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Atuação do Cade e implicações jurídicas nos processos de fusão do mercado aéreo1 Heitor Machado Franco da Silva2 Tiago Andreotti e Silva3 José Manfroi4 RESUMO Este trabalho sobre as fusões empresariais no mercado aéreo tem a finalidade de analisar o procedimento adotado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e quais as implicações jurídicas para garantir que as referidas fusões não prejudiquem a concorrência comercial. Para tanto, foram utilizados os métodos de procedimento hipotético-dedutivo e o de abordagem histórico e funcionalista, embasado em revisão bibliográfica e documental, tendo como marco teórico o estudo da história geral da aviação civil nacional e a análise de três processos de fusão no mercado aéreo recentes no Brasil. Quanto aos resultados da pesquisa, averiguou-se que as análises de risco realizadas pelo Cade garantem que as fusões, como estratégia de mercado, não canibalizem as demais companhias concorrentes, beneficiando não apenas as empresas, mas os usuários, com melhores tarifas. Concluiu-se, por fim, que, as estratégias de fusões e parcerias são meios juridicamente legais e a única alternativa para contornar os grandes períodos de crise. PALAVRAS-CHAVE: 1. Livre Concorrência. 2. Cade. 3. Aviação Civil. 4. Direito Econômico. 5. Direito Empresarial. ABSTRACT This work on business mergers in the airlines market aims to analyze the procedure adopted by Cade (Administrative Council for Economic Defense) and what are the legal implications for ensuring that the mergers do not harm commercial competition. For that, the hypothetical-deductive procedure methods and the historical and functionalist approach were used, based on bibliographic and documentary review, having as a theoretical framework the study of the general history of national civil aviation and the analysis of three merger processes in the market recent air traffic in Brazil. As for the research results, it was found that the risk analyzes carried out by Cade ensure that mergers, as a market strategy, do not cannibalize other competing companies, benefiting not only companies, but users, with better rates. Finally, it was concluded that merger and partnership strategies are legally legal means and the only alternative to circumvent the great periods of crisis. 1 Este artigo é resultado de trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Católica Dom Bosco, sob a orientação metodológica do Prof. Dr. José Manfroi e orientação temática do Prof. Dr. Tiago Andreotti e Silva, como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Direito da Universidade Católica Dom Bosco. 2 Graduando do 9º semestre do curso de Direito na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). E-mail: heitormfranco@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4349717162552554. 3 Graduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2008), especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributarios (IBET) (2009), "LL.M. in International Legal Studies" pela New York University (2010), "Master in Comparative, European and International Laws" pelo European University Institute (2011) e doutorado pelo European University Institute (reconhecido pela USP em novembro de 2016). É advogado inscrito na OAB desde 2009 e membro da Ordem dos Advogados do Estado de Nova Iorque/Estados Unidos desde 2012, atuando na área contenciosa e consultiva. E-mail: rf3614@ucdb.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5649166655994007. 4 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1995) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Desde 1991 até a presente data é professor titular da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Já foi membro eleito do Conselho Universitário (CONSU/UCDB), do comitê científico da UCDB, dos Núcleos Pedagógicos Estruturantes nos cursos de Direito e Filosofia. E-mail: jmanfroi@terra.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/7229537178876462. 2 1 INTRODUÇÃO Em um país de dimensões continentais, como o Brasil, onde as cidades extremas do território (Oiapoque-AP e Chuí-RS) se distanciam a 4.175 quilômetros em linha reta, e 5.648 quilômetros pelas estradas nacionais, tornou-se evidente a necessidade de desenvolver um mercado de transporte que interligasse cidades distantes em um curto período de tempo, visto que as péssimas condições físicas das estradas brasileiras, no século XX, tornavam os deslocamentos via terrestre lentos e desconfortáveis. A partir desta constatação, nasce o desenvolvimento no mercado aéreo nacional. Devido as constantes mudanças nos cenários econômicos mundiais e o forte avanço tecnológico, com operações e aeronaves mais caras, combustíveis com fortes oscilações de preços e taxações, este lucrativo mercado entrou, a partir da década de 1990, em um período de forte declínio, acarretando na falência das grandes companhias aéreas brasileiras, que não conseguiram se adaptar às novas exigências do mercado e tornaram impossível o reequilíbrio financeiro. As novas companhias que surgiram no mercado aéreo nacional, entre os anos de 1980 e 2010, se viram obrigadas a buscar novas estratégias econômicas para