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ANEMIAS CARENCIAIS METABOLSIMO DO FERRO O ferro faz parte do grupo heme, que integra numerosas proteínas do organismo, como citocromos, citocromo oxigenase, peroxidases, catalase, mioglobina e hemoglobina. Sendo um metal pesado, o ferro livre é quase insolúvel e bastante tóxico, e por isso durante todo o seu ciclo metabólico está sempre ligado a proteínas de transporte ou funcionais. Mais de dois terços do conteúdo de ferro do organismo encontra-se incorporado à molécula de hemoglobina. Assim, a hemoglobina é a principal forma funcional de ferro no organismo e também seu principal depósito, e por isso a anemia é a manifestação clínica mais proeminente da carência de ferro. Além da hemoglobina, o organismo armazena ferro em diferentes tecidos sob formas de ferritina e hemossiderina. A ferritina, proteína presente no citoplasma da maioria das células, tem importante papel na estocagem do ferro. A maior parte da ferritina sintetizada é usada na estocagem do ferro, entretanto pequena quantidade é secretada e liberada no soro (ferritina sérica), quantidade esta que se correlaciona com o estoque total de ferro no organismo. Por isso, a dosagem de ferritina plasmática é um exame importante para avaliar os depósitos de ferro do organismo. A outra forma de depósito de ferro no organismo é a hemossiderina, que corresponde a um agregado heterogêneo de ferro, componentes do lisossomo e outros produtos da digestão intracelular. Ela restringe-se aos macrófagos da medula óssea, do fígado e do baço, representando pequena fração do ferro de estoque que pode estar aumentada na sobrecarga de ferro. A destruição de hemácias senescentes ocorre nos macrófagos, principalmente do baço e medula óssea. Modificações bioquímicas presentes na membrana, decorrentes do envelhecimento eritrocitário, são sinais essenciais para que o macrófago reconheça quais células devem ser eliminadas. O ferro dos depósitos e aquele liberado pela destruição das hemácias são reutilizados para a síntese de hemoglobina. Dessa forma, o ferro é transferido dos depósitos, principalmente os macrófagos, para os eritroblastos em desenvolvimento. Essa mobilização do ferro dos depósitos torna possível a reutilização de 25 a 30mg de ferro por dia, o que corresponde à necessidade diária de ferro para a eritropoese. Os depósitos de ferro na medula óssea podem ser visualizados por reação citoquímica específica, que também revela um a três grânulos no citoplasma de eritroblastos “denominados “sideroblastos”. Esses depósitos medulares e os sideroblastos desaparecem por completo na deficiência de ferro. A absorção intestinal ocorre nos enterócitos do duodeno e jejuno proximal e é um processo finamente regulado em resposta às alterações da necessidade de ferro pelo corpo, entretanto, depende do depósito corporal de ferro, da hipóxia e do ritmo da eritropoese. A deficiência de ferro, por exemplo, é capaz de estimular a absorção de qualquer forma de ferro, embora seja menos eficiente no estímulo de absorção do ferro heme. Os alimentos mais ricos em ferro são a carne vermelha e alguns vegetais. Facilitam a absorção do ferro: hidroquinona, ácido ascóbico, sorbitol, cisteína, lactato, purivato e frutose Dificultam a absorção: fitatos, oxalatos e fosfatos porque formam complexos com o ferro, retardando a absorção. O controle de absorção de ferro pelo epitélio intestinal é fundamental para a regulação dos estoques, pois a sua excreção não é fisiologicamente regulada. O ferro é absorvido na borda em escova das células epiteliais dos vilos intestinais do duodeno. Para sair do lúmen intestinal e atingir o plasma, o ferro precisa através a membrana apical e basolateral da célula. O transporte pela membrana apical é realizado pelo DMT1 e reduzido para Fe2+ por um citocromo redutase específico, e ambos possuem a expressão acentuadamente quando ocorre há deficiência de ferro. Uma vez no citoplasma do enterócito, o ferro pode ser armazenado como ferritina na própria célula ou atravessar a membrana basolateral para chegar ao plasma. A proporção de ferro que segue cada uma dessas vias é determinada quando a célula é formada nas criptas do epitélio intestinal. Nas células das criptas, a proteína HFE e o receptor de transferrina (TfR) formam um complexo HfE-TfR que modulam a capacidade absortiva do enterócito, modulando a capacidade absortiva do enterócito. Um dos moduladores da absorção de ferro é a dieta: quando é rica em ferro e consequentemente a quantidade de ferritina no interior de enterócito está elevada, o complexo HfE-TfR inibe a capacidade