Buscar

Do confinamento dos campos de concentração à pandemia do corona

Prévia do material em texto

Redação: Do confinamento dos campos de concentração à pandemia do corona
O ato de amputar um membro do corpo, causa tanto luto e tristeza quanto perder um
amigo amado, perder uma parte de si ou perder uma parte que faz sentir. Um homem
confinado em um ambiente (talvez hostil) por demasiado tempo, chega a sentir uma aflição
tão peculiar quanto a dor da perda ao sofrer a amputação de sua liberdade. Em ambas as
situação a sobrevivência grita alto, a pretensão maior é preservar a vida.
A ideia de preservação imediata da vida apesar de qualquer situação ou circunstância é
apropriadamente explicitada na obra do neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl, o mesmo ao
apresentar seu relato sobre(vivendo) nas condições subumanas dos campos de concentração,
pontua a respeito das três fases psicológicas pelas quais os prisioneiros passam: (1) o estado
de choque; (2) a apatia e adaptação aos campos de concentração, e (3) depois de libertados
(Frankl, 1991; Frankl, 2015). Nesse viés, cabe tecer uma comparação para com uma situação
vigente no mundo globalizado desde o início do ano de 2020, o caso da pandemia da
COVID-19, assim faz sentido pensar as consequências psicológicas da pandemia sob a mesma
lógica descrita por Frankl.
Após passado o estado inicial de choque, a tendência do homem a desenvolver certa
indiferença e passar a ter uma percepção reduzida da realidade, de modo a poupar-se de
sofrimentos constantes, é um fato muito perceptível no avanço da isenção do isolamento
social, cresce assim a ideia coletiva de que o sentimento de humanidade e empatia deixam de
ser vigentes, abrindo espaço para um sentimento mútuo de apatia. Para mais esse mecanismo
de autodefesa da psique reflete em órgãos sociais mais amplos, em um país com o poder de
transformar magicamente pessoas em números, onde “cada qual então representa pura e
simplesmente uma cifra, pois na lista constam apenas números” (Frankl, 1984), o sentimento
de humanização padece a cada dia.
O pensamento de que haverá um “depois de libertados”, leva a crer que há de se
recuperar um pouco dos sentimentos de empatia e amor perdidos no momento atual, de
reconstruir uma sociedade consentânea para um “novo” real. Assim, como se passavam os
nasceres e pores do sol, aqueles em que se podia ouvir dos detentos do campo de
concentração, repetidas vezes: "Então, passou mais um dia!", de mesmo modo passam os dias
agora, e vivemos “entre mágoas sombrias, momentâneos lampejos: vagas felicidades,
inactuais esperanças” (Meireles, 1956), o primeiro choque dos novos dias desconhecidos,
sucedidos pela indiferença sensitiva à dor constante, buscando nela um sentido, vivendo na
esperança de que dias, sempre novos, hão de vir.
REFERÊNCIAS:
FRANKL, V. E. Em busca de sentido: Um Psicólogo nos campos de concentração. 1. ed.
Petrópolis: Vozes, 1991.
MEIRELES, C. Canções. 1. ed. São Paulo: Global editora, 1956.

Continue navegando