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Foge Nicky foge - Nick Cruz

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FFOOGGEE,, NNIICCKKYY,, FFOOGGEE!! 
Nicky Cruz 
e Jamie Buckingham 
 
Título original em inglês: Run Baby Run 
Tradução de Adiel de Almeida Oliveira 
6ª.edição, 1980 
Editora Betânia 
Digitalizado, revisado e formatado por SusanaCap 
 
PP rree ff áá cc ii oo 
QUANDO TOMEI A INICIATIVA de rea liza r es te 
p rojeto, Ca th er in e Ma rs h a ll com en tou qu e es crever u m 
livro des te t ipo é com o ter u m filh o. Eu ter ia de viver 
com ele, até que nascesse. 
Nes te ca s o, n ã o fu i s ó eu qu em teve de viver com 
ele, m a s a m in h a fa m ília e ta m bém a Igreja Ba tis ta do 
Tabern á cu lo qu e eu es ta va pa s torea n do. Sofrera m 
com igo todos os a ta qu es de m a l-es ta r m a tu t in o, toda s 
a s dores de pa r to, e a té m es m o u n s dois a la rm es fa ls os . 
Ma s , ta n to m in h a fa m ília com o a igreja , com preen dera m 
qu e es te livro era con ceb ido pelo Es p ír ito Sa n to, es cr ito 
com ora çã o e lá gr im a s , e dever ia s er pu b lica do pa ra a 
glór ia de Deu s . A igreja p ra t ica m en te liber tou -m e de 
toda s a s ob r iga ções , a té term in á -lo; a lém d is s o, vá r ios 
dos membros ajudaram no trabalho de datilografia. 
Con tu do, os pa d r in h os do livro fora m J oh n e 
Tibby Sh err il e os ed itores da revis ta Gu idepos ts . A 
recom en da çã o e a con fia n ça de J oh n dera m in ício a o 
p rojeto, e n o s eu térm in o, foi a cr ít ica do ca s a l Sh err il 
qu e n os deu a vis ã o fin a l da h is tór ia violen ta , m a s 
empolgante, da vida de Nicky Cruz. 
Os m ér itos da m ovim en ta çã o da h is tór ia em s i 
ca bem , porém , a Pa ts y Higgin s , qu e ofereceu volu n -
ta r ia m en te os s eu s s erviços pa ra a glór ia de Deu s . Ela 
viveu e s en t iu o m a n u s cr ito com o cr ít ica , ed itora e 
datilógrafa — revela n do u m ta len to pa ra cor ta r e 
reescrever, que só pode ter sido dado por Deus. 
O livro em s i qu ebra u m a da s regra s bá s ica s da 
litera tu ra . Term in a a b ru p ta m en te. Nã o h á u m fin a l 
a poteót ico ou bem ela bora do. Ca da vez qu e eu en -
t revis ta va Nicky Cru z, ele rela ta va u m a exper iên cia n ova 
e fa n tá s t ica , m a ter ia l qu e da r ia pa ra ou tro livro — ta lvez 
para vários. Portanto, Foge, Nicky, Foge! é a história, tão 
exa ta , qu a n to pos s ível, dos p r im eiros vin te e n ove a n os 
da vida de u m m oço, cu jos d ia s m a is á u reos a in da es tã o 
no futuro. 
Jamie Buckingham 
Eau Gallie, Flórida 
IInn tt rroo dd uu çç ãã oo 
A HISTÓRIA DE NICKY CRUZ é notável. Tem todos 
os elem en tos de t ra géd ia , violên cia e in teres s e, a lém d o 
m a ior de todos os in gred ien tes , o poder do eva n gelh o de 
Jesus Cristo. 
Os p r im eiros ca p ítu los form a m u m cen á r io obs -
curo e ten ebros o pa ra o elet r iza n te des en la ce des ta 
h is tór ia . Por ta n to, n ã o des a n im e com a a tm os fera u m 
tanto sangrenta da primeira metade do livro. 
Nicky é jovem , e es tá a tu a lm en te ca u s a n do u m 
grande impacto sobre um bom número de outros jovens, 
n os Es ta dos Un idos . A popu la çã o a du lta já n ã o pode 
m a is ign ora r a m ocida de, com os t rem en dos p rob lem a s 
do s écu lo vin te. A ju ven tu de bu s ca u m p ropós ito n a 
vida . Nã o es tá en a m ora da de n os s os es cleros a dos ta bu s 
s ocia is . Qu er s in cer ida de n a religiã o, h on es t ida de n a 
polít ica , e ju s t iça pa ra os des p r ivilegia dos da 
s ocieda de O a s pecto en cora ja -dor , n o qu e d iz res peito a 
es s es m ilh ões de “garotos” (qu e em 1 970 u lt ra pa s s a ra m 
o n ú m ero da popu la çã o a du lta ), é qu e eles es tã o 
des es pera da m en te p rocu ra n do s olu ções pa ra s eu s 
p rob lem a s . Em con ta tos com cen ten a s de es tu da n tes d e 
n os s a s u n ivers ida des , fiqu ei t rem en da m en te 
im pres s ion a do com a bu s ca qu e es tã o em preen den do, 
procu ra n do a verda de, a rea lida de e s olu ções h on es ta s . 
Algu n s joven s de n os s a s fa vela s es tã o a n s ios os pa ra ter 
u m con ta to h on es to com a s ocieda de, e com ra zã o. 
Algu n s deles s ã o in flu en cia dos por defen s ores d a 
violência e da força bruta, e são facilmente atraídos para 
o redem oin h o dos d is tú rb ios de ru a , in cên d ios e 
p ilh a gem . Foge, Nicky, Foge! é u m exem plo n otá vel d e 
qu e es s a m ocida de in s a t is feita pode en con tra r u m 
s ign ifica do e u m propós ito pa ra a vida , n a pes s oa de 
Cristo. 
Em n os s a s ca m pa n h a s , qu a s e a m eta de dos ou -
vin tes tem m en os de vin te e cin co a n os . Nã o vã o à s 
ca m pa n h a s pa ra zom ba r , m a s pa ra u m a bu s ca s in cera 
da verda de e de ob jet ivos pa ra a vida . Cen ten a s deles 
atendem ao chamado de Cristo. 
Foge, Nicky, Foge! é u m a h is tór ia em ocion a n te! 
Min h a es pera n ça é qu e ela s eja m u ito lida , e qu e m u itos 
leitores ven h a m a con h ecer o Cr is to qu e t ra n s form ou o 
cora çã o va zio e in s a t is feito de Nicky Cru z e fez dele u m a 
epopéia cristã de nossa era. 
Billy Graham 
PP rree ââ mm bb uu ll oo 
A HISTÓRIA DE NICKY é, p os s ivelm en te, a m a is 
d ra m á t ica do m ovim en to Pen tecos ta l, m a s n ã o é a 
ú n ica . Nicky é u m vivido rep res en ta n te de va s to n ú m ero 
de pes s oa s qu e, n a s ú lt im a s déca da s , têm s id o 
liber ta da s do cr im e, do á lcool, dos n a rcót icos , da 
p ros t itu içã o, do h om os s exu a lis m o, e de qu a s e todo t ipo 
de pervers ã o e degen era çã o qu e o h om em con h ece. 
Tra ta m en to ps icológico, cu ida dos m éd icos e con s elh os 
espirituais n ã o con s egu ira m in flu en cia r es s a s p es s oa s . 
Ela s , porém , fora m liber ta s de s u a es cra vidã o de m odo 
in es pera do e m a ra vilh os o, pelo poder do Es p ír ito Sa n to, 
e leva da s a u m a vida de s erviço ú t il, e, a lgu m a s vezes , 
de p rofu n da ora çã o. É m u ito n a tu ra l des con fia r -s e de 
t ra n s form a ções ra d ica is e repen t in a s . Porém n ã o h á 
ra zã o teológica pa ra s e s u s peita r dela s . A gra ça d e Deu s 
pode a possar-s e de u m h om em e t ra n s form á -lo, n u m 
abrir e fechar de olhos, de pecador em santo. “Porque eu 
vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a 
Abraão.” (Lu ca s 3 :8 .) O es forço h u m a n o n ã o pode 
p rodu zir ta is t ra n s form a ções , n em n a p rópr ia pes s oa 
n em em ou trem , porqu e a n a tu reza exige tem po pa ra s e 
des en volver , gra du a lm en te; m a s Deu s pode fa zer em u m 
instante o que leva anos e anos para o homem realizar. 
Con vers ões a s s im ocorrera m n a h is tór ia do cr is -
t ia n is m o, des de o p r in cíp io. Za qu eu , Ma r ia Ma da len a (a 
pen iten te de Lu ca s 7 :37 ), o “bom la d rã o”, o a pós tolo 
Pa u lo, e m es m o Ma teu s , o d is cípu lo, s ã o os p r im eiros de 
u m a lon ga lis ta . Con tu do, o m a ior n ú m ero de ta is 
con vers ões es tá ten do lu ga r h oje em d ia , em rela çã o a o 
chamado “Movim en to Pen tecos ta l”, o qu e é, creio eu , 
s em p receden tes . Qu a l o s ign ifica do des te fa to 
extraordinário? 
Ten h o m ed ita do m u ito s ob re is to, e o qu e m e vem 
à m en te com freqü ên cia é a pa rá bola da s boda s (Ma teu s 
22:1-14). Qu a n do a s pes s oa s con vida da s n ã o 
a pa recera m , o s en h or d is s e a s eu s ervo: “Sa i depressa 
pa ra a s ru a s e becos da cida de e t ra ze pa ra a qu i os 
pobres , os a leija dos , os cegos e os coxos .” (Lu ca s 14:21.) 
Qu a n do n em a qu ilo foi s u ficien te, o s ervo foi en via do 
u m a vez m a is , des ta vez pa ra os ca m in h os e a ta lh os , 
com a ordem : “Obr iga a todos a en tra r , pa ra qu e fiqu e 
ch eia a m in h a ca s a .” Creio qu e is to é o qu e es ta m os 
ven do a con tecer h oje. Os “convidados” à m es a do 
Sen h or , is to é, os qu e “n a s cera m n o cr is t ia n is m o”, os 
ju s tos , os m em bros legít im os da s ocieda de, já 
dem on s tra ra m s obeja men te qu e s ã o in d ign os . Eles “vão 
à igreja ”, m a s n a verda de n ã o têm pa r t icipa do d o 
banquete propiciado pelo Rei. É por isto que a Igreja, em 
lu ga r de s er u m corpo vivo e u m a tes tem u n h a 
des a fia dora , m u ita s vezes s e a s s em elh a a u m in ú t il 
clube religioso. 
Toda via , en qu a n to os dou tores da lei d is cu tem 
qu a l o n ovo voca bu lá r io qu e fa rá res s u s cita r Deu s 
(porqu e tu do o qu e con h ecem a res peito dele s ã o 
pa la vra s ), e qu e n ovos s ím bolos fa rã o com qu e a litu rgia 
ten h a m a is s ign ifica do (porqu e tu do o qu e en xerga m n a 
religiã o é a pa r te h u m a n a ), Deu s es tá reu n in do, em 
s ilên cio, n ovos con vida dos pa ra o s eu ba n qu ete. Recebe 
a legrem en te a qu eles qu e, s egu n do os pa d rões h u m a n os , 
s ã o es p ir itu a l e m ora lm en te pobres , a leija dos , cegos e 
coxos . Pelo poder do s eu Es p ír ito, es tá m es m o 
“forçando-os” a en tra r , a r ra n ca n do-os da s ru a s da 
degradação e dos atalhos da perversão. 
Nicky Cru z e os m ilh a res qu e s e lh e a s s em elh a m 
n ã o s ã o a pen a s exem plos com oven tes do a m or fiel do 
Bom Pa s tor , m a s s ã o ta m bém s in a is dos tem pos , qu e 
fa r ía m os bem em d is cern ir . Sã o u m s in a l en cora ja dor de 
qu e Deu s es tá a gin do com u m poder n ovo em n os s a 
época , pa ra qu e n ã o ten h a m os m edo de proclamar 
ou s a da m en te o eva n gelh o a todos . Por ou tro la do, 
ta m bém s ã o u m s in a l de a dver tên cia a todos os qu e, 
pelos s eu s h á b itos religios os , pelo s eu m in is tér io 
s a gra do, ou por qu a lqu er ou tra ra zã o, s eja ela qu a l for , 
ju lga m ter u m lu ga r m a rca do à m es a do ba n qu ete. 
“Porqu e vos decla ro qu e n en h u m da qu eles h om en s qu e 
fora m con vida dos p rova rá a m in h a ceia .” (Lu ca s 14 :24 .) 
Porque “es tá p ron ta a fes ta , m a s os con vida dos n ã o 
eram dignos”. (Mateus 22:8.) 
Prof. Edward D. O'Connor, C.S.C. 