absortiva de ferro no enterócito, sendo esse fenômeno denominado como bloqueio mucoso. Entretanto, nem todo ferro captado pelo enterócito é realmente transportado ao plasma. Se o ferro permanecer na forma de ferritina no enterócito, ele será perdido quando essa célula morrer e for descamada. Dessa forma, o ferro não será “efetivamente” absorvido. Alternativamente, o ferro do citoplasma do enterócito pode atravessar a barreira basolateral pela ação de duas proteínas: a ferroportina e a hefaestina. A ferroportina é o único exportador celular de ferro, tem papel central na homeostase sistêmica desse metal e está presente na mucosa duodenal, nos macrófagos, hepatócitos e trofoblastos sinciciais da placenta. Já a hefaestina tem a função de oxidar o Fe2+ a Fe3+, permitindo seu transporte pela transferrina. A absorção do ferro é regulada em 3 pontos principais: 1. Modulação de absorção provocada pela quantidade de ferro ingerida (bloqueio mucoso). Em grandes doses como doses farmacológicas ou intoxicações exógenas, esse bloqueio é superado e a quantidade absorvida é proporcional à ingerida. 2. Regulação do estoque de ferro pela hepcidina, de forma que a sobrecarga de ferro reduz a absorção enquanto que a carência promove maior absorção de ferro. Essa regulação se faz pelo controle de expressão da ferroportina. A ligação da hepcidina à ferroportina resulta na internalização desta última e perda de sua função. Na presença de deficiência de ferro, anemia ou hipóxia, situações em que a hepcidina encontra-se diminuída, a expressão de ferroportina e a liberação de ferro das células intestinais, do fígado e dos macrófagos está aumentada. 3. Regulação hematopoética: faz com que a absorção seja modulada de acordo com as necessidades da eritropoese. Após atravessar o enterócito, o ferro chega ao plasma onde se liga à transferrina, a qual pode receber ferro dos enterócitos e dos depósitos e pode liberá-lo para os depósitos, para os eritroblastos, para o músculo, para a síntese de mioglobina ou para diferentes tecidos para a síntese de enzima e citocromos. O compartimento plasmático de transporte de ferro tem papel central no intercâmbio de ferro entre os diferentes locais, e por isso as medidas laboratoriais realizadas no plasma ou soro (concentração de ferro sérico, de transferrina, de ferritina e saturação da transferrina) são importantes informações sobre o metabolismo do ferro. A captação do ferro ligado à transferrina é intermediada pelo TfR, que pode ocorrer sob duas formas: TfR1 e TfR2, sendo o TfR1 amplamente expresso na maioria das células enquanto o TfR2 é restrito a hepatócitos, células da cripta duodenal e células eritróides, sugerindo que o TfR2 desempenhe um papel mais especializado no metabolismo do ferro. Quando ocorre a entrega do ferro aos tecidos, a ligação do TfR1 com a transferrina carregada de ferro desencadeia a invaginação da membrana celular, mediada pela clatrina, e formação de endossomos contendo o complexo transferrina/TfR1, seguida de alterações conformacionais de proteínas, liberação e redução do ferro para Fe2+. O ferro então é transportado através da membrana endossomal pela DMT1. No citoplasma, o ferro é incorporado à protoporfirina para a síntese do heme nos eritroblastos ou retidos na forma de estoque (ferritina, hemossiderina nas célulasnão eritroides). O sistema regulatório permite às células ajustar rapidamente a concentração do ferro citoplasmático e o funcionamento adequado dos componentes celulares dependentes de ferro. Dosagem de ferro sérico: 115 +/- 50 µg/dL. Aumento: sobrecarga de ferro, eritropoese ineficaz Diminuição: deficiência de ferro Ferritina sérica: 40-160 µg/L. Aumento: hemocromatose, sobrecarga transfusional (talassemia maior, anemia falciforme, síndrome mielodisplásica). Diminuição: deficiência de ferro. Coloração histoquímica de ferro na medula óssea: o normal é apresentar moderada quantidade em depósitos intersticiais, além de 30-40% de eritroblastos com 2-3 grânulos citoplasmáticos. Redução ou ausência: deficiência de ferro Aumento: sobrecarga transfusional, anemia aplástica, síndrome mielodisplásica, anemia sideroblástica, hemocromatose, inflamação crônica. Não existe mecanismo fisiológico de excreção de ferro, que é conservado pelo organismo com grande eficiência. Aproximadamente 1mg de ferro é perdido diariamente, por via fecal, descamação da pele, do epitélio urinário e perspiração. Em mulheres, a menstruação normalmente leva à perda de 30-60mL de sangue por mês, correspondentes a cerca de 15-30mg de ferro por mês. A gravidez, lactação e o crescimento são outras formas