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Artigo - análise de duas traduções de um poema de Emily Dickinson

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1 FAFIDAM – Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos 
diego.rocha@aluno.uece.br 
 
 
A MORTE DOS SENTIDOS: ANÁLISE DE DUAS TRADUÇÕES DO 
POEMA “I FELT A FUNERAL, IN MY BRAIN”, DE EMILY DICKINSON. 
 
Diego dos Santos Rocha1 
 
 
 
Resumo 
 
O artigo tem como interesse a análise de duas traduções do poema “I felt a Funeral, in my Brain”, 
escrito no século XIX pela poetisa norte-americana Emily Dickinson (1830-1886), tendo como objetivo 
a investigação das escolhas tradutórias do escritor e tradutor Augusto de Campos, publicado na obra 
Emily Dickinson: Não sou ninguém, 2008; e Nicolas Pelicioni, pesquisador na área de Teoria e 
Estudos Literários e Doutorando em Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), publicado 
em 2016, em seu blog autointitulado, Nicolas Pelicioni. Para fundamentar a análise tradutória 
comparativa, foram utilizados os pressupostos de John Dryden e Ezra Pound, contidos no arcabouço 
teórico de John Milton (1998). A discussão a respeito dos processos de tradução auxilia a 
compreender as diversas estratégias utilizadas em função da estrutura, métrica, estilo, além da 
construção de sentido dos poemas na língua-alvo. 
 
Palavras-chave: tradução. poesia. Emily Dickinson. 
 
 
Abstract 
 
The article focuses on the analysis of two translations of the poem “I felt a Funeral, in my Brain”, 
written in the 19th century by the American poet Emily Dickinson (1830-1886), with the objective of 
investigating the translational choices of the writer and translator Augusto de Campos, published in 
Emily Dickinson: I am nobody, 2008; and Nicolas Pelicioni, researcher in the area of Theory and 
Literary Studies and PhD student in Letters from Universidade Estadual Paulista (UNESP), published 
in 2016 on his self-titled blog, Nicolas Pelicioni. To support the comparative translation analysis, we 
used the assumptions of John Dryden and Ezra Pound, contained in the theoretical framework of John 
Milton (1998). The discussion of translation processes helps to understand the various strategies used 
in terms of structure, metric, style, and the construction of poems' meaning in the target language. 
 
Keywords: translation. poetry. Emily Dickinson. 
 
Introdução 
 
Durante a época Augustan, a atividade tradutória passou por uma série de 
concepções nas quais a forma era analisada como fator superior ao conteúdo, o que 
refletia em acréscimos, retirada de trechos a partir de interesses pessoais, 
adaptações, além de estar atrelada às concepções de mundo do tradutor, que 
mesmo tendo o exercício de sua profissão como subserviente, influenciava 
diretamente no conteúdo presente nas obras traduzidas para a língua-alvo. 
A tradução passa a ser caraterizada como uma contribuinte na literatura a 
partir da influência de autores que discutem a respeito desse processo como uma 
atividade complexa, compreendendo que a qualidade das traduções obtidas em uma 
determinada época contribuía de forma nítida para o desenvolvimento do sistema 
literário, trazendo um período de inserção de novos modelos, aumento de 
vocabulário, atuando em aspectos que complementam a prosa, a poesia, a tragédia, 
dentre outros. 
A poesia, em especial, trata-se de uma tarefa delicada, visto que o texto 
poético trabalha com aspectos semânticos, sintáticos, fonéticos, rítmicos e questões 
associadas à licença poética, devendo articulá-los com a finalidade de chegar a um 
conjunto harmônico de feitos poéticos. Dessa forma, o tradutor terá como principal 
tarefa um processo de recriação, buscando, através de diversas estratégias 
tradutórias, balancear os efeitos de sentido e a forma do original. 
Nessa perspectiva, este trabalho objetiva compreender as estratégias 
utilizadas por Augusto de Campos e Nicolas Pelicioni durante o processo de 
tradução do poema I felt a Funeral, in my Brain, de Emily Dickinson, cujos aspectos 
biográficos e produção literária também se configuram como objeto de estudo, a fim 
de comparar e analisar as diferenças encontradas nos campos estruturais e 
semânticos do poema na língua portuguesa. 
Para complementar o seguinte estudo, serão abordados os conceitos 
teóricos de John Dryden, que caracteriza três tipos de tradução, a saber, metáfrase, 
paráfrase e imitação, além da compreensão de tradução como ato criativo concebida 
por Ezra Pound, presentes no arcabouço teórico de John Milton (1998). No que se 
refere aos quesitos relacionados à vida, obra e tradução de Emily Dickinson, 
servirão de apoio os estudos de Fernanda Maria Alves Lourenço (2014) e Genilda 
Azerêdo (2008). Dessa forma, auxiliarão na análise e na busca pela compreensão 
das escolhas e possíveis interesses dos tradutores durante a manutenção ou 
modificação estrutural e semântica do poema de Dickinson. 
 
