
pela Assembléia Geral da ONU em 1965, ratificada pelo Brasil através do Decreto 
Legislativo nº 23, passando a ter efeitos a partir de 1969, promulgado pelo 
Decreto nº 65.810. 
Na sua obra de Direito Constitucional Walter Ceneviva41 
conceitua racismo “como o tratamento desigual manifestado pelo agente, em 
 
41 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 78. 
 25 
função de raça ou cor de pele, ou qualquer outro ato em que se identifique a 
desigualdade segundo critérios objetivos.” 
No ordenamento jurídico brasileiro racismo é caracterizado 
pelo tratamento desigual baseado na etnia ou cor da pele, pelo sentimento de 
superioridade de determinado povo em detrimento dos demais. 
Joel Rufino dos Santos42 cita em sua obra: ”O racismo é 
fenômeno universal. O homem está sempre defendendo seu espaço contra a 
invasão de outros, os quais, freqüentemente pertencem a outras raças”. 
Em síntese, o termo racismo caracteriza-se pelo tratamento 
desigual baseado na cor e etnia. É uma ofensa que leva em consideração 
algumas características físicas e também culturais do indivíduo. 
1.5.2 Definição de cor 
Indubitavelmente, trata-se de algo extremamente 
insignificante mas que pode desencadear em graves e violentas práticas 
discriminatórias. 
Para Rodrigo César Rebello Pinho43: “A cor corresponde à 
maior ou menor pigmentação da pele”. 
Como já abordado anteriormente, ao ser avaliada 
fenotipamente tem uma relação muito fraca com o grau de ancestralidade 
africana, fato que gera inúmeras confusões principalmente num país tão tico em 
miscigenação quanto o Brasil. 
Visando dar sustentação à esse distanciamento entre a cor e 
o grau de ancestralidade de um determinado indivíduo, vale-se do seguinte 
apontamento extraído de uma reportagem da Revista Veja: 
 
42 SANTOS, Joel Rufino dos. O que é Racismo. p. 18. 
43 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da Constituição e direitos fundamentais. Rio de 
Janiero: Takano, 2001, v. 17. p. 95. 
 26 
1.6 AFINAL, QUEM É NEGRO NO BRASIL? 
Na sociedade atual, a genética ganha uma inserção cada 
vez maior. Assim, estando em voga os debates quanto à legitimidade das cotas 
universitárias para negros, enquanto ação afirmativa, os geneticistas são 
chamados a responder o questionamento: quem é realmente negro no Brasil? 
Em que pese toda pressão por uma resposta definitiva no 
plano científico, concluem Pena e Bortolini44: 
Tendo em vista a nova capacidade de se quantificar 
objetivamente, por meio de estudos genômicos, o grau de 
ancestralidade africana de cada indivíduo, pode a genética definir 
quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações 
afirmativas? Prima facie poderia parecer que sim, mas a nossa 
resposta é um enfático NÃO... Acreditamos que a genética 
moderna pode oferecer subsídios para as decisões políticas e que 
o perfil genético da população brasileira certamente deve ser 
levado em conta em decisões políticas. Por outro lado, a genética 
não pode arrogar-se um papel prescritivo explícito. 
Raça é apenas uma construção social e é inócua a tentativa 
de se adotar um critério científico de grupos raciais. Mas não é só, como a cor é 
um fraco fator de predição de ancestralidade genômica africana, conclui-se que 
nem todo afro-brasileiro é negro e nem todo negro é geneticamente um 
afrodescendente. 
O assunto é delicado e mostra-se complexo, na medida em que envolve fatores 
genéticos, culturais, econômicos, políticos e sociais. Os estudos genéticos 
realizados no Brasil reiteram o fato de que entre as características genômicas, 
não existem correspondências e a miscigenação existe entre os mais variados 
grupos étnicos. É que houve entrecruzamentos sucessivos entre os grupos, o que 
os torna muito próximos. 
 