fisiológicas de aumento das necessidades de ferro. ANEMIA FERROPRIVA A deficiência de ferro é a causa mais comum de anemia no mundo inteiro e está entre os problemas médicos mais frequentes na atenção primária. Estimativas indicam que até 10% da população mundial, ou mais de 500 milhões de pessoas apresentam esse distúrbio. As taxas de prevalência são particularmente elevadas nos países em desenvolvimento onde a carência alimentar e as parasitoses intestinais são prevalentes. O ferro dietético consiste de ferro heme e não heme. Ferro heme está presente em alimentos de origem animal e tem excelente biodisponibilidade para absorção intestinal. O ferro não heme é encontrado em produtos de origem vegetal e tem baixa biodisponibilidade. Assim, indivíduos que consomem produtos animais têm menor risco de desenvolvimento de anemia ferropriva que vegetarianos. FISIOPATOLOGIA O corpo de um indivíduo adulto saudável contém de 3 a 4g ferro. O éritron, órgão descontínuo, porém único, formado pelo somatório de eritroblastos, reticulócitos e hemácias é o maior compartimento funcional de ferro do organismo humano, contendo de 60 a 70% do ferro total. O restante do ferro corporal está distribuído nos hepatócitos e nos macrófagos do Sistema Reticuloendotelial (SER), que atuam como órgão de depósito. O SER é responsável por fagocitar as células senescentes, catabolizar Hb para restaurar o ferro e devolvê-lo à transferrina para nova utilização. A deficiência de ferro surge a partir do desequilíbrio entre ingesta, absorção e situações de demanda aumentada ou perda crônica (anemia ferropriva), sendo multifatorial. A maior parte do ferro do corpo humano adulto está incorporado à hemoglobina, nos eritrócitos, na mioglobina e nos músculos. O restante está principalmente nos depósitos de ferro no fígado e no interior dos macrófagos do sistema mononuclear fagocitário da medula óssea e do baço. Uma pequena quantidade de ferro circula no plasma ligada à transferrina. A capacidade do ferro de doar e receber elétrons por meio da conversão de íons ferrosos (Fe2+) em íons férricos (Fe3+) o torna um componente fundamental dos anéis porfirínicos transportadores de oxigênio da hemoglobina e da mioglobina, bem como dos citocromos e de outras enzimas vitais. O ferro livre é extremamente tóxico em razão de sua capacidade de catalisar a formação de radicais livres que causam danos celulares e, por isso, a maior parte do ferro do organismo que não está incorporado de modo estável aos anéis porfirinicos está associado a proteínas. A transferrina é a principal proteína associada ao ferro plasmático circulante, e a ferritina é a principal proteína associada ao ferro armazenado no interior das células, tanto no citoplasma quanto nas mitocôndrias. Cerca de 1 a 2mg/dia de ferro dietético são necessários para manter a homeostase. A dieta ocidental média contém aproximadamente 20mg/dia e o rendimento do processo de absorção duodenal de ferro é suficiente para manter da quantidade de ferro para o equilíbrio homeostático. O controle de absorção do ferro pelas células das criptas duodenais é crucial, já que não há um mecanismo fisiológico regulável para a excreção do ferro. Portanto, a ingestão excessiva de ferro pode levar a uma sobrecarga de ferro deletéria com concomitante lesão de órgãos. O ferro não hêmico da dieta é dissolvido em parte pelo pH baixo do conteúdo estomacal e após sofrer redução ao estado ferroso pela ferro-redutase atravessa a membrana apical das células das criptas com a ajuda do transportador divalente de metais, de tipo I (DMT-I). A regulação envolvida na absorção do ferro pelo intestino são várias: em uma delas o ferro é modulado pela ingestão alimentar; um segundo mecanismo regulador modula a capacidade de absorção do ferro com base nos depósitos totais de ferro do organismo e, por fim, o chamado regulador eritropoético modula a capacidade de absorção dos enterócitos com base na quantidade de ferro necessária para a eritropoese. No interior da célula absortiva intestinal, o ferro é armazenado ligado à ferritina. O ferro plasmático circulante está ligado à proteína transportadora de ferro transferrina. O complexo transferrina-ferro é então captado via receptor de transferrina. A alta densidade de receptores de transferrina na superfície dos precursores eritróides garante a captação preferencial do ferro por essas células e explica porque a eritropoese prossegue normalmente até que ocorra uma deficiência crítica de ferro ligado à transferrina, o que reflete uma depleção do ferro total do organismo. Os níveis de transferrina, de receptores de transferrina, de