reestruturar a política de investimentos e absorver os custos operacionais, mantendo-se, assim, financeiramente saudáveis para expandir este mercado. Desta forma, verificou-se que a melhor estratégia para equilibrar as finanças e garantir a eficiência das operações era através das fusões das pequenas companhias regionais com aquelas que detinham as principais rotas nacionais e, posteriormente, a própria fusão entre companhias de grande porte. Diante deste cenário, o presente projeto de pesquisa tem como objetivo principal analisar as implicações jurídicas e qual a atuação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nos processos de fusão do mercado aéreo, as quais companhias brasileiras estiveram envolvidas. Nesse ínterim, este trabalho levanta como problemática a possibilidade de “canibalismo comercial” nas fusões das empresas, caso não haja a moderação de um órgão que regule as referidas parcerias, trazendo como risco a formação de um monopólio mercantil, sob o pretexto de extinguir as demais companhias, sem possibilitar a igualdade de condições de concorrência. 3 Desse modo, para o estudo do tema, será utilizado o método de procedimento hipotético-dedutivo, pelo qual serão analisados 3 (três) fusões realizadas dentro do mercado aéreo nacional, com ênfase nas garantias da livre concorrência e as consequências geradas após o referido procedimento. Será utilizado, também, o método de procedimento auxiliar histórico, realizando-se uma análise da história da aviação comercial brasileira, desde os seus primórdios aos dias atuais, para enfatizar as razões pelas quais as fusões se tornaram a principal estratégia de mercado das grandes companhias. Desta forma, o primeiro item está reservado em apresentar as atribuições e os objetivos da atuação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) na atividade mercantil nacional. O segundo item, por sua vez, é destinado ao resgate histórico da Aviação Comercial do Brasil, apresentando todos os elementos que nortearam o desenvolvimento do mercado aéreo nacional, em suas 4 (quatro) grandes fases. Por fim, o terceiro e último item tem o propósito de realizar uma análise prático- jurídica de três processos de fusão, que envolveram alguma companhia brasileira, verificando os elementos que permitiram que as fusões não afetassem a concorrência saudável no mercado. Analisar-se-á, ainda, os motivos pelas quais uma das referidas fusões foi desfeita durante a elaboração deste documento. 2 O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA Para que se torne possível a compreensão das atividades e a importância da atuação do Cade, junto aos processos de fusão em todasas áreas comerciais nacionais, faz-se necessário desenvolver a compreensão da origem, contexto histórico, aplicabilidade, atribuições legais e objetivos da existência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. 2.1. O que é o CADE? Criada em 10 de setembro de 1962, através do artigo 8º da Lei 4.137/62, O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), surgiu como um órgão responsável por zelar pela defesa da concorrência econômica nacional, no recém-criado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o SBDC. Somente em 11 de junho de 1994, trinta e dois anos após sua criação, por força da Lei nº 8.884/94, fora constituída como autarquia federal, ou seja, 4 entidade de direito público com autonomia econômica, técnica e administrativa, sendo então vinculada sob a responsabilidade do Ministério da Justiça, responsável pela proteção econômica nacional e livre concorrência, prevenindo a justa competitividade mercantil através de ações antitruste, conforme se define institucionalmente: “O Cade tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência.” As atribuições legais para a atuação do Cade estão previstas na Constituição Federal, em seu artigo 170, conforme transcrição: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Realizando uma breve interpretação do artigo supracitado, deve-se enfatizar os incisos I e VI, bem como o parágrafo único, pois estes são os pontos delegados ao Cade. O primeiro inciso, que trata da soberania nacional sobre a ordem econômica, delega ao Cade o controle econômico, de forma que as atividades mercantis, sejam públicas ou privadas, visem o crescimento da nação. Soberania, como explicitada no texto, não se refere a intervenção do Estado sobre a economia, mas na intenção do Estado em se desenvolver através das atividades praticadas no território nacional, possibilitando, assim, a valorização do trabalho humano, através da livre iniciativa. 5 O quarto inciso, que dispõe sobre a livre concorrência, delega ao Cade o controle das atividades comerciais no território brasileiro, de forma a inibir que se estabeleçam monopólios nos mais diversos ramos mercantis, prejudicando, assim, a justiça social e a existência digna a todos. Conforme cita o parágrafo único, assegura-se a todos os cidadãos, que seja praticado o livre exercício das atividades econômicas, independentemente de autorização de qualquer espécie de órgãos públicos. Assim, cabe ao Cade garantir que todas as atividades econômicas sejam protegidas e garantidas aos cidadãos, como forma de obtenção de subsistência própria e de suas respectivas famílias. 