Universidade de Notre Dame 
Estados Unidos 
Capítulo 1 
NNIINNGGUUÉÉ MM MMEE QQUUEE RR 
“SEGUREM ESSE GAROTO MALUCO!” gr itou 
alguém. 
A por ta do qu a dr im otor da Pa n Am erica n m a l 
a ca ba ra de s e a b r ir , e eu já m e p recip ita va es ca da 
a ba ixo, em d ireçã o a o p réd io do Aerop or to Id lewild , em 
Nova York . Es tá va m os a 4 de ja n eiro de 1955 , e o ven to 
frio fazia arder minhas faces. 
Algu m a s h ora s a n tes , m eu pa i m e coloca ra n o 
a viã o em Sa n J u a n : u m ra pa zin h o por to-riquenho, 
rebelde e a m a rgu ra do. Fora en tregu e a os cu ida dos do 
p iloto; h a via m -m e recom en da do qu e perm a n ecess e n o 
a viã o a té a ch ega da de m eu irm ã o, Fra n k . Porém, 
qu a n do a por ta a b r iu , fu i o p r im eiro a s a ir , corren do 
selvagemente pela pista de concreto. 
Três fu n cion á r ios do a eropor to s e a p roxim a ra m de 
m im , cerca n do-m e, em pu rra n do-m e con tra a cerca de 
correntes de a ço, a o la do do por tã o. O ven to cor ta n te 
zu n ia a t ra vés da m in h a rou pa t rop ica l e leve, en qu a n to 
eu p rocu ra va es ca pa r . Um policia l a ga rrou -m e pelo 
b ra ço, e os fu n cion á r ios volta ra m a o s eu t ra ba lh o. Pa ra 
m im a qu ilo era u m a b r in ca deira ; olh ei pa ra o gu a rda e 
sorri. 
“Porto-r iqu en h o lou co! Qu e d ia bo você p reten de 
fazer?” 
Meu s orr is o s u m iu qu a n do n otei ód io em s u a voz. 
Su a s boch ech a s gorda s es ta va m verm elh a s de fr io, e os 
olh os la cr im eja va m devido a o ven to. Um toco de ciga rro 
a pa ga do es ta va es qu ecido en tre s eu s lá b ios ba lofos . 
Ódio! Sen t i-o circu la r por todo o m eu corpo. O m es m o 
ód io qu e eu t ivera con tra m eu pa i e m in h a m ã e, con tra 
m eu s p rofes s ores e os gu a rda s em Por to Rico. ód io! 
Ten tei lib er ta r -m e, m a s ele m e p ren deu com u m a fér rea 
chave de braço. 
“Venh a , ga roto, va m os volta r a o a viã o.” Olh ei pa ra 
ele e dei uma cusparada. 
“Porco!” ros n ou . “Porco s u jo!” Ele a frou xou a 
pressão sobre o meu braço e tentou segurar-me por trás, 
pela gola do ca s a co. Mergu lh a n do por ba ixo do s eu 
b ra ço, des lizei pelo por tã o a ber to qu e leva va p a ra o 
edifício do aeroporto. 
Atrá s de m im , ou vi gr itos e p is a da s rá p ida s . Corr i 
pelo lon go corredor des via n do-m e, à es qu erda e à d ireita 
da s pes s oa s qu e s e d ir igia m a os a viões . De repen te, 
achei-m e em u m gra n de s a lã o. Des cobr in do u m a por ta 
de saída, zuni pelo salão e saí para a rua. 
Um gra n de ôn ibu s es ta va pa ra do ju n to a o m eio-
fio, com a por ta a ber ta e o m otor liga do. A fila es tava 
en tra n do. Com a lgu m a s em pu rra da s , con s egu i en tra r 
ta m bém . O m otor is ta m e a ga rrou pelo om bro e ped iu o 
dinheiro da pa s s a gem . En colh i os om bros e res pon d i-lhe 
em es pa n h ol. E le m e pôs pa ra fora r is p ida m en te, 
ocu pa do dem a is pa ra perder tem po com u m ra pa zin h o 
tolo qu e m a l com preen d ia in glês . Qu a n do ele d es viou a 
a ten çã o pa ra u m a s en h ora qu e es ta va rem exen do n a 
bolsa, ba ixei a ca beça e es gu eirei-m e por detrá s dela , 
a t ra ves s ei a por ta e pen etrei n o ôn ibu s lota do. Da n do 
u m a olh a dela por s ob re o om bro, pa ra ter a cer teza d e 
que ele não me vira, dirigi-me à parte traseira do ônibus, 
e sentei-me junto a uma janela. 
Qu a n do o colet ivo deu a pa r t ida , vi o gu a rda 
gordu ch o e m a is dois s olda dos s a ir ofega n tes pela por ta 
la tera l do a eropor to, e olh a r em toda s a s d ireções . Nã o 
pude resistir à tentação de bater na vidraça, acenar para 
eles e sorrir através do vidro. 
Afu n da n do n o ba n co, a poiei os joelh os n a s cos tas 
do a s s en to da fren te e a per tei o n a r iz con tra o vid ro fr io 
e sujo da janela. 
O ôn ibu s a t ra ves s ou com d ificu lda de o t rá fego 
in ten s o de Nova York , em d ireçã o a o cen tro da cidade. 
Lá fora h a via n eve e la m a pela s ru a s e ca lça da s . Eu 
s em pre im a gin a ra qu e a n eve era b ra n ca e bon ita , com o 
n os con tos de fa da s . Ma s a qu ela era pa rda , com o 
m in ga u s u jo. Min h a res p ira çã o em ba çou a vid ra ça . 
Afastei-m e u m pou co e pa s s ei o dedo n ela . Era u m 
m u n do d iferen te, in teira m en te d iferen te do qu e eu 
acabara de abandonar. 
Min h a m en te voltou a o d ia a n ter ior , qu a n do eu 
pa ra ra n o m orro d ia n te de m in h a ca s a . Lem brei-m e da 
gra m a verde qu e m eu s pés a m a s s a va m , s a lp ica da dos 
pon t in h os de cor cla ra , da s p equ en in a s flores 
ca m pes tres . O ca m po des cia n u m declive s u a ve, a té a 
vila , lá em ba ixo. Lem brei-m e da b r is a fres ca qu e 
s opra va con tra m in h a fa ce, e do ca lor do s ol em m inhas 
costas bronzeadas e nuas. 
Por to Rico é u m a bela ter ra de s ol e de cr ia n ças 
des ca lça s . É u m a ter ra em qu e os h om en s n ã o u s a m 
camisa, e a s m u lh eres ca m in h a m pregu iços a m en te s ob 
u m s ol ca u s t ica n te. Os s on s dos ta m bores de a ço e da s 
gu ita r ra s ou vem -s e n oite e d ia . É u m a ter ra de ca n t iga s , 
flores, crianças sorridentes e água azul refulgente. 
Mas é também uma terra de feitiçaria e macumba, 
de s u pers t içã o religios a e de m u ita ign orâ n cia . De n oite, 
os s on s dos ta m bores da m a cu m ba res s oa m n a s 
m on ta n h a s cober ta s de pa lm eira s , en qu a n to feit iceiros 
exercem o s eu ofício, oferecen do s a cr ifícios e da n ça n do 
com serpentes à luz de fogueiras bruxuleantes. 
Meu s pa is era m es p ír ita s . Ga n h a va m a vida ex-
pu ls a n do dem ôn ios e es ta belecen do u m s u pos to con tato 
com espíritos de mortos. Papai era um dos homens mais 
tem idos da ilh a . Com m a is de l,80m de a ltu ra , s eu s 
en orm es om bros en cu rva dos h a via m leva do os ilh éu s a 
s e refer irem a ele com o “O Gra n de”Ele fora fer ido 
du ra n te a Segu n da Gu erra Mu n d ia l e receb ia u m a 
pen s ã o do govern o. Ma s , com o h a via dezes s ete m en in os 
e u m a m en in a n a fa m ília , depois da gu erra ele recorreu 
ao espiritismo para ganhar a vida. 
Mam ã e t ra ba lh a va com pa pa i com o “médium”. 
Nos s a ca s a era s ede de toda s or te de reu n iões de 
m a cu m ba , s es s ões e feit iça r ia . Cen ten a s de pes s oa s 
vin h a m de toda a ilh a pa ra pa r t icipa r da s s es s ões 
espíritas. 
Nos s a ca s a en orm e, n o a lto d a colin a , era liga d a 
por u m a t r ilh a s in u os a e es t reita à pequ en a vila m o-
dorren ta de La s Pied ra s , es con d ida n o va le, lá em ba ixo. 
Os a ldeões s u b ia m pela t r ilh a a qu a lqu er h ora do d ia ou 
da n oite, pa ra ir à “Ca s a do Feit iceiro”. Eles ten ta va m 
fa la r com es p ír itos dos m or tos , tomavam pa r te em a tos 
de feit iça r ia , e ped ia m a pa pa i pa ra liber tá -los de 
demônios. 
Pa pa i era o ch efe m a s h a via ou tros m éd iu n s qu e 
s e u t iliza va m de n os s a ca s a pa ra s ede de s u a s a t i-
vida des . Algu n s perm a n ecia m a li s em a n a s s egu ida s , à s 
vezes in voca n do es p ír itos , à s vezes expu ls a n do 
demônios. 
Ha via u m a m es a com prida n a s a la da fren te, a o 
redor da qu a l o povo s e a s s en ta va , qu a n do es ta va 
ten ta n do s e com u n ica r com os es p ír itos dos m or tos . 
Pa pa i era m u ito en ten d ido n o a s s u n to, e t in h a u m a 
b ib lioteca de m a gia e es p ir it is m o, s em igu a l, n a qu ela 
parte da ilha. 
Cer ta m a n h ã , dois h om en s t rou xera m u m a s e-
n h ora per tu rba da à n os s a ca s a . Eu e m eu irm ã o Gen e 
esgueiramo-n os da ca m a , olh a m os por u m a fres ta da 
por ta , e vim os qu a n do eles a es ten dera m s obre a m es a 
gra n de. O s eu corp o t rem ia e gem idos es ca pa va m de 
s eu s lá b ios ; os h om en s s e pos ta ra m u m de ca da la do da 
m es a , s egu ra n do-a . Ma m ã e ficou a os pés dela , com os 
olh os ergu idos pa ra o teto, repet in do pa la vra s 
es t ra n h a s . Pa pa i foi à cozin h a e voltou com u m a 
pequ en a u rn a p reta ch eia de in cen s o a fu m ega r . Tra zia 
ta m bém u m gra n de s a po qu e colocou s obre o es tôm a go 
a gita do da m u lh er . Depois , s u s pen den do a u rn a s ob re a 
ca beça dela , a s pergiu pó de in cen s o s obre s eu corp o 
convulso. 
Nós t rem ía m os de m edo; ele m a n dou qu e os es -
p ír itos m a u s s a ís s em da m u lh er e en tra s s em n o s a po. 
De repen te, a m u lh er jogou a ca beça pa ra t rá s e s oltou 
u m gr ito a gu do. O s a po s a ltou do s eu es tôm a go e 
espatifou-s e con tra a s oleira da por ta . Im ed ia ta m en te, 
ela com eçou a da r pon ta pés e, s acudindo-s e, liber tou -se 
dos h om en s qu e a s egu ra va m , rolou da m es a e ca iu 
pes a da m en te n o ch ã o. Picou ba ba n do e m orden do a 
lín gu a e os lá b ios ; s a n gu e m is tu ra do com es pu m a 
escorria pelos cantos de sua boca. 
Ma is ta rde a qu ietou -s e e ficou im óvel. Pa pa i de-
cla rou qu e ela es ta va cu ra da e os h om en s lh e dera m 
d in h eiro. Eles pega ra m o corpo in con s cien te e s e fora m , 
a gra decen do a pa p a i e ch a m a n do-o repet ida m en te de 
“Grande Milagreiro”. 
Min h a in fâ n cia foi ch eia de tem or e s ob res s a ltos. 
O fato de sermos uma família grande significava que mui 
pou ca a ten çã o era da da in d ividu a lm en te a ca da filh o. 
Eu t in h a ra iva de pa pa i e m a m ã e, e t in h a m edo da 
macumba que era realizada todas as noites. 
No verão anterior à época que eu devia entrar para 
a es cola pa pa i t ra n cou -m e, u m d ia , n o pom ba l. J á era 
noite e ele m e a pa n h a ra rou ba n do d in h eiro da bols a de 
m a m ã e. Procu rei correr , m a s ele es t icou o b ra ço e m e 
a ga rrou pela n u ca : “Nã o a d ia n ta correr , m olequ e. Você 
roubou; agora vai me pagar.” 
“Eu te odeio”, gritei. 
Ele m e leva n tou do ch ã o, s a cu d in do m e d ia n te d e 
si “Vou en s in á -lo a fa la r a s s im com s eu pa i”, d is s e en tre 
den tes . Coloca n do-m e deba ixo do b ra ço com o s e eu 
fos s e u m s a co de fa r in h a , a t ra ves s ou o qu in ta l es cu ro, 
dirigindo-se ao pombal. Escutei o ruído de suas mãos ao 
abrir a porta. “Para dentro”, rosnou ele. “Você vai ficar aí 
com os pombos, até aprender.” 