Emily Dickinson: Vida e Escrita de uma “Grande Reclusa” 
 
Quando analisada a produção literária americana do século XIX, é comum 
encontrar, seja na prosa ou poesia, a repetição de valores de uma sociedade 
interessada na conquista de terras, na elevação da pátria acima do seu próprio 
papel de cidadão e, principalmente, na idealização do casamento como maior 
símbolo de conquista feminina. Enquanto a sociedade visava a propagação de 
ideais que mostrariam aos demais cidadãos tudo aquilo que era externo, o que era 
posse, o que deveria ser alcançado na escala social, uma jovem escritora de 
Massachusetts buscou olhar tudo aquilo o que acontecia no aspecto interno do ser 
humano: Emily Elizabeth Dickinson. A genialidade lírica na descrição do interior, o 
subconsciente, os sonhos, a morte, o amor e o feminino são alguns dos aspectos 
mais marcantes em sua obra, o que a torna uma das maiores poetisas da literatura 
em língua inglesa. 
Emily viveu em um período de extremas imposições sociais, principalmente 
no que diz respeito às mulheres, além da influência de uma rígida criação e 
educação provenientes de um seminário. Segundo Lourenço (2014), por volta de 
1862, Emily passa a entrar cada vez mais em contato com a reclusão, cuja solidão 
de seu quarto passa a ser o local onde pode expressar através da escrita os seus 
dilemas, seus pensamentos e sua visão crítica dos estigmas vigentes. 
 
Sua poesia fala de questões ligadas à morte, transcendência, imortalidade, 
Deus, natureza, amor, dor, opressão, simplicidade, beleza e de questões 
ligadas à própria constituição da arte poética. E tudo isto é tecido com um 
tom que soa bastante questionador, subversivo, original. (AZERÊDO, 2008, 
p.16) 
 
 
A escrita de Dickinson se apresenta de maneira bastante inovadora, sendo 
considerada moderna em diversos aspectos, a partir do momento em que introduz 
elementos como a utilização constante de travessões na substituição de pontos e 
vírgulas, o que contribui para fornecer uma ideia de fragmentação, quebra sintática; 
a presença de letras maiúsculas em determinadas palavras, o que confere uma 
maior conotação e expressão de significados, além de se utilizar de versos livres. 
Devido seu temperamento introvertido e circunspecto, poucos foram os 
poemas de Dickinson que conseguiram autorização para serem publicados. De 
acordo com Lourenço (2014, p.32), 
 
Os poucos poemas de Emily Dickinson publicados ainda em vida foram 
demasiadamente modificados por críticos que não souberam reconhecer a 
grandiosidade de sua estética poética no momento da editoração, fato este 
que contribuiu para que a poeta optasse por não levar ao conhecimento do 
público seu trabalho. 
 
 
 
Grande parte dos seus escritos somente tornaram-se de conhecimento 
público após a sua morte, contando com mais de 1.700 poemas guardados em suas 
gavetas (Azerêdo, 2008), os quais não estiveram isentos da curiosidade e 
manipulação das editoras da época. 
A figura de Emily Dickinson, no entanto, quebra as paredes de seu quarto 
em Massachusetts do século XIX e ganha novamente destaque com os avanços do 
movimento feminista a partir da década de 1960, em que sua presença se fazcada 
vez mais forte na discussão de valores sociais e de mulheres à frente de seu tempo, 
visto que sua força destaca-se na representação de uma mulher que não somente 
escrevia sobre temas que dialogam com as questões humanas perenes que nos 
falam até hoje, mas que acima de tudo, e principalmente, porque resistia. 
 