ferritina e de outras proteínas importantes do metabolismo do ferro são regulados pelas proteínas reguladoras de ferro IRP-1 e IRP-2. Acredita-se que a hepcidina é um regulador central da homeostase do ferro que atua sobre a absorção intestinal. A reciclagem do ferro proveniente dos eritrócitos senescentes é realizada pelos macrófagos e a mobilização do ferro depositado no fígado. A hepcidina afeta todos os principais sítios de captação e armazenamento de ferro. É produzida no fígado e age como um regulador negativo da absorção intestinal de ferro e da liberação do ferro armazenado em macrófagos e hepatócitos. ETIOLOGIA Resulta de um desequilíbrio entre a quantidade de ferro corporal disponível para a produção de hemoglobina e as quantidades mínimas necessárias para manter a produção normal de hemoglobina. Na maioria das vezes, o desequilíbrio entre absorção e retenção resulta em perda crônica de sangue, tanto por hipermenorreia ou menorragia, que é o sítio mais frequente em mulheres em idade fértil, quanto pelo trato gastrointestinal, que é o sítio mais frequente em homens e mulheres pós-menopausa. Nos países desenvolvidos, a perda é em geral decorrente de lesões benignas ou neoplásicas do TGI ou ingestão crônica de medicamentos que causam danos na mucosa do TGI. Já nos países em desenvolvimento, as infecções por helmintos, que incluem a ancilostomíase e a esquistossomose estão entre as causas mais comuns de perda sanguínea pela via gastrointestinal. Apenas as dietas que não têm de 1 a 2 mg/dia falham em fornecer a quantidade adequada de ferro. Uma refeição ocidental média contém cerca de 6mg de ferro, portanto a insuficiência alimentar não é uma causa comum de deficiência de ferro. Porém, dietas deficientes em ferro ou que contêm grandes quantidades de fitatos, encontrados nos cereais, que são substancias que inibem a absorção intestinal de ferro podem levar à deficiência de ferro. A má absorção intestinal generalizadae a gastrite atrófica acompanhada de acloridria, além das cirurgias gástricas extensas são causas de deficiência de ferro. Além da doença celíaca que é uma causa cada vez mais comum de deficiência de ferro, resultando em anemia. OBS.: Para que o ferro heme seja absorvido, deve ser liberado pela pepsina, produzida no estômago. Para a absorção do ferro inorgânico, encontrado nos vegetais, é necessário que ocorra a redução do ferro pelo pH ácido do estômago. Por isso pessoas com alterações gástricas que envolvem acloridria, podem causar deficiência de ferro. As 3 principais etiologias são: Ingesta menor que a demanda: ocorre em crianças e adolescentes, mulheres em fase menstrual, gestantes, dieta pobre em febre. Deficiência na absorção do ferro: enteropatia por glúten e cirurgia bariátrica Sangramento crônico: principalmente no TGI. CLÍNICA A deficiência de ferro pode gerar redução da capacidade funcional de vários sistemas orgânicos, estando associada à alteração do desenvolvimento motor e cognitivo em crianças, redução da produtividade no trabalho e problemas comportamentais, cognitivos e de aprendizado em adultos. Em gestantes, aumenta o risco de prematuridade e baixo peso. As manifestações vão desde pacientes assintomáticos, até: Fraqueza Palidez Tontura Diminuição da tolerância aos exercícios físicos Irritabilidade Pica (desejo e consumo de substâncias não nutritivas) Glossite e estomatite angular Baqueteamento digital Disfagia Coiloníquia (unhas em forma de colher) Síndrome de Plummer-Vínson ou Paterson-Kelly: presença de uma membrana entre a hipofaringe e o esôfago. Pode ser revertida com a reposição de ferro, mas dependendo do nível de dispneia é necessário realizar o procedimento por endoscopia. A clínica e os exames laboratoriais acompanham a progressão da doença. DIAGNÓSTICO É realizado por meio de exames laboratoriais. O hemograma é um teste rápido, barato e amplamente disponível no rastreio de anemia ferropriva, mas incapaz de detectar anemia ferropriva sem anemia. HÁ A PRESENÇA DE MICROCITOSE E HIPOCROMIA Hemograma: frequentemente se observa hipocromia, microcitose, aumento do RDW na fase inicial da anemia ferropriva, Ht e VCM baixos e plaquetose. Além da presença de anisocitose, poiquilocitose, hemácias em alvo ou em forma de lápis, eliptócitos e reticulocitopenia ao exame microscópico. Coloração do tecido medular pelo corante de Perls: é considerado o padrão-ouro no diagnóstico. Realiza a avaliação dos estoques de ferro na medula óssea, porém é um exame invasivo e não tem papel na prática clínica diária. Mielograma: observa-se a hiperplasia eritroblástica com displasias morfológicas na