Atirou-m e por ta a den tro, e fech ou -a a t rá s de m im , 
deixando-m e em tota l es cu r idã o. Ou vi o t r in co s en d o 
colocado no lugar, e a voz de papai, abafada, através das 
fen da s da pa rede: “E n a da de ja n ta r .” Ou vi s eu s pa s s os 
se diminuindo na distância, de volta para casa. 
Eu es ta va petr ifica do de ter ror . Ma r tela va a porta 
com os p u n h os . Ch u ta va -a fren et ica m en te, gr ita n do e 
chorando. De repente, a casinhola encheu-se do barulho 
de a s a s : os pá s s a ros , a s s u s ta dos , h a via m a corda do; 
repet ida s vezes , ch oca ra m -s e con tra o m eu corpo. 
Aper tei a s m ã os con tra o ros to e gr itei h is ter ica m en te, 
en qu a n to a s pom ba s s e a r rem et ia m con tra a s pa redes , e 
b ica va m ferozm en te m eu ros to e pes coço. Ca í a tu rd ido 
n o ch ã o im u n do, e en ter rei a ca beça n os b ra ços , 
ten ta n do p roteger os olh os e ta pa r os ou vidos pa ra n ã o 
ou vir o s om da s a s a s qu e voltea va m s obre m in h a 
cabeça. 
Pa recia qu e u m a etern ida de s e pa s s a ra , qu a n do a 
por ta a b r iu , e pa pa i m e fez fica r de pé e a r ra s tou -me 
pa ra o qu in ta l. “Da p róxim a vez, você va i lem brar-s e de 
n ã o rou b a r e de n ã o res pon der com in s olên cia qu a n do 
for a pa n h a do”, d is s e ele a s pera m en te: “Agora , tom e u m 
banho e vá para a cama.” 
Ch orei n a qu ela n oite a té dorm ir ; depois , s on h ei 
com pá s s a ros es voa ça n tes qu e s e ch oca va m con tra m eu 
corpo. 
Meu s res s en t im en tos con tra pa pa i e m a m ã e rea -
vivaram-s e n o a n o s egu in te, qu a n do en trei pa ra a 
es cola . Eu od ia va qu a lqu er a u tor ida de. Ma is ta rde, 
qu a n do já t in h a oito a n os , rebelei-m e de u m a vez con tra 
m eu s pa is . Foi em u m a ta rde qu en te de verã o. Ma m ã e e 
vá r ios ou tros “médiuns” es ta va m s en ta dos à gra n de 
m es a da s a la , tom a n do ca fé. Eu m e ca n s a ra de b r in ca r 
com m eu irm ã o e en tra ra n a s a la , b r in ca n do com u m a 
pequ en a bola , ba ten do-a n o a s s oa lh o. Um dos m éd iu n s 
d is s e à m a m ã e: “O Nicky é u m m en in o bon ito. Pa rece 
com você. Deve orgulhar-se dele.” 
Ma m ã e olh ou s ér ia pa ra m im e com eçou a b a -
lançar-s e n a ca deira , pa ra a fren te e pa ra t rá s . Seu s 
olh os revira ra m , a pon to de a pa recer s om en te o b ra n co. 
Es ten deu os b ra ços pa ra a fren te, s ob re a m es a . Seu s 
dedos fica ra m du ros e t rem ia m e ela leva n tou 
va ga ros a m en te os b ra ços s ob re a ca beça e com eçou a 
fa la r em tom de ca n toch ã o: “Es te... n ã o... m eu ... filh o. 
Nã o, Nicky n ã o. Ele n u n ca foi m eu . Ele é filh o do m a ior 
de todos os b ru xos . Lú cifer . Nã o, m eu n ã o... n ã o, m eu 
não... Pilho de Satanás, filho do diabo.” 
Larguei a bola, que rolou pela sala afora. Encostei-
m e à pa rede, e m a m ã e con t in u ou em tra n s e; s u a voz s e 
leva n ta va e ba ixa va , en qu a n to ela fa la va com o em 
responso: “Nã o, m eu n ã o, n ã o, m eu , n ã o... a m ã o de 
Lú cifer s ob re a s u a vida ... o dedo de Sa ta n á s es tá n a 
s u a vida ... o dedo de Sa ta n á s toca n a s u a a lm a ... a 
m a rca da bes ta n o s eu cora çã o... Nã o, m eu n ã o, m eu 
não.” 
Obs ervei qu e lá gr im a s corr ia m pela s s u a s fa ces . 
De repen te, voltou -s e pa ra m im com os olh os a r -
rega la dos e gr itou com voz es ga n iça da : “Sa i, DIABO! 
Pa ra lon ge de m im . Deixa -m e, DIABO! Lon ge! Lon ge! 
Longe!” 
Eu es ta va petr ifica do de ter ror. Corr i p a ra o m eu 
qu a r to e jogu ei-m e s obre a ca m a . Pen s a m en tos 
pa s s a va m pela m in h a m en te com o r ios ca n a liza dos em 
u m a ga rga n ta es t reita . “Nã o s ou filh o dela ... filh o de 
Sa ta n á s ... ela n ã o m e a m a ... Nin gu ém m e qu er . 
Ninguém me quer.” 
En tã o a s lá gr im a s viera m , e eu com ecei a ch ora r e 
a s olu ça r . A dor qu e s en t ia n o peito era in s u por tá vel, e 
esmurrei a cama até ficar exausto. 
O velh o ód io s e a gitou den tro de m im , a con s u mir 
m in h a a lm a , com o a on da da m a ré a va n ça s obre u m 
recife de cora l. Sen t i qu e od ia va m in h a m ã e. Pu xa , com o 
a od ia va ! Eu qu er ia fer i-la , tor tu rá -la , vin ga r-me. 
Empurrei a porta e saí correndo e gritando até a sala. Os 
m éd iu n s a in da es ta va m a li com m a m ã e. Es m u rrei a 
m es a e gr itei. Es ta va tã o fru s t ra do pelo ód io qu e 
gaguejava e as palavras não saíam direito: “Eu — eu... t-
te o-o-odeio.” Apon ta va u m dedo t rêm u lo pa ra m in h a 
mãe e gritava: “Vo-vo-você me paga. Você me paga.” 
Dois de m eu s irm ã os m a is n ovos es ta va m à porta 
olh a n do, cu r ios os . Em pu rrei-os pa ra o la do e cor r i pa ra 
os fu n dos da ca s a . Mergu lh a n do es ca da a ba ixo, virei-me 
e a r ra s tei-m e pa ra b a ixo da va ra n da e ch egu ei a o ca n to 
es cu ro e fr io on de eu s em pre m e es con d ia . Aba ixa do s ob 
a escada, no meio daquela poeira seca, ouvi as mulheres 
r in do e m a is a lta do qu e a s ou tra s , a voz de m in h a m ã e 
ecoa n do a t ra vés do a s s oa lh o ra ch a do: “Vira m , eu bem 
disse que ele é filho de Satanás.” 
Com o s en t i ód io dela . Qu er ia des t ru í-la , m a s n ã o 
s a b ia com o. Es m u rra n do a poeira , gr itei de des espero, 
m eu corpo s a cu d in do-s e em s olu ços , con vu ls ivos. “Eu te 
odeio. Eu te odeio. Eu te odeio”, gr itei. Ma s n in gu ém m e 
ou viu . Nin gu ém s e im por tou . No m eu des es pero pega va 
mancheia s de pó e a t ira va fu r ios a m en te em toda s a s 
d ireções . A poeira a s s en ta va em m eu ros to 
transformando-s e em pequ en os r ia ch os s u jos a o 
misturar-se com as lágrimas. 
Ma is ta rde o fren es i a ca lm ou -s e e fiqu ei em s i-
lên cio. Ou vi a s cr ia n ça s b r in ca n do n o qu in ta l. Um 
ga roto es ta va ca n ta n do u m a m ú s ica qu e fa la va de 
pa s s a r in h os e borboleta s m a s eu m e s en t ia is ola do, 
s olitá r io... Tor tu ra d o pelo ód io e pela pers egu içã o e 
obceca do pelo m edo. Ou vi a por ta do pom ba l fech a r-s e e 
a s ru idos a s pa s s a da s de pa pa i qu e vin h a dos fu n dos da 
ca s a ; ele com eçou a s u b ir os degra u s da es ca da . 
Pa ra n do, olh ou pa ra a s t reva s , por en tre a s ra ch a du ra s 
da s tá bu a s dos d egra u s . “O qu e es tá fa zen do a í em 
ba ixo, m en in o?” Fiqu ei em s ilên cio, com a es pera n ça d e 
qu e n ã o m e recon h eces s e. Ele en colh eu os om bros e 
con t in u ou s u b in do a es ca da , e en trou deixa n do a por ta 
bater atrás de si. Ninguém me quer, pensei. 
Ou vi m a is r is a da s den tro da ca s a , qu a n do a voz 
de ba ixo p rofu n do de m eu pa i u n iu -s e à da s m u lh eres. 
Eu sabia que eles ainda estavam rindo de mim. 
On da s de ód io m e in va d ira m ou tra vez. Lá gr imas 
rola ra m pelo m eu ros to, e com ecei a gr ita r de n ovo. “Eu 
te odeio, m a m ã e! Eu te odeio. Eu te odeio.” Min h a voz 
ecoou no vácuo sob a casa. 
Ch ega n do a u m a u ge de em oçã o, ca í d e cos ta s n a 
poeira, e rolei de um lado para o outro — a poeira cobria 
m eu corpo. Exa u s to, fech ei os olh os e ch orei, a té ca ir 
num sono agitado. 
O s ol já t in h a s e es con d ido n o m a r , qu a n do des -
per tei e m e a r ra s tei pa ra fora , s a in do de ba ixo da 
va ra n da . A a reia a in da ra n gia em m eu s den tes , e o m eu 
corpo es ta va cober to de s u jeira . Os s a pos coa xa va m . Os 
gr ilos ca n ta va m . Eu s en t ia o orva lh o ú m ido e fr io s ob 
meus pés descalços. 
Pa pa i a b r iu a por ta dos fu n dos , e u m ja to de lu z 
a m a rela p rojetou -s e on de m e a ch a va , a o pé da es ca da . 
“Porco!” gr itou ele. “O qu e você es ta va fa zen do ta n to 
tem po deba ixo da ca s a ? Veja com o es tá . Nã o qu erem os 
porcos por aqui. Vá se lavar e venha jantar.” 
Obedeci. Porém , m ed ita n do en qu a n to m e la va va 
deba ixo da b ica , ch egu ei à con clu s ã o de qu e h a ver ia d e 
od ia r etern a m en te. Com preen d i qu e n u n ca m a is a m a r ia 
de n ovo .. a n in gu ém . E n u n ca m a is ch ora r ia ... n u n ca . 
Medo, s u jeira e ód io pa ra o filh o de Sa ta n á s . Foi qu a n do 
comecei a fugir. 
Mu ita s fa m ília s por to-r iqu en h a s têm o cos tu m e de 
m a n da r s eu s filh os pa ra Nova York , qu a n do es tes 
a lca n ça m ida de s u ficien te pa ra cu ida r de s i. Seis dos 
m eu s irm ã os m a is velh os já h a via m deixa do a ilh a , 
mudando-s e pa ra Nova York . Todos es ta va m ca s a dos e 
procurando construir vida nova. 
Eu , porém , era m u ito n ovo pa ra ir . Nã o obs ta n te, 
n os cin co a n os s egu in tes m eu s pa is ch ega ra m à 
con clu s ã o de qu e n ã o era pos s ível qu e eu perm a n ecesse 
em Por to Rico. Torn a ra -m e rebelde n a es cola . Es ta va 
s em pre p rocu ra n do b r iga , p r in cipa lm en te com cr ia n ça s 
m en ores do qu e eu . Um d ia a t irei u m a pedra n a ca beça 
de u m a m en in a . Fiqu ei olh a n do, com u m s en t im en to d e 
p ra zer , o s a n gu e qu e goteja va a t ra vés de s eu ca belo. A 
menina estava gritando e chorando, e eu ali, rindo. 
Meu pa i es bofeteou -m e a qu ela n oite a té m in h a 
boca sangrar. “Sangue por sangue”, gritou ele. 
Com prei u m a es p ingarda “pica-pau” pa ra m a tar 
pa s s a r in h os . Ma s , pa ra m im , m a tá -los n ã o era o 
suficiente. Gostava de mutilar seus corpos. Meus irmãos 
se afastavam de mim, por causa do meu estranho desejo 
de ver sangue. 