A Tradução de Emily Dickinson no Brasil 
 
Segundo Lourenço (2014), o reconhecimento de Emily Dickinson no Brasil 
apresenta-se de forma tardia, configurando-se de forma mais generalizada a partir 
do final do século XX, através da forte presença da literatura norte-americana no 
cenário nacional, o que auxiliou na propagação da obra de Dickinson no país, 
servindo de base para estudos que incrementaram sua fortuna crítica e a tradução 
de seus poemas. 
Iniciando-se com o trabalho de Manoel Bandeira, os poemas de Emily 
Dickinson sofrem uma série de alterações, acrescentando-se títulos criados por ele 
próprio, além de ocultar marcas linguísticas, pontuações, as letras maiúsculas, 
dentre outros aspectos que fugiam da forma original. Outros escritores também 
ganham destaque ao dedicar parte de sua atividade tradutória à Dickinson, tais 
como Cecília Meireles, Mário Faustino, Décio Pignatari, dentre outros que 
contribuíram para o fortalecimento de sua poesia dentro do sistema literário. 
Dentre uma gama de nomes que compõem o cenário da tradução brasileira, 
independente de nível de formação, reconhecimento midiático ou acadêmico, é 
importante discutir a relevância de se analisar os processos tradutórios, a fim de 
identificar quais mudanças ocorrem de uma língua para outra e como essas 
estratégias atuam sobre os processos estruturais e na construção de sentido dos 
poemas. Trazendo esse debate para a temática que norteia este trabalho, 
trataremos a seguira respeito de duas traduções de um mesmo poema de Emily 
Dickinson. A primeira realizada pelo escritor, tradutor e crítico literário Augusto de 
Campos e a segunda feita pelo pesquisador e Doutorando em Letras, Nicolas 
Pelicioni. 
Augusto de Campos inicia sua prática tradutória em conjunto com poetas do 
movimento concretista, como seu irmão, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, 
tendo como uma de suas principais inspirações Ezra Pound, chegando a apontá-lo 
como um modelo de tradutor criativo e moderno, assim traduzindo para o português 
poetas que considerava impactantes, criativos e revolucionários, os quais seriam 
convenientes a seu gosto. Em 2008, lança Emily Dickinson: não sou ninguém, 
reunindo quarenta e cinco traduções da poetisa e apontando particularidades dos 
poemas tratados. 
Nicolas Pelicioni, estudioso na área de Teoria e Estudos Literários, 
desenvolve um trabalho de Doutorado em Letras pela UNESP, campus de São João 
do Rio Preto, além de possuir um blog literário criado no intuito de discutir temáticas 
diversas, expor trabalhos desenvolvidos ou que fundamentem pesquisas 
acadêmicas, incluindo também o trabalho com línguas estrangeiras. No ano de 
2016, postou a sua tradução para o poema I felt a Funeral, in my Brain, de Emily 
Dickinson, destacando a sua proposta tradutória como uma “molecagem”. Pelicioni 
também analisa e discute a respeito de prosa, realizando discussões bastante 
pertinentes em sua página virtual. 
A seguir, analisaremos as traduções de ambos. 
 
Análise Comparativa das Traduções de Campos e Pelicioni 
O caráter deste trabalho não se configura como qualitativo, a fim de apontar 
a melhor tradução proposta entre os dois tradutores. No entanto, cabe aqui o dever 
de discutir as estratégias utilizadas no momento de versão da língua inglesa para a 
língua portuguesa, as escolhas realizadas em função da forma, métrica, rima e 
conteúdo, além de debater a respeito de como esses processos revelam a 
intencionalidade dos tradutores e sua influência na construção de sentido. 
O poema escolhido não possui título, assim como os demais poemas 
escritos por Emily Dickinson. Desta forma, adotaremos o verso inicial, “I felt a 
Funeral, in my Brain”, visto que é a forma mais buscada e veiculada do poema 
durante o ato de pesquisa. 
Iniciamos a análise com a transcrição do poema. 
 