2.2 Objetivos de atuação nos processos de fusões Desde sua constituição, em 1962, o SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) possuía, entre suas atribuições, analisar as fusões, aquisições e/ou associações empresariais, em atos que foram denominados como “Atos de Concentração”. Porém, apenas com o advento da Lei nº 8.884/94, após a instituição do Cade como autarquia, é que foram estabelecidas as diretrizes que norteassem as análises dos Atos de Concentração. A partir deste marco na legislação pátria, iniciar-se-ia uma sólida atuação do Conselho nos processos de fusão nas atividades comerciais dentro do território brasileiro, no todo ou em parte. Os processos de fusão, por José Carlos Braga Monteiro (p.1, 2020), advogado especialista em Direito Tributário, são definidos como [...] a combinação de duas ou mais entidades que se juntam para fazer uma única companhia, de forma voluntária e completamente amparada pela jurisdição local. Monteiro, ainda, explica que, quando a fusão tem como finalidade aumentar o poder econômico entre duas empresas do mesmo nicho comercial, trata-se de uma fusão horizontal: “A fusão horizontal é a consolidação de um negócio que ocorre ente empresas que operam no mesmo espaço, frequentemente competidoras que oferecem um mesmo bem ou serviço aos consumidores. São comuns em indústrias mais restritas, que possuem competições acirradas. Neste cenário, a sinergia e os potenciais ganhos de Market share serão muito maiores se as empresas se fundirem em uma única companhia. Como as operações das empresas são bastante similares, a fusão horizontal ajuda a juntar certas operações, como a manufatura e produção, e assim, reduzir custos.” 6 Em 30 de novembro de 2011, foi promulgada a atual Lei que regulamenta as atividades, a atuação, composição e diretrizes para a atuação do Cade nos Atos de Concentração, através da Lei 12.529/2011. Em seu artigo 88, em seus incisos I, II e parágrafos 5º e 6º, a legislação cita um filtro objetivo de obrigatoriedade da intervenção e análise do Cade, bem como os requisitos analisados nos Atos de Concentração, com a estrita finalidade de autorizar ou rejeitar a intenção de fusão e/ou aquisição de duas companhias, conforme disposto a seguir: Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). § 5º Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6º deste artigo. § 6º Os atos a que se refere o § 5º deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos: I - cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes. Desta forma, ao lidar com processos cujo faturamento bruto mínimo de uma companhia seja de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) torna-se evidente a responsabilidade compelida ao Cade em analisar cada processo de intenção de fusão entre companhias, visto que os riscos de concentraçãode mercado e concorrência ilegal tornam-se demasiadamente delicados. 3 HISTÓRICO DA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA 7 Para uma coerente análise do contexto histórico da aviação comercial no Brasil, faz-se necessário que esta seja dividida em 4 (quatro) momentos. Desta forma, a construção da retomada histórica, possibilitará a justificativa do cenário atual deste nicho de mercado e trará, de forma intuitiva, os fatores que motivaram negociações milionárias para fundir 2 (duas) ou mais empresas de grande porte, no decorrer do novo milênio. 3.1 As Primeiras Companhias (1927-1950) O primeiro momento, iniciado em meados de 1927, foi marcado pela criação das primeiras companhias aéreas brasileiras para transporte de cargas e de passageiros, na era dos hidroaviões, uma vez que o Brasil ainda dispunha de quase nenhum aeroporto, realizando pousos e decolagens nos leitos de rios e praias. Nessa fase, o mercado aeronáutico começa, a pequenos passos, a se apresentar ao país, servindo para abrir as portas de investimento para o transporte de cargas entre os grandes centros produtores do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, que concentravam as grandes ações da Revolução Industrial Brasileira, que ocorreu entre as décadas de 1930 e 1940, em resposta ao rompimento político com as grandes elites cafeeiras da época, atrelada à eleição do entusiasta pela aviação Getúlio Vargas, que, em 1931, criou o Correio Aéreo Nacional e o Departamento de Aviação Civil (DAC), como forma de estimular o desenvolvimento dos investimentos neste novo nicho econômico no país. Nesse período, não sendo o Brasil uma grande força econômica no cenário mundial, as aeronaves que chegaram para realizar as primeiras operações comerciais, vieram como sobras da 1ª Guerra Mundial, a um custo consideravelmente baixo, possibilitando, então, que a atividade aérea no território nacional começasse a se desenvolver, gradativamente. 