Qu a n do es ta va n o oita vo a n o, t ive u m a b r iga com 
o p rofes s or de a r tes m a n u a is . Era u m h om em a lto e 
m a gro qu e gos ta va de a s s ob ia r pa ra a s m oça s . Um d ia , 
na classe, eu o chamei de “negro”. A sala ficou silenciosa 
e os ou tros ra pa zes s e es gu eira ra m pa ra t rá s da s 
máquinas da oficina, sentindo a tensão no ar. 
O p rofes s or ca m in h ou pela cla s s e, a té o lu ga r 
on de eu es ta va , a o la do de u m torn o. “Sa be o qu e m a is , 
rapaz? Você é pretensioso.” 
Res pon d i com in s olên cia : “Des cu lpe, n egro, eu 
acho que não sou.” 
An tes qu e pu des s e s a fa r -m e, ele m e ba teu com o 
lon go b ra ço os s u do e s en t i a ca rn e dos m eu s lá b ios 
esmagar-s e con tra os den tes com a violên cia do golpe. 
Sen t i o gos to do s a n gu e qu e es corr ia pela m in h a boca e 
pelo meu queixo. 
Ava n cei pa ra ele, b ra n d in do os b ra ços . O p ro-
fes s or era u m h om em feito en qu a n to eu pes a va m enos 
de cin qü en ta qu ilos . Eu es ta va ch eio de ód io e a vis ta do 
sangue fez-me explodir. Esticando os braços e colocando 
a s m ã os con tra a m in h a tes ta ele m e con s ervou à 
distância, enquanto eu dava murros no ar. 
Com preen den do a in u t ilida de dos m eu s es forços , 
fugi. “Você va i ver , n egro”, gr itei. “Vou à polícia . Es pera 
para ver.” Saí correndo da sala de aula. 
Ele correu a t rá s d e m im , ch a m a n do-me: “Espere. 
Eu sinto muito.” Mas, não voltei. 
Não fui à polícia. Em lugar disso, dirigi-me a papai 
e lh e d is s e qu e o p rofes s or ten ta ra m e m a ta r . E le ficou 
fu r ios o. Correu a o qu a r to e depois s a iu com s u a en orm e 
p is tola n o cin to. “Va m os ga roto. Vou m a ta r u m 
valentão.” 
Volta m os à es cola . Eu t in h a d ificu lda de em 
a com pa n h a r os p a s s os lon gos de p a pa i e qu a s e p re-
cis a va correr pa ra a lcançá-lo. Meu cora çã o s a lta va a o 
pen s a r n a s en s a çã o de ver a qu ele p rofes s or a ltoencolher-se de medo sob a fúria de meu pai. 
Ma s , o p rofes s or n ã o es ta va n a s a la de a u la . 
“Es pera a qu i, m en in o”, d is s e pa pa i. “Eu vou con versar 
com o diretor, e resolver isto.” Senti medo, mas esperei. 
Pa pa i dem orou m u ito tem po n o es cr itór io do 
d iretor . Qu a n do s a iu , ca m in h ou depres s a em m in h a 
d ireçã o, e m e s a cu d iu pelo b ra ço. “Mu ito bem , rapaz, 
você tem algumas explicações a dar. Vamos para casa.” 
Volta m os de n ovo a t ra vés da pequ en a vila , e pela 
t r ilh a s in u os a , a té em ca s a . Ele m e pu xa va a t rá s de s i, 
p res o pelo b ra ço. “Men t iros o s u jo”, d is s e-m e já defron te 
da ca s a . Leva n tou a m ã o pa ra es bofetea r -m e, m a s 
con s egu i s a ir fora d o s eu a lca n ce, e cor r i la deira a ba ixo. 
“Es tá cer to... Fu ja , m olequ e!” gr itou . “Você h á d e volta r 
para casa e quando voltar, eu vou lhe mostrar...” 
Voltei para casa; mas só três dias depois. A polícia 
pegou-m e a n da n do n a beira de u m a es t ra da qu e leva va 
à s m on ta n h a s , n o in ter ior . Rogu ei-lh es qu e m e 
soltassem, m a s d evolvera m -m e a o m eu pa i. E ele 
cumpriu a sua promessa. 
Eu s a b ia qu e p recis a va fu gir ou tra vez. E m a is 
ou tra . Fu gir ia pa ra tã o lon ge qu e n in gu ém s er ia capaz 
de m e t ra zer de volta . Nos dois a n os qu e s e s eguiram, 
fugi cinco vezes. Todas as vezes a polícia me encontrou e 
m e levou de volta pa ra ca s a . Fin a lm en te, s em m a is 
es pera n ça , pa pa i e m a m ã e es crevera m pa ra m eu irm ã o 
Fra n k , pergu n ta n do-lh e s e poder ia receber-m e pa ra 
m ora r em s u a com pa n h ia . Fra n k con cordou , e eles 
traçaram os planos para a minha ida. 
Na m a n h ã em qu e via jei, a s cr ia n ça s s e 
en fileira ra m n a va ra n da à fren te da ca s a . Ma m ã e m e 
apertou a o peito. Ha via lá gr im a s em s eu s olh os qu a n d o 
ela ten tou fa la r , porém n ã o s a iu pa la vra n en h u m a . Eu 
n ã o t in h a por ela s en t im en to de qu a lqu er es pécie. 
Pegan do m in h a pequ en a m a la , virei a s cos ta s , 
ca r ra n cu do, e d ir igi-m e à velh a ca m in h on eta on de pa pa i 
me esperava. Não olhei para trás. 
Leva m os qu a ren ta e cin co m in u tos pa ra ch ega r a o 
a eropor to de Sa n J u a n , on de pa pa i m e deu a pa ssagem 
e en fiou em m in h a m ã o u m a n ota de dez dólares 
dobrada. “Telefon e pa ra Fra n k logo qu e ch ega r a Nova 
York”, disse ele. “O p iloto va i tom a r con ta de você a té ele 
chegar.” 
Ficou de pé olh a n do pa ra m im du ra n te lon go 
tem po, bem m a is a lto do qu e eu , en qu a n to u m ca ch o do 
s eu ca belo gr is a lh o e on du la do era a gita do pela b r is a 
qu en te. É p rová vel qu e eu pa reces s e pequ en o e p a tét ico 
a s eu s olh os , pa ra do a li n a es t ra da , com a m a leta n a 
m ã o. Seu s lá b ios t rem era m qu a n do es ten deu a m ã o 
pa ra a per ta r a m in h a . En tã o, repen t in a m en te, en volveu -
me em s eu s lon gos b ra ços e a per tou o m eu corpo m a gro 
contra o seu. 
Escutei-o s olu ça r s ó u m a vez: “Hijo m io” 
(filho meu). 
Soltando-m e, ele d is s e ra p ida m en te: “Seja u m 
bom m en in o, pa s s a r in h o.” Virei-m e, e s a í corren do; 
ga lgu ei a s es ca da s do en orm e a viã o, e s en tei-m e ju n to a 
uma janela. 
Lá fora vi a figura magra e solitária de meu pai, “O 
Grande”, en cos ta do n a cerca . Ele leva n tou a m ã o u m a 
vez, com o s e fos s e a cen a r , m a s pa receu en vergonhar-se, 
e voltou , a n da n do depres s a , pa ra ju n to da velh a 
caminhoneta. 
Por que será que ele me chamara de “passarinho”? 
Recordei o m om en to qu a n do, m u itos a n os a t rá s , 
s en ta do n os degra u s da gra n de va ra n da , pa pa i m e 
chamara daquela forma. 
Es ta va s en ta do em u m a ca deira de ba la n ço, fu -
m a n do o s eu ca ch im bo, qu a n do m e con tou a len da de 
u m pá s s a ro qu e n ã o t in h a pés , e por is s o voa va 
con t in u a m en te. Pa pa i olh ou -m e s om brio, e d is s e: “Esse 
pa s s a r in h o é você, Nicky. Você n ã o tem des ca n s o. Com o 
u m pa s s a r in h o, você es tá s em pre fu gindo.” Men eou a 
cabeça vagarosamente, e levantou os olhos para os céus, 
s opra n do fu m a ça n a s t repa deira s , qu e s u b ia m a té o 
telhado da varanda. 
“Es s e pa s s a r in h o é pequ en in o e m u ito leve. Nã o 
pes a m a is do qu e u m a pen a . Ele é leva do p ela s cor-
ren tes de a r , e dorm e a o ven to. Es tá s em pre fu gin do. 
Fu gin do de ga viões , de á gu ia s , de coru ja s . Aves de 
ra p in a . Ele s e es con de coloca n do-s e en tre ela s e o s ol. 
Se ela s voa rem a cim a dele, poderã o vê-lo, em con tra s te 
com a ter ra es cu ra . Ma s a s s u a s p equ en a s a s a s s ã o 
t ra n s pa ren tes , com o a á gu a cla ra da la goa . En qu a n to 
ele perm a n ece n o a lto, ela s n ã o con s egu em vê-lo, e 
assim ele nunca descansa.” 
Pa pa i recos tou -s e e s oltou u m a ba fora da de fu -
maça azul. “Mas, como é que ele come?” perguntei. 
“Ele com e a o ven to”, res pon deu pa pa i. Fa la va 
va ga ros a m en te, com o s e t ives s e vis to a a vezin h a . “Ele 
a pa n h a in s etos e borboleta s . Nã o tem pern a s ... n em 
pés... está sempre se movendo.” 
Fiqu ei fa s cin a do com a es tór ia . “E n os d ia s ch u -
vosos?” perguntei-lhe. “O qu e a con tece qu a n do o s ol n ã o 
b r ilh a ? Com o é, en tã o, qu e ele es ca pa dos s eu s 
inimigos?” 
“Nos d ia s feios , Nicky”, d is s e pa pa i, “ele voa tã o 
a lto qu e n in gu ém pode vê-lo. A ú n ica h ora em qu e pá ra 
de voa r — o ú n ico m om en to em qu e pá ra de fu gir — a 
ú n ica vez qu e vem à ter ra — é qu a n do m orre. Pois , u m a 
vez que toca o solo, não pode mais fugir” 
Pa pa i m e deu u m ta p in h a n o t ra s eiro e m e tocou 
de ca s a . “Vá a gora , pa s s a r in h o. Fu ja , voe. Seu pa i o 
chamará quando já não for hora de correr.” 
Literalmente voei pelo campo gramado, batendo os 
b ra ços com o u m pá s s a ro qu e ten ta s s e a lça r vôo. 
Con tu do, por a lgu m a ra zã o, pa rece qu e n ã o con s eguia 
ganhar suficiente velocidade para subir. 
Os m otores do a viã o tos s ira m , s olta ra m fu m a ça 
n egra , e en tra ra m em fu n cion a m en to. Fin a lm en te, eu ia 
voar. Estava a caminho... 
O ôn ibu s pa rou . Lá fora , a s lu zes b r ilh a n tes e os 
a n ú n cios lu m in os os m u lt icolor idos a cen d ia m e 
a pa ga va m n a pen u m bra fr ia . Um h om em qu e es ta va do 
ou tro la do leva n tou -s e pa ra d es cer . Segu i-o a té a por ta , 
e s a ím os . As por ta s s e fech a ra m a trá s de m im , e o 
ôn ibu s pa r t iu . Fiqu ei a li n a ca lça da ... s ozin h o n o m eio 
de oito milhões de pessoas. 
Apa n h ei u m pu n h a do de n eve s u ja e t irei a cros ta 
qu e a cob r ia . Ali es ta va : n eve pu ra e b r ilh a n te. Des ejei 
colocá-la n a boca e com ê-la Porém , a o olh a r bem , 
pequ en a s m a n ch a s n egra s com eça ra m a a pa recer n a 
s u perfície. Com preen d i qu e o a r es ta va ch eio de fu ligem 
da s ch a m in és e qu e a n eve es ta va tom a n do o a s pecto de 
queijo fresco pulverizado com pimenta-do-reino. 
J ogu ei a n eve pa ra o la do. Nã o fa zia d iferen ça . Eu 
estava livre. 
Va gu eei pela cida de dois d ia s . En con trei u m ca -
s a co velh o joga do em u m a la ta de lixo. As m a n ga s 
cobr ia m a s m in h a s m ã os , e a ba r ra va rr ia a ca lça da . Os 
botões t in h a m s ido a r ra n ca dos e os bols os ra s gados, 
m a s ele m e a qu ecia . Aqu ela n oite eu dorm i n o m etrô, 
encolhido em um banco. 
No fim do s egu n do d ia , m eu en tu s ia s m o es friara . 
Eu es ta va com fom e... e com fr io. Em du a s oca s iões , 
ten tei fa la r com a lgu ém , ped in do a ju da . O pr im eiro 
h om em s im ples m en te ign orou -m e. Con t in u ou a n da n do, 
com o s e eu n ã o es t ives s e a li. O s egu n do em pu rrou -me 
con tra apa rede: “Ca ia fora , s eu . Nã o pon h a es s a s m ã os 
gordu ren ta s em m im .” Piqu ei com m edo. Ten ta va 
im ped ir qu e o pâ n ico s u b is s e do es tôm a go pa ra a 
garganta. 