I felt a Funeral, in my Brain, 
And Mourners to and fro 
Kept treading - treading – till it seemed 
That Sense was breaking through – 
 
And when they all were seated, 
A Service, like a Drum – 
Kept beating – beating – till I thought 
My mind was going numb – 
 
And then I heard them lift a Box 
And creak across my Soul 
With those same Boots of Lead, again, 
Then Space - began to toll, 
 
As all the Heavens were a Bell, 
And Being, but an Ear, 
And I, and Silence, some strange Race, 
Wrecked, solitary, here – 
 
And then a Plank in Reason, broke, 
And I dropped down, and down – 
And hit a World, at every plunge, 
And Finished knowing – then – 
 
De maneira forte e tocante, Dickinson utiliza em seu poema a metáfora de 
um funeral para relatar a perda da consciência do eu-lírico, que passa a experienciar 
um estado de insanidade. A seguir, temos a análise da primeira estrofe. 
 
 
Inicialmente, observa-se algumas escolhas inusitadas já no primeiro verso. 
Augusto de Campos opta por traduzir a palavra Funeral [Funeral], que representa 
uma cerimônia, um ritual de passagem da vida para a morte, pelo termo “Féretro”, 
uma espécie de caixão. Embora tenha optado por substituir a cerimônia por um 
elemento, nota-se que a escolha foi feita em vista de manter a proximidade fonética 
da palavra Cérebro. Nicolas Pelicioni, por sua vez, utiliza o termo “Enterro”, o que 
logo rompe com a ideia ritualística proposta por Dickinson e trazendo uma ação 
finalizada, em que o corpo, ou no caso, os sentidos, já foram sepultados. No 
entanto, consegue manter a aliteração entre a palavra “minha” e a tradução de 
“Brain” como “Mente”. 
Um aspecto que merece atenção é o fato de Pelicioni traduzir o verbo Felt 
[Senti] como “Sinto”, ao invés de sua forma no pretérito expressa no poema de 
Dickinson, trazendo a ideia de que os acontecimentos relatados pelo eu-lírico 
estejam acontecendo no momento em que são descritos. Trata-se de uma escolha 
bastante inusitada do tradutor, que irá manter esse padrão nos verbos durante todo 
o poema, por vezes até transformando-os em ações futuras. A princípio, é possível 
compreender que a tradução de Nicolas Pelicioni se configura como uma espécie de 
recriação, trazendo características que, embora arriscadas, também se destacam de 
maneira inovadora e alternativa e demarcam a sua presença enquanto tradutor. 
Remetendo-se a esse aspecto, John Milton (1998, p. 83) alega que “Na concepção 
de tradução de Pound, não se pode manter tudo no original, e a sintaxe da língua-
alvo não deve ser influenciada pela sintaxe da língua original.” 
Outro fator a ser analisado são as alterações ocorridas na tradução do 
segundo verso. Augusto utiliza o termo “Carpideiras”, que remete à profissão de 
mulheres que são pagas para chorar em funerais alheios. O termo deriva do latim, 
no qual carpere significa afligir, arrancar (o que podemos associar aos cabelos, os 
pelos, etc.) e o seu uso na tradução de Augusto de Campos aproxima-se da ideia 
que se possui do conceito dessa profissão no Brasil, o que pode ter sido uma 
tentativa de domesticação. Pelicioni traduz o termo como “Enlutados”, o que 
transfere o ato de dor, sofrimento e angústia para todos os presentes no ato da 
cerimônia, como explicita em “Enlutados aqui e ali”. A expressão to and fro, utilizada 
por Dickinson, sugere a ideia de movimento, aspecto que foi compreendido em 
ambas as traduções. No entanto, é importante destacar a preocupação tida por 
Augusto em substituir a expressão por dois verbos, “indo e vindo”, a fim de manter a 
rima com “fugindo”, no último verso. 
A tradução “a pisar”, no terceiro verso, realizada por Campos, traduz a 
expressão de movimento do original Kept treading, o que foi posto por Pelicioni 
como“Marcham”, no presente, trazendo um sentido mais mecânico do ato. Campos 
também traduz o verbo seemed como sonhar, provavelmente para aproximar o leitor 
da ideia de ilusão, perca da consciência do eu-lírico, o que também pode ser notado 
pela substituição, em ambas as traduções, do pronome it pelo pessoal “me”, no 
português. 
Algo que merece bastante atenção é o último verso. Augusto substitui a 
locução verbal was breaking como fugindo. Embora a sua forma original proponha 
uma conotação maior, que envolve quebra, rompimento dos sentidos, o tradutor opta 
pelo verbo “fugindo”, no gerúndio, a fim de privilegiar a rima. Nicolas, por sua vez, 
realiza uma escolha ainda mais inusitada, traduzindo o verso como “Que o sentido 
irrompe”. Nesse caso, a ideia lenta de perca da racionalidade proposta inicialmente 
como um processo, descrito lentamente em cada estrofe, pode ser interpretado 
como executado, cujo sentido irrompe e a ação está finalizada. Outro aspecto que 
deve ser destacado em sua tradução é que, embora não tenha utilizado rimas entre 
os versos, compensa em diversas aliterações, como em enterro/em, minha/mente, 
aqui/ali, marcham/me. 
Seguiremos com a análise da segunda estrofe. 
 