44 PENA, S. D. P.; BORTOLINI, M. C. Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas e 
demais ações afirmativas? Estudos avançados, v. 18, n. 50, 2004. p. 46. 
 27 
A identificação através da autodefinição abre espaço para 
inúmeras dúvidas e incertezas. Buscando equilibrar a polêmica aqui lançada, 
Sandro César Sell 45 destaca que: 
À identidade negra, então, associa-se a inseparabilidade de uma 
certa posição sócio-cultural. Um lugar onde o negro é esperado e 
um lugar do qual só com muito espanto e incômodo social ele 
pode se ver livre. Definida dessa maneira, a condição de negro 
aproxima tanto, e simplesmente, da posição de excluído, que é 
despiciendo dizer quão pouca operacionalidade jurídica teria esse 
conceito nas práticas de Ação Afirmativa. 
Já que o Brasil caracteriza-se pela miscigenação, 
predomina uma falsa impressão de que vivemos fraternalmente numa democracia 
racial. Mas do cotidiano, percebe-se uma injusta opressão dissimulada, seja no 
mercado de trabalho, na educação ou até mesmo na violência. 
Inibir as atitudes discriminatórias que implicam no índice de 
desemprego, salários mais baixos, menores oportunidades de ascensão social e 
trabalhos mais degradantes é um desafio para a cidadania. Nesse caminhar, a tão 
sonhada igualdade, em tese, já está garantida. 
Nas linhas acima delineadas estão expostas questões 
relacionadas ao preconceito de cor e discriminação racial, além de uma breve 
evolução da legislação nacional: Lei Diogo Feijó, que aboliu o tráfico negreiro, Lei 
Eusébio de Queiroz, Nabuco de Araújo, Lei do VentreLivre e Lei dos 
Sexagenários. 
A seguir, um destaque especial para o princípio da dignidade da 
pessoa humana e igualdade e a legislação brasileira positivada 
relacionada ao assunto aqui discutido, ante a sua importância, 
enfatizando a necessidade de um amadurecimento social. 
 
45 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. 
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 62. 
49 Acerca da distinção entre as categorias direitos humanos e direitos fundamentais consultar 
KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. 
Florianópolis: Momento Atual, 2005. 
 
 28 
 
CAPÍTULO 2 
APARATO NORMATIVO BRASILEIRO EM RELAÇÃO AO 
PRECONCEITO DE COR E SUA APLICABILIDADE PRÁTICA: A 
IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA 
DO BRASIL DE 1988 
2.1 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS 
Após um longo período de desigualdade escancarada, os 
direitos humanos tornam-se a base da Sociedade. É que na Antigüidade o 
fenômeno da limitação do poder do Estado era desconhecido e a grosso modo, as 
leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo direitos frente ao 
poder estatal. 
Entretanto, em algumas civilizações ancestrais, no Código 
de Hamurabi, nos escritos de Platão e diversos outros filósofos já percebe-se uma 
preocupação em atribuir não apenas deveres, mas também direitos aos seres 
humanos. 
Hodiernamente, está disposto no Ato das Disposições Finais 
e Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no 
artigo 7º que: ”o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos 
direitos humanos.” 
A origem dos direitos humanos está no direito natural 
clássico, com a concepção de que o homem é titular dos direitos dados por Deus. 
A expressão “direitos humanos” aparece pela primeira vez, aproximadamente em 
1770, na França. 
 