Na qu ela n oite, percorr i de n ovo a s ru a s da cidade, 
o pa letó com prido va rren do a ca lça da e a pequ en a m a la 
s egu ra firm em en te em m in h a m ã o. Pes s oa s pa s s a va m 
por m im , e m e olh a va m , m a s n in gu ém pa recia im por ta r -
se comigo. Apenas olhavam e continuavam andando. 
Nes s a m es m a n oite ga s tei os dez dóla res qu e 
pa pa i m e dera . En trei em u m pequ en o res ta u ra n te e 
ped i u m ca ch orro-qu en te, a pon ta n do pa ra a figu ra de 
u m , qu e es ta va depen du ra da a cim a do ba lcã o. En goli-o 
s ofrega m en te e in d iqu ei qu e des eja va ou tro. O h om em 
s a cu d iu a ca beça n ega t iva m en te e es ten deu a m ã o. 
En fiei a m ã o n o bols o e t irei a n ota a m a rfa n h a da . 
Lim pa n do a s m ã os em u m a toa lh a , ele a b r iu a n ota , 
alisou-a , e m eteu -a n o bols o do a ven ta l s u jo. Trou xe-me 
en tã o ou tro ca ch orro-qu en te e u m a ter r in a de feijã o com 
ca rn e. Qu a n do term in ei, p rocu rei-o, m a s ele h a via 
des a pa recido n a cozin h a . Pegu ei a m a la e voltei pa ra a 
ru a fr ia . Aca ba ra de ter m eu p r im eiro en con tro com a 
es per teza a m er ica n a . Com o ir ia s a ber qu e u m ca ch orro-
quente americano não custa cinco dólares? 
Des cen do a ru a , pa rei em fren te a u m a igreja . Um 
pes a do por tã o de fer ro, t ra n ca do com u m ca dea do, fora 
coloca do d ia n te da s por ta s . Pa rei d ia n te do gra n d e 
ed ifício de ped ra cin zen ta e obs ervei a tor re qu e 
a pon ta va pa ra o céu . As fr ia s pa redes de ped ra e os 
es cu ros vit ra is es ta va m fora do m eu a lca n ce, p rotegidos 
pela cerca de fer ro. A es tá tu a de u m h om em de ros to 
s im pá t ico e olh os t r is tes es p ia va a t ra vés do por tã o 
fech a do. Os s eu s b ra ços es ta va m es ten d idos e cober tos 
de n eve, m a s ele es ta va t ra n ca do lá den tro, e eu a qu i 
fora. 
Arrastei-m e ru a a ba ixo... a n da n do... a n da n do s em 
parar. 
O pâ n ico volta va fu r t iva m en te. Era qu a s e m eia -
n oite, e eu t rem ia n ã o s ó de fr io, m a s ta m bém de m edo. 
Tin h a es pera n ça de qu e a lgu ém pa ra s s e e m e 
pergu n ta s s e em qu e poder ia m e a ju da r . Nem s ei o qu e 
ter ia d ito, s e a lgu ém pa ra s s e e ofereces s e a ju da . Ma s eu 
me sentia sozinho, com medo, e perdido... 
A m u lt idã o a p res s a da foi em bora e m e deixou . 
Nu n ca pen s ei qu e u m a pes s oa pu des s e s en t ir s olidã o n o 
m eio de u m m ilh ã o de pes s oa s . Pa ra m im , s olidã o era 
perder-s e n a flores ta ou em u m a ilh a des er ta . Porém , 
es s a era a p ior da s s olidões . Vi pes s oa s bem ves t ida s , 
volta n do do tea t ro pa ra s u a s ca s a s ... velh os ven den do 
jorn a is e fru ta s em pequ en a s ba n ca s qu e fica va m 
a ber ta s a n oite toda ... policia is pa tru lh a n do, a os pa res ... 
ca lça da s ch eia s de pes s oa s a p res s a da s . Ao olh a r pa ra 
s eu s ros tos , ela s ta m bém pa recia m s olitá r ia s . Nin guém 
ria. Ninguém de rosto alegre. Todos apressados. 
Sentei-m e n a ca lça da e a b r i m in h a pequ en a m a la. 
En con trei u m peda ço de pa pel dobra do, com o n ú m ero 
do telefon e de Fra n k , es cr ito por m a m ã e. De repen te, 
s en t i a lgo em pu rra n do-m e por t rá s . Era u m ca ch orro 
velh o, felpu do qu e en cos ta va o focin h o n o en orm e 
ca s a co qu e cobr ia m eu corpo m a gro. Rodeei s eu pes coço 
com o b ra ço, e pu xei-o pa ra m im . Ele la m beu m eu ros to 
e eu enterrei a cabeça no seu pelo sarnento. 
Nã o s ei qu a n to tem po fiqu ei a li s en ta do, t rem en do 
e a fa ga n do o cã o. Qu a n do olh ei pa ra cim a , vi os pés e 
pernas de dois policiais uniformizados. As suas galochas 
es ta va m m olh a da s e s u ja s . O ca ch orro s a rn en to 
p res s en t iu o per igo, e s a iu corren do, des a pa recendo 
num beco. 
Um dos gu a rda s ba teu n o m eu om bro com a 
pon ta do ca s s etete. “O qu e é qu e você es tá fa zen do a qu i 
s en ta do, n o m eio da n oite?” pergu n tou ele. A s u a fa ce 
pa recia es ta r cem qu ilôm etros a cim a . Com d ificu lda de 
p rocu rei exp lica r , em m eu in glês de pé qu ebra do, qu e 
estava perdido. 
Um deles m u rm u rou a lgo pa ra o ou tro, e s e foi. O 
qu e fica ra a joelh ou -s e a o m eu la do, n a ca lça da s u ja. 
“Posso ajudá-lo, garoto?” 
Acen ei qu e s im e t irei o peda ço de pa pel com o 
n om e e n ú m ero do telefon e de Fra n k . “Irmão”, d is se-lhe, 
mostrando o papel. 
Ele sacudiu a cabeça ao olhar para a escrita quase 
ilegível. “É aí que você mora, garoto?” 
Eu n ã o s a b ia res pon der e a pen a s d is s e: “Irmão”. 
Ele a cen ou qu e s im , leva n tou -m e pelo b ra ço, e d ir igim o-
n os a u m a ca b in e telefôn ica a t rá s de u m a ba n ca de 
jorn a is . Pes cou u m n íqu el n o bols o e d is cou o n ú m ero. 
Qu a n do a voz s on olen ta de Fra n k res pon deu , ele m e 
en tregou o fon e. Em m en os de u m a h ora eu es ta va a 
salvo, no apartamento de meu irmão. 
A s opa qu en te qu e tom ei já n a ca s a de Fra n k 
es ta va gos tos a , e a ca m a lim pa , delicios a . Na m a n h ã 
seguin te Fra n k m e con tou qu e eu dever ia fica r com ele, 
qu e ele cu ida r ia de m im e m e por ia n a es cola . Algo 
den tro de m im , porém , m e d izia qu e eu n ã o fica r ia a li. 
Começara a fugir, e agora nada me faria parar. 
Capítulo 2 
NNAA SS EE LLVVAA DD OO QQUUAADD RR OO--
NNEE GGRR OO 
FIQUEI DOIS MESES COM FRANK, a p ren den do a 
m a n obra r o in glês . Porém n ã o era feliz, e a s ten s ões 
internas estavam me perturbando muito. 
Fra n k , logo n a p r im eira s em a n a , m a tr icu lou -me 
n o gin á s io. A es cola era qu a s e in teira m en te de n egros e 
porto-r iqu en h os . Era d ir igida m a is com o u m 
reform a tór io do qu e com o es cola pú b lica . Os p rofessores 
e a dm in is t ra dores pa s s a va m a m a ior pa r te do tem po 
tentando manter a disciplina, de forma que pouco tempo 
res ta va pa ra o en s in o. Era u m lu ga r s elva gem , ch eio de 
b r iga s , de im ora lida de e de con s ta n te ba ta lh a con tra os 
que tinham autoridade. 
Toda s a s es cola s do Brook lin têm rep res en ta n tes 
de pelo m en os du a s ou t rês ga n gs . Es ta s ga n gs s ã o 
qu a dr ilh a s form a da s por ra pa zes e ga rota s qu e vivem 
em u m cer to ba ir ro. Algu m a s vezes a s ga n gs s ã o 
inimigas , o qu e in va r ia velm en te cr ia con flitos , qu a n do 
são colocadas na mesma sala de aula. 
Aqu ilo era u m a exper iên cia n ova pa ra m im . Todo 
d ia n a es cola t in h a de h a ver u m a b r iga n os corredores 
ou em u m a da s s a la s de a u la . Eu m e en cos ta va à 
pa rede, com m edo de qu e a lgu m dos ra pa zes m a iores 
m e ba tes s e. Depois da a u la , s em pre h a via u m a br iga n o 
pátio, e alguém saía ferido e perdendo sangue. 
Fra n k cos tu m a va a dver t ir -m e, pa ra n ã o a n da r 
pela s ru a s à n oite. “As qu a dr ilh a s , Nicky. As qu adrilhas 
podem te m a ta r . E les s a em com o m a t ilh a s de lobos , 
du ra n te a n oite, e m a ta m qu a lqu er pes s oa qu e n ã o 
conheçam.” 
Ele m e recom en dou qu e vies s e d ireto da es cola 
pa ra ca s a , toda s a s ta rdes , e fica s s e n o a pa r ta m en to, e 
me conservasse à distância das gangs. 
Logo fiqu ei s a ben do ta m bém qu e a s qu a dr ilh a s 
n ã o era m a ú n ica cois a qu e eu dever ia tem er . Ha via 
ta m bém os “pequenos”. Era m ter r íveis m olequ es de n ove 
e dez a n os qu e pera m bu la va m pela s ru a s à ta rde e à 
n oit in h a , ou qu e b r in ca va m d ia n te dos pa rd ieiros em 
que moravam. 
Tive m eu p r im eiro en con tro com os “pequenos” 
qu a n do volta va da es cola p a ra ca s a cer to d ia , logo n a 
p r im eiras em a n a . Um a ga n g de cerca de dez m eninos 
en tre oito e dez a n os in ves t iu con tra m im , s a in do de u m 
portão. 
“Ei, garotos, olhem por onde andam.” 
Um dos meninos deu um rodopio e disse: “Vá para 
o inferno!” 
Ou tro veio por t rá s e a ba ixou -s e. An tes qu e m e 
desse conta do que estava acontecendo, vi-me estatelado 
de cos ta s n a ca lça da . Ten tei leva n ta r -m e, m a s u m dos 
ga rotos a ga rrou m eu pé e com eçou a pu xa r . Gr ita va m e 
riam o tempo todo. 
Perd i a ca lm a e dei u m s oco n o qu e es ta va m a is 
p róxim o, joga n do-o n a ca lça da . Na qu ele m om en to, ou vi 
u m a m u lh er gr ita r . Olh ei p a ra cim a , e vi-a deb ru ça d a 
n u m a ja n ela n o qu a r to a n da r . “Afaste-s e de m eu filh o, 
porco nojento, ou eu te mato.” 
Naquele m om en to, n ã o h a via n a da qu e eu des e-
jasse mais do que afastar-me de seu filho. Mas os outros 
m en in os es ta va m a va n ça n do. Um deles a t irou u m a 
ga rra fa de refr igera n te n a m in h a d ireçã o. Ela a cer tou n a 
ca lça da , per to do m eu om bro, fa zen do ch over vid ro n o 
meu rosto. 
A m u lh er es ta va gr ita n do a in da m a is : “Nã o s e 
m eta com os m eu s m en in os ! Socorro! Socorro! Ele es tá 
matando meu filho!” 
De repente, outra mulher apareceu em uma porta, 
com u m a va s s ou ra n a m ã o. Era gorda e ba m bolea va a o 
correr ; t in h a a ca ra m a is feia qu e eu já vi. E la en trou n o 
m eio da qu a dr ilh a de ga rotos , com a va s s ou ra leva n ta da 
a cim a de s u a ca beça . Ten tei rola r n o ch ã o, fu gin do dela , 
m a s era ta rde — a va s s ou ra a cer tou em ch eio n a s 
minhas costas. Rolei de novo e ela me acertou no alto da 
ca beça . Ela es ta va gr ita n do. Perceb i en tã o qu e vá r ia s 
ou tra s m u lh eres es ta va m debru ça da s n a s ja n ela s , 
gr ita n do, e ch a m a n do a polícia . A m u lh er gorda m e 
golpeou pela terceira vez, a n tes qu e eu pu des s e pôr-me 
de pé e com eça r a correr . Ou vi-a d izer , a t rá s de m im : 
“Se você a pa recer por a qu i de n ovo, ju d ia n do de n os s a s 
crianças, nós te matamos.” 