3.2 A Era VARIG, o Surgimento da Embraer e a Proteção Estatal (1950 – 1990) O segundo período, que se estendeu durante as décadas de 1950 e 1990, foi marcado na história da aviação brasileira pelo monopólio da Viação Aérea Rio-Grandense, mais conhecida como Varig que, amparada pelo protecionismo do governo brasileiro e pelo Departamento de Aviação Civil (DAC), canibalizou o mercado, incorporando a maior parte das pequenas e médias companhias aéreas comerciais que ainda atuavam no país. Durante esse período, grandes companhias, como Real Aerovias (1961), Panair do Brasil (1965) e Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul (1975) foram incorporadas à Varig, que passou a deter o monopólio das operações internacionais. Este modelo protecionista fez com que a Varig se 8 consolidasse como a maior empresa aérea do Brasil e perdurou até o fim da postura de proteção governamental, na década de 1990. Em paralelo ao desenvolvimento da Varig, por força do Decreto nº 27.965, de 16 de janeiro de 1950, o então presidente da República, Eurico G. Dutra, cria, na cidade de São José dos Campos, no interior do estado de São Paulo, nas dependências do Centro Técnico de Aeronáutica, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, sendo a primeira instituição de ensino superior do Brasil a oferecer o curso de Engenharia Aeronáutica. Já em 1954, fora incorporado ao ITA o Instituo de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD), cujo objetivo era realizar testes, pesquisas e ensaios para a homologação de novos modelos de aeronaves que fossem produzidos ou modificados no território brasileiro. Não demoraria muito para que o Brasil, com o crescente número de Engenheiros Aeronáuticos formados, buscasse projetar e desenvolver aeronaves próprias, de forma a valorizar os profissionais aqui desenvolvidos. Em 1962, se forma o Engenheiro Aeronáutico Ozires Silva que, em seguida, ingressa no IPD, para pesquisar e desenvolver uma aeronave que atendesse o mercado aéreo regional de passageiros, tendo o primeiro voo experimental sido realizado em 1968. O sucesso nos voos de teste desta aeronave despertou o interesse da Força Aérea Brasileira, que pretendia incorporar essa aeronave a sua frota. Essa aeronave recebeu o nome de Bandeirante. Surgia, então, um novo entrave. Para atender às encomendas da Força Aérea Brasileira e demais compradores, era necessária a criação de uma fábrica que possibilitasse o desenvolvimento de uma linha de montagem do Bandeirante. Nasce, então, em 19 de agosto de 1969, por força do Decreto-Lei nº 770/69, a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A., a EMBRAER, sediada, também, em São José dos Campos, uma empresa pública de capital misto, destinada a fabricação de aeronaves, cujo presidente nomeado foi, justamente, o Engenheiro Ozires Silva, que comandou a companhia entre 1969 e 1986, quando saiu para se tornar presidente da Petrobras. Com capital social inicial no valor de NCr$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de cruzeiros novos), a EMBRAER possibilita a fabricação do Bandeirante, que posteriormente foi renomeado como Embraer EMB-110 Bandeirante. 3.3 A Crise no Novo Milênio (1990 – 2006) O terceiro período da história da aviação, ocorrida entre 1990 e 2006, compreende a fase da grande crise aérea brasileira. O governo brasileiro passou a estimular a fusão das 9 grandes companhias e, com a recusa destas, tornou-se o momento que levou à extinção das três grandes companhias comerciais: Transbrasil, Vasp e Varig. Em paralelo, nasciam novas companhias aéreas, que trouxeram conceitos modernizados de administração para contornar o período de crise financeira que atingia o país no início do novo milênio, são elas: GOL, TAM e Azul Linhas Aéreas. Em 2003, com dívidas de mais de R$ 4 bilhões com a Varig, o Governo Federal, ao invés de quitar a dívida, tentou promover uma fusão entre Varig e a TAM Linhas Aéreas, porém não houve sucesso. Com a nova filosofia operacional, as companhias aéreas precisariam renovar suas frotas e despender um alto aporte financeiro para a aquisição de novas aeronaves, no intuito de reduzir, a médio prazo, os custos operacionais e de manutenção. Com isso, as operadoras mais antigas, já afetadas pelos anos de prejuízo, e sem tempo hábil para readequarem-se aos novos modelos de negócio, sucumbiram em meio à crise e findaram suas operações. 3.4 A era das fusões e novo crescimento econômico (2006 – Atual) Na quarta e atual fase, iniciada com a falência da Varig Linhas Aéreas e os primeiros sinais da recuperação econômica do Brasil, em 2006, o mercado da aviação passa por uma nova estruturação, com o início da operação de algumas companhias de modelo low-cost5 e low-fare6 e uma quantidade significativamente maior de operadoras. Este ciclo inicia-se com 09 (nove) companhias aéreas nacionais: a) GOL Linhas Aéreas; b) TAM Linhas Aéreas; c) OceanAir Linhas Aéreas (Posteriormente denominada Avianca Brasil); d) BRA Transportes Aéreos; e) Passaredo Linhas Aéreas; f) Pantanal Linhas Aéreas; g) TRIP Linhas Aéreas; h) WebJet Linhas Aéreas; e i) Azul Linhas Aéreas (esta, fundada em 2008). 5 Filosofia adotada no mercado de Aviação Comercial de Passageiros, que consiste na operação comercial aérea com baixo custo operacional 6 Modalidade de filosofia do mercado da Aviação Comercial de Passageiros, que consiste na operação comercial aérea com baixo custo de tarifas para o usuário final. 