doença ferropriva moderada até hipoplasia das três linhagens da doença ferropriva grave prolongada. Ferritina sérica: é o indicador mais confiável por ser o primeiro marcados a se alterar, menos invasivo e com melhor relação custo-benefício. Está diretamente relacionada com a concentração de ferritina intracelular e, portanto, com o estoque corporal total. Deficiencia de ferro é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, o que torna a hipoferritinemia bastante específica deste diagnóstico. No entanto, valores normais ou elevados de ferritina não excluem a presença de doença ferropriva, pois a ferritina é uma proteína de fase aguda, tendo sua concentração sérica aumentada na presença de inflamação, infecção, doença hepática e malignidade, mesmo na presença de doença ferropriva grave. Ferro sérico: encontra-se reduzido na doença ferropriva. Não deve ser utilizado isoladamente para avaliação de anemia ferropriva Transferrina: proteína transportadora específica de ferro, tem capacidade de ligar simultaneamente duas moléculas de ferro. Sua produção é regulada pelo ferro corporal, aumentando quando os estoques estão diminuídos. O principal diagnóstico diferencial é realizado com talassemia e anemia de doença crônica. TRATAMENTO Nunca deve ser tratada somente com dieta! O tratamento da doença ferropriva consiste na reposição oral ou venosa. No entanto, é mandatória a investigação da causa e sua pronta correção, do contrário, a reposição é paliativa e tende a ser ineficaz no longo prazo. Oral: é a mais utilizada. A dose ideal para o tratamento é de 2-3mg/kg/dia de ferro elementar/dia para adultos e 1,5 a 2mg de ferro elementar/dia para crianças, dividida em 3 a 4 tomadas, preferencialmente com o estomago vazio ou 30 minutos antes das principais refeições e com uma substância ácida como, por exemplo, suco de laranja. A forma ferrosa é mais bem absorvida que a férrica. Pode causar efeitos colaterais como dor epigástrica, náuseas, vômitos, empachamento, dor abdominal em cólica, diarreia, escurecimento das fezes e obstipação. Redução das doses diárias e ingestão do medicamento junto com alimentos diminuem a eficácia, porém diminuem os efeitos colaterais. Recomenda-se manter doses terapêuticas por cerca de 4 meses após a resolução da anemia. Parenteral: é um tratamento alternativo eficaz para as situações nas quais não se consegue controlar a perda de sangue primária, o ferro não é absorvido por causa de uma má absorção acentuada ou a administração oral não é bem tolerada. A via intramuscular está associada à dor local, pigmentação irreversível da pele e linfonodomegalia. A infusão venosa pode estar associada a irritação, dor e queimação do sítio de punção, náuseas, gosto metálico na boca, hipotensão e reação anafilactoide, sendo que o principal fator no aparecimento dessas reações é a velocidade de infusão. As falhas no tratamento no tratamento podem ocorrem por: dose inadequada, baixa adesão, problema na absorção ou persistência da causa base da anemia. O objetivo do tratamento é normalizar o hemograma e o estoque de Fe, sendo necessário que o paciente tenha tanto o hemograma quanto os níveis de ferritina normais. ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS As anemias resultantes de carências de vitamina B12 ou de folatos estão se tornando menos frequentes, em virtude da diminuição da ocorrência de carências nutricionais. No entanto, ainda são encontradas na prática médica, em especial entre grávidas de classes mais pobres, idosos e alcoólatras, na forma clássica de anemia perniciosa. As alterações morfológicas do sangue e da medula óssea são similares, sendo conjuntamente conhecidas pela denominação de anemias megaloblásticas. Embora a anemia seja a manifestação mais proeminente, essas doenças têm em comum uma redução seletiva na síntese de DNA e, consequentemente, as alterações se entendem a outras linhagens hematopoéticas como leucócitos e plaquetas, e a outros locais com grande proliferação celular como intestino delgado, língua e útero. A vitamina B12 ou cianocobalamina faz parte de uma família de compostos denominados genericamente cobalaminas, enquanto que a designação folato aplica-se coletivamente a uma família de mais de uma centena de compostos. O aumento modesto no tamanho de eritrócitos é encontrado em uma variedade de condições, incluindo doença hepática, hipotireoidismo, perda aguda de sangue, anemia hemolítica, anemia aplástica e alcoolismo. Os macrócitos na doença hepática e no hipotireoidismo podem estar relacionados com um aumento da deposição de lipídeos na membrada dos eritrócitos. Caso