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FFOOGGEE,, NNIICCKKYY,, FFOOGGEE!! Nicky Cruz e Jamie Buckingham Título original em inglês: Run Baby Run Tradução de Adiel de Almeida Oliveira 6ª.edição, 1980 Editora Betânia Digitalizado, revisado e formatado por SusanaCap PP rree ff áá cc ii oo QUANDO TOMEI A INICIATIVA de rea liza r es te p rojeto, Ca th er in e Ma rs h a ll com en tou qu e es crever u m livro des te t ipo é com o ter u m filh o. Eu ter ia de viver com ele, até que nascesse. Nes te ca s o, n ã o fu i s ó eu qu em teve de viver com ele, m a s a m in h a fa m ília e ta m bém a Igreja Ba tis ta do Tabern á cu lo qu e eu es ta va pa s torea n do. Sofrera m com igo todos os a ta qu es de m a l-es ta r m a tu t in o, toda s a s dores de pa r to, e a té m es m o u n s dois a la rm es fa ls os . Ma s , ta n to m in h a fa m ília com o a igreja , com preen dera m qu e es te livro era con ceb ido pelo Es p ír ito Sa n to, es cr ito com ora çã o e lá gr im a s , e dever ia s er pu b lica do pa ra a glór ia de Deu s . A igreja p ra t ica m en te liber tou -m e de toda s a s ob r iga ções , a té term in á -lo; a lém d is s o, vá r ios dos membros ajudaram no trabalho de datilografia. Con tu do, os pa d r in h os do livro fora m J oh n e Tibby Sh err il e os ed itores da revis ta Gu idepos ts . A recom en da çã o e a con fia n ça de J oh n dera m in ício a o p rojeto, e n o s eu térm in o, foi a cr ít ica do ca s a l Sh err il qu e n os deu a vis ã o fin a l da h is tór ia violen ta , m a s empolgante, da vida de Nicky Cruz. Os m ér itos da m ovim en ta çã o da h is tór ia em s i ca bem , porém , a Pa ts y Higgin s , qu e ofereceu volu n - ta r ia m en te os s eu s s erviços pa ra a glór ia de Deu s . Ela viveu e s en t iu o m a n u s cr ito com o cr ít ica , ed itora e datilógrafa — revela n do u m ta len to pa ra cor ta r e reescrever, que só pode ter sido dado por Deus. O livro em s i qu ebra u m a da s regra s bá s ica s da litera tu ra . Term in a a b ru p ta m en te. Nã o h á u m fin a l a poteót ico ou bem ela bora do. Ca da vez qu e eu en - t revis ta va Nicky Cru z, ele rela ta va u m a exper iên cia n ova e fa n tá s t ica , m a ter ia l qu e da r ia pa ra ou tro livro — ta lvez para vários. Portanto, Foge, Nicky, Foge! é a história, tão exa ta , qu a n to pos s ível, dos p r im eiros vin te e n ove a n os da vida de u m m oço, cu jos d ia s m a is á u reos a in da es tã o no futuro. Jamie Buckingham Eau Gallie, Flórida IInn tt rroo dd uu çç ãã oo A HISTÓRIA DE NICKY CRUZ é notável. Tem todos os elem en tos de t ra géd ia , violên cia e in teres s e, a lém d o m a ior de todos os in gred ien tes , o poder do eva n gelh o de Jesus Cristo. Os p r im eiros ca p ítu los form a m u m cen á r io obs - curo e ten ebros o pa ra o elet r iza n te des en la ce des ta h is tór ia . Por ta n to, n ã o des a n im e com a a tm os fera u m tanto sangrenta da primeira metade do livro. Nicky é jovem , e es tá a tu a lm en te ca u s a n do u m grande impacto sobre um bom número de outros jovens, n os Es ta dos Un idos . A popu la çã o a du lta já n ã o pode m a is ign ora r a m ocida de, com os t rem en dos p rob lem a s do s écu lo vin te. A ju ven tu de bu s ca u m p ropós ito n a vida . Nã o es tá en a m ora da de n os s os es cleros a dos ta bu s s ocia is . Qu er s in cer ida de n a religiã o, h on es t ida de n a polít ica , e ju s t iça pa ra os des p r ivilegia dos da s ocieda de O a s pecto en cora ja -dor , n o qu e d iz res peito a es s es m ilh ões de “garotos” (qu e em 1 970 u lt ra pa s s a ra m o n ú m ero da popu la çã o a du lta ), é qu e eles es tã o des es pera da m en te p rocu ra n do s olu ções pa ra s eu s p rob lem a s . Em con ta tos com cen ten a s de es tu da n tes d e n os s a s u n ivers ida des , fiqu ei t rem en da m en te im pres s ion a do com a bu s ca qu e es tã o em preen den do, procu ra n do a verda de, a rea lida de e s olu ções h on es ta s . Algu n s joven s de n os s a s fa vela s es tã o a n s ios os pa ra ter u m con ta to h on es to com a s ocieda de, e com ra zã o. Algu n s deles s ã o in flu en cia dos por defen s ores d a violência e da força bruta, e são facilmente atraídos para o redem oin h o dos d is tú rb ios de ru a , in cên d ios e p ilh a gem . Foge, Nicky, Foge! é u m exem plo n otá vel d e qu e es s a m ocida de in s a t is feita pode en con tra r u m s ign ifica do e u m propós ito pa ra a vida , n a pes s oa de Cristo. Em n os s a s ca m pa n h a s , qu a s e a m eta de dos ou - vin tes tem m en os de vin te e cin co a n os . Nã o vã o à s ca m pa n h a s pa ra zom ba r , m a s pa ra u m a bu s ca s in cera da verda de e de ob jet ivos pa ra a vida . Cen ten a s deles atendem ao chamado de Cristo. Foge, Nicky, Foge! é u m a h is tór ia em ocion a n te! Min h a es pera n ça é qu e ela s eja m u ito lida , e qu e m u itos leitores ven h a m a con h ecer o Cr is to qu e t ra n s form ou o cora çã o va zio e in s a t is feito de Nicky Cru z e fez dele u m a epopéia cristã de nossa era. Billy Graham PP rree ââ mm bb uu ll oo A HISTÓRIA DE NICKY é, p os s ivelm en te, a m a is d ra m á t ica do m ovim en to Pen tecos ta l, m a s n ã o é a ú n ica . Nicky é u m vivido rep res en ta n te de va s to n ú m ero de pes s oa s qu e, n a s ú lt im a s déca da s , têm s id o liber ta da s do cr im e, do á lcool, dos n a rcót icos , da p ros t itu içã o, do h om os s exu a lis m o, e de qu a s e todo t ipo de pervers ã o e degen era çã o qu e o h om em con h ece. Tra ta m en to ps icológico, cu ida dos m éd icos e con s elh os espirituais n ã o con s egu ira m in flu en cia r es s a s p es s oa s . Ela s , porém , fora m liber ta s de s u a es cra vidã o de m odo in es pera do e m a ra vilh os o, pelo poder do Es p ír ito Sa n to, e leva da s a u m a vida de s erviço ú t il, e, a lgu m a s vezes , de p rofu n da ora çã o. É m u ito n a tu ra l des con fia r -s e de t ra n s form a ções ra d ica is e repen t in a s . Porém n ã o h á ra zã o teológica pa ra s e s u s peita r dela s . A gra ça d e Deu s pode a possar-s e de u m h om em e t ra n s form á -lo, n u m abrir e fechar de olhos, de pecador em santo. “Porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.” (Lu ca s 3 :8 .) O es forço h u m a n o n ã o pode p rodu zir ta is t ra n s form a ções , n em n a p rópr ia pes s oa n em em ou trem , porqu e a n a tu reza exige tem po pa ra s e des en volver , gra du a lm en te; m a s Deu s pode fa zer em u m instante o que leva anos e anos para o homem realizar. Con vers ões a s s im ocorrera m n a h is tór ia do cr is - t ia n is m o, des de o p r in cíp io. Za qu eu , Ma r ia Ma da len a (a pen iten te de Lu ca s 7 :37 ), o “bom la d rã o”, o a pós tolo Pa u lo, e m es m o Ma teu s , o d is cípu lo, s ã o os p r im eiros de u m a lon ga lis ta . Con tu do, o m a ior n ú m ero de ta is con vers ões es tá ten do lu ga r h oje em d ia , em rela çã o a o chamado “Movim en to Pen tecos ta l”, o qu e é, creio eu , s em p receden tes . Qu a l o s ign ifica do des te fa to extraordinário? Ten h o m ed ita do m u ito s ob re is to, e o qu e m e vem à m en te com freqü ên cia é a pa rá bola da s boda s (Ma teu s 22:1-14). Qu a n do a s pes s oa s con vida da s n ã o a pa recera m , o s en h or d is s e a s eu s ervo: “Sa i depressa pa ra a s ru a s e becos da cida de e t ra ze pa ra a qu i os pobres , os a leija dos , os cegos e os coxos .” (Lu ca s 14:21.) Qu a n do n em a qu ilo foi s u ficien te, o s ervo foi en via do u m a vez m a is , des ta vez pa ra os ca m in h os e a ta lh os , com a ordem : “Obr iga a todos a en tra r , pa ra qu e fiqu e ch eia a m in h a ca s a .” Creio qu e is to é o qu e es ta m os ven do a con tecer h oje. Os “convidados” à m es a do Sen h or , is to é, os qu e “n a s cera m n o cr is t ia n is m o”, os ju s tos , os m em bros legít im os da s ocieda de, já dem on s tra ra m s obeja men te qu e s ã o in d ign os . Eles “vão à igreja ”, m a s n a verda de n ã o têm pa r t icipa do d o banquete propiciado pelo Rei. É por isto que a Igreja, em lu ga r de s er u m corpo vivo e u m a tes tem u n h a des a fia dora , m u ita s vezes s e a s s em elh a a u m in ú t il clube religioso. Toda via , en qu a n to os dou tores da lei d is cu tem qu a l o n ovo voca bu lá r io qu e fa rá res s u s cita r Deu s (porqu e tu do o qu e con h ecem a res peito dele s ã o pa la vra s ), e qu e n ovos s ím bolos fa rã o com qu e a litu rgia ten h a m a is s ign ifica do (porqu e tu do o qu e en xerga m n a religiã o é a pa r te h u m a n a ), Deu s es tá reu n in do, em s ilên cio, n ovos con vida dos pa ra o s eu ba n qu ete. Recebe a legrem en te a qu eles qu e, s egu n do os pa d rões h u m a n os , s ã o es p ir itu a l e m ora lm en te pobres , a leija dos , cegos e coxos . Pelo poder do s eu Es p ír ito, es tá m es m o “forçando-os” a en tra r , a r ra n ca n do-os da s ru a s da degradação e dos atalhos da perversão. Nicky Cru z e os m ilh a res qu e s e lh e a s s em elh a m n ã o s ã o a pen a s exem plos com oven tes do a m or fiel do Bom Pa s tor , m a s s ã o ta m bém s in a is dos tem pos , qu e fa r ía m os bem em d is cern ir . Sã o u m s in a l en cora ja dor de qu e Deu s es tá a gin do com u m poder n ovo em n os s a época , pa ra qu e n ã o ten h a m os m edo de proclamar ou s a da m en te o eva n gelh o a todos . Por ou tro la do, ta m bém s ã o u m s in a l de a dver tên cia a todos os qu e, pelos s eu s h á b itos religios os , pelo s eu m in is tér io s a gra do, ou por qu a lqu er ou tra ra zã o, s eja ela qu a l for , ju lga m ter u m lu ga r m a rca do à m es a do ba n qu ete. “Porqu e vos decla ro qu e n en h u m da qu eles h om en s qu e fora m con vida dos p rova rá a m in h a ceia .” (Lu ca s 14 :24 .) Porque “es tá p ron ta a fes ta , m a s os con vida dos n ã o eram dignos”. (Mateus 