10 Apesar dos esforços das principais companhias para contornar o período pós-crise, os primeiros 2 (dois) anos se mostraram de prejuízos estratosféricos para as companhias GOL, em 2006, e TAM, em 2007. Em 29 de setembro de 2006, uma aeronave Boeing 737-800NG, matrícula PR-GTD, de propriedade da GOL Linhas Aéreas Inteligentes, cumpria o voo G3-1907, entre Manaus/AM e Rio de Janeiro/RJ, com escala em Brasília/DF quando, ao sobrevoar a Floresta Amazônica, nas imediações do município de Peixoto de Azevedo/MT, veio a se chocar comoutra aeronave, um jato particular Embraer EMB-135 BJ Legacy, matrícula N600XL, de propriedade da empresa norte-americana ExcelAire Services, Inc. Em decorrência deste choque, o 737-800NG da Gol tornou-se incontrolável, entrando em parafuso e mergulhando em direção ao solo, ceifando a vida dos 154 ocupantes da aeronave, sendo 148 passageiros e 6 tripulantes. Já o jato da companhia norte-americana logrou êxito em pouso de emergência, na Base Aérea da Serra do Cachimbo (PA), tendo todos os ocupantes ilesos. Dados do Relatório Final A-022/CENIPA/2008, órgão do Comando da Aeronáutica responsável pela investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos, indicam que uma sequência de erros, por parte dos controladores de voo do CINDACTA I (Brasília) e dos tripulantes do jato da Embraer, contribuiu para o fatídico acidente. De acordo com dados apurados junto a 25ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, além do custo da aeronave perdida que, conforme tabela de preços da fabricante, custava na ordem aproximada de US$ 106.100.000,007 (hum cento e seis milhões e cem mil dólares), convertido para R$ 230.682.620,00 (duzentos e trinta milhões, seiscentos e oitenta e dois mil, seiscentos e vinte reais), a GOL pagou, a título de indenização pelas vidas ceifadas, em torno de quarenta e cinco milhões de reais, às famílias das vítimas que realizaram acordos com a empresa. Já em 17 de julho de 2007, uma aeronave Airbus A320-233, matrícula PR-MBK, de propriedade da TAM Linhas Aéreas S.A., realizava o voo JJ-3054, interligando as cidades de Porto Alegre/RS e São Paulo/SP quando, ao realizar o procedimento de pouso na cabeceira 35L (esquerda) do Aeroporto de Congonhas, não obteve êxito no procedimento, tendo o aparelho percorrido toda a extensão da pista e, ainda em alta velocidade, atravessado a Avenida Washington Luís, se chocando com o prédio de cargas da própria companhia, deixando 199 mortos, sendo 181 passageiros, 6 tripulantes e 12 pessoas em solo. 7 Cotação do dólar comercial em 29/09/2006: R$ 2,1742 (http://www.yahii.com.br/dolardiario06.html) 11 De acordo com dados coletados no Relatório Final A-nº67/CENIPA/2009, após a investigação do acidente, verificou-se que as péssimas condições climáticas, atrelada à pista molhada e escorregadia, sem os groovings8, e falhas na configuração das manetes de potência da aeronave no momento do pouso, contribuíram para a ocorrência do acidente. O prejuízo aproximado da TAM Linhas Aéreas, entre o valor do aparelho perdido no acidente, cujos dados da fabricante indicam o valor aproximado de US$ 99.000.000,009 (noventa e nove milhões de dólares), convertidos para R$ 184.347.900,00 (hum cento e oitenta e quatro milhões, trezentos e quarenta e sete mil e novecentos reais) e indenizações realizadas através de acordo coletivo, na ordem de trinta milhões de reais, pagos aos familiares dos falecidos. É chegada a nova década e, com ela, mais mudanças no setor aéreo mundial se apresentam às companhias. Em decorrência dos programas de responsabilidade ambiental e compromisso de reduzir a emissão de poluentes, as companhias se viram obrigadas a renovar suas frotas, de forma a se adequar ao novo cenário e buscar a máxima eficiência de suas operações, com aeronaves mais econômicas e que emitissem o menor índice de gases poluentes possível. Assim, a partir desse momento, as empresas aéreas se viram na necessidade de buscar novas medidas para que não viessem a sucumbir em meio à novas dívidas. Para isso, as empresas de médio porte, como WebJet, Pantanal e TRIP, como forma de manter suas operações e cumprir com as novas exigências de mercado, se fundem com, respectivamente, GOL, TAM e Azul, que detinham a grande força do mercado aéreo, fortalecendo estas companhias e criando um novo conceito na aviação brasileira, dando início a era das fusões. Companhias como BRA Transportes Aéreos (2007) e, mais recentemente, Avianca Brasil (2019), que se enquadravam no 2º escalão do mercado nacional, não se interessaram no novo modelo de negócio e, não tendo capital suficiente para realizar as adequações necessárias sem prejudicar a saúde financeira destas, sucumbiram em meio a processos falimentares. 4 AS FUSÕES NO MERCADO AÉREO – ANÁLISE PRÁTICO-JURÍDICA 8 Ranhuras nas pistas de pouso de aeronaves, que garantes o perfeito escoamento de água da pista, no intuito de impedir a formação de lâminas d’água, que podem gerar aquaplanagem. 9 Cotação do dólar comercial em 17/07/2007: R$ 1,86210 (http://www.yahii.com.br/dolardiario07.html) 12 Para sustentar a tese da importância das fusões no mercado aéreo nacional, foram elencados os 3 (três) processos realizados nos últimos 10 anos, envolvendo empresas brasileiras, sendo com outra companhia nacional, ou empresas estrangeiras. 