o VCM exceda e esteja aproximadamente em 115fL, o paciente é provavelmente deficiente em vitamina B12 ou ácido fólico. A medula óssea revela a morfologia megaloblástica, refletindo o comprometimento da replicação do DNA. FISIOPATOLOGIA A hematopoese normal compreende intensa proliferação celular, que por sua vez implica a síntese de numerosas substâncias como DNA, RNA e proteínas; em especial, é necessário que a quantidade de DNA seja duplicada. Tanto os folatos como a vitamina B12 são indispensáveis para síntese de timidina, um dos nucleotídeosque compões o DNA e a carência de um deles tem como consequência menor síntese de DNA. A vitamina B12 é armazenada principalmente no fígado e funciona como coenzima da conversão de homocisteína em metionina, transformando simultaneamente o 5-metiltetraidrofolato em tetraidrofolato, a forma ativa do folato que participa da síntese de timidina. Na ausência de vitamina B12, o folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da timidina e do DNA. A síntese inadequada de DNA tem como consequência modificações do ciclo celular, retardo da duplicação e defeitos no reparo do DNA. Por outro lado, a síntese de RNA não está alterada, pois a timidina não é necessária para sua síntese. Não há, portanto, redução da formação de proteínas citoplasmáticos e do crescimento celular. O quadro morfológico do sangue periférico e da medula óssea é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina B12: dissociação de maturação núcleo-citoplasmática, produzindo células de tamanho aumentado e com alterações morfológicas características. No entanto, uma parcela considerável dessas células morre na própria medula óssea, antes de completar o desenvolvimento. A intensa desordem da maturação nuclear de três linhagens, mais evidente na série eritróide, produz um aumento de morte celular intramedular: apenas 10 a 20% dos eritrócitos sobrevivem e tornam-se viáveis para o sangue periférico (hematopoese ineficaz). Como resultado, além da anemia macrocítica, com megaloblastos na medula óssea e número de reticulócitos normal ou baixo, pode também ocorrer neutropenia, com neutrófilos polissegmentados e moderada plaquetopenia. ETIOLOGIAS As anemias por deficiência de folato ou de vitamina B12 resultam de uma disparidade entre a disponibilidade e a demanda. A anemia é o último estádio das deficiências nutricionais, surgindo quando as reservas orgânicas se esgotam em virtude do balanço negativo. O tempo necessário para que a anemia se manifeste depende da magnitude dos depósitos e do grau de desequilíbrio. Assim, os depósitos de vitamina B12 são habitualmente suficientes para manter a eritropoese por 2 a 5 anos após a cessação da absorção, enquanto as reservas de folatos são suficientes apenas para 3 ou 4 meses. Genericamente, as causas de carências podem ser classificadas em: 1. Menor ingestão do nutriente 2. Menos absorção intestinal 3. Defeitos no transporte ou metabolismo 4. Aumento da excreção ou das perdas 5. Aumento das necessidades fisiológicas ou patológicas ETIOLOGIA DA CARENCIA DE VITAMINA B12 A principal causa de deficiência B12 é a anemia perniciosa, a qual acomete mais mulheres na 7ª década de vida e associada a outras doenças autoimunes (tireoide) ou H. pilory. 90% desses pacientes possuem anticorpos contra as células parietais, o que causa a diminuição da produção de fator intrínseco; 50% irão apresentar anticorpos inibidores da ligação do fator intrínseco à B12 e a minoria irá apresentar anticorpos contra ligação do fator intrínseco ao seu receptor no íleo. Portanto, a anemia perniciosa é caracterizada por uma agressão autoimune da mucosa gástrica, com a presença de infiltrado linfoplasmocitário, metaplasia intestinal e acloridia, com diminuição ou ausência de secreção do fator intrínseco. Entre 2-3% evoluem para carcinoma de estômago. É importante lembrar que pacientes com ausência ou anormalidades congênitas do fator intrínseco apresentam sintomas em torno dos 2 anos de idade. Dieta: a vitamina B12 existe primariamente em alimentos de origem animal (carne, peixe, laticínios), não sendo encontrada em frutas e vegetais. As necessidades diárias são muito pequenas (0,5- 2g/dia) e, por isso, somente ocorre em vegetarianos estritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal. Absorção: a absorção da vitamina B12 ocorre predominantemente no íleo terminal e depende da glicoproteína “Fator Intrínseco (FI)” que é produzida pelas células parietais da mucosa gástrica. O complexo B12/F1 é captado pelos receptores das células epiteliais do íleo e a vitamina B12 é absorvida. Quaisquer alterações