22:8.) Prof. Edward D. O'Connor, C.S.C. Universidade de Notre Dame Estados Unidos Capítulo 1 NNIINNGGUUÉÉ MM MMEE QQUUEE RR “SEGUREM ESSE GAROTO MALUCO!” gr itou alguém. A por ta do qu a dr im otor da Pa n Am erica n m a l a ca ba ra de s e a b r ir , e eu já m e p recip ita va es ca da a ba ixo, em d ireçã o a o p réd io do Aerop or to Id lewild , em Nova York . Es tá va m os a 4 de ja n eiro de 1955 , e o ven to frio fazia arder minhas faces. Algu m a s h ora s a n tes , m eu pa i m e coloca ra n o a viã o em Sa n J u a n : u m ra pa zin h o por to-riquenho, rebelde e a m a rgu ra do. Fora en tregu e a os cu ida dos do p iloto; h a via m -m e recom en da do qu e perm a n ecess e n o a viã o a té a ch ega da de m eu irm ã o, Fra n k . Porém, qu a n do a por ta a b r iu , fu i o p r im eiro a s a ir , corren do selvagemente pela pista de concreto. Três fu n cion á r ios do a eropor to s e a p roxim a ra m de m im , cerca n do-m e, em pu rra n do-m e con tra a cerca de correntes de a ço, a o la do do por tã o. O ven to cor ta n te zu n ia a t ra vés da m in h a rou pa t rop ica l e leve, en qu a n to eu p rocu ra va es ca pa r . Um policia l a ga rrou -m e pelo b ra ço, e os fu n cion á r ios volta ra m a o s eu t ra ba lh o. Pa ra m im a qu ilo era u m a b r in ca deira ; olh ei pa ra o gu a rda e sorri. “Porto-r iqu en h o lou co! Qu e d ia bo você p reten de fazer?” Meu s orr is o s u m iu qu a n do n otei ód io em s u a voz. Su a s boch ech a s gorda s es ta va m verm elh a s de fr io, e os olh os la cr im eja va m devido a o ven to. Um toco de ciga rro a pa ga do es ta va es qu ecido en tre s eu s lá b ios ba lofos . Ódio! Sen t i-o circu la r por todo o m eu corpo. O m es m o ód io qu e eu t ivera con tra m eu pa i e m in h a m ã e, con tra m eu s p rofes s ores e os gu a rda s em Por to Rico. ód io! Ten tei lib er ta r -m e, m a s ele m e p ren deu com u m a fér rea chave de braço. “Venh a , ga roto, va m os volta r a o a viã o.” Olh ei pa ra ele e dei uma cusparada. “Porco!” ros n ou . “Porco s u jo!” Ele a frou xou a pressão sobre o meu braço e tentou segurar-me por trás, pela gola do ca s a co. Mergu lh a n do por ba ixo do s eu b ra ço, des lizei pelo por tã o a ber to qu e leva va p a ra o edifício do aeroporto. Atrá s de m im , ou vi gr itos e p is a da s rá p ida s . Corr i pelo lon go corredor des via n do-m e, à es qu erda e à d ireita da s pes s oa s qu e s e d ir igia m a os a viões . De repen te, achei-m e em u m gra n de s a lã o. Des cobr in do u m a por ta de saída, zuni pelo salão e saí para a rua. Um gra n de ôn ibu s es ta va pa ra do ju n to a o m eio- fio, com a por ta a ber ta e o m otor liga do. A fila es tava en tra n do. Com a lgu m a s em pu rra da s , con s egu i en tra r ta m bém . O m otor is ta m e a ga rrou pelo om bro e ped iu o dinheiro da pa s s a gem . En colh i os om bros e res pon d i-lhe em es pa n h ol. E le m e pôs pa ra fora r is p ida m en te, ocu pa do dem a is pa ra perder tem po com u m ra pa zin h o tolo qu e m a l com preen d ia in glês . Qu a n do ele d es viou a a ten çã o pa ra u m a s en h ora qu e es ta va rem exen do n a bolsa, ba ixei a ca beça e es gu eirei-m e por detrá s dela , a t ra ves s ei a por ta e pen etrei n o ôn ibu s lota do. Da n do u m a olh a dela por s ob re o om bro, pa ra ter a cer teza d e que ele não me vira, dirigi-me à parte traseira do ônibus, e sentei-me junto a uma janela. Qu a n do o colet ivo deu a pa r t ida , vi o gu a rda gordu ch o e m a is dois s olda dos s a ir ofega n tes pela por ta la tera l do a eropor to, e olh a r em toda s a s d ireções . Nã o pude resistir à tentação de bater na vidraça, acenar para eles e sorrir através do vidro. Afu n da n do n o ba n co, a poiei os joelh os n a s cos tas do a s s en to da fren te e a per tei o n a r iz con tra o vid ro fr io e sujo da janela. O ôn ibu s a t ra ves s ou com d ificu lda de o t rá fego in ten s o de Nova York , em d ireçã o a o cen tro da cidade. Lá fora h a via n eve e la m a pela s ru a s e ca lça da s . Eu s em pre im a gin a ra qu e a n eve era b ra n ca e bon ita , com o n os con tos de fa da s . Ma s a qu ela era pa rda , com o m in ga u s u jo. Min h a res p ira çã o em ba çou a vid ra ça . Afastei-m e u m pou co e pa s s ei o dedo n ela . Era u m m u n do d iferen te, in teira m en te d iferen te do qu e eu acabara de abandonar. Min h a m en te voltou a o d ia a n ter ior , qu a n do eu pa ra ra n o m orro d ia n te de m in h a ca s a . Lem brei-m e da gra m a verde qu e m eu s pés a m a s s a va m , s a lp ica da dos pon t in h os de cor cla ra , da s p equ en in a s flores ca m pes tres . O ca m po des cia n u m declive s u a ve, a té a vila , lá em ba ixo. Lem brei-m e da b r is a fres ca qu e s opra va con tra m in h a fa ce, e do ca lor do s ol em m inhas costas bronzeadas e nuas. Por to Rico é u m a bela ter ra de s ol e de cr ia n ças des ca lça s . É u m a ter ra em qu e os h om en s n ã o u s a m camisa, e a s m u lh eres ca m in h a m pregu iços a m en te s ob u m s ol ca u s t ica n te. Os s on s dos ta m bores de a ço e da s gu ita r ra s ou vem -s e n oite e d ia . É u m a ter ra de ca n t iga s , flores, crianças sorridentes e água azul refulgente. Mas é também uma terra de feitiçaria e macumba, de s u pers t içã o religios a e de m u ita ign orâ n cia . De n oite, os s on s dos ta m bores da m a cu m ba res s oa m n a s m on ta n h a s cober ta s de pa lm eira s , en qu a n to feit iceiros exercem o s eu ofício, oferecen do s a cr ifícios e da n ça n do com serpentes à luz de fogueiras bruxuleantes. Meu s pa is era m es p ír ita s . Ga n h a va m a vida ex- pu ls a n do dem ôn ios e es ta belecen do u m s u pos to con tato com espíritos de mortos. Papai era um dos homens mais tem idos da ilh a . Com m a is de l,80m de a ltu ra , s eu s en orm es om bros en cu rva dos h a via m leva do os ilh éu s a s e refer irem a ele com o “O Gra n de”Ele fora fer ido du ra n te a Segu n da Gu erra Mu n d ia l e receb ia u m a pen s ã o do govern o. Ma s , com o h a via dezes s ete m en in os e u m a m en in a n a fa m ília , depois da gu erra ele recorreu ao espiritismo para ganhar a vida. Mam ã e t ra ba lh a va com pa pa i com o “médium”. Nos s a ca s a era s ede de toda s or te de reu n iões de m a cu m ba , s es s ões e feit iça r ia . Cen ten a s de pes s oa s vin h a m de toda a ilh a pa ra pa r t icipa r da s s es s ões espíritas. Nos s a ca s a en orm e, n o a lto d a colin a , era liga d a por u m a t r ilh a s in u os a e es t reita à pequ en a vila m o- dorren ta de La s Pied ra s , es con d ida n o va le, lá em ba ixo. Os a ldeões s u b ia m pela t r ilh a a qu a lqu er h ora do d ia ou da n oite, pa ra ir à “Ca s a do Feit iceiro”. Eles ten ta va m fa la r com es p ír itos dos m or tos , tomavam pa r te em a tos de feit iça r ia , e ped ia m a pa pa i pa ra liber tá -los de demônios. Pa pa i era o ch efe m a s h a via ou tros m éd iu n s qu e s e u t iliza va m de n os s a ca s a pa ra s ede de s u a s a t i- vida des . Algu n s perm a n ecia m a li s em a n a s s egu ida s , à s vezes in voca n do es p ír itos , à s vezes expu ls a n do demônios. Ha via u m a m es a com prida n a s a la da fren te, a o redor da qu a l o povo s e a s s en ta va , qu a n do es ta va ten ta n do s e com u n ica r com os es p ír itos dos m or tos . Pa pa i era m u ito en ten d ido n o a s s u n to, e t in h a u m a b ib lioteca de m a gia e es p ir it is m o, s em igu a l, n a qu ela parte da ilha. Cer ta m a n h ã , dois h om en s t rou xera m u m a s e- n h ora per tu rba da à n os s a ca s a . Eu e m eu irm ã o Gen e esgueiramo-n os da ca m a , olh a m os por u m a fres ta da por ta , e vim os qu a n do eles a es ten dera m s obre a m es a gra n de. O s eu corp o t rem ia e gem idos es ca pa va m de s eu s lá b ios ; os h om en s s e pos ta ra m u m de ca da la do da m es a , s egu ra n do-a . Ma m ã e ficou a os pés dela , com os olh os ergu idos pa ra o teto, repet in do pa la vra s es t ra n h a s . Pa pa i foi à cozin h a e voltou com u m a pequ en a u rn a p reta ch eia de in cen s o a fu m ega r . Tra zia ta m bém u m gra n de s a po qu e colocou s obre o es tôm a go a gita do da m u lh er . Depois , s u s pen den do a u rn a s ob re a ca beça dela , a s pergiu pó de in cen s o s obre s eu corp o convulso. Nós t rem ía m os de m edo; ele m a n dou qu e os es - p ír itos m a u s s a ís s em da m u lh er e en tra s s em n o s a po. De repen te, a m u lh er jogou a ca beça pa ra t rá s e s oltou u m gr ito a gu do. O s a po s a ltou do s eu es tôm a go e espatifou-s e con tra a s oleira da por ta . Im ed ia ta m en te, ela com eçou a da r pon ta pés e, s acudindo-s e, liber tou -se dos h om en s qu e a s egu ra va m , rolou da m es a e ca iu pes a da m en te n o ch ã o. Picou ba ba n do e m orden do a lín gu a e os lá b ios ; s a n gu e m is tu ra do com es pu m a escorria pelos cantos de sua boca. Ma is ta rde a qu ietou -s e e ficou im óvel. Pa pa i de- cla rou qu e ela es ta va cu ra da e os h om en s lh e dera m d in h eiro. Eles pega ra m o corpo in con s cien te e s e fora m , a gra decen do a pa p a i e ch a m a n do-o repet ida m en te de “Grande Milagreiro”. Min h a in fâ n cia foi ch eia de tem or e s ob res s a ltos. O fato de sermos uma família grande significava que mui pou ca a ten çã o era da da in d ividu a lm en te a ca da filh o. Eu t in h a ra iva de pa pa i e m a m ã e, e t in h a m edo da macumba que era realizada todas as noites. No verão anterior à época que eu devia entrar para a es cola pa pa i t ra n cou -m e, u m d ia , n o pom ba l. J á era noite e ele m e a pa n h a ra rou ba n do d in h eiro da bols a de m a m ã e. Procu rei correr , m a s ele es t icou o b ra ço e m e a ga rrou pela n u ca : “Nã o a d ia n ta correr , m olequ e. Você roubou; agora vai me pagar.” “Eu te