4.1 Azul x TRIP: Fusão Nacional (2013) – Ato de Concentração nº 08700.004155/2012-81 No dia 18 de junho do ano de 2012, as empresas Azul S.A. e Trip Linhas Aéreas S.A. ingressaram, de forma conjunta, com Ato de Concentração Ordinário, junto ao Cade, na intenção de formalizar o acordo de fusão entre as empresas. Conforme as folhas 23 a 25 do 4º Volume do referido ato, o patrimônio da Trip Linhas Aéreas era de R$ 73.260.112,62 (setenta e três milhões, duzentos e sessenta mil, cento e doze reais e sessenta e dois centavos), enquanto os ativos circulantes totalizavam o montante de R$ 1.183.473.615,09 (hum bilhão, cento e oitenta e três milhões, quatrocentos e setenta e três mil, seiscentos e quinze reais e nove centavos), até o 31 de dezembro de 2011, dessa forma, cumprindo com o requisito mínimo patrimonial disposto no artigo 8810, I da Lei 12.529/2011. Para atender aos requisitos essenciais do inciso I, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do §6º, do mesmo artigo, garantindo que não há eliminação da concorrência em virtude do referido Ato de Concentração, Azul e TRIP sustentaram a tese de que ambas operavam rotas para cidades e aeroportos alternativos, as quais não eram servidas pelas demais companhias aéreas, como GOL e TAM, visto que estas operavam aeronaves maiores, interligando os grandes centros nacionais, como capitais e cidades de maior porte, além de possuírem grande representatividade nas operações internacionais, fato esse que não se enquadrava nas realidades das companhias requerentes. Após extensa análise de riscos, representatividade de mercado, apresentação de documentações por parte das demais companhias concorrentes, e garantindo que a fusão entre Azul e TRIP não representaria eliminação de concorrência às demais empresas, no dia 06 de março de 2013, em Sessão Ordinária de Julgamento do Cade, entendeu pela aprovação do processo de fusão entre as companhias requerentes, sendo publicado no Diário Oficial da União, na edição nº 48, de 12 de março de 2013, conforme segue: 10 Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); 13 04. Ato de Concentração nº 08700.004155/2012-81 Requerentes: Azul S.A. e Trip Linhas Aéreas S.A. Advogados: Tércio Sampaio Feiosa Junior, Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, Fabíola C. L. Cammarota de Abres e outros Relator. Conselheiro Ricardo Machado Ruiz Manifestou-se oralmente o advogado Thiago Brio, representaste dos Requerentes. Decisão: O Plenário, por unanimidade, conheceu da operação e aprovou-a condicionada ao cumprimento duo obrigações previstas no Termo do Compromisso de Desempenho (TCD) celebrado, nos termos do vota do Conselheiro Relator. Desta forma, Azul S.A. e Trip Linhas Aéreas S.A., obtiveram a autorização para dar seguimento ao processode fusão, que ocorreu com a incorporação da Trip aos ativos da Azul, formando, então, a Azul Trip S.A., cujo nome fantasia permaneceu como Azul Linhas Aéreas Brasileiras. 4.2 TAM x LAN Airlines: Fusão no Mercosul (2010) – Ato de Concentração nº 08012.009497/2010-84 No dia 03 de setembro do ano de 2010, as empresas TAM S.A. e LAN Airlines S.A. ingressaram, de forma conjunta, com Ato de Concentração Ordinário, junto ao Cade, na intenção de formalizar o acordo de fusão entre as empresas. Conforme a folha 13 do 1º Volume do referido ato, o faturamento consolidado da TAM S.A. era, no exercício do ano de 2009, de R$ 10.287.698.000,00 (dez bilhões, duzentos e oitenta e sete milhões, seiscentos e noventa e oito mil reais), não sendo possível verificar o faturamento da LAN Airlines, por solicitação de confidencialidade nos autos. Ainda assim, é possível confirmar que fora cumprido com o requisito mínimo de faturamento anual disposto no artigo 8811, I da Lei 12.529/2011. Para atender aos requisitos essenciais do inciso I, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do §6º, do mesmo artigo, garantindo que não há eliminação da concorrência em virtude do referido Ato de Concentração, TAM e LAN sustentaram a tese de que já atuavam em acordo de code- 11 Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); 14 share12 para operações de vôos interligando a cidade de São Paulo/SP com destinos no Mercosul, como Santiago/CHI, Buenos Aires/ARG e Lima/PER, em atos de concentração individuais aprovados pelo Cade no ano de 2007, para a instituição do code-share em cada uma das rotas, compartilhando as operações entre si desde então. O principal intuito da fusão entre as companhias era viabilizar a expansão das rotas interligando toda a América do Sul, em rotas ainda não aproveitadas por nenhuma companhia, gerando assim, benefícios para os consumidores e usuários finais do serviço de aviação, atendendo ao art. 88, §6º, II da Lei 12.529/2011. Por não haver, até o momento, interesse das demais companhias nas rotas que seriam expandidas, a fusão não acarretaria em eliminação de concorrência. Após extensa análise de riscos, representatividade de mercado, apresentação de documentações por parte das demais companhias concorrentes, e garantindo que a fusão entre TAM e Lan não representaria eliminação de concorrência às demais empresas, no dia 14 de dezembro de 2011, em Sessão Ordinária de Julgamento do Cade, sob o parecer do Conselheiro Relator Olavo Zago Chinaglia13 entendeu pela aprovação do processo de fusão entre as companhias requerentes, sendo publicado no Diário Oficial da União, na edição nº 241, de 16 de dezembro de 2011, conforme redação que segue: 89. Ato de Concentração nº 08012.009497/2010-84 Requerente: TAM S.A. e Lan Airlines S.A. Advogados: Renê Medrado, Leonardo Torre, Barbara Rosemberg, André Previato e outros. Relator: Conselheiro Olavo Zago Chinaglia Decisão: O Plenário, por unanimidade, conheceu da operação e aprovou-a condicionada à permuta, pelas requerentes, de slots e infraestrutura aeroportuária conexa no Aeroporto de Guarulhos/SP, nos termos do voto do Conselheiro Relator. 