nesses passos da absorção levam à deficiência de vitamina B12, como, por exemplo, atrofia e inflamação crônica da mucosa gástrica que leva à ausência concomitante de FI e da secreção de HCl com consequente má absorção de vitamina B12. Transporte e metabolismo: no plasma, a vitamina B12 é transportada conjugada a duas proteínas denominadas transcobalamina I e II. A maior parte da vitamina B12 do plasma (cerca de 80%) está ligada à transcobalamina I, que tem um turn-over muito lento, sendo essencialmente inacessível aos tecidos. Por isso, a deficiência congênita de transcobalamina I é associada a baixos níveis séricos de vitamina B12, sem manifestações clínicas. Por outro lado, a pequena percentagem de vitamina 12 ligada à transcobalamina II tem um turn-over muito rápido, e sua ausência congênita produz uma forma rara de anemia megaloblástica grave com níveis séricos de vitamina B12 normais. ETIOLOGIA DA CARENCIA DE FOLATOS A causa mais comum de carência de folato é representada por dieta inadequada, por vezes associada a uma condição em que aumentam as necessidades diárias, habitualmente a gravidez ou o crescimento. A anemia megaloblástica da gravidez e a anemia megaloblástica do lactente são os dois tipos mais frequentes dessa deficiência. Em geral, deficiências de folato são resultantes da associação de mais de um mecanismo: Dieta: o folato existe nos alimentos sob formas complexas, conjugado com múltiplos resíduos de ácido glutâmico formando os “poliglutamatos”, que são removidos pela enzima conjugase da mucosa intestinal, deixando mono e diglutamatos que são absorvidos pelo jejuno proximal. Parte do folato plasmático é excretado na bile e reabsorvido no jejuno. Uma proporção considerável do folato do organismo está envolvida nessa circulação êntero-hepática, e por isso os distúrbios do trânsito intestinal, que diminuem a quantidade absorvida, facilmente induzem carência de folato. As principais fontes de folato na alimentação são os vegetais frescos, fígado e frutas, porém o cozimento excessivo pode remover ou destruir grande porcentagem do folato dos alimentos. Absorção: a má absorção de folato pode ser causada por doenças intestinais crônicas com diarreia, como a doença celíaca e drogas como os anticonvulsivantes e álcool. Transporte e metabolismo: numerosas drogas inibem a di-hidrofolato redutase, como metotrexate (antineoplásico), pirimetaina e trimetoprim (em associação com sulfametoxazol). Aumento das necessidades: a demanda de ácido fólico aumenta em pessoas com intensa proliferação celular e a síntese de DNA, tais como: portadores de dermatites crônicas exfoliativas, anemias hemolíticas crônicas, neoplasias, gravidez e nos dois primeiros anos de vida. Excluindo a má nutrição em crianças, a causa mais comum de anemia megaloblástica é a deficiência de folato na gravidez, que ocorre em geral no 3º trimestre, provocada por uma dieta pobre capaz de suprir as demandas normais, mas que se torna insuficiente quando aumentam as necessidades. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações megaloblásticas das deficiências de vitamina B12 e de folatos são clinicamente indistinguíveis, a não ser pela história recente (ao redor de 6 meses) na deficiência de folato e mais prolongada (três anos ou mais) na deficiência de vitamina B12. Anemia: principal manifestação clínica, com fraqueza, palidez, dispneia, claudicação intermitente Plaquetopenia e neutropenia: ocorrem com frequência, mas sangramentos ou infecção secundárias à plaquetopenia são pouco comuns. Diarreia Glossite: ardência, dor e aparência vermelha na língua (“língua careca”) Queilite Perda do apetite Esplenomegalia: discreta a moderada Icterícia pode estar presente A grandeparte das manifestações clínicas ocorrem porque a deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em tecidos que há rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo. A deficiência de vitamina B12 determina ainda uma degeneração do cordão posterior da medula espinal, cuja base bioquímica seria a carência de S-adenosil-metionina resultante de menor suprimento de metionina, pelo bloqueio da reação homocisteína-metionina. O quadro resultante é denominado de “degeneração combinada subaguda da medula espinal” e inclui sensações parestésicas dos pés (formigamento ou picada de agulhas), pernas e tronco, seguidas de distúrbios motores, principalmente dificuldades da marcha, redução da sensibilidade vibratória, comprometimento da sensibilidade postural, marcha atáxica, sinal de Romberg, e comprometimentos das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou “em luva”. O