Na ta rde s egu in te, a o volta r da es cola pa ra casa, 
escolhi um caminho diferente. 
Um a s em a n a m a is ta rde t ive o p r im eiro en con tro 
com u m a ga n g. Volta va da es cola e pa ra ra em u ma 
pra ça pa ra ver u m h om em qu e t in h a u m pa pa ga io. Eu 
estava dançando ao redor dele, rindo e conversando com 
o pá s s a ro, qu a n do o h om em s u b ita m en te perdeu o 
in teres s e, a per tou o pa pa ga io con tra o p eito e foi s a in do. 
Olh ei a o redor , e vi cerca de qu in ze ra pa zes n u m 
s em icírcu lo em torn o de m im . Nã o era m “pequenos”. Ao 
con trá r io, era m bem “grandes”, n a m a ior ia , m a iores do 
que eu. 
Ra p ida m en te form a ra m u m círcu lo pon do-m e n o 
m eio e u m dos ra pa zes d is s e: “Ei, m olequ e, de qu e é qu e 
você está rindo?” 
Apon tei pa ra o h om em do pa pa ga io, qu e en tã o 
fu gia da p ra ça . “Pu xa , eu es ta va r in do d a qu ele pa pa gaio 
bacana.” 
“Es cu te, você m ora a qu i por per to?” pergu n tou o 
rapaz, com olhar ameaçador. 
Sen t i qu e a lgo es ta va er ra do, e com ecei a ga gu ejar 
u m pou co: “Eu-eu m oro com m eu irm ã o, n o fim des ta 
rua.” 
“Você pen s a qu e s ó porqu e m ora n o fim des ta ru a , 
pode en tra r n a n os s a p ra ça e r ir com o u m a h ien a , h ein ? 
É o qu e você pen s a ? Nã o s a be qu e es tá n os dom ín ios 
dos Bis h ops , ra pa z? Nós n ã o perm it im os qu e es t ra n h os 
en trem em n os s os dom ín ios , p r in cipa lm en te pa s pa lh os 
que riem como hienas.” 
Olh ei pa ra eles , e p erceb i qu e fa la va m s ér io. An tes 
qu e eu pu des s e res pon der , o ra pa z de olh a r du ro t irou 
u m a fa ca do bols o e, p res s ion a n do u m botã o, a b r iu -a, 
m os tra n do u m a lâ m in a relu zen te de dezes s ete 
centímetros. 
“Sa be o qu e vou fa zer?” d is s e ele. “Vou cor ta r a 
s u a ga rga n ta e deixa r você s a n gra r , com o o a n im a l qu e 
ri como você.” 
“Ei, ra -ra-rapaz”, ga gu ejei. “O qu e é qu e h á de 
errado comigo? Por que é que você quer me esfaquear?” 
“Porqu e n ã o gos to da s u a ca ra , s ó is s o”, d is s e ele. 
Apon tou a fa ca pa ra o m eu es tôm a go, e com eçou a 
andar em minha direção. 
“Va m os , pa izin h o. Deixe-o. Es s e m en in o a ca ba de 
ch ega r de Por to Rico. Nã o con h ece a s regra s ”, fa lou 
outro membro da quadrilha, um moreninho espigado. 
“Cer to, m a s u m d ia va i s a ber . E é m elh or qu e n ã o 
p is e n o dom ín io dos Bis h ops .” Com u m s orr is o de 
escárnio, ele recuou. 
Viraram-s e e fora m em bora . Corr i pa ra o a pa r-
tamento e passei o resto da tarde pensando. 
No d ia s egu in te, n a es cola , a lgu n s m en in os ou -
vira m fa la r do in ciden te da p ra ça . Des cobr i qu e o ra pa z 
qu e t ira ra a fa ca ch a m a va -s e Rober to. Na qu ela ta rde, 
du ra n te a a u la de edu ca çã o fís ica , es tá va m os joga n d o 
beis ebol. Rober to derru bou -m e de p ropós ito. Todos os 
outros meninos começaram a gritar: 
“Dá nele, Nicky. Bate nele. Mostre que ele não é de 
n a da , qu a n do n ã o es tá com u m a fa ca n a m ã o. Va m os , 
Nicky, nós estamos com você. Dá nele!'; 
“Es tá bem ”, d is s e eu , “va m os ver s e você é bom de 
briga.” Levantei-me e limpei a roupa. 
Tomamos posição um diante do outro, e os demais 
m en in os form a ra m u m gra n de círcu lo à n os s a volta . 
Ouvi-os gr ita r : “Lu tem ! Lu tem !” e perceb i qu e o círcu lo 
aumentava. 
Rober to r iu , porqu e eu tom a ra a pos içã o t ra d i-
cion a l de pu gilis ta , com a s m ã os d ia n te do ros to. El? 
encurvou-s e u m pou co e ta m bém leva n tou os pu n h os 
fech a dos , des a jeita da m en te. Era óbvio qu e n ã o es ta va 
a cos tu m a do a lu ta r da qu ela form a . Da n cei em d ireçã o a 
ele, e a n tes qu e pu des s e m over-s e, a cer tei-lh e u m s oco 
de es qu erda . O s a n gu e es p ir rou de s eu n a r iz e ele deu 
u m pa s s o pa ra t rá s , olh a n do-m e s u rp res o. Ava n cei d e 
novo. 
De repen te, ele ba ixou a ca beça e ca r regou con tra 
m im com o u m tou ro, a cer ta n do-m e n o es tôm a go e 
jogando-m e de cos ta s n o ch ã o. Ten tei leva n ta r -m e, m a s 
ele m e ch u tou com s eu s s a pa tos pon tu dos . Rolei pa ra o 
la do, e ele pu lou s obre m in h a s cos ta s e pu xou -m e a 
ca beça pa ra t rá s , en ter ra n do delibera da -m en te os dedos 
nos meus olhos. 
Fiqu ei pen s a n do qu e os ou tros m en in os ir ia m m e 
a ju da r , ou pelo m en os a pa r ta r a b r iga , m a s s e lim ita ra m 
a ficar ali, torcendo. 
Eu n ã o s a b ia b r iga r da qu ela form a . Toda s a s 
m in h a s b r iga s h a via m s ido s egu n do a s regra s do boxe, 
m a s pen s ei qu e a qu ele ra pa z ir ia m e m a ta r , s e n ã o 
fizes s e a lgo. Aga rrei a s s u a s m ã os e t irei-a s dos m eu s 
olh os , en ter ra n do os m eu s den tes n o s eu dedo. Ele 
gritou de dor e saiu de cima de mim. 
De u m pu lo fiqu ei de pé e tom ei n ova m en te po-
s içã o de pu gilis ta . E le leva n tou -s e va ga ros a m en te, 
s egu ra n do a m ã o fer ida . Da n cei em s u a d ireçã o e 
acertei-lh e dois s ocos de es qu erda n o ros to. Eu o fer ira , 
e a va n cei pa ra s ocá -lo de n ovo, qu a n do ele m e a ga rrou 
pela cin tu ra , p ren den do m eu s b ra ços a o la do d o corpo. 
Us a n do a ca beça com o u m ba te-es ta ca s , ele com eçou a 
dar-m e ca beça da s n o ros to. Meu n a r iz com eçou a 
s a n gra r e fiqu ei cego de dor . Fin a lm en te ele m e s oltou e 
m e deu dois s ocos , e eu ca í n o pó do pá t io da es cola . 
Sen t i qu e ele m e d eu u m pon ta pé, qu a n do ch egou u m 
professor que o afastou de mim. 
Na qu ela n oite qu a n do fu i pa ra ca s a , Fra n k gr itou 
comigo. “Eles vã o m a ta r você, Nicky. Eu lh e d is s e pa ra 
fica r lon ge da s qu a dr ilh a s . Eles vã o m a ta r você.” Min h afa ce es ta va m u ito fer ida e m eu n a r iz pa recia es ta r 
quebrado. Eu sabia, porém, que daí para frente ninguém 
m a is leva r ia va n ta gem s obre m im . Eu era ca pa z de lu ta r 
tã o des lea lm en te com o eles — e a té m a is . Da p róxim a 
vez estaria preparado . 
A “p róxim a vez” foi vá r ia s s em a n a s m a is ta rde. As 
a u la s t in h a m term in a do, e eu ia des cen do pelo corredor , 
em d ireçã o à por ta . Perceb i qu e a lgu n s a lu n os es ta va m 
m e s egu in do. Dei u m a olh a da por s ob re o om bro. Atrá s 
de m im h a via cin co ga rotos n egros e u m a m en in a . Sa b ia 
qu e era com u m h a ver b r iga s feia s en t re ra pa zes por to-
r iqu en h os e n egros . Com ecei a a n da r m a is dep res s a , 
mas percebi que eles também apressavam o passo. 
Sa in do pela por ta , eu des cia u m corredor qu e 
da va pa ra a ru a . Os ga rotos de cor m e cerca ra m , e u m 
deles , u m gra n dã o, m e em pu rrou con tra a pa rede. 
Derru bei os livros , e ou tro ra pa z ch u tou -os corredor 
abaixo, e eles caíram numa vala cheia de água suja. 
Olh ei a o redor , porém n ã o vi n in gu ém qu e p u -
des s e ch a m a r em m eu s ocorro. “O qu e você es tá fa zen do 
n es tes dom ín ios , ra pa z?” pergu n tou o gra n da lhão. “Você 
não sabe que isto aqui é nosso?” 
“Es s a n ã o! Is to é dom ín io da es cola . Nã o pertence 
a quadrilha alguma”, disse eu. 
“Nã o ba n qu e o es per t in h o com igo, m en in o, n ã o 
gosto de você.” 
Colocou a m ã o con tra o m eu peito e m e a per tou 
con tra a pa rede. Na qu ele m om en to ou vi u m cliqu e e 
percebi que era o ruído de um canivete automático. 
Qu a s e todos os ra pa zes a n da va m com u m desses. 
Eles p refer ia m u s a r u m t ipo de ca n ivete de p res s ã o, qu e 
é opera do com o a u xílio de u m a m ola . Qu a n do u m 
pequ en o botã o de la do é a per ta do, a m ola s olta -s e e a 
lâmina se abre. 
O ra pa gã o colocou a a rm a con tra m eu peito, 
p ica n do os botões d a m in h a ca m is a com a pon ta a fia da 
e fina. 
“Olha o que vou fazer, espertinho”, disse ele. “Você 
é n ovo n es ta es cola , e n ós fa zem os todos os n ova tos n os 
pa ga rem pa ra receber p roteçã o de n ós . É u m bom 
n egócio. Você n os pa ga vin te e cin co cen ta vos por d ia e 
nós garantimos que ninguém te amola.” 
Um dos outros rapazes deu uma risadinha forçada 
e d is se: “Sim , m eu ch a pa ; da m es m a form a , n ós 
garantimos que não amolamos você, também.” 
Todos os outros rapazes riram. 
En tã o eu d is s e: “Ah , é? E qu em m e p rova qu e 
m es m o qu e eu dê vin te e cin co cen ta vos pa ra vocês 
todos os dias, vocês não judiarão de mim?” 
“Ningu ém prova , m en in o in teligen te. Você a penas 
nos dá o dinheiro, de qualquer forma. Se não dá, morre”, 
respondeu ele. 
“Es tá bem . En tã o é m elh or qu e vocês m e m a tem 
a gora m es m o. Porqu e s e vocês n ã o m a ta rem , eu volta rei 
m a is ta rde e m a ta rei vocês u m por u m .” Pu de perceber 
qu e os ou tros fica ra m u m pou co a m edron ta dos . O 
ra pa gã o qu e t in h a a fa ca con tra o m eu peito, 
n a tu ra lm en te, pen s a va qu e eu era des t ro. Por is s o, n ã o 
es pera va qu e fos s e a ga rrá -lo com a m ã o es qu erda . Torci 
a s u a m ã o, a fa s ta n do-a do m eu peito, o fiz gira r s ob re s i 
mesmo e dobrei-lhe o braço por detrás das costas. 
Ele deixou ca ir a fa ca e eu a pa n h ei-a do ch ã o. 
Senti-me bem como ela na mão. Coloquei-a contra a sua 
ga rga n ta , p res s ion a n do-a a pon to de m a rca r a pele, s em 
furá-la. 
Em pu rrei o s eu ros to con tra a pa rede com a fa ca 
n o la do da s u a ga rga n ta , logo a ba ixo da orelh a . A 
m ocin h a com eçou a gr ita r , com receio de qu e eu fos s e 
matá-lo. 
Virei-m e pa ra ela e d is s e: “Ei, bon eca , eu con h eço 
você. Sei on de é a s u a ca s a . Hoje à n oite vou a té lá e te 
mato; quer?” 
Ela gr itou m a is a lto e a ga rrou o b ra ço de u m dos 
ou tros ra pa zes , com eça n do a pu xá -lo pa ra lon ge: “Foge! 
Foge!” gritava ela. “Esse cara é louco. Foge!” 