 29 
O direito natural ou jusnaturalismo foi criado pela filosofia 
estóica na Grécia Antiga e evidentemente reflete no ordenamento jurídico pátrio. 
Alguns de seus pressupostos referem-se a preceitos universais e imutáveis e 
outros adaptáveis à época e a determinadas regiões. Dessa forma, são regras 
natas da natureza humana. 
Na Antigüidade, não se destaca nenhum avanço relevante 
acerca dessa temática. A sociedade medieval, por sua vez, era religiosa, 
economicamente auto-suficiente, rural e coletiva. Com a transição para a 
sociedade moderna e fortalecimento do comércio as pessoas começam a pensar 
mais em si. O individualismo cresce juntamente com a urbanidade e é o fim do 
domínio de uma só religião. 
Começa a surgir um novo direito natural – racionalista – não 
codificado. O simples fato de ser homem, já o fazia titular de direitos humanos. As 
primeiras reivindicações dos autores ius naturalistas foram o direito a tolerância, 
liberdade de religião e humanização do direito penal, com a limitação do poder do 
Estado Absoluto. 
Quando se fala em direitos humanos é bastante comum a 
confusão conceitual entre com as categorias direitos fundamentais, as quais 
inúmeras vezes são aplicadas como sinônimas. Aliás, no próprio Texto 
Constitucional a terminologia utilizada “direitos fundamentais”, não é uniforme. 
Veja-se, os direitos humanos49 são mais genéricos e amplos 
de um ponto de vista geral, sob um âmbito internacional. Ao passo que os direitos 
fundamentais estão num âmbito mais nacional, garantidos pelo ordenamento 
jurídico de cada Estado. 
O título II, do Texto Constitucional de 1988 “os direitos e 
garantias fundamentais”, está subdividido em cinco capítulos: direitos individuais e 
coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos. 
Especificamente, esses direitos e garantias fundamentais consagrados pela 
Constituição estão limitados nos outros direitos garantidos, o que caracteriza o 
princípio da relatividade. 
 30 
Como características, mais uma vez adota-se as exposições 
da professora Andrietta Kretz, pelo cunho altamente didático. Ensina que o 
“caráter analítico deve-se ao fato de haver um grande número de dispositivos 
legais apresentados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 
1988.”50 
No que toca ao pluralismo acrescenta: “é característica em 
razão da redação final do texto constitucional acolher posições algumas vezes 
controvertidas entre si.”51 
E ainda quanto ao caráter pragmático “é conseqüência do 
grande número de dispositivos constitucionais, que dependem de regulamentação 
legislativa infraconstitucional, que estabelecem programas e diretrizes a serem 
implementados e garantidos pelos poderes políticos.”52 
Portanto, os direitos humanos no atual contexto 
constitucional brasileiro envolvem um caráter analítico, pluralista e pragmático 
que, em tese, são harmônicos entre si. 
Quanto à sua evolução, o direito de liberdade é considerado 
de primeira dimensão, cujas origens estão nas doutrinas iluministas e 
jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII (Hobbes, Locke, Rosseau e Kant). Os 
sociais, culturais e econômicos, além dos direitos coletivos provenientes dos 
movimentos e reivindicações de justiça social do século XX, são direitos de 
segunda dimensão. 
Os transidividuais, aqueles que ultrapassam as fronteiras 
das contendas nacionais - os direitos de solidariedade são de terceira dimensão. 
Já os de manipulação genética, vida e morte são de quarta dimensão e, 
finalmente, os relacionados à realidade virtual são os de quinta. 
 
50 Ibidem, p. 68. 
51 Ibidem, p. 69. 
52 Ibidem, p. 69. 
 31 
Comumente, existem diversas teorias negadoras dos direitos 
humanos, as quais tecem duras críticas que advêm de muitas frentes, desde 
revolucionários até pensadores pós-modernos.53 
Destaca-se a crítica marxista que diz respeito a visualização 
dos direitos humanos como discurso da justificação da dominação social, 
mascarando verdadeiras condições estruturais que só poderiam levar à 
desigualdade social. 
Outras sequer preocupam-se em fornecer bases sólidas de 
justificação de suas posições, entretanto, tais críticas, não são objeto de estudo 
do presente trabalho, razão pela qual, não será realizada maior abordagem. Aqui, 
o enfoque é para uma perspectiva dos direitos humanos na medida em que se 
encontram positivados ou assegurados pela Constituição. 
2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS 
Já que a idéia de soberania vem sendo rechaçada com o 
passar dos tempos e fala-se em relações transnacionais, não mais internacionais, 
faz-se necessário discorrer acerca dos princípios de um modo geral, enfatizando 
sua importância frente à regra específica, propriamente dita. 
Vale-se dos ensinamentos do filósofo Ronald Dworkin54, 
desenvolvidos e difundidos pelo jurista e filósofo alemão Robert Alexy, o qual, ao 
tratar do sistema de normas, defende a existência de uma diferença qualitativa e 
conceitual entre princípios e regras.55 
A norma denota o gênero, da qual o princípio e a regra são 
as respectivas espécies. Os princípios são as normas de ordenação amplas, ou 
mandados de otimização que podem ser cumpridos em diferentes graus ou 
 