Em sua proposta de manter os verbos no presente, Pelicioni modifica ao 
traduzir o primeiro verso do poema, que é utilizado no passado, em uma ação futura, 
“Quando todos estiverem sentados”, o que manterá o sentido de linearidade de sua 
descrição. No que diz respeito ao segundo verso, ambos os tradutores conseguem 
captar a expressão sonora proposta por Dickinson. A diferença mais notória é a 
escolha de Augusto de Campos em inverter a posição de Service e Drum no 
momento da tradução, ato feito para favorecer a rima, embora toante, com a palavra 
“Juízo”. 
Augusto modifica novamente uma locução verbal, transformando a 
expressão de continuidade Kept beating em um único verbo, “Bateu”, no pretérito, o 
que será completamente modificado por Nicolas ao transpor o verbo para o futuro, 
em “Baterá”, o que novamente remete a ideia de acontecimentos iminentes. Esse 
processo também ocorre com a tradução de thought para “acreditar”, seguindo a 
mesma ideia e até mesmo propondo uma rima entre as palavras. 
Diversas mudanças ocorrem no último verso. Augusto novamente inverte a 
ordem das palavras, porém não se trata do mais inusitado. Nota-se que a forte 
conotação poética de My mind was going numb é perdida com o uso da palavra 
“Inerte”, que não reforça o sentimento de torpor proposto por Dickinson. Embora 
Nicolas tenha sido mais literal, volta a usar o verbo final no pretérito, “entorpeceu-
se”, afastando-se de sua proposta e remetendo a uma ação finalizada. 
Em seguida, abordaremos a terceira estrofe. 
 
A tradução de Augusto de Campos para o primeiro verso não se destaca 
pela grande modificação de sentido das palavras, como a tradução de Box para 
“Tampa”, mas principalmente pelo acréscimo de travessões que não estão 
presentes no poema original. Esse é um bom exemplo de transparência, em que o 
tradutor busca uma aproximação do estilo do autor, além de demarcar a sua gama 
de conhecimento e propriedade para manipular um determinado conteúdo. 
No terceiro verso, ambos os autores conseguem transpor a metáfora de 
Emily Dickinson. Boots of Lead passa a ser “Chumbo dos pés” na tradução de 
Augusto, enquanto na de Nicolas, é tratada como “Chumbo desses passos”. Essas 
escolhas tradutórias não danificam a tradução, pois a particularidade produzida pelo 
imaginário, a ressignificação de alguns elementos é característica bastante comum 
nos poemas de Dickinson. A mudança mais notória desse verso, na tradução de 
Augusto de Campos, foi a realocação da preposição “com” para o segundo verso, no 
entanto não altera o sentido da frase. 
Em relação ao último verso, é importante analisar a cautela durante a 
atividade tradutória. O verbo to toll pode deter vários significados, de acordo com o 
contexto no qual está inserido. No poema, por estar atrelado à palavra Space 
[Espaço], poderia haver dificuldade em adequar a tradução. Porém, Campos e 
Pelicioni demonstram ávida análise do poema ao perceber as demais referências à 
percepção sonora exemplificadas por Dickinson e associam o verbo ao momento em 
que um sino “soa”, “dobra”, “tange”, principalmente para anunciar que alguém 
morreu. Observa-se que Augusto encaminha cada vez mais as ações para a sua 
provável conclusão, ao trazer o verbo para o pretérito. Nicolas opta por adaptar o 
verbo ao gerúndio, o que até então diferencia-se das escolhas de tempo verbal 
empregadas em sua tradução. No entanto, pode ser considerada uma escolha 
interessante, pois é um dos momentos em que ele pode resgatar o tom descritivo do 
poema original, trazendo uma ideia de continuidade, linearidade. 
As duas traduções da referida estrofe não evidenciam as rimas ou 
aliterações, processos que foram bem trabalhados nas estrofes anteriores. Uma 
forma que poderia ter providenciado uma rima, mesmo que toante, na tradução de 
Nicolas, seria a inversão de palavras no terceiro e no quarto verso, aproximando a 
sonoridade de Passos/Espaço e promovendo uma leitura mais fluida. 
Percebe-se que, nessa estrofe, a tradução se aproxima mais de sua 
construção no inglês, seja na forma, na pontuação e no sentido das palavras, 
caracterizando-se até então como a que mais se assemelha, nessas condições, do 
original. Essa evidente aproximação com a fonte, principalmente na tradução de 
Augusto de Campos, pode ser diretamente associada com o processo de metáfrase 
destacado por John Dryden (apud MILTON, 1998, p.26), destacada como uma 
“tradução de um autor palavra por palavra, e linha por linha, de uma língua para 
outra”. 
Passaremos para a análise da quarta estrofe. 
 