odeio”, gritei. Ele m e leva n tou do ch ã o, s a cu d in do m e d ia n te d e si “Vou en s in á -lo a fa la r a s s im com s eu pa i”, d is s e en tre den tes . Coloca n do-m e deba ixo do b ra ço com o s e eu fos s e u m s a co de fa r in h a , a t ra ves s ou o qu in ta l es cu ro, dirigindo-se ao pombal. Escutei o ruído de suas mãos ao abrir a porta. “Para dentro”, rosnou ele. “Você vai ficar aí com os pombos, até aprender.” Atirou-m e por ta a den tro, e fech ou -a a t rá s de m im , deixando-m e em tota l es cu r idã o. Ou vi o t r in co s en d o colocado no lugar, e a voz de papai, abafada, através das fen da s da pa rede: “E n a da de ja n ta r .” Ou vi s eu s pa s s os se diminuindo na distância, de volta para casa. Eu es ta va petr ifica do de ter ror . Ma r tela va a porta com os p u n h os . Ch u ta va -a fren et ica m en te, gr ita n do e chorando. De repente, a casinhola encheu-se do barulho de a s a s : os pá s s a ros , a s s u s ta dos , h a via m a corda do; repet ida s vezes , ch oca ra m -s e con tra o m eu corpo. Aper tei a s m ã os con tra o ros to e gr itei h is ter ica m en te, en qu a n to a s pom ba s s e a r rem et ia m con tra a s pa redes , e b ica va m ferozm en te m eu ros to e pes coço. Ca í a tu rd ido n o ch ã o im u n do, e en ter rei a ca beça n os b ra ços , ten ta n do p roteger os olh os e ta pa r os ou vidos pa ra n ã o ou vir o s om da s a s a s qu e voltea va m s obre m in h a cabeça. Pa recia qu e u m a etern ida de s e pa s s a ra , qu a n do a por ta a b r iu , e pa pa i m e fez fica r de pé e a r ra s tou -me pa ra o qu in ta l. “Da p róxim a vez, você va i lem brar-s e de n ã o rou b a r e de n ã o res pon der com in s olên cia qu a n do for a pa n h a do”, d is s e ele a s pera m en te: “Agora , tom e u m banho e vá para a cama.” Ch orei n a qu ela n oite a té dorm ir ; depois , s on h ei com pá s s a ros es voa ça n tes qu e s e ch oca va m con tra m eu corpo. Meu s res s en t im en tos con tra pa pa i e m a m ã e rea - vivaram-s e n o a n o s egu in te, qu a n do en trei pa ra a es cola . Eu od ia va qu a lqu er a u tor ida de. Ma is ta rde, qu a n do já t in h a oito a n os , rebelei-m e de u m a vez con tra m eu s pa is . Foi em u m a ta rde qu en te de verã o. Ma m ã e e vá r ios ou tros “médiuns” es ta va m s en ta dos à gra n de m es a da s a la , tom a n do ca fé. Eu m e ca n s a ra de b r in ca r com m eu irm ã o e en tra ra n a s a la , b r in ca n do com u m a pequ en a bola , ba ten do-a n o a s s oa lh o. Um dos m éd iu n s d is s e à m a m ã e: “O Nicky é u m m en in o bon ito. Pa rece com você. Deve orgulhar-se dele.” Ma m ã e olh ou s ér ia pa ra m im e com eçou a b a - lançar-s e n a ca deira , pa ra a fren te e pa ra t rá s . Seu s olh os revira ra m , a pon to de a pa recer s om en te o b ra n co. Es ten deu os b ra ços pa ra a fren te, s ob re a m es a . Seu s dedos fica ra m du ros e t rem ia m e ela leva n tou va ga ros a m en te os b ra ços s ob re a ca beça e com eçou a fa la r em tom de ca n toch ã o: “Es te... n ã o... m eu ... filh o. Nã o, Nicky n ã o. Ele n u n ca foi m eu . Ele é filh o do m a ior de todos os b ru xos . Lú cifer . Nã o, m eu n ã o... n ã o, m eu não... Pilho de Satanás, filho do diabo.” Larguei a bola, que rolou pela sala afora. Encostei- m e à pa rede, e m a m ã e con t in u ou em tra n s e; s u a voz s e leva n ta va e ba ixa va , en qu a n to ela fa la va com o em responso: “Nã o, m eu n ã o, n ã o, m eu , n ã o... a m ã o de Lú cifer s ob re a s u a vida ... o dedo de Sa ta n á s es tá n a s u a vida ... o dedo de Sa ta n á s toca n a s u a a lm a ... a m a rca da bes ta n o s eu cora çã o... Nã o, m eu n ã o, m eu não.” Obs ervei qu e lá gr im a s corr ia m pela s s u a s fa ces . De repen te, voltou -s e pa ra m im com os olh os a r - rega la dos e gr itou com voz es ga n iça da : “Sa i, DIABO! Pa ra lon ge de m im . Deixa -m e, DIABO! Lon ge! Lon ge! Longe!” Eu es ta va petr ifica do de ter ror. Corr i p a ra o m eu qu a r to e jogu ei-m e s obre a ca m a . Pen s a m en tos pa s s a va m pela m in h a m en te com o r ios ca n a liza dos em u m a ga rga n ta es t reita . “Nã o s ou filh o dela ... filh o de Sa ta n á s ... ela n ã o m e a m a ... Nin gu ém m e qu er . Ninguém me quer.” En tã o a s lá gr im a s viera m , e eu com ecei a ch ora r e a s olu ça r . A dor qu e s en t ia n o peito era in s u por tá vel, e esmurrei a cama até ficar exausto. O velh o ód io s e a gitou den tro de m im , a con s u mir m in h a a lm a , com o a on da da m a ré a va n ça s obre u m recife de cora l. Sen t i qu e od ia va m in h a m ã e. Pu xa , com o a od ia va ! Eu qu er ia fer i-la , tor tu rá -la , vin ga r-me. Empurrei a porta e saí correndo e gritando até a sala. Os m éd iu n s a in da es ta va m a li com m a m ã e. Es m u rrei a m es a e gr itei. Es ta va tã o fru s t ra do pelo ód io qu e gaguejava e as palavras não saíam direito: “Eu — eu... t- te o-o-odeio.” Apon ta va u m dedo t rêm u lo pa ra m in h a mãe e gritava: “Vo-vo-você me paga. Você me paga.” Dois de m eu s irm ã os m a is n ovos es ta va m à porta olh a n do, cu r ios os . Em pu rrei-os pa ra o la do e cor r i pa ra os fu n dos da ca s a . Mergu lh a n do es ca da a ba ixo, virei-me e a r ra s tei-m e pa ra b a ixo da va ra n da e ch egu ei a o ca n to es cu ro e fr io on de eu s em pre m e es con d ia . Aba ixa do s ob a escada, no meio daquela poeira seca, ouvi as mulheres r in do e m a is a lta do qu e a s ou tra s , a voz de m in h a m ã e ecoa n do a t ra vés do a s s oa lh o ra ch a do: “Vira m , eu bem disse que ele é filho de Satanás.” Com o s en t i ód io dela . Qu er ia des t ru í-la , m a s n ã o s a b ia com o. Es m u rra n do a poeira , gr itei de des espero, m eu corpo s a cu d in do-s e em s olu ços , con vu ls ivos. “Eu te odeio. Eu te odeio. Eu te odeio”, gr itei. Ma s n in gu ém m e ou viu . Nin gu ém s e im por tou . No m eu des es pero pega va mancheia s de pó e a t ira va fu r ios a m en te em toda s a s d ireções . A poeira a s s en ta va em m eu ros to transformando-s e em pequ en os r ia ch os s u jos a o misturar-se com as lágrimas. Ma is ta rde o fren es i a ca lm ou -s e e fiqu ei em s i- lên cio. Ou vi a s cr ia n ça s b r in ca n do n o qu in ta l. Um ga roto es ta va ca n ta n do u m a m ú s ica qu e fa la va de pa s s a r in h os e borboleta s m a s eu m e s en t ia is ola do, s olitá r io... Tor tu ra d o pelo ód io e pela pers egu içã o e obceca do pelo m edo. Ou vi a por ta do pom ba l fech a r-s e e a s ru idos a s pa s s a da s de pa pa i qu e vin h a dos fu n dos da ca s a ; ele com eçou a s u b ir os degra u s da es ca da . Pa ra n do, olh ou pa ra a s t reva s , por en tre a s ra ch a du ra s da s tá bu a s dos d egra u s . “O qu e es tá fa zen do a í em ba ixo, m en in o?” Fiqu ei em s ilên cio, com a es pera n ça d e qu e n ã o m e recon h eces s e. Ele en colh eu os om bros e con t in u ou s u b in do a es ca da , e en trou deixa n do a por ta bater atrás de si. Ninguém me quer, pensei. Ou vi m a is r is a da s den tro da ca s a , qu a n do a voz de ba ixo p rofu n do de m eu pa i u n iu -s e à da s m u lh eres. Eu sabia que eles ainda estavam rindo de mim. On da s de ód io m e in va d ira m ou tra vez. Lá gr imas rola ra m pelo m eu ros to, e com ecei a gr ita r de n ovo. “Eu te odeio, m a m ã e! Eu te odeio. Eu te odeio.” Min h a voz ecoou no vácuo sob a casa. Ch ega n do a u m a u ge de em oçã o, ca í d e cos ta s n a poeira, e rolei de um lado para o outro — a poeira cobria m eu corpo. Exa u s to, fech ei os olh os e ch orei, a té ca ir num sono agitado. O s ol já t in h a s e es con d ido n o m a r , qu a n do des - per tei e m e a r ra s tei pa ra fora , s a in do de ba ixo da va ra n da . A a reia a in da ra n gia em m eu s den tes , e o m eu corpo es ta va cober to de s u jeira . Os s a pos coa xa va m . Os gr ilos ca n ta va m . Eu s en t ia o orva lh o ú m ido e fr io s ob meus pés descalços. Pa pa i a b r iu a por ta dos fu n dos , e u m ja to de lu z a m a rela p rojetou -s e on de m e a ch a va , a o pé da es ca da . “Porco!” gr itou ele. “O qu e você es ta va fa zen do ta n to tem po deba ixo da ca s a ? Veja com o es tá . Nã o qu erem os porcos por aqui. Vá se lavar e venha jantar.” Obedeci. Porém , m ed ita n do en qu a n to m e la va va deba ixo da b ica , ch egu ei à con clu s ã o de qu e h a ver ia d e od ia r etern a m en te. Com preen d i qu e n u n ca m a is a m a r ia de n ovo .. a n in gu ém . E n u n ca m a is ch ora r ia ... n u n ca . Medo, s u jeira e ód io pa ra o filh o de Sa ta n á s . Foi qu a n do comecei a fugir. Mu ita s fa m ília s por to-r iqu en h a s têm o cos tu m e de m a n da r s eu s filh os pa ra Nova York , qu a n do es tes a lca n ça m ida de s u ficien te pa ra cu ida r de s i. Seis dos m eu s irm ã os m a is velh os já h a via m deixa do a ilh a , mudando-s e pa ra Nova York . Todos es ta va m ca s a dos e procurando construir vida nova. Eu , porém , era m u ito n ovo pa ra ir . Nã o obs ta n te, n os cin co a n os s egu in tes m eu s pa is ch ega ra m à con clu s ã o de qu e n ã o era pos s ível qu e eu perm a n ecesse em Por to Rico. Torn a ra -m e rebelde n a es cola . Es ta va s em pre p rocu ra n do b r iga , p r in cipa lm en te com cr ia n ça s m en ores do qu e eu . Um d ia a t irei u m a pedra n a ca beça de u m a m en in a . Fiqu ei olh a n do, com u m s en t im en to d e p ra zer , o s a n gu e qu e goteja va a t ra vés de s eu ca belo. A menina estava gritando e chorando, e eu ali, rindo. Meu pa i es bofeteou -m e a qu ela n oite a té m in h a boca sangrar. “Sangue por sangue”, gritou ele. Com prei u m a es p ingarda “pica-pau” pa ra m a tar pa s s a r in h os . Ma s , pa ra m im , m a tá -los n ã o era o suficiente. Gostava de mutilar seus corpos. Meus irmãos se afastavam de mim, por causa do meu estranho desejo