53 Ver SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade. Belo 
Horizonte: Del Rey, 2004. 
54 DWOEKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. 4. ed. Barcela: Ariel, 1999. 
55 Sobre o assunto ver ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso 
Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São 
Paulo: Landy, 2001. 
 32 
níveis, segundo sejam aplicados por inteiro ou em partes, através do princípio da 
ponderação. 
Enquanto as regras, por sua vez, são as normas com 
exigência de cumprimento integral ou descumprimento total, sendo que a sua 
validade exige o cumprimento integral de seu conteúdo fáticoe jurídico. 
De acordo com Ruy Samuel Espíndola56 os princípios são: 
(...) estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou 
normas por idéia mestra, por um pensamento chave, por uma 
baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou 
normas derivam, se reconduzem ou se subordinam. 
Portanto, existe uma quantidade enorme de valores éticos 
intrínsecos aos princípios que atingem a Constituição como um todo, 
emprestando-lhe uma significação uniforme. A grosso modo, possuem como 
principais características a generalidade, primariedade e dimensão axiológica. 
Mais especificamente, acerca do princípio constitucional, 
assegura Luís Roberto Barroso57: 
Conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, 
seus postulados básicos e seus fins (...) normas eleitas pelo 
constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da 
ordem jurídica que institui. 
Os princípios gerais do direito constitucional surgem da 
igualdade que se apregoa nas sociedades democráticas e possibilitam a 
interpretação e aplicação do Texto Constitucional. 
De outra banda, as regras notoriamente denotam comandos 
diretos que servem apenas para determinadas situações e que são sempre 
específicas e positivadas. 
 
56 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 1999. p. 47. 
 33 
Diante deste contexto, os juristas precisam estar atentos e 
preparados para trabalharem com os princípios que não se acabarão com a 
globalização cada vez mais evidente, o que já não pode ser garantido no que 
tocam as regras. 
A professora Andrietta Kretz58 ensina que: 
Outro aspecto inovador é o fato da Constituição de 1988 
apresentar o principal rol de direitos fundamentais bem no início 
do texto, ou seja, logo após o preâmbulo e os princípios 
fundamentais. Também faz uso da terminologia “direitos e 
garantias fundamentais”, que nas Constituições Brasileiras 
anteriores de 1988 apresentava-se como “direitos e garantias 
individuais”, muito embora a Constituição da República Federativa 
do Brasil de 1988, não apresente uma uniformidade em todo o 
texto constitucional no uso terminológico da categoria “direitos e 
garantias fundamentais”. 
Mais uma vez Andrietta Kretz59 esclarece: 
(...) Alexy destaca o caráter prima facie, tendo em vista que os 
princípios ordenam que algo deva ser realizado na “maior” medida 
do possível, levando em conta as possibilidades jurídicas e 
fáticas, por isso não contêm mandatos definitivos e sim prima 
facie. O princípio não determina como deverá ser resolvida uma 
relação entre razões opostas. Por esta razão, os princípios não 
possuem conteúdo determinativo com relação a princípios opostos 
ou possibilidades fáticas. Já as regras, pelo contrário, apresentam 
um conteúdo exato, ou seja, contêm uma determinação no âmbito 
das possibilidades jurídicas e fáticas, e essas mesmas 
possibilidades poderão fazer com que a regra não seja válida. 
Assim, percebe-se que, de maneira sintética Andrietta Kretz 
destaca que os princípios suscitam problemas de validade e peso, já as regras 
somente questões de validade. 
 