envolvimento do cordão lateral é menor frequente, manifestando-se por espasticidade e sinal de Babinski. TRÍADE CLÁSSICA DE DEFICIENCIA DE VITAMINA B12: FRAQUEZA, DOR NA LÍNGUA E PARESTESIAS. PORÉM, OS SINTOMAS INICIAIS VARIAM MUITO. São também comuns as manifestações mentais como a depressão e os déficits de memória, disfunção cognitiva e demência, além de distúrbios psiquiátricos graves como alucinações, paranoias e esquizofrenia. A deficiência de folato não causa envolvimento do sistema nervoso, mas a deficiência durante a gravidez aumenta a incidência de defeitos de tubo neural em recém-nascidos. DIAGNÓSTICO O quadro clínico muitas vezes é sugestivo, mas nem sempre suficiente para firmar o diagnóstico. Mais comumente, o diagnóstico é feito com base nas alterações características do sangue periférico e da medula óssea. Para o diagnóstico correto, em geral, três são as abordagens nesses pacientes: 1. Reconhecer se a anemia megaloblástica está presente 2. Distinguir entre as deficiências de vitamina B12 e folato 3. Determinação da causa de base e o mecanismo responsável pela deficiência Sangue periférico: os principais achados são anemia macrocítica, VCM aumentado, reticulócitos diminuídos, leucopenia, trombocitopenia, acompanhados de anisocitose, macrocitose com macro-ovalócitos, poiquilocitose e granulócitos polissegmentados. As principais alterações morfológicas no esfregaço sanguíneo são: eritrócitos macro-ovalócitos, poiquilocitose com esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-Holly, anel de Cabot, eritroblastos e até megaloblastos; os granulócitos possuem hipersegmentação nuclear com presença de neutrófilos polissegmentados reconhecidos por, no mínimo, 5% de neutrófilos com cinco lobos. PODE APRESENTAR PANCITOPENIA ASSOCIADA À MACROCITOSE Medula óssea: o diagnóstico pode ser firmado com segurança. Há intensa hiperplasia da medula óssea, com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide, que é comporta por megaloblastos, que são eritroblastos mais volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais granular e menos condensada. Dosagem das vitaminas: dosagem de vitamina B12 sérica, folato sérico e folato eritrocitário. Na deficiência de folato: folato sérico e eritrocitário diminuídos com níveis de vitamina B12 normais ou amentados Na deficiência de B12: níveis de cobalamina geralmente baixos e os de folato normais. Na investigação da causa quando há suspeita de deficiência de B12, pode-se avaliar: gastrina sérica, pesquisar anticorpos contra fatores intrínsecos, anticorpos contra células parietais e realizar endoscopia digestiva alta se houver suspeita de anemia perniciosa a fim de confirmar a atrofia gástrica e excluir o carcinoma gástrico. Quando a suspeita é de deficiência de folato, pode-se avaliar: mudanças da dieta, testes de má absorção intestinal, pesquisa de anticorpos antitransglutaminase ou anticorpos antiendomísio. TRATAMENTO A mais importante medida no tratamento dessas anemias consiste em identificar a causa e removê-la, se possível. Só excepcionalmente há necessidade de tratar esse paciente com transfusão sanguínea, uma vez que a reposição adequada do nutriente é acompanhada de pronta resposta, com rápida normalização hematológica. Deficiência de vitamina B12: doses plenas de cobalamina parenteral (1mg/dia) Deficiência de folato: correção da dieta, aumentando a ingestão de verduras e ácido fólico por via oral na dose de 5mg/dia até que a causa da carência tenha sido removida. Repor ácido fólico em indivíduos com deficiência de B12 concomitante pode agravar a deficiência de B12. Quando há necessidade imediata, deve-se repor ambas as vitaminas! A melhora subjetiva acontece em 48horas, com o reestabelecimento da hematopoese normal. A contagem de reticulócitos aumenta até atingir o pico no 5º-8º dia, e sua elevação é proporcional ao grau de anemia. A hemoglobina e o hematócrito começam a melhorar já na primeira semana, e a hemoglobina deve atingir o seu valor normal em cerca de um mês. Se isso não ocorrer, deve ser investigada a associação de anemia megaloblástica com outras doenças que cursam com anemia hipocrômica. A profilaxia para deficiência de B12 deve ser realizada em pacientes com gastrectomia total, cirurgia bariátrica e ressecção ileal. Já para deficiência de ácido fólico realizar a suplementação durante a gestação. Mulheres em idade fértil com suplementação de ácido tem menor incidência de doenças do tubo neural, portanto, no Brasil há fortificação de alimentos como a farinha, com suplementação de ácido fólico.
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