Eles fu gira m , in clu s ive o ra pa gã o qu e es t ivera 
p res o con tra a pa rede. Deixei qu e s e fos s e, s a ben do qu e 
eles poderiam ter-me matado, se tivessem tentado. 
Des ci pela ca lça da a té on de os livros es ta va m jo-
ga dos n a á gu a . Apa n h ei-os e s a cu d i-os . Ain da t in h a o 
pu n h a l n a m ã o. Fiqu ei pa ra do m u ito tem po, a b r in do e 
fech a n do a lâ m in a . Era o p r im eiro “canivete de p res s ã o” 
qu e s egu ra va em m in h a m ã o. Ach ei delicios o m a n ejá -lo. 
Deixei-o ca ir n o bols o do pa letó e fu i pa ra ca s a . 
“Da qu ela h ora em d ia n te, s er ia m elh or qu e eles 
pen s a s s em du a s vezes a n tes de s e en ros ca rem com o 
Nicky”, pensei. 
Logo es pa lh ou -s e o boa to de qu e eu era ter r ível. 
Aqu ilo fez de m im u m a is ca a t ra en te pa ra qu a lqu er 
ra pa z qu e qu is es s e b r iga r . Ch egu ei à con clu s ã o de qu e 
a lgo d rá s t ico a con tecer ia : era a pen a s u m a qu es tã o d e 
tempo. Mas, estava preparado. 
A exp los ã o fin a l veio dois m es es depois de eu ter 
com eça do a es tu da r . A p rofes s ora a ca ba ra de 
es ta belecer a ordem n a cla s s e e es ta va fa zen do a 
ch a m a da . Um ra p a z de cor ch egou a t ra s a do. Veio 
gin ga n do e t in h a u m s orr is o cín ico n os lá b ios . Ha via 
u m a lin da ga rota por to-r iqu en h a s en ta da n a ú lt im a 
fileira. Ele curvou-se e beijou-a no pescoço. 
Ela a fa s tou -s e dele e s en tou -s e ereta n a ca r teira . 
E le deu a volta e beijou -a n a boca ; a o m es m o tem po 
ten ta n do a ca r iciá -la . E la pu lou do lu ga r e com eçou a 
gritar. 
Os ou tros a lu n os es ta va m r in do e gr ita n do: “Va-
mos, rapaz, larga brasa!” 
Dei u m a olh a dela pa ra a p rofes s ora . Ela pôs -s e a 
des cer en tre a s fileira s , m a s u m la ta gã o leva n tou -se 
d ia n te dela e d is s e: “Ora , p rofes s ora , a s en h ora n ã o va i 
qu erer es t ra ga r a fes ta , va i?” A p rofes s ora en ca rou o 
ra pa z qu e era m a is a lto do qu e ela , e recu ou pa ra a s u a 
mesa, enquanto a classe urrava, divertindo-se. 
A es ta a ltu ra , o ra pa z t in h a a ga rota p res a con tra 
a pa rede, e ten ta va beija r lh e a boca . Ela gr ita va e 
tentava afastá-lo. 
Ele fin a lm en te des is t iu e deixou -s e ca ir pes a da -
m ente no seu lugar. 
A professora limpou a garganta e começou de novo 
a fazer a chamada. 
Algo es ta la ra den tro de m im . Leva n tei-m e da 
ca r teira e d ir igi-m e a os fu n dos da cla s s e. A ga rota 
s en ta ra de n ovo e s olu ça va , en qu a n to a p rofes s ora fa zia 
a chamada. 
Cheguei por t rá s do ra pa z, qu e a gora es ta va 
s en ta do n a ca r teira , lim pa n do a s u n h a s . Pegu ei u m a 
pes a da ca deira de m a deira qu e es ta va n o fim do cor-
redor e d is s e: “Ei, olh e, ga rotã o, eu ten h o u m a coisa 
para você.” 
Qu a n do ele virou -s e pa ra olh a r , dei-lh e u m a 
cadeira da n o a lto da ca beça . Ele a fu n dou n a ca r teira , 
en qu a n to o s a n gu e es corr ia de u m p rofu n do cor te n a 
cabeça. 
A p rofes s ora s a iu corren do d a cla s s e e voltou em 
u m s egu n do com o d iretor . E le a ga rrou -m e pelo b ra ço e 
m e em pu rrou corredor a fora , pa ra s eu escritór io. Fiqu ei 
s en ta do lá en qu a n to ele ch a m a va u m a a m bu lâ n cia , e 
tom a va p rovidên cia s pa ra qu e a lgu ém cu ida s s e do ra pa z 
ferido. 
Virou-s e pa ra m im . Depois de d izer tu do o qu e 
ou vira a m eu res peito, n os ú lt im os dois m es es , is to é, a s 
con fu s ões em qu e eu es t ivera m et ido, ped iu -m e u m a 
exp lica çã o do qu e a con tecera n a cla s s e. Con tei-lhe 
exa ta m en te o qu e h ou vera . Dis s e-lh e qu e o ra pa z es ta va 
s e a p roveita n do da ga rota por to-riqu en h a , e qu e a 
p rofes s ora n a da fizera pa ra im ped i-lo. Por is s o eu m e 
colocara a seu lado. 
En qu a n to fala va , p u de ver o s eu ros to s e a ver -
m elh a r . Fin a lm en te, ele s e leva n tou e d is s e: “Está bom , 
já a gü en tei es s a s b r iga s a té on de pu d e. Vocês vêm a qu i 
e pen s a m qu e podem a gir da m es m a form a qu e a gem 
n a s ru a s . Pen s o qu e já é h ora de da r u m exem plo, e 
qu em s a be s e a a u tor ida de s erá m a is res peita da a qu i 
den tro. Nã o es tou pa ra m e s en ta r a qu i todos os d ia s e 
ver vocês s e m a ta n do e m en t in do depois , pa ra exp lica r o 
que não tem explicação. Vou chamar a polícia.” 
Pus-m e de pé: “Sen h or , a polícia va i m e pôr n a 
cadeia.” 
“Es pero qu e s im ”, d is s e o d iretor . “Pelo m en os o 
res to des s es m on s tros qu e h á a qu i a p ren derã o a 
respeitar a autoridade.” 
“Ch a m e a polícia ”, d is s e eu ; a o m es m o tem po, 
en cos tei n a por ta t rem en do de m edo e de ra iva , “e 
qu a n do eu s a ir da ca deia , volta rei, e u m d ia pego o 
senhor sozinho e o mato.” 
Meus dentes rangiam enquanto falava. 
O d iretor ficou b ra n co. Su a fa ce em pa lideceu e ele 
pensou durante um momento. 
“Está bem, Cruz. Vou deixar você ir desta vez. Mas 
n u n ca m a is qu ero vê-lo n es ta es cola . Nã o m e im por ta 
on de você va i; pa ra m im , pode ir pa ra o in fern o; m a s 
n u n ca m a is deixe qu e eu veja a s u a ca ra a qu i por per to. 
Qu ero qu e s a ia da qu i corren do, e n ã o pa re en qu a n to 
não estiver fora das minhas vistas. Compreendeu?” 
Eu compreendi. E saí... correndo. 
Capítulo 3 
SS OOZZIINNHH OO 
UMA VIDA MOTIVADA pelo ód io e pelo tem or n ã o 
tem lu ga r pa ra m a is n a da a n ã o s er o p rópr io ego. Eu 
od ia va a todo m u n do, in clu s ive Fra n k . Ele rep res en ta va 
a a u tor ida de, e qu a n do com eçou a recla m a r porqu e eu 
n ã o ia m a is à es cola e fica va fora a té ta rde da n oite, 
resolvi deixá-lo. 
“Nicky”, d is s e ele, “Nova York é u m a s elva . O povo 
qu e vive a qu i, vive pela lei da s elva . Só os fortes 
sobrevivem. Na verdade, você ainda não viu nada, Nicky. 
Moro a qu i h á cin co a n os e s ei. Es te lu ga r es tá ch eio d e 
p ros t itu ta s , vicia dos em n a rcót icos , éb r ios e a s s a s s in os . 
Es s es in d ivídu os podem m a ta r você, n in gu ém va i s a ber 
qu e es tá m or to, a té qu e a lgu m m a la n dro t ropece n o s eu 
corpo em decomposição, sob um monte de lixo.” 
Fra n k t in h a ra zã o. Ma s eu n ã o pod ia m a is fica r 
a li. Es ta va in s is t in do pa ra qu e eu volta s s e à es cola , e eu 
s a b ia qu e t in h a de ten ta r viver p or m in h a con ta, 
sozinho. 
“Nicky, n ã o pos s o força r você a volta r pa ra a 
escola. Mas se você não fizer isso, está perdido.” 
“Ma s o d iretor m e expu ls ou . Ele d is s e pa ra eu n ã o 
voltar nunca mais.” 
“Nã o ten h o n a da a ver com is s o. Se qu is er viver 
aqui, tem de voltar. Você precisa estudar.” 
“Se pen s a qu e vou volta r , es tá lou co, Fra n k .” 
Res pon d i com m a u s m odos . “Se ten ta r m e obr iga r , eu te 
mato.” 
“Nicky, você é meu irm ã o. Is to n ã o é cois a qu e s e 
fa le. Ma m ã e e pa pa i m e d is s era m pa ra tom a r con ta de 
você e n ã o vou deixa r qu e fa le a s s im . Ou você va i pa ra a 
es cola , ou s a i da qu i. Vá em bora , s e qu is er . Ma s você 
volta rá , porqu e n ã o tem on de ir . Ma s s e fica r , va i pa ra a 
escola e é só.” 
Is s o foi n a s exta -feira de m a n h ã , a n tes de Fra n k 
s a ir pa ra o t ra ba lh o. Na qu ela ta rde deixei u m b ilhete 
s obre a m es a da cozin h a , d izen do-lh e qu e fora 
con vida do por a lgu n s a m igos pa ra fica r com eles du -
ra n te u m a s em a n a . Eu n ã o t in h a a m igos , toda via n ã o 
podia ficar mais com Frank. 
Na qu ela n oite, va gu eei por Bedford -Stuyvesant, 
u m ba ir ro de Brook lin , p rocu ra n do lu ga r pa ra fica r . 
Dirigi-m e a a lgu n s ra pa zes qu e es ta va m pa ra dos n u ma 
esquina. “Algu ém s a be on de eu pos s o en con tra r u m 
quarto para morar?” 
Um deles virou s e e olh ou pa ra m im , t ira n do 
ba fora da s de u m ciga rro. “Sim”, d is s e ele, a pon ta n do 
com o polega r s ob re o om bro, n a d ireçã o da Es cola d e 
Brooklin. “O m eu velh o é zela dor da qu eles 
a pa r ta m en tos , do ou tro la do da ru a . Fa le com ele, qu e 
encontra rá u m lu ga r pa ra você. Lá es tá ele s en ta do n a 
es ca da , joga n do ba ra lh o com a qu eles ou tros ca ra s . Ele é 
o que está bêbado.” Todos os outros rapazes riram. 
O p réd io a qu e o ra pa z s e refer ira per ten cia a o 
p rojeto For t Green e, n o cora çã o de u m dos m a iores 
conju n tos res iden cia is do m u n do. Ma is de t r in ta m il 
pes s oa s vivia m n os a ltos ed ifícios , s en do qu e a m a ior ia 
era de n egros e por to-r iqu en h os . O Con ju n to 
Ha b ita cion a l de For t Green e va i des de a Av. Pa rk a té a 
Av. Lafayette, e a Praça Washington fica no centro. 
Encaminhei-m e pa ra o gru p o de h om en s e per -
gu n tei a o zela dor s e h a via u m qu a r to pa ra a lu ga r . E le 
t irou os olh os da s ca r ta s e gru n h iu : “Sim , tem u m . Por 
quê?” 
Hes itei e ga gu ejei: “Bem , porqu e eu p recis o de u m 
lugar para morar.” 
“Tem qu in ze pa cotes a í?” pergu n tou , cu s p in do 
fumo na direção de meus pés. 
“Bem, não, agora não, mas...” 
“En tã o n ã o tem qu a r to”, d is s e ele, e voltou a o 
ba ra lh o. Os ou tros h om en s n em s e d ign a ra m a levantar 
os olhos. 
“Mas posso conseguir o dinheiro”, argumentei. 
“Olh e, ga roto, qu a n do você pu der m os tra r -me 
qu in ze pa cotes a d ia n ta dos , o qu a r to é s eu . Nã o m e 
im por ta com o va i con s egu i-los . Rou be de a lgu m a velh a , 
n ã o m e im por to. Ma s a té qu e você ten h a o d in h eiro, n ã o 
meta mais o nariz aqui, você está me enchendo.” 