12 Termo de origem inglesa que indica um acordo de ajuda mútua, onde duas ou mais companhias aéreas compartilham de um mesmo vôo, realizando a venda através de um mesmo canal e utilizando o mesmo padrão de serviços. 13 Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (1997), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura (2002) e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (2008), com a tese "Destinação dos elementos intangíveis do estabelecimento empresarial e do aviamento na extinção parcial do vínculo societário". Foi conselheiro e Presidente Interino do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, membro do Conselho Editorial da Revista de Direito da Concorrência (CADE) e coordenador da participação do Cade na International Competition Network - ICN (2008-2012). Advogado, tem experiência nas áreas de Direito Econômico e Comercial. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3821713888535255 15 Após ter o Ato de Concentração aprovado, TAM S.A. e Lan Airlines S.A. prosseguiram com as definições das estratégias fusionais quando, em 22 de junho de 2012, efetivaram a fusão comercial, criando, então, a LATAM Airlines Group S.A., as quais mantiveram as operações entre TAM e Lan até o ano de 2017, quando, definitivamente, tornaram uma única companhia, com personalidade jurídica e identidade visual próprias. 4.3 Embraer x Boeing – Fusão Internacional (2020) – Ato de Concentração nº 08700.003896/2019-11 No dia 01 de agosto do ano de 2019, as empresas Embraer S.A. e The Boeing Company ingressaram, de forma conjunta, com Ato de Concentração Ordinário, junto ao Cade, na intenção de formalizar o acordo de fusão entre as empresas. Conforme a folha 3 da Notificação de Ato de Concentração, o faturamento consolidado da The Boeing Company era, no exercício do ano de 2009, de R$ 448,2 bilhões (quatrocentos e quarenta e oito bilhões e duzentos milhões de reais), não sendo possível verificar o faturamento anual da Embraer S.A., por solicitação de confidencialidade nos autos. Ainda assim, é possível confirmar que fora cumprido com o requisito mínimo de faturamento anual disposto no artigo 8814, I da Lei 12.529/2011. Para atender aos requisitos essenciais do inciso I, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do §6º, do mesmo artigo, garantindo que não há eliminação da concorrência em virtude do referido Ato de Concentração, Embraer e Boeing sustentaram a tese de que o mercado de produção de novas aeronaves passava por um momento de forte dinâmica, uma vez que o exponencial crescimento no número de passageiros anuais tem incentivado a necessidade da fabricação de mais aeronaves regionais. Citou, ainda, que a maior concorrente, a Airbus SE, havia adquirido participação majoritária do projeto da aeronave C-Series da Bombardier Inc., passando a se chamar Airbus A-220, aeronave essa que concorreria diretamente com o novo projeto do Embraer E2. O principal intuito da fusão entre as companhias era viabilizar uma concorrência mais justa na disputa de mercado de venda e fabricação de aeronaves regionais, tendo a Boeing proposto a compra de 80% das ações da Embraer, para possibilitar forte investimento na 14 Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); 16 produção do E2 e garantindo aos usuários finais do serviço, as companhias aéreas, iguais condições de selecionar a aeronave que melhor atenderia aos anseios de operação regional, cumprindo, assim, com os termos do art. 88, §6º, II da Lei 12.529/2011. No caso em tela, a referida fusão não acarretaria em eliminação de concorrência, mas estimularia a competição saudável entre as principais fabricantes. Após extensa análise de riscos, representatividade de mercado, apresentação de documentações por parte das demais companhias concorrentes, e garantindo que a fusão entre Embraer e Boeing não representaria eliminação de concorrência às demais empresas, no dia 27 de janeiro de 2020, em Sessão Ordinária de Julgamento do Cade, entendeu pela aprovação do processo de fusão entre as companhias requerentes, sendo publicado no DiárioOficial da União, na edição nº 19, de 27 de janeiro de 2020, conforme segue: DESPACHO Nº 70, DE 27 DE JANEIRO DE 2020 Ato de Concentração nº 08700.003896/2019-11. Requerentes: The Boeing Company e Embraer S.A. Advogados: Renê Guilherme Medrado, Luís Henrique Fernandes, Barbara Rosenberg e outros. Tendo em vista as conclusões do Parecer nº 1/2020/CGAA4/SGA1/SG/CADE (SEI 0708637), de 27 de janeiro de 2020 e, com fulcro no art. 50, §1º, da Lei nº 9.784/1999, integro as suas razões à presente decisão, inclusive quanto a sua motivação. Decido pela aprovação, sem restrições, do referido ato de concentração, nos termos do art. 13, inciso XII, da Lei nº 12.529/2011. ALEXANDRE CORDEIRO MACEDO Superintendente-Geral No dia 24 de abril de 2020, após a aprovação do Cade em referência à fusão entre as fabricantes, e sendo o último dia do prazo previsto para a rescisão contratual do acordo, a The Boeing Company anunciou a ruptura unilateral da fusão junto a Embraer S.A., sob alegação de que os termos do contrato de fusão não foram cumpridos e, também, em decorrência da pandemia causada pelo novo Coronavírus, que causaria fortes impactos financeiros à montadora americana, que optou, assim, pela desistência do processo de união das companhias. 