de ver sangue. Qu a n do es ta va n o oita vo a n o, t ive u m a b r iga com o p rofes s or de a r tes m a n u a is . Era u m h om em a lto e m a gro qu e gos ta va de a s s ob ia r pa ra a s m oça s . Um d ia , na classe, eu o chamei de “negro”. A sala ficou silenciosa e os ou tros ra pa zes s e es gu eira ra m pa ra t rá s da s máquinas da oficina, sentindo a tensão no ar. O p rofes s or ca m in h ou pela cla s s e, a té o lu ga r on de eu es ta va , a o la do de u m torn o. “Sa be o qu e m a is , rapaz? Você é pretensioso.” Res pon d i com in s olên cia : “Des cu lpe, n egro, eu acho que não sou.” An tes qu e pu des s e s a fa r -m e, ele m e ba teu com o lon go b ra ço os s u do e s en t i a ca rn e dos m eu s lá b ios esmagar-s e con tra os den tes com a violên cia do golpe. Sen t i o gos to do s a n gu e qu e es corr ia pela m in h a boca e pelo meu queixo. Ava n cei pa ra ele, b ra n d in do os b ra ços . O p ro- fes s or era u m h om em feito en qu a n to eu pes a va m enos de cin qü en ta qu ilos . Eu es ta va ch eio de ód io e a vis ta do sangue fez-me explodir. Esticando os braços e colocando a s m ã os con tra a m in h a tes ta ele m e con s ervou à distância, enquanto eu dava murros no ar. Com preen den do a in u t ilida de dos m eu s es forços , fugi. “Você va i ver , n egro”, gr itei. “Vou à polícia . Es pera para ver.” Saí correndo da sala de aula. Ele correu a t rá s d e m im , ch a m a n do-me: “Espere. Eu sinto muito.” Mas, não voltei. Não fui à polícia. Em lugar disso, dirigi-me a papai e lh e d is s e qu e o p rofes s or ten ta ra m e m a ta r . E le ficou fu r ios o. Correu a o qu a r to e depois s a iu com s u a en orm e p is tola n o cin to. “Va m os ga roto. Vou m a ta r u m valentão.” Volta m os à es cola . Eu t in h a d ificu lda de em a com pa n h a r os p a s s os lon gos de p a pa i e qu a s e p re- cis a va correr pa ra a lcançá-lo. Meu cora çã o s a lta va a o pen s a r n a s en s a çã o de ver a qu ele p rofes s or a ltoencolher-se de medo sob a fúria de meu pai. Ma s , o p rofes s or n ã o es ta va n a s a la de a u la . “Es pera a qu i, m en in o”, d is s e pa pa i. “Eu vou con versar com o diretor, e resolver isto.” Senti medo, mas esperei. Pa pa i dem orou m u ito tem po n o es cr itór io do d iretor . Qu a n do s a iu , ca m in h ou depres s a em m in h a d ireçã o, e m e s a cu d iu pelo b ra ço. “Mu ito bem , rapaz, você tem algumas explicações a dar. Vamos para casa.” Volta m os de n ovo a t ra vés da pequ en a vila , e pela t r ilh a s in u os a , a té em ca s a . Ele m e pu xa va a t rá s de s i, p res o pelo b ra ço. “Men t iros o s u jo”, d is s e-m e já defron te da ca s a . Leva n tou a m ã o pa ra es bofetea r -m e, m a s con s egu i s a ir fora d o s eu a lca n ce, e cor r i la deira a ba ixo. “Es tá cer to... Fu ja , m olequ e!” gr itou . “Você h á d e volta r para casa e quando voltar, eu vou lhe mostrar...” Voltei para casa; mas só três dias depois. A polícia pegou-m e a n da n do n a beira de u m a es t ra da qu e leva va à s m on ta n h a s , n o in ter ior . Rogu ei-lh es qu e m e soltassem, m a s d evolvera m -m e a o m eu pa i. E ele cumpriu a sua promessa. Eu s a b ia qu e p recis a va fu gir ou tra vez. E m a is ou tra . Fu gir ia pa ra tã o lon ge qu e n in gu ém s er ia capaz de m e t ra zer de volta . Nos dois a n os qu e s e s eguiram, fugi cinco vezes. Todas as vezes a polícia me encontrou e m e levou de volta pa ra ca s a . Fin a lm en te, s em m a is es pera n ça , pa pa i e m a m ã e es crevera m pa ra m eu irm ã o Fra n k , pergu n ta n do-lh e s e poder ia receber-m e pa ra m ora r em s u a com pa n h ia . Fra n k con cordou , e eles traçaram os planos para a minha ida. Na m a n h ã em qu e via jei, a s cr ia n ça s s e en fileira ra m n a va ra n da à fren te da ca s a . Ma m ã e m e apertou a o peito. Ha via lá gr im a s em s eu s olh os qu a n d o ela ten tou fa la r , porém n ã o s a iu pa la vra n en h u m a . Eu n ã o t in h a por ela s en t im en to de qu a lqu er es pécie. Pegan do m in h a pequ en a m a la , virei a s cos ta s , ca r ra n cu do, e d ir igi-m e à velh a ca m in h on eta on de pa pa i me esperava. Não olhei para trás. Leva m os qu a ren ta e cin co m in u tos pa ra ch ega r a o a eropor to de Sa n J u a n , on de pa pa i m e deu a pa ssagem e en fiou em m in h a m ã o u m a n ota de dez dólares dobrada. “Telefon e pa ra Fra n k logo qu e ch ega r a Nova York”, disse ele. “O p iloto va i tom a r con ta de você a té ele chegar.” Ficou de pé olh a n do pa ra m im du ra n te lon go tem po, bem m a is a lto do qu e eu , en qu a n to u m ca ch o do s eu ca belo gr is a lh o e on du la do era a gita do pela b r is a qu en te. É p rová vel qu e eu pa reces s e pequ en o e p a tét ico a s eu s olh os , pa ra do a li n a es t ra da , com a m a leta n a m ã o. Seu s lá b ios t rem era m qu a n do es ten deu a m ã o pa ra a per ta r a m in h a . En tã o, repen t in a m en te, en volveu - me em s eu s lon gos b ra ços e a per tou o m eu corpo m a gro contra o seu. Escutei-o s olu ça r s ó u m a vez: “Hijo m io” (filho meu). Soltando-m e, ele d is s e ra p ida m en te: “Seja u m bom m en in o, pa s s a r in h o.” Virei-m e, e s a í corren do; ga lgu ei a s es ca da s do en orm e a viã o, e s en tei-m e ju n to a uma janela. Lá fora vi a figura magra e solitária de meu pai, “O Grande”, en cos ta do n a cerca . Ele leva n tou a m ã o u m a vez, com o s e fos s e a cen a r , m a s pa receu en vergonhar-se, e voltou , a n da n do depres s a , pa ra ju n to da velh a caminhoneta. Por que será que ele me chamara de “passarinho”? Recordei o m om en to qu a n do, m u itos a n os a t rá s , s en ta do n os degra u s da gra n de va ra n da , pa pa i m e chamara daquela forma. Es ta va s en ta do em u m a ca deira de ba la n ço, fu - m a n do o s eu ca ch im bo, qu a n do m e con tou a len da de u m pá s s a ro qu e n ã o t in h a pés , e por is s o voa va con t in u a m en te. Pa pa i olh ou -m e s om brio, e d is s e: “Esse pa s s a r in h o é você, Nicky. Você n ã o tem des ca n s o. Com o u m pa s s a r in h o, você es tá s em pre fu gindo.” Men eou a cabeça vagarosamente, e levantou os olhos para os céus, s opra n do fu m a ça n a s t repa deira s , qu e s u b ia m a té o telhado da varanda. “Es s e pa s s a r in h o é pequ en in o e m u ito leve. Nã o pes a m a is do qu e u m a pen a . Ele é leva do p ela s cor- ren tes de a r , e dorm e a o ven to. Es tá s em pre fu gin do. Fu gin do de ga viões , de á gu ia s , de coru ja s . Aves de ra p in a . Ele s e es con de coloca n do-s e en tre ela s e o s ol. Se ela s voa rem a cim a dele, poderã o vê-lo, em con tra s te com a ter ra es cu ra . Ma s a s s u a s p equ en a s a s a s s ã o t ra n s pa ren tes , com o a á gu a cla ra da la goa . En qu a n to ele perm a n ece n o a lto, ela s n ã o con s egu em vê-lo, e assim ele nunca descansa.” Pa pa i recos tou -s e e s oltou u m a ba fora da de fu - maça azul. “Mas, como é que ele come?” perguntei. “Ele com e a o ven to”, res pon deu pa pa i. Fa la va va ga ros a m en te, com o s e t ives s e vis to a a vezin h a . “Ele a pa n h a in s etos e borboleta s . Nã o tem pern a s ... n em pés... está sempre se movendo.” Fiqu ei fa s cin a do com a es tór ia . “E n os d ia s ch u - vosos?” perguntei-lhe. “O qu e a con tece qu a n do o s ol n ã o b r ilh a ? Com o é, en tã o, qu e ele es ca pa dos s eu s inimigos?” “Nos d ia s feios , Nicky”, d is s e pa pa i, “ele voa tã o a lto qu e n in gu ém pode vê-lo. A ú n ica h ora em qu e pá ra de voa r — o ú n ico m om en to em qu e pá ra de fu gir — a ú n ica vez qu e vem à ter ra — é qu a n do m orre. Pois , u m a vez que toca o solo, não pode mais fugir” Pa pa i m e deu u m ta p in h a n o t ra s eiro e m e tocou de ca s a . “Vá a gora , pa s s a r in h o. Fu ja , voe. Seu pa i o chamará quando já não for hora de correr.” Literalmente voei pelo campo gramado, batendo os b ra ços com o u m pá s s a ro qu e ten ta s s e a lça r vôo. Con tu do, por a lgu m a ra zã o, pa rece qu e n ã o con s eguia ganhar suficiente velocidade para subir. Os m otores do a viã o tos s ira m , s olta ra m fu m a ça n egra , e en tra ra m em fu n cion a m en to. Fin a lm en te, eu ia voar. Estava a caminho... O ôn ibu s pa rou . Lá fora , a s lu zes b r ilh a n tes e os a n ú n cios lu m in os os m u lt icolor idos a cen d ia m e a pa ga va m n a pen u m bra fr ia . Um h om em qu e es ta va do ou tro la do leva n tou -s e pa ra d es cer . Segu i-o a té a por ta , e s a ím os . As por ta s s e fech a ra m a trá s de m im , e o ôn ibu s pa r t iu . Fiqu ei a li n a ca lça da ... s ozin h o n o m eio de oito milhões de pessoas. Apa n h ei u m pu n h a do de n eve s u ja e t irei a cros ta qu e a cob r ia . Ali es ta va : n eve pu ra e b r ilh a n te. Des ejei colocá-la n a boca e com ê-la Porém , a o olh a r bem , pequ en a s m a n ch a s n egra s com eça ra m a a pa recer n a s u perfície. Com preen d i qu e o a r es ta va ch eio de fu ligem da s ch a m in és e qu e a n eve es ta va tom a n do o a s pecto de queijo fresco pulverizado com pimenta-do-reino. J ogu ei a n eve pa ra o la do. Nã o fa zia d iferen ça . Eu estava livre. Va gu eei pela cida de dois d ia s . En con trei u m ca - s a co velh o joga do em u m a la ta de lixo. As m a n ga s cobr ia m a s m in h a s m ã os , e a ba r ra va rr ia a ca lça da . Os botões t in h a m s ido a r ra n ca dos e os bols os ra s gados, m a s ele m e a qu ecia . Aqu ela n oite eu dorm i n o m etrô, encolhido em um banco. No fim do s egu n do d ia , m eu en tu s ia s m o es friara . Eu es ta va com fom e... e com fr io. Em du a s oca s iões , ten tei fa la r com a lgu ém , ped in do a ju da . O pr im eiro h om em s im ples m en te ign orou -m e. Con t in u ou a n da n do, com o s e eu n ã o es t ives s e a li. O s egu n do em pu rrou -me con