Voltei pa ra a Av. La fa yet te: pa s s ei por Pa pa 
J oh n 's , Ca s a de Ca rn e Ha rry, Ba r Pa ra d is e, Sh ery's , Th e 
Es qu ire, Ba r Va lh a l, e Ren dezvou s do Lin coln . Pa ra n do 
a o la do do ú lt im o, en trei em u m beco, p rocurando 
descobrir como conseguir dinheiro. 
Sa b ia qu e s e ten ta s s e a s s a lta r a lgu ém e fos s e 
a pa n h a do, ir ia pa ra a ca deia , m a s es ta va des es perado. 
Dis s era a Fra n k qu e s ó volta r ia depois de u m a s em a n a . 
Um quarto custava dinheiro, e eu não tinha um centavo. 
Era m qu a s e dez h ora s da n oite, e o ven to de in vern o 
es ta va fr io de ra ch a r . Recu ei pa ra a es cu r idã o do beco, e 
vi pes s oa s pa s s a n do n a ca lça da . Tirei o pu n h a l do bols o 
e a per tei o botã o. A lâ m in a a b r iu -s e com u m es ta lido. 
En cos tei a pon ta con tra a pa lm a da m ã o. Min h a m ã o 
t rem ia a o pen s a r com o ir ia p ra t ica r o rou bo. Ser ia 
m elh or em pu rrá -los pa ra o beco? Eu dever ia es fa qu eá -
los, ou apenas amedrontá-los? E se gritassem?... 
Meu s pen s a m en tos fora m in ter rom pidos por du a s 
pes s oa s qu e con vers a va m n a en tra da do beco. Um velh o 
bêbedo fez pa ra r u m ra pa z de u n s dezen ove a n os , qu e 
leva va u m en orm e s a co de m antim en tos . O velh o ped ia -
lh e u n s t roca dos pa ra tom a r ca fé. Ou vi o ra pa z, 
ten ta n do es ca pa r , d izer a o bêbedo qu e n ã o t in h a 
dinheiro. 
Atravessou-m e a m en te o pen s a m en to de qu e o 
velh o, p rova velm en te, es ta va com o bols o ch eio de 
d in h eiro m en d iga do e rou ba do. Nã o ou s a r ia gr ita r 
ped in do s ocorro, s e eu o rou ba s s e. Logo qu e o ra pa z s e 
fosse eu o puxaria para o beco e tiraria o dinheiro dele. 
O ra pa z es ta va pou s a n do o s a co de m a n t im en tos 
n o ch ã o. En fiou a m ã o n o bols o e en con trou u m a 
m oeda . O velh o res m u n gou u m a gra decim en to e foi 
embora. 
“Diacho”, pensei comigo. “Que faço agora?” 
Na qu ele in s ta n te o ra pa z derru bou o s a co d e 
m a n t im en tos . Du a s m a çã s rola ra m pela ca lça da . Ele 
curvou-s e pa ra a pa n h á -la s , e eu o pu xei pa rao beco, 
apertando-o con tra o m u ro. Am bos es tá va m os m orren do 
de m edo, m a s eu t in h a a va n ta gem da s u rp res a . Ele 
ficou petr ifica do qu a n do eu leva n tei a fa ca d ia n te do s eu 
nariz. 
“Nã o qu ero m a ch u ca r você, m a s p recis o de d i-
n h eiro. Es tou des es pera do. Dê-m e d in h eiro. J á ! De-
pressa! Tudo o que tem, antes que o mate.” 
Min h a m ã o t rem ia ta n to qu e eu t ive m edo de 
deixar cair a faca. 
“Por fa vor , por fa vor . Leve tu do, m a s n ã o m e 
mate”, rogou o ra pa z. Tirou a ca r teira do bols o e ten tou 
passá-la pa ra m im , m a s derru bou -a . Ele t rem ia m a is d o 
qu e eu . Ch u tei a ca r teira a in da m a is pa ra o fu n do do 
beco. “Ca ia fora ”, d is s e eu . “Corra , h om em , corra ! E s e 
pa ra r de correr a n tes do s egu n do qu a r teirã o, é u m 
homem morto.” 
Olh ou pa ra m im , com os olh os a r rega la dos de 
ter ror , e com eçou a cor rer . Tropeçou n os 
m a n t im en tos e es ta telou -s e n a ca lça da , n a en tra da do 
beco. Ca m ba lea n do, leva n tou -s e ou tra vez, e m eio de 
ga t in h a s , m eio em pé, s a iu corren do ru a a ba ixo. Logo 
qu e virou a es qu in a , pegu ei a ca r teira e corr i com toda s 
a s força s n a d ireçã o opos ta . Em ergin do da es cu r idã o em 
De Ka lb , s a ltei a cerca de corren te qu e cerca o pa rqu e, e 
corr i pela gra m a a lta , em d ireçã o à s á rvores . 
Escondendo-m e por t rá s de u m a ter ro, pa rei pa ra tom a r 
fôlego e perm it ir qu e o m eu cora çã o a celera do s e 
a ca lm a s s e. Abr in do a ca r teira , con tei dezen ove dólares. 
Era u m a s en s a çã o a gra dá vel ter a s n ota s n a m ã o. At irei 
a ca r teira n o m eio da gra m a a lta , e con tei o d in h eiro 
outra vez, antes de dobrá-lo e colocá-lo no bolso. 
Na da m a l, pen s ei. As qu a dr ilh a s es tã o m a ta n do 
va ga bu n dos por m en os de u m dóla r , e eu conseguira 
dezen ove n a p r im eira ten ta t iva . Afin a l de con ta s , a s 
coisas não iam assim tão mal. 
Ma s o s en t im en to de a u tocon fia n ça n ã o rem oveu 
todo o medo e permaneci escondido detrás dos arbustos, 
a té depois da m eia -n oite. A es s a a ltu ra , já era ta rde 
demais pa ra ir p rocu ra r o qu a r to; voltei en tã o a o lu ga r 
on de h a via com etido o rou bo. Algu ém já ju n ta ra todos 
os m a n t im en tos qu e h a via m ca ído, com exceçã o de u m a 
caixa de bolachas, que estava toda amassada. Apanhei a 
ca ixa e s a cu d i-a , fa zen do com qu e os peda ços e o fa relo 
ca ís s em n a ca lça da . Recon s t itu í o a con tecido em m eu s 
pen s a m en tos , e s or r i. Eu devia tê-lo cor ta do, s ó p a ra ver 
como era, pensei. Da próxima vez, vou fazer isto. 
Dirigi-m e pa ra a en tra da do m etrô, per to de Papa 
J oh n , e pegu ei o p r im eiro t rem qu e ch egou . Pa s s ei a 
n oite n o m etrô, e n o d ia s egu in te, logo cedo, es ta va d e 
volta à Rua Fort Greene para alugar o quarto. 
O zelador subiu comigo três lances de escadas. O quarto 
t in h a ja n ela s pa ra a ru a qu e fica va defron te à Es cola 
Técn ica d e Brook lin . Era pequ en o, com ra ch a du ra s n o 
forro. O zelador disse-me que havia um banheiro comum 
n o s egu n do a n da r , e qu e eu pod ia regu la r o s is tem a de 
a qu ecim en to com a m a ça n eta do ra d ia dor de a ço. 
Entregou-m e a ch a ve, e d is s e-m e qu e o a lu gu el ven cia 
todo s á ba do, u m a s em a n a a d ia n ta do. A por ta fech ou -se 
a trá s dele. Es cu tei s eu s pa s s os s oa n do pes a da m en te 
escada abaixo. 
Voltei-m e e olh ei o qu a r to. Ha via du a s ca m a s de 
s olteiro, u m a ca deira , u m a m es in h a , u m la va tór io e u m 
pequ en o gu a rda -rou pa . In do à ja n ela , olh ei a ru a , lá 
em ba ixo. O t râ n s ito, logo ced in h o, m ovia -s e com u m 
zu m bido n a Av. La fa yet te, n o fim do qu a r teirã o. Do 
ou tro la do da ru a ergu ia -s e a Es cola Técn ica de 
Brook lin . Ocu pa va todo o qu a r teirã o e im ped ia a vis ã o 
de qu a lqu er ou tro pa n ora m a , m a s n ã o fa zia m u ita 
d iferença. Pelo menos, eu estava por conta própria. 
Na qu ela m a n h ã , dei a p r im eira volta pela vizi-
n h a n ça . Des cen do a s es ca da s do pa rd ieiro, vi u m ra pa z 
s a ir ca m ba lea n do de deba ixo da es ca da . Su a fa ce es ta va 
pá lida com o u m len çol, e s eu s olh os p rofundamente 
en cova dos . O pa letó s u jo e es fa r ra pa do ca ía de u m dos 
om bros , e a s s u a s ca lça s fica ra m com a b ra gu ilh a 
a ber ta , depois dele ter u r in a do a t rá s do ra d ia dor . Nã o 
s a b ia d izer s e es ta va bêbedo ou dopa do. Pa rei n o 
patamar e fiquei a observá-lo, enquanto saía pela porta e 
des cia os degra u s extern os . Debru çou -s e s ob re o 
corrimão e vomitou na calçada. Um grupo de “pequenos” 
ir rom peu por u m a por ta la tera l do p r im eiro a n da r e 
correu pa ra fora , ign ora n do com pleta m en te s u a 
p res en ça . O ca ra pa rou de vom ita r e deixou -se ca ir n o 
último degrau, olhando inexpressivamente para a rua. 
Pa s s ei por ele e des ci pa ra a ca lça da . Sobre a 
minha cabeça ouvi uma janela abrir-se e olhei para cima 
exa ta m en te a tem p o de des via r -m e ra p ida m en te de u m a 
a va la n ch e de lixo qu e era joga da do terceiro a n da r . Em 
ou tra por ta , logo a d ia n te, u m dos “pequenos” es ta va 
a ga ch a do n a pen u m bra , deba ixo da es ca da , u s a n do 
u m a en tra da de porã o com o la t r in a . Es t rem eci, m a s 
d is s e a m im m es m o qu e a ca b a r ia m e a cos tu m a n do com 
aquilo. 
Por t rá s do ed ifício de a pa r ta m en tos h a via u m 
ter ren o ba ld io, ch eio de es p in h eiros e m a to qu e ch e-
gavam à altura da cintura. Algumas árvores esqueléticas 
es t ica va m s eu s ga lh os des n u dos pa ra o céu cin zen to. A 
p r im a vera com eça ra , m a s a s á rvores pa reciam 
relu ta n tes em fa zer b rota r n ovos reben tos e en fren ta r 
ou tro verã o do gu eto (Gu eto: Nom e da do a u m a á rea 
pobre de cida de gra n de, em qu e h a b ita m pes s oa s d e 
u m a m es m a ra ça ou cor . N. dos E .). Ch u tei u m a la ta de 
cerveja va zia — o ter ren o es ta va ch eio dela s . Ca ixa s 
velh a s de pa pelã o, jorn a is e ca ixa s qu ebra da s es ta va m 
es pa lh a dos n o m eio do m a to cres cido. Um a cerca de 
a ra m e toda es t ra ga da , es ten d ia -s e a t ra vés do lote, a té 
ou tro ed ifício de a pa r ta m en tos qu e fa zia fren te com a 
Ru a St . Edwa rd . Olh a n do pa ra t rá s , vi o m eu p réd io, e 
a lgu m a s da s ja n ela s do p r im eiro a n da r ta pa da s com 
tá bu a s ou com folh a s de zin co, pa ra res gu a rda r os 
a pa r ta m en tos do ven to fr io. Dois p réd ios a lém , eu vi a s 
fa ces redon da s de u n s n egr in h os pequ en os , com s eu s 
n a r izes a per ta dos con tra a vid ra ça s u ja , obs erva n do-me 
chutar o lixo. Eles m e fizera m pen s a r em a n im a izin h os 
en ga iola dos , a n s ia n do pela liberda de, m a s com m edo de 
aventurar-s e fora da ga iola , tem eros os de s erem fer idos 
ou m or tos . Pa r te da ja n ela es ta va qu ebra da e em s eu 
lugar haviam posto folhas de papelão manchado de umi-
da de. Con tei cin co fa ces a m edron ta da s . Pos s ivelm en te 
h a via m a is cin co n o pequ en o a pa r ta m en to de t rês 
cômodos. 
Dei a volta , e retorn ei à fren te do a pa r ta m en to. O 
a pa r ta m en to do porã o, deba ixo do n ú m ero 54 , es tava 
va go. O por tã o de fer ro es ta va a ber to. Ch u tei-o e en trei 
O ch eiro de u r in a , excrem en tos , vin h o, fu m o e gra xa era 
maior do que eu podia suportar. Saí depressa prendendo 
a res p ira çã o. Pelo m en os eu t in h a u m qu a r to n o terceiro 
andar. 
Com ecei a des cer pela ca lça da . As p ros t itu ta s 
constituíam u m a cen a pa tét ica . As m u lh eres b ra n cas 
exercia m o s eu com ércio do la do d ireito da ru a e 
ocu pa va m u m préd io de a pa r ta m en tos a u m qu a rteirão 
do meu.

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