5 CONCLUSÃO As discussões elencadas nesta pesquisa proporcionam, tanto à comunidade acadêmica quanto aos cidadãos brasileiros em geral uma apresentação detalhada de um procedimento 17 que garante a todos que as práticas comerciais não possam gerar prejuízos ao consumidor geral. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem por atividade delegada por força de lei, assegurar que todas as atividades comerciais, dentro do território brasileiro não incorram de eliminação de concorrência, prevenindo, dessa forma, a formação de monopólios empresariais, que produzam prejuízos aos usuários de serviços e produtos. Por outro lado, o presente estudo pode apresentar a atuação do Cade, junto aos processos de fusão no mercado aéreo nacional, atividade em constante crescimento, após superar os períodos de crise no início do novo milênio. Foi possível averiguar, também, que as estratégias tomadas pelas companhias aéreas, no que tange a decisão pelas fusões era, justamente, gerar forças de mercado para contornar as crises que se desenvolviam à época, através da união de patrimônio, ampliando o capital de giro, dispondo, assim, de recursos para investir em melhorias nos serviços para atender aos anseios da população. Em uma breve síntese, a fusão entre Azul e TRIP, teve o intuito de transformar duas companhias de médio porte, em uma única regional de grande porte, que pudesse expandir as operações às cidades emergentes, as quais as principais companhias, TAM e GOL, não conseguiriam operar, por utilizarem aeronaves incompatíveis com a maioria dos aeroportos do interior do país. O acordo de fusão realizado entre TAM e LAN, que formou a LATAM Airlines Group S.A., foi idealizado na intenção de expandir as rotas que interligassem todos os países da América do Sul, reduzindo os custos operacionais, uma vez que, desde o ano de 2007, já operavam no regime de code-share em algumas rotas. Com a união das duas companhias, a LATAM se tornou a maior companhia aérea da América do Sul e ampliou significativamente o número de destinos, com a maior mobilidade de suas aeronaves. A tentativa frustrada de fusão entre a Embraer e a Boeing, que formariam a joint- venture15 Boeing Brasil-Commercial, tinha por objetivo aumentar a concorrência no mercado de fabricantes regionais de aeronaves, após o advento da compra do projeto C-Series da Bombardier Inc. pela Airbus, que passaria a dominar, quase que integralmente, este nicho de mercado. Por razões ainda especulativas, o acordo, mesmo com a aprovação do Cade, 15 Termo de origem inglesa que define o Empreendimento Conjunto, que representa o modelo de estratégia comercial onde duas empresas colaboram entre si até que finalizem a fusão como uma só empresa. Nesse período, não há mudanças nas identidades 18 garantindo que não haveria prejuízos à concorrência, foi desfeito e as empresas retomaram suas nomenclaturas anteriores. Desse modo, e com base nos processos reais analisados neste trabalho, conclui-se que a atuação do Cade, em conjunto com as implicações jurídicas impostas aos processos de fusão no mercado aéreo, mostra-se bastante ativa e eficiente, uma vez que, garantindo a saudável concorrência, as decisões proferidas pelo Conselho tornam-se capazes de beneficiar tanto as empresas, quanto os consumidores dos produtos disponibilizados por elas, assegurando que não haverá prejuízos a nenhuma das partes. 6 REFERÊNCIAS BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. _______. Decreto-Lei nº 770, de 19 de agosto de 1969. Autoriza a União a constituir a EMBRAER - Emprêsa Brasileira de Aeronáutica S.A. e dá outras providências. Brasília, 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0770.htm. Acesso em 02/07/2020. _______. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Brasília, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm Acesso em 20/06/2020. CADE. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Institucional. Brasilia, 2020. Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/institucional Acesso em 02/04/2020. _____. Ato de Concentração nº 08700.004155/2012-81, Envolvendo Azul e Trip. Brasília, 2012. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73d Cc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNg XFAcnbyvOlsNrL1KcJVW0j2ICbCikSht15WRzrD_4epzmZhK Acesso em 02/07/2020. _____. Ato de Concentração nº 08700.003896/2019-11, Envolvendo Boeing e Embraer. Brasília, 2019. 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