tra apa rede: “Ca ia fora , s eu . Nã o pon h a es s a s m ã os gordu ren ta s em m im .” Piqu ei com m edo. Ten ta va im ped ir qu e o pâ n ico s u b is s e do es tôm a go pa ra a garganta. Na qu ela n oite, percorr i de n ovo a s ru a s da cidade, o pa letó com prido va rren do a ca lça da e a pequ en a m a la s egu ra firm em en te em m in h a m ã o. Pes s oa s pa s s a va m por m im , e m e olh a va m , m a s n in gu ém pa recia im por ta r - se comigo. Apenas olhavam e continuavam andando. Nes s a m es m a n oite ga s tei os dez dóla res qu e pa pa i m e dera . En trei em u m pequ en o res ta u ra n te e ped i u m ca ch orro-qu en te, a pon ta n do pa ra a figu ra de u m , qu e es ta va depen du ra da a cim a do ba lcã o. En goli-o s ofrega m en te e in d iqu ei qu e des eja va ou tro. O h om em s a cu d iu a ca beça n ega t iva m en te e es ten deu a m ã o. En fiei a m ã o n o bols o e t irei a n ota a m a rfa n h a da . Lim pa n do a s m ã os em u m a toa lh a , ele a b r iu a n ota , alisou-a , e m eteu -a n o bols o do a ven ta l s u jo. Trou xe-me en tã o ou tro ca ch orro-qu en te e u m a ter r in a de feijã o com ca rn e. Qu a n do term in ei, p rocu rei-o, m a s ele h a via des a pa recido n a cozin h a . Pegu ei a m a la e voltei pa ra a ru a fr ia . Aca ba ra de ter m eu p r im eiro en con tro com a es per teza a m er ica n a . Com o ir ia s a ber qu e u m ca ch orro- quente americano não custa cinco dólares? Des cen do a ru a , pa rei em fren te a u m a igreja . Um pes a do por tã o de fer ro, t ra n ca do com u m ca dea do, fora coloca do d ia n te da s por ta s . Pa rei d ia n te do gra n d e ed ifício de ped ra cin zen ta e obs ervei a tor re qu e a pon ta va pa ra o céu . As fr ia s pa redes de ped ra e os es cu ros vit ra is es ta va m fora do m eu a lca n ce, p rotegidos pela cerca de fer ro. A es tá tu a de u m h om em de ros to s im pá t ico e olh os t r is tes es p ia va a t ra vés do por tã o fech a do. Os s eu s b ra ços es ta va m es ten d idos e cober tos de n eve, m a s ele es ta va t ra n ca do lá den tro, e eu a qu i fora. Arrastei-m e ru a a ba ixo... a n da n do... a n da n do s em parar. O pâ n ico volta va fu r t iva m en te. Era qu a s e m eia - n oite, e eu t rem ia n ã o s ó de fr io, m a s ta m bém de m edo. Tin h a es pera n ça de qu e a lgu ém pa ra s s e e m e pergu n ta s s e em qu e poder ia m e a ju da r . Nem s ei o qu e ter ia d ito, s e a lgu ém pa ra s s e e ofereces s e a ju da . Ma s eu me sentia sozinho, com medo, e perdido... A m u lt idã o a p res s a da foi em bora e m e deixou . Nu n ca pen s ei qu e u m a pes s oa pu des s e s en t ir s olidã o n o m eio de u m m ilh ã o de pes s oa s . Pa ra m im , s olidã o era perder-s e n a flores ta ou em u m a ilh a des er ta . Porém , es s a era a p ior da s s olidões . Vi pes s oa s bem ves t ida s , volta n do do tea t ro pa ra s u a s ca s a s ... velh os ven den do jorn a is e fru ta s em pequ en a s ba n ca s qu e fica va m a ber ta s a n oite toda ... policia is pa tru lh a n do, a os pa res ... ca lça da s ch eia s de pes s oa s a p res s a da s . Ao olh a r pa ra s eu s ros tos , ela s ta m bém pa recia m s olitá r ia s . Nin guém ria. Ninguém de rosto alegre. Todos apressados. Sentei-m e n a ca lça da e a b r i m in h a pequ en a m a la. En con trei u m peda ço de pa pel dobra do, com o n ú m ero do telefon e de Fra n k , es cr ito por m a m ã e. De repen te, s en t i a lgo em pu rra n do-m e por t rá s . Era u m ca ch orro velh o, felpu do qu e en cos ta va o focin h o n o en orm e ca s a co qu e cobr ia m eu corpo m a gro. Rodeei s eu pes coço com o b ra ço, e pu xei-o pa ra m im . Ele la m beu m eu ros to e eu enterrei a cabeça no seu pelo sarnento. Nã o s ei qu a n to tem po fiqu ei a li s en ta do, t rem en do e a fa ga n do o cã o. Qu a n do olh ei pa ra cim a , vi os pés e pernas de dois policiais uniformizados. As suas galochas es ta va m m olh a da s e s u ja s . O ca ch orro s a rn en to p res s en t iu o per igo, e s a iu corren do, des a pa recendo num beco. Um dos gu a rda s ba teu n o m eu om bro com a pon ta do ca s s etete. “O qu e é qu e você es tá fa zen do a qu i s en ta do, n o m eio da n oite?” pergu n tou ele. A s u a fa ce pa recia es ta r cem qu ilôm etros a cim a . Com d ificu lda de p rocu rei exp lica r , em m eu in glês de pé qu ebra do, qu e estava perdido. Um deles m u rm u rou a lgo pa ra o ou tro, e s e foi. O qu e fica ra a joelh ou -s e a o m eu la do, n a ca lça da s u ja. “Posso ajudá-lo, garoto?” Acen ei qu e s im e t irei o peda ço de pa pel com o n om e e n ú m ero do telefon e de Fra n k . “Irmão”, d is se-lhe, mostrando o papel. Ele sacudiu a cabeça ao olhar para a escrita quase ilegível. “É aí que você mora, garoto?” Eu n ã o s a b ia res pon der e a pen a s d is s e: “Irmão”. Ele a cen ou qu e s im , leva n tou -m e pelo b ra ço, e d ir igim o- n os a u m a ca b in e telefôn ica a t rá s de u m a ba n ca de jorn a is . Pes cou u m n íqu el n o bols o e d is cou o n ú m ero. Qu a n do a voz s on olen ta de Fra n k res pon deu , ele m e en tregou o fon e. Em m en os de u m a h ora eu es ta va a salvo, no apartamento de meu irmão. A s opa qu en te qu e tom ei já n a ca s a de Fra n k es ta va gos tos a , e a ca m a lim pa , delicios a . Na m a n h ã seguin te Fra n k m e con tou qu e eu dever ia fica r com ele, qu e ele cu ida r ia de m im e m e por ia n a es cola . Algo den tro de m im , porém , m e d izia qu e eu n ã o fica r ia a li. Começara a fugir, e agora nada me faria parar. Capítulo 2 NNAA SS EE LLVVAA DD OO QQUUAADD RR OO-- NNEE GGRR OO FIQUEI DOIS MESES COM FRANK, a p ren den do a m a n obra r o in glês . Porém n ã o era feliz, e a s ten s ões internas estavam me perturbando muito. Fra n k , logo n a p r im eira s em a n a , m a tr icu lou -me n o gin á s io. A es cola era qu a s e in teira m en te de n egros e porto-r iqu en h os . Era d ir igida m a is com o u m reform a tór io do qu e com o es cola pú b lica . Os p rofessores e a dm in is t ra dores pa s s a va m a m a ior pa r te do tem po tentando manter a disciplina, de forma que pouco tempo res ta va pa ra o en s in o. Era u m lu ga r s elva gem , ch eio de b r iga s , de im ora lida de e de con s ta n te ba ta lh a con tra os que tinham autoridade. Toda s a s es cola s do Brook lin têm rep res en ta n tes de pelo m en os du a s ou t rês ga n gs . Es ta s ga n gs s ã o qu a dr ilh a s form a da s por ra pa zes e ga rota s qu e vivem em u m cer to ba ir ro. Algu m a s vezes a s ga n gs s ã o inimigas , o qu e in va r ia velm en te cr ia con flitos , qu a n do são colocadas na mesma sala de aula. Aqu ilo era u m a exper iên cia n ova pa ra m im . Todo d ia n a es cola t in h a de h a ver u m a b r iga n os corredores ou em u m a da s s a la s de a u la . Eu m e en cos ta va à pa rede, com m edo de qu e a lgu m dos ra pa zes m a iores m e ba tes s e. Depois da a u la , s em pre h a via u m a br iga n o pátio, e alguém saía ferido e perdendo sangue. Fra n k cos tu m a va a dver t ir -m e, pa ra n ã o a n da r pela s ru a s à n oite. “As qu a dr ilh a s , Nicky. As qu adrilhas podem te m a ta r . E les s a em com o m a t ilh a s de lobos , du ra n te a n oite, e m a ta m qu a lqu er pes s oa qu e n ã o conheçam.” Ele m e recom en dou qu e vies s e d ireto da es cola pa ra ca s a , toda s a s ta rdes , e fica s s e n o a pa r ta m en to, e me conservasse à distância das gangs. Logo fiqu ei s a ben do ta m bém qu e a s qu a dr ilh a s n ã o era m a ú n ica cois a qu e eu dever ia tem er . Ha via ta m bém os “pequenos”. Era m ter r íveis m olequ es de n ove e dez a n os qu e pera m bu la va m pela s ru a s à ta rde e à n oit in h a , ou qu e b r in ca va m d ia n te dos pa rd ieiros em que moravam. Tive m eu p r im eiro en con tro com os “pequenos” qu a n do volta va da es cola p a ra ca s a cer to d ia , logo n a p r im eiras em a n a . Um a ga n g de cerca de dez m eninos en tre oito e dez a n os in ves t iu con tra m im , s a in do de u m portão. “Ei, garotos, olhem por onde andam.” Um dos meninos deu um rodopio e disse: “Vá para o inferno!” Ou tro veio por t rá s e a ba ixou -s e. An tes qu e m e desse conta do que estava acontecendo, vi-me estatelado de cos ta s n a ca lça da . Ten tei leva n ta r -m e, m a s u m dos ga rotos a ga rrou m eu pé e com eçou a pu xa r . Gr ita va m e riam o tempo todo. Perd i a ca lm a e dei u m s oco n o qu e es ta va m a is p róxim o, joga n do-o n a ca lça da . Na qu ele m om en to, ou vi u m a m u lh er gr ita r . Olh ei p a ra cim a , e vi-a deb ru ça d a n u m a ja n ela n o qu a r to a n da r . “Afaste-s e de m eu filh o, porco nojento, ou eu te mato.” Naquele m om en to, n ã o h a via n a da qu e eu des e- jasse mais do que afastar-me de seu filho. Mas os outros m en in os es ta va m a va n ça n do. Um deles a t irou u m a ga rra fa de refr igera n te n a m in h a d ireçã o. Ela a cer tou n a ca lça da , per to do m eu om bro, fa zen do ch over vid ro n o meu rosto. A m u lh er es ta va gr ita n do a in da m a is : “Nã o s e m eta com os m eu s m en in os ! Socorro! Socorro! Ele es tá matando meu filho!” De repente, outra mulher apareceu em uma porta, com u m a va s s ou ra n a m ã o. Era gorda e ba m bolea va a o correr ; t in h a a ca ra m a is feia qu e eu já vi. E la en trou n o m eio da qu a dr ilh a de ga rotos , com a va s s ou ra leva n ta da a cim a de s u a ca beça . Ten tei rola r n o ch ã o, fu gin do dela , m a s era ta rde — a va s s ou ra a cer tou em ch eio n a s minhas costas. Rolei de novo e ela me acertou no alto da ca beça . Ela es ta va gr ita n do. Perceb i en tã o qu e vá r ia s ou tra s m u lh eres es ta va m debru ça da s n a s ja n ela s , gr ita n do, e ch a m a n do a polícia . A m u lh er gorda m e golpeou pela terceira vez, a n tes qu e eu pu des s e pôr-me de pé e com eça r a correr . Ou vi-a d izer , a t rá s de m im : “Se você a pa recer por a qu i de n ovo, ju d ia n do de n os s a s crianças, nós te matamos.” Na ta rde s egu in te, a o volta r da es cola pa ra casa, escolhi um caminho diferente. Um a s em a n a m a is ta rde t ive o p r im eiro en con tro com u m a ga n g. Volta va da es cola e pa ra ra em u ma pra ça pa ra ver u m h om em qu e t in h a u m pa pa ga io. Eu estava dançando ao redor dele, rindo e conversando com o pá s s a ro, qu a n do o h om em s u b ita m en te perdeu o in teres s e, a per tou o pa pa ga io con tra o p eito e foi s a in do. Olh ei a o redor , e vi cerca de qu in ze ra pa zes n u m s em icírcu lo em torn o de m im . Nã o era m “pequenos”. Ao con trá r io, era m bem “grandes”, n a m a ior ia , m a iores do que eu. Ra p ida m en te form a ra m u m círcu lo pon do-m e n o m eio e u m dos ra pa zes d is s e: “Ei, m olequ e, de qu e é qu e você está rindo?” Apon tei pa ra o h om em do pa pa ga io, qu e en tã o fu gia da p ra ça . “Pu xa , eu es ta va r in do d a qu ele pa pa gaio bacana.” “Es cu te, você m ora a qu i por per to?” pergu n tou o rapaz, com olhar ameaçador. Sen t i qu e a lgo es ta va er ra do, e com ecei a ga gu ejar u m pou co: “Eu-eu m oro com m eu irm ã o, n o fim des ta rua.” “Você pen s a qu e s ó porqu e m ora n o fim des ta ru a , pode en tra r n a n os s a p ra ça e r ir com o u m a h ien a , h ein ? É o qu e você pen s a ? Nã o s a be qu e es tá n os dom ín ios dos Bis h ops , ra pa z? Nós n ã o perm it im os qu e es t ra n h os en trem em n os s os dom ín ios , p r in cipa lm en te pa s pa lh os que riem como hienas.” Olh ei pa ra eles , e p erceb i qu e fa la va m s ér io. An tes qu e eu pu des s e res pon der , o ra pa z de olh a r du ro t irou u m a fa ca do bols o e, p res s ion a n do u m botã o, a b r iu -a, m os tra n do u m a lâ m in a relu zen te de dezes s ete centímetros. “Sa be o qu e vou fa zer?” d is s e ele. “Vou cor ta r a s u a ga rga n ta e deixa r você s a n gra r , com o o a n im a l qu e ri como você.” “Ei, ra -ra-rapaz”, ga gu ejei. “O qu e é qu e h á de errado comigo? Por que é que você quer me esfaquear?” “Porqu e n ã o gos to da s u a ca ra , s ó is s o”, d is s e ele. Apon tou a fa ca pa ra o m eu es tôm a go, e com eçou a andar em minha direção. “Va m os , pa izin h o. Deixe-o. Es s e m en in o a ca ba de ch ega r de Por to Rico. Nã o con h ece a s regra s ”, fa lou outro membro da quadrilha, um moreninho espigado. “Cer to, m a s u m d ia va i s a ber . E é m elh or qu e n ã o p is e n o dom ín io dos Bis h ops .” Com u m s orr is o de escárnio, ele recuou. Viraram-s e e fora m em bora . Corr i pa ra o a pa r- tamento e passei o resto da tarde pensando. No d ia s egu in te, n a es cola , a lgu n s m en in os ou - vira m fa la r do in ciden te da p ra ça . Des cobr i qu e o ra pa z qu e t ira ra a fa ca ch a m a va -s e Rober to. Na qu ela ta rde, du ra n te a a u la de edu ca çã o fís ica , es tá va m os joga n d o beis ebol. Rober to derru bou -m e de p ropós ito. Todos os outros meninos começaram a gritar: “Dá nele, Nicky. Bate nele. Mostre que ele não é de n a da , qu a n do n ã o es tá com u m a fa ca n a m ã o. Va m os , Nicky, nós estamos com você. Dá nele!'; “Es tá bem ”, d is s e eu , “va m os ver s e você é bom de briga.” Levantei-me e limpei a roupa. Tomamos posição um diante do outro, e os demais m en in os form a ra m u m gra n de círcu lo à n os s a volta . Ouvi-os gr ita r : “Lu tem ! Lu tem !” e perceb i qu e o círcu lo aumentava. Rober to r iu , porqu e eu tom a ra a pos içã o t ra d i- cion a l de pu gilis ta , com a s m ã os d ia n te do ros to. El? encurvou-s e u m pou co e ta m bém leva n tou os pu n h os fech a dos , des a jeita da m en te. Era óbvio qu e n ã o es ta va a cos tu m a do a lu ta r da qu ela form a . Da n cei em d ireçã o a ele, e a n tes qu e pu des s e m over-s e, a cer tei-lh e u m s oco de es qu erda . O s a n gu e es p ir rou de s eu n a r iz e ele deu u m pa s s o pa ra t rá s , olh a n do-m e s u rp res o. Ava n cei d e novo. De repen te, ele ba ixou a ca beça e ca r regou con tra m im com o u m tou ro, a cer ta n do-m e n o es tôm a go e jogando-m e de cos ta s n o ch ã o. Ten tei leva n ta r -m e, m a s ele m e ch u tou com s eu s s a pa tos pon tu dos . Rolei pa ra o la do, e ele pu lou s obre m in h a s cos ta s e pu xou -m e a ca beça pa ra t rá s , en ter ra n do delibera da -m en te os dedos nos meus olhos. Fiqu ei pen s a n do qu e os ou tros m en in os ir ia m m e a ju da r , ou pelo m en os a pa r ta r a b r iga , m a s s e lim ita ra m a ficar ali, torcendo. Eu n ã o s a b ia b r iga r da qu ela form a . Toda s a s m in h a s b r iga s h a via m s ido s egu n do a s regra s do boxe, m a s pen s ei qu e a qu ele ra pa z ir ia m e m a ta r , s e n ã o fizes s e a lgo. Aga rrei a s s u a s m ã os e t irei-a s dos m eu s olh os , en ter ra n do os m eu s den tes n o s eu dedo. Ele gritou de dor e saiu de cima de mim. De u m pu lo fiqu ei de pé e tom ei n ova m en te po- s içã o de pu gilis ta . E le leva n tou -s e va ga ros a m en te, s egu ra n do a m ã o fer ida . Da n cei em s u a d ireçã o e acertei-lh e dois s ocos de es qu erda n o ros to. Eu o fer ira , e a va n cei pa ra s ocá -lo de n ovo, qu a n do ele m e a ga rrou pela cin tu ra , p ren den do m eu s b ra ços a o la do d o corpo. Us a n do a ca beça com o u m ba te-es ta ca s , ele com eçou a dar-m e ca beça da s n o ros to. Meu n a r iz com eçou a s a n gra r e fiqu ei cego de dor . Fin a lm en te ele m e s oltou e m e deu dois s ocos , e eu ca í n o pó do pá t io da es cola . Sen t i qu e ele m e d eu u m pon ta pé, qu a n do ch egou u m professor que o afastou de mim. Na qu ela n oite qu a n do fu i pa ra ca s a , Fra n k gr itou comigo. “Eles vã o m a ta r você, Nicky. Eu lh e d is s e pa ra fica r lon ge da s qu a dr ilh a s . Eles vã o m a ta r você.” Min h afa ce es ta va m u ito fer ida e m eu n a r iz pa recia es ta r quebrado. Eu sabia, porém, que daí para frente ninguém m a is leva r ia va n ta gem s obre m im . Eu era ca pa z de lu ta r tã o des lea lm en te com o eles — e a té m a is . Da p róxim a vez estaria preparado . A “p róxim a vez” foi vá r ia s s em a n a s m a is ta rde. As a u la s t in h a m term in a do, e eu ia des cen do pelo corredor , em d ireçã o à por ta . Perceb i qu e a lgu n s a lu n os es ta va m m e s egu in do. Dei u m a olh a da por s ob re o om bro. Atrá s de m im h a via cin co ga rotos n egros e u m a m en in a . Sa b ia qu e era com u m h a ver b r iga s feia s en t re ra pa zes por to- r iqu en h os e n egros . Com ecei a a n da r m a is dep res s a , mas percebi que eles também apressavam o passo. Sa in do pela por ta , eu des cia u m corredor qu e da va pa ra a ru a . Os ga rotos de cor m e cerca ra m , e u m deles , u m gra n dã o, m e em pu rrou con tra a pa rede. Derru bei os livros , e ou tro ra pa z ch u tou -os corredor abaixo, e eles caíram numa vala cheia de água suja. Olh ei a o redor , porém n ã o vi n in gu ém qu e p u - des s e ch a m a r em m eu s ocorro. “O qu e você es tá fa zen do n es tes dom ín ios , ra pa z?” pergu n tou o gra n da lhão. “Você não sabe que isto aqui é nosso?” “Es s a n ã o! Is to é dom ín io da es cola . Nã o pertence a quadrilha alguma”, disse eu. “Nã o ba n qu e o es per t in h o com igo, m en in o, n ã o gosto de você.” Colocou a m ã o con tra o m eu peito e m e a per tou con tra a pa rede. Na qu ele m om en to ou vi u m cliqu e e percebi que era o ruído de um canivete automático. Qu a s e todos os ra pa zes a n da va m com u m desses. Eles p refer ia m u s a r u m t ipo de ca n ivete de p res s ã o, qu e é opera do com o a u xílio de u m a m ola . Qu a n do u m pequ en o botã o de la do é a per ta do, a m ola s olta -s e e a lâmina se abre. O ra pa gã o colocou a a rm a con tra m eu peito, p ica n do os botões d a m in h a ca m is a com a pon ta a fia da e fina. “Olha o que vou fazer, espertinho”, disse ele. “Você é n ovo n es ta es cola , e n ós fa zem os todos os n ova tos n os pa ga rem pa ra receber p roteçã o de n ós . É u m bom n egócio. Você n os pa ga vin te e cin co cen ta vos por d ia e nós garantimos que ninguém te amola.” Um dos outros rapazes deu uma risadinha forçada e d is se: “Sim , m eu ch a pa ; da m es m a form a , n ós garantimos que não amolamos você, também.” Todos os outros rapazes riram. En tã o eu d is s e: “Ah , é? E qu em m e p rova qu e m es m o qu e eu dê vin te e cin co cen ta vos pa ra vocês todos os dias, vocês não judiarão de mim?” “Ningu ém prova , m en in o in teligen te. Você a penas nos dá o dinheiro, de qualquer forma. Se não dá, morre”, respondeu ele. “Es tá bem . En tã o é m elh or qu e vocês m e m a tem a gora m es m o. Porqu e s e vocês n ã o m a ta rem , eu volta rei m a is ta rde e m a ta rei vocês u m por u m .” Pu de perceber qu e os ou tros fica ra m u m pou co a m edron ta dos . O ra pa gã o qu e t in h a a fa ca con tra o m eu peito, n a tu ra lm en te, pen s a va qu e eu era des t ro. Por is s o, n ã o es pera va qu e fos s e a ga rrá -lo com a m ã o es qu erda . Torci a s u a m ã o, a fa s ta n do-a do m eu peito, o fiz gira r s ob re s i mesmo e dobrei-lhe o braço por detrás das costas. Ele deixou ca ir a fa ca e eu a pa n h ei-a do ch ã o. Senti-me bem como ela na mão. Coloquei-a contra a sua ga rga n ta , p res s ion a n do-a a pon to de m a rca r a pele, s em furá-la. Em pu rrei o s eu ros to con tra a pa rede com a fa ca n o la do da s u a ga rga n ta , logo a ba ixo da orelh a . A m ocin h a com eçou a gr ita r , com receio de qu e eu fos s e matá-lo. Virei-m e pa ra ela e d is s e: “Ei, bon eca , eu con h eço você. Sei on de é a s u a ca s a . Hoje à n oite vou a té lá e te mato; quer?” Ela gr itou m a is a lto e a ga rrou o b ra ço de u m dos ou tros ra pa zes , com eça n do a pu xá -lo pa ra lon ge: “Foge! Foge!” gritava ela. “Esse cara é louco. Foge!” Eles fu gira m , in clu s ive o ra pa gã o qu e es t ivera p res o con tra a pa rede. Deixei qu e s e fos s e, s a ben do qu e eles poderiam ter-me matado, se tivessem tentado. Des ci pela ca lça da a té on de os livros es ta va m jo- ga dos n a á gu a . Apa n h ei-os e s a cu d i-os . Ain da t in h a o pu n h a l n a m ã o. Fiqu ei pa ra do m u ito tem po, a b r in do e fech a n do a lâ m in a . Era o p r im eiro “canivete de p res s ã o” qu e s egu ra va em m in h a m ã o. Ach ei delicios o m a n ejá -lo. Deixei-o ca ir n o bols o do pa letó e fu i pa ra ca s a . “Da qu ela h ora em d ia n te, s er ia m elh or qu e eles pen s a s s em du a s vezes a n tes de s e en ros ca rem com o Nicky”, pensei. Logo es pa lh ou -s e o boa to de qu e eu era ter r ível. Aqu ilo fez de m im u m a is ca a t ra en te pa ra qu a lqu er ra pa z qu e qu is es s e b r iga r . Ch egu ei à con clu s ã o de qu e a lgo d rá s t ico a con tecer ia : era a pen a s u m a qu es tã o d e tempo. Mas, estava preparado. A exp los ã o fin a l veio dois m es es depois de eu ter com eça do a es tu da r . A p rofes s ora a ca ba ra de es ta belecer a ordem n a cla s s e e es ta va fa zen do a ch a m a da . Um ra p a z de cor ch egou a t ra s a do. Veio gin ga n do e t in h a u m s orr is o cín ico n os lá b ios . Ha via u m a lin da ga rota por to-r iqu en h a s en ta da n a ú lt im a fileira. Ele curvou-se e beijou-a no pescoço. Ela a fa s tou -s e dele e s en tou -s e ereta n a ca r teira . E le deu a volta e beijou -a n a boca ; a o m es m o tem po ten ta n do a ca r iciá -la . E la pu lou do lu ga r e com eçou a gritar. Os ou tros a lu n os es ta va m r in do e gr ita n do: “Va- mos, rapaz, larga brasa!” Dei u m a olh a dela pa ra a p rofes s ora . Ela pôs -s e a des cer en tre a s fileira s , m a s u m la ta gã o leva n tou -se d ia n te dela e d is s e: “Ora , p rofes s ora , a s en h ora n ã o va i qu erer es t ra ga r a fes ta , va i?” A p rofes s ora en ca rou o ra pa z qu e era m a is a lto do qu e ela , e recu ou pa ra a s u a mesa, enquanto a classe urrava, divertindo-se. A es ta a ltu ra , o ra pa z t in h a a ga rota p res a con tra a pa rede, e ten ta va beija r lh e a boca . Ela gr ita va e tentava afastá-lo. Ele fin a lm en te des is t iu e deixou -s e ca ir pes a da - m ente no seu lugar. A professora limpou a garganta e começou de novo a fazer a chamada. Algo es ta la ra den tro de m im . Leva n tei-m e da ca r teira e d ir igi-m e a os fu n dos da cla s s e. A ga rota s en ta ra de n ovo e s olu ça va , en qu a n to a p rofes s ora fa zia a chamada. Cheguei por t rá s do ra pa z, qu e a gora es ta va s en ta do n a ca r teira , lim pa n do a s u n h a s . Pegu ei u m a pes a da ca deira de m a deira qu e es ta va n o fim do cor- redor e d is s e: “Ei, olh e, ga rotã o, eu ten h o u m a coisa para você.” Qu a n do ele virou -s e pa ra olh a r , dei-lh e u m a cadeira da n o a lto da ca beça . Ele a fu n dou n a ca r teira , en qu a n to o s a n gu e es corr ia de u m p rofu n do cor te n a cabeça. A p rofes s ora s a iu corren do d a cla s s e e voltou em u m s egu n do com o d iretor . E le a ga rrou -m e pelo b ra ço e m e em pu rrou corredor a fora , pa ra s eu escritór io. Fiqu ei s en ta do lá en qu a n to ele ch a m a va u m a a m bu lâ n cia , e tom a va p rovidên cia s pa ra qu e a lgu ém cu ida s s e do ra pa z ferido. Virou-s e pa ra m im . Depois de d izer tu do o qu e ou vira a m eu res peito, n os ú lt im os dois m es es , is to é, a s con fu s ões em qu e eu es t ivera m et ido, ped iu -m e u m a exp lica çã o do qu e a con tecera n a cla s s e. Con tei-lhe exa ta m en te o qu e h ou vera . Dis s e-lh e qu e o ra pa z es ta va s e a p roveita n do da ga rota por to-riqu en h a , e qu e a p rofes s ora n a da fizera pa ra im ped i-lo. Por is s o eu m e colocara a seu lado. En qu a n to fala va , p u de ver o s eu ros to s e a ver - m elh a r . Fin a lm en te, ele s e leva n tou e d is s e: “Está bom , já a gü en tei es s a s b r iga s a té on de pu d e. Vocês vêm a qu i e pen s a m qu e podem a gir da m es m a form a qu e a gem n a s ru a s . Pen s o qu e já é h ora de da r u m exem plo, e qu em s a be s e a a u tor ida de s erá m a is res peita da a qu i den tro. Nã o es tou pa ra m e s en ta r a qu i todos os d ia s e ver vocês s e m a ta n do e m en t in do depois , pa ra exp lica r o que não tem explicação. Vou chamar a polícia.” Pus-m e de pé: “Sen h or , a polícia va i m e pôr n a cadeia.” “Es pero qu e s im ”, d is s e o d iretor . “Pelo m en os o res to des s es m on s tros qu e h á a qu i a p ren derã o a respeitar a autoridade.” “Ch a m e a polícia ”, d is s e eu ; a o m es m o tem po, en cos tei n a por ta t rem en do de m edo e de ra iva , “e qu a n do eu s a ir da ca deia , volta rei, e u m d ia pego o senhor sozinho e o mato.” Meus dentes rangiam enquanto falava. O d iretor ficou b ra n co. Su a fa ce em pa lideceu e ele pensou durante um momento. “Está bem, Cruz. Vou deixar você ir desta vez. Mas n u n ca m a is qu ero vê-lo n es ta es cola . Nã o m e im por ta on de você va i; pa ra m im , pode ir pa ra o in fern o; m a s n u n ca m a is deixe qu e eu veja a s u a ca ra a qu i por per to. Qu ero qu e s a ia da qu i corren do, e n ã o pa re en qu a n to não estiver fora das minhas vistas. Compreendeu?” Eu compreendi. E saí... correndo. Capítulo 3 SS OOZZIINNHH OO UMA VIDA MOTIVADA pelo ód io e pelo tem or n ã o tem lu ga r pa ra m a is n a da a n ã o s er o p rópr io ego. Eu od ia va a todo m u n do, in clu s ive Fra n k . Ele rep res en ta va a a u tor ida de, e qu a n do com eçou a recla m a r porqu e eu n ã o ia m a is à es cola e fica va fora a té ta rde da n oite, resolvi deixá-lo. “Nicky”, d is s e ele, “Nova York é u m a s elva . O povo qu e vive a qu i, vive pela lei da s elva . Só os fortes sobrevivem. Na verdade, você ainda não viu nada, Nicky. Moro a qu i h á cin co a n os e s ei. Es te lu ga r es tá ch eio d e p ros t itu ta s , vicia dos em n a rcót icos , éb r ios e a s s a s s in os . Es s es in d ivídu os podem m a ta r você, n in gu ém va i s a ber qu e es tá m or to, a té qu e a lgu m m a la n dro t ropece n o s eu corpo em decomposição, sob um monte de lixo.” Fra n k t in h a ra zã o. Ma s eu n ã o pod ia m a is fica r a li. Es ta va in s is t in do pa ra qu e eu volta s s e à es cola , e eu s a b ia qu e t in h a de ten ta r viver p or m in h a con ta, sozinho. “Nicky, n ã o pos s o força r você a volta r pa ra a escola. Mas se você não fizer isso, está perdido.” “Ma s o d iretor m e expu ls ou . Ele d is s e pa ra eu n ã o voltar nunca mais.” “Nã o ten h o n a da a ver com is s o. Se qu is er viver aqui, tem de voltar. Você precisa estudar.” “Se pen s a qu e vou volta r , es tá lou co, Fra n k .” Res pon d i com m a u s m odos . “Se ten ta r m e obr iga r , eu te mato.” “Nicky, você é meu irm ã o. Is to n ã o é cois a qu e s e fa le. Ma m ã e e pa pa i m e d is s era m pa ra tom a r con ta de você e n ã o vou deixa r qu e fa le a s s im . Ou você va i pa ra a es cola , ou s a i da qu i. Vá em bora , s e qu is er . Ma s você volta rá , porqu e n ã o tem on de ir . Ma s s e fica r , va i pa ra a escola e é só.” Is s o foi n a s exta -feira de m a n h ã , a n tes de Fra n k s a ir pa ra o t ra ba lh o. Na qu ela ta rde deixei u m b ilhete s obre a m es a da cozin h a , d izen do-lh e qu e fora con vida do por a lgu n s a m igos pa ra fica r com eles du - ra n te u m a s em a n a . Eu n ã o t in h a a m igos , toda via n ã o podia ficar mais com Frank. Na qu ela n oite, va gu eei por Bedford -Stuyvesant, u m ba ir ro de Brook lin , p rocu ra n do lu ga r pa ra fica r . Dirigi-m e a a lgu n s ra pa zes qu e es ta va m pa ra dos n u ma esquina. “Algu ém s a be on de eu pos s o en con tra r u m quarto para morar?” Um deles virou s e e olh ou pa ra m im , t ira n do ba fora da s de u m ciga rro. “Sim”, d is s e ele, a pon ta n do com o polega r s ob re o om bro, n a d ireçã o da Es cola d e Brooklin. “O m eu velh o é zela dor da qu eles a pa r ta m en tos , do ou tro la do da ru a . Fa le com ele, qu e encontra rá u m lu ga r pa ra você. Lá es tá ele s en ta do n a es ca da , joga n do ba ra lh o com a qu eles ou tros ca ra s . Ele é o que está bêbado.” Todos os outros rapazes riram. O p réd io a qu e o ra pa z s e refer ira per ten cia a o p rojeto For t Green e, n o cora çã o de u m dos m a iores conju n tos res iden cia is do m u n do. Ma is de t r in ta m il pes s oa s vivia m n os a ltos ed ifícios , s en do qu e a m a ior ia era de n egros e por to-r iqu en h os . O Con ju n to Ha b ita cion a l de For t Green e va i des de a Av. Pa rk a té a Av. Lafayette, e a Praça Washington fica no centro. Encaminhei-m e pa ra o gru p o de h om en s e per - gu n tei a o zela dor s e h a via u m qu a r to pa ra a lu ga r . E le t irou os olh os da s ca r ta s e gru n h iu : “Sim , tem u m . Por quê?” Hes itei e ga gu ejei: “Bem , porqu e eu p recis o de u m lugar para morar.” “Tem qu in ze pa cotes a í?” pergu n tou , cu s p in do fumo na direção de meus pés. “Bem, não, agora não, mas...” “En tã o n ã o tem qu a r to”, d is s e ele, e voltou a o ba ra lh o. Os ou tros h om en s n em s e d ign a ra m a levantar os olhos. “Mas posso conseguir o dinheiro”, argumentei. “Olh e, ga roto, qu a n do você pu der m os tra r -me qu in ze pa cotes a d ia n ta dos , o qu a r to é s eu . Nã o m e im por ta com o va i con s egu i-los . Rou be de a lgu m a velh a , n ã o m e im por to. Ma s a té qu e você ten h a o d in h eiro, n ã o meta mais o nariz aqui, você está me enchendo.” Voltei pa ra a Av. La fa yet te: pa s s ei por Pa pa J oh n 's , Ca s a de Ca rn e Ha rry, Ba r Pa ra d is e, Sh ery's , Th e Es qu ire, Ba r Va lh a l, e Ren dezvou s do Lin coln . Pa ra n do a o la do do ú lt im o, en trei em u m beco, p