57 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 
2004. p. 151. 
58 Para maiores elucidações pesquisar em KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia 
Horizontal dos Direitos Fundamentais. p. 68. 
59 Ibidem, p. 65. 
 34 
Embora bastante difundida é importante fazer esta distinção 
entre as categorias ora trabalhadas posto que facilitam a compreensão da 
discussão proposta. 
O artigo 1º da Constituição de 1988 dispõe que “A República 
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e 
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito.” A partir daí, 
fica a ressalva de que o sistema de governo é republicano, descentralizado 
política e administrativamente e fundado na soberania popular. 
2.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana 
Como anteriormente exposto, um princípio é o pilar do 
ordenamento jurídico, a substância do direito. Sendo anteriores à própria lei, 
devem ser respeitados, estando inseridos de fato, no ordenamento jurídico 
atribuindo eficácia à norma. 
Nessa discussão, não poderia deixar de citar como 
fundamentos o princípio da legalidade, igualdade e dignidade da pessoa humana, 
essenciais em sede de Estado Democrático de Direito. 
Indubitavelmente, a luta pela garantia das liberdades 
individuais foi marco precursor inafastável, de forma que os conceitos de 
liberdade e dignidade se confundem como que se considerasse a dignidade como 
evolução natural daqueles. 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
nos seus artigos 1º, inciso III, e 60, § 4º, inciso III, estabeleceu como fundamento 
do Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana. 
Quando presente a prática de condutas como preconceito e discriminação essa 
dignidade é arrombada. 
 35 
Rizzato Nunes61 lecionando acerca da dignidade oferece o 
seguinte conceito: 
(...) é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história 
e chega ao início do século XXI repleto de si mesma como um 
valor supremo, construído pela razão jurídica. Com efeito, é 
reconhecido o papel do Direito como estimulador do 
desenvolvimento social e freio da bestialidade possível da ação 
humana. (...) se torna necessário identificar a dignidade da pessoa 
humana como uma conquista da razão ético-jurídica, fruto da 
reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a 
experiência humana. 
Na sociedade atual já se reconhece que a dignidade da 
pessoa humana, antes de se constituir apenas em princípio constitucional, 
representa uma ampla qualidade intrínseca do ser humano, não dependendo de 
nenhuma previsão legal para ser reconhecida. Aqui, reporta-se àquela distinção 
entre as categorias regras e princípios. 
É aceito que a partir do reconhecimento pelos cristãos da 
igualdade entre cidadãos e escravos, os quais passaram a ser reconhecidos 
como filhos de Deus o conceito de dignidade ganha valoração. Em seguida, com 
os ideais iluministas do fim do século XVIII, a visão de liberdade e igualdade, 
representa a base das liberdades e dos direitos da personalidade do homem. 
Assim se manifesta Kant62 sobre a dignidade: 
No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. 
Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo 
equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo 
preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende 
uma dignidade. (...) o que se faz condição para alguma coisa que 
seja fim em si mesma, isso não tem simplesmente valor relativo 
ou preço, mas um valor interno, e isso quer dizer, dignidade. Ora, 
 
61 NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrina e 
Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 46. 
62 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução de 
Leopoldo Holzbach, São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 65. 
 
 36 
a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser 
racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser 
membro legislador do reino dos fins. Por isso, a moralidade e a 
humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas 
providas de dignidade. 
Aos poucos a necessidade de garantias mais amplas fica 
cada vez mais presente, ganhando força a proteção ao interior do indivíduo, a 
tutela à sua personalidade. 
2.2.2 O princípio da igualdade 
Os princípios democráticos fundam-se na igualdade, 
liberdade e justiça. O Texto Republicano de 1988, por sua vez, prescreve 
dispositivos

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