rocurando descobrir como conseguir dinheiro. Sa b ia qu e s e ten ta s s e a s s a lta r a lgu ém e fos s e a pa n h a do, ir ia pa ra a ca deia , m a s es ta va des es perado. Dis s era a Fra n k qu e s ó volta r ia depois de u m a s em a n a . Um quarto custava dinheiro, e eu não tinha um centavo. Era m qu a s e dez h ora s da n oite, e o ven to de in vern o es ta va fr io de ra ch a r . Recu ei pa ra a es cu r idã o do beco, e vi pes s oa s pa s s a n do n a ca lça da . Tirei o pu n h a l do bols o e a per tei o botã o. A lâ m in a a b r iu -s e com u m es ta lido. En cos tei a pon ta con tra a pa lm a da m ã o. Min h a m ã o t rem ia a o pen s a r com o ir ia p ra t ica r o rou bo. Ser ia m elh or em pu rrá -los pa ra o beco? Eu dever ia es fa qu eá - los, ou apenas amedrontá-los? E se gritassem?... Meu s pen s a m en tos fora m in ter rom pidos por du a s pes s oa s qu e con vers a va m n a en tra da do beco. Um velh o bêbedo fez pa ra r u m ra pa z de u n s dezen ove a n os , qu e leva va u m en orm e s a co de m antim en tos . O velh o ped ia - lh e u n s t roca dos pa ra tom a r ca fé. Ou vi o ra pa z, ten ta n do es ca pa r , d izer a o bêbedo qu e n ã o t in h a dinheiro. Atravessou-m e a m en te o pen s a m en to de qu e o velh o, p rova velm en te, es ta va com o bols o ch eio de d in h eiro m en d iga do e rou ba do. Nã o ou s a r ia gr ita r ped in do s ocorro, s e eu o rou ba s s e. Logo qu e o ra pa z s e fosse eu o puxaria para o beco e tiraria o dinheiro dele. O ra pa z es ta va pou s a n do o s a co de m a n t im en tos n o ch ã o. En fiou a m ã o n o bols o e en con trou u m a m oeda . O velh o res m u n gou u m a gra decim en to e foi embora. “Diacho”, pensei comigo. “Que faço agora?” Na qu ele in s ta n te o ra pa z derru bou o s a co d e m a n t im en tos . Du a s m a çã s rola ra m pela ca lça da . Ele curvou-s e pa ra a pa n h á -la s , e eu o pu xei pa rao beco, apertando-o con tra o m u ro. Am bos es tá va m os m orren do de m edo, m a s eu t in h a a va n ta gem da s u rp res a . Ele ficou petr ifica do qu a n do eu leva n tei a fa ca d ia n te do s eu nariz. “Nã o qu ero m a ch u ca r você, m a s p recis o de d i- n h eiro. Es tou des es pera do. Dê-m e d in h eiro. J á ! De- pressa! Tudo o que tem, antes que o mate.” Min h a m ã o t rem ia ta n to qu e eu t ive m edo de deixar cair a faca. “Por fa vor , por fa vor . Leve tu do, m a s n ã o m e mate”, rogou o ra pa z. Tirou a ca r teira do bols o e ten tou passá-la pa ra m im , m a s derru bou -a . Ele t rem ia m a is d o qu e eu . Ch u tei a ca r teira a in da m a is pa ra o fu n do do beco. “Ca ia fora ”, d is s e eu . “Corra , h om em , corra ! E s e pa ra r de correr a n tes do s egu n do qu a r teirã o, é u m homem morto.” Olh ou pa ra m im , com os olh os a r rega la dos de ter ror , e com eçou a cor rer . Tropeçou n os m a n t im en tos e es ta telou -s e n a ca lça da , n a en tra da do beco. Ca m ba lea n do, leva n tou -s e ou tra vez, e m eio de ga t in h a s , m eio em pé, s a iu corren do ru a a ba ixo. Logo qu e virou a es qu in a , pegu ei a ca r teira e corr i com toda s a s força s n a d ireçã o opos ta . Em ergin do da es cu r idã o em De Ka lb , s a ltei a cerca de corren te qu e cerca o pa rqu e, e corr i pela gra m a a lta , em d ireçã o à s á rvores . Escondendo-m e por t rá s de u m a ter ro, pa rei pa ra tom a r fôlego e perm it ir qu e o m eu cora çã o a celera do s e a ca lm a s s e. Abr in do a ca r teira , con tei dezen ove dólares. Era u m a s en s a çã o a gra dá vel ter a s n ota s n a m ã o. At irei a ca r teira n o m eio da gra m a a lta , e con tei o d in h eiro outra vez, antes de dobrá-lo e colocá-lo no bolso. Na da m a l, pen s ei. As qu a dr ilh a s es tã o m a ta n do va ga bu n dos por m en os de u m dóla r , e eu conseguira dezen ove n a p r im eira ten ta t iva . Afin a l de con ta s , a s coisas não iam assim tão mal. Ma s o s en t im en to de a u tocon fia n ça n ã o rem oveu todo o medo e permaneci escondido detrás dos arbustos, a té depois da m eia -n oite. A es s a a ltu ra , já era ta rde demais pa ra ir p rocu ra r o qu a r to; voltei en tã o a o lu ga r on de h a via com etido o rou bo. Algu ém já ju n ta ra todos os m a n t im en tos qu e h a via m ca ído, com exceçã o de u m a caixa de bolachas, que estava toda amassada. Apanhei a ca ixa e s a cu d i-a , fa zen do com qu e os peda ços e o fa relo ca ís s em n a ca lça da . Recon s t itu í o a con tecido em m eu s pen s a m en tos , e s or r i. Eu devia tê-lo cor ta do, s ó p a ra ver como era, pensei. Da próxima vez, vou fazer isto. Dirigi-m e pa ra a en tra da do m etrô, per to de Papa J oh n , e pegu ei o p r im eiro t rem qu e ch egou . Pa s s ei a n oite n o m etrô, e n o d ia s egu in te, logo cedo, es ta va d e volta à Rua Fort Greene para alugar o quarto. O zelador subiu comigo três lances de escadas. O quarto t in h a ja n ela s pa ra a ru a qu e fica va defron te à Es cola Técn ica d e Brook lin . Era pequ en o, com ra ch a du ra s n o forro. O zelador disse-me que havia um banheiro comum n o s egu n do a n da r , e qu e eu pod ia regu la r o s is tem a de a qu ecim en to com a m a ça n eta do ra d ia dor de a ço. Entregou-m e a ch a ve, e d is s e-m e qu e o a lu gu el ven cia todo s á ba do, u m a s em a n a a d ia n ta do. A por ta fech ou -se a trá s dele. Es cu tei s eu s pa s s os s oa n do pes a da m en te escada abaixo. Voltei-m e e olh ei o qu a r to. Ha via du a s ca m a s de s olteiro, u m a ca deira , u m a m es in h a , u m la va tór io e u m pequ en o gu a rda -rou pa . In do à ja n ela , olh ei a ru a , lá em ba ixo. O t râ n s ito, logo ced in h o, m ovia -s e com u m zu m bido n a Av. La fa yet te, n o fim do qu a r teirã o. Do ou tro la do da ru a ergu ia -s e a Es cola Técn ica de Brook lin . Ocu pa va todo o qu a r teirã o e im ped ia a vis ã o de qu a lqu er ou tro pa n ora m a , m a s n ã o fa zia m u ita d iferença. Pelo menos, eu estava por conta própria. Na qu ela m a n h ã , dei a p r im eira volta pela vizi- n h a n ça . Des cen do a s es ca da s do pa rd ieiro, vi u m ra pa z s a ir ca m ba lea n do de deba ixo da es ca da . Su a fa ce es ta va pá lida com o u m len çol, e s eu s olh os p rofundamente en cova dos . O pa letó s u jo e es fa r ra pa do ca ía de u m dos om bros , e a s s u a s ca lça s fica ra m com a b ra gu ilh a a ber ta , depois dele ter u r in a do a t rá s do ra d ia dor . Nã o s a b ia d izer s e es ta va bêbedo ou dopa do. Pa rei n o patamar e fiquei a observá-lo, enquanto saía pela porta e des cia os degra u s extern os . Debru çou -s e s ob re o corrimão e vomitou na calçada. Um grupo de “pequenos” ir rom peu por u m a por ta la tera l do p r im eiro a n da r e correu pa ra fora , ign ora n do com pleta m en te s u a p res en ça . O ca ra pa rou de vom ita r e deixou -se ca ir n o último degrau, olhando inexpressivamente para a rua. Pa s s ei por ele e des ci pa ra a ca lça da . Sobre a minha cabeça ouvi uma janela abrir-se e olhei para cima exa ta m en te a tem p o de des via r -m e ra p ida m en te de u m a a va la n ch e de lixo qu e era joga da do terceiro a n da r . Em ou tra por ta , logo a d ia n te, u m dos “pequenos” es ta va a ga ch a do n a pen u m bra , deba ixo da es ca da , u s a n do u m a en tra da de porã o com o la t r in a . Es t rem eci, m a s d is s e a m im m es m o qu e a ca b a r ia m e a cos tu m a n do com aquilo. Por t rá s do ed ifício de a pa r ta m en tos h a via u m ter ren o ba ld io, ch eio de es p in h eiros e m a to qu e ch e- gavam à altura da cintura. Algumas árvores esqueléticas es t ica va m s eu s ga lh os des n u dos pa ra o céu cin zen to. A p r im a vera com eça ra , m a s a s á rvores pa reciam relu ta n tes em fa zer b rota r n ovos reben tos e en fren ta r ou tro verã o do gu eto (Gu eto: Nom e da do a u m a á rea pobre de cida de gra n de, em qu e h a b ita m pes s oa s d e u m a m es m a ra ça ou cor . N. dos E .). Ch u tei u m a la ta de cerveja va zia — o ter ren o es ta va ch eio dela s . Ca ixa s velh a s de pa pelã o, jorn a is e ca ixa s qu ebra da s es ta va m es pa lh a dos n o m eio do m a to cres cido. Um a cerca de a ra m e toda es t ra ga da , es ten d ia -s e a t ra vés do lote, a té ou tro ed ifício de a pa r ta m en tos qu e fa zia fren te com a Ru a St . Edwa rd . Olh a n do pa ra t rá s , vi o m eu p réd io, e a lgu m a s da s ja n ela s do p r im eiro a n da r ta pa da s com tá bu a s ou com folh a s de zin co, pa ra res gu a rda r os a pa r ta m en tos do ven to fr io. Dois p réd ios a lém , eu vi a s fa ces redon da s de u n s n egr in h os pequ en os , com s eu s n a r izes a per ta dos con tra a vid ra ça s u ja , obs erva n do-me chutar o lixo. Eles m e fizera m pen s a r em a n im a izin h os en ga iola dos , a n s ia n do pela liberda de, m a s com m edo de aventurar-s e fora da ga iola , tem eros os de s erem fer idos ou m or tos . Pa r te da ja n ela es ta va qu ebra da e em s eu lugar haviam posto folhas de papelão manchado de umi- da de. Con tei cin co fa ces a m edron ta da s . Pos s ivelm en te h a via m a is cin co n o pequ en o a pa r ta m en to de t rês cômodos. Dei a volta , e retorn ei à fren te do a pa r ta m en to. O a pa r ta m en to do porã o, deba ixo do n ú m ero 54 , es tava va go. O por tã o de fer ro es ta va a ber to. Ch u tei-o e en trei O ch eiro de u r in a , excrem en tos , vin h o, fu m o e gra xa era maior do que eu podia suportar. Saí depressa prendendo a res p ira çã o. Pelo m en os eu t in h a u m qu a r to n o terceiro andar. Com ecei a des cer pela ca lça da . As p ros t itu ta s constituíam u m a cen a pa tét ica . As m u lh eres b ra n cas exercia m o s eu com ércio do la do d ireito da ru a e ocu pa va m u m préd io de a pa r ta m en tos a u m qu a rteirão do meu.
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