Logo no primeiro verso, nota-se que Pelicioni volta a usar os verbos no 
futuro, o que segue fiel à sua proposta inicial, todavia tira o tom comparativo presado 
por Augusto de Campos, tratando a ideia como algo hipotético. Já no segundo 
verso, suas escolhas tradutórias são bem elencadas, visto que faz uma rima toante 
na estrofe. Ainda que Ear [Ouvido] não seja um verbo, o ato de Nicolas ao trazer o 
termo como “Ouvir” promove uma proximidade com a palavra “Ser”, a qual também 
não é um verbo, porém propicia um soar poético em sua colocação, além de propor 
uma rima com o termo “aqui” e promovendo um jogo de aliterações em 
seria/Sino/Ser/Silêncio/solitária. As aliterações também podem ser observadas na 
tradução de Augusto. 
O uso da palavra Wrecked na última estrofe merece atenção, visto que pode 
apresentar uma variedade de sentidos. É importante analisar a sua colocação 
através das possíveis intenções estabelecidas pelos autores e como influenciam no 
direcionamento do poema. Augusto utiliza uma das possibilidades tradutórias da 
palavra, que é “naufragada”. Essa utilização é feita no intuito de trazer uma 
conotação mais poética e metafórica, que remete à solidão e distanciamento do eu-
lírico, ou propriamente de Emily Dickinson, em relação aos diversos acontecimentos 
em torno de sua existência e dos fatos citados em seu poema. É evidenciado até 
mesmo na realocação da palavra, a qual está “jogada”, “perdida”, “naufragada” entre 
as duas outras palavras do mesmo verso. Nicolas traduz o termo como “Destruída”, 
o que também se apresenta coerente com o seu significado e com os sentimentos 
expressos até então. 
As divergências mais perceptíveis entre as duas traduções são as 
pontuações, das quais muitas são negligenciadas por Campos e mantidas em sua 
maioria por Pelicioni, porém não alteram os sentidos abordados. 
Em sequência, analisaremos a última estrofe do poema. 
 
A última parte do poema de Emily Dickinson é feita com maestria ao transpor 
em versos toda a agonia, torpor e confusão de sentimentos do que seria a morte dos 
sentidos, a perca da consciência que leva o eu-lírico a percorrer mundos que não 
propiciamrespostas e que atingem o ser de maneira profunda. Cada tradutor 
conduziu a sua prática de maneira a tentar transpor os sentimentos expressos no 
poema e concluí-lo de maneira a fazer com que o leitor capte as frustrações 
emitidas, embora inconclusivas. 
No primeiro verso, Augusto de Campos realiza uma série de escolhas 
inusitadas, trazendo o verbo broke [partiu] como “Partiu-se” no início, além de verter 
Reason [Razão] como “Mente”, o que ainda assim não perde o sentido proposto pela 
metáfora utilizada. Já no segundo verso, a escolha do tradutor em utilizar I dropped 
[Eu caí] como a locução “Fui cair” surpreende, pois até então foi possível analisar 
diversas situações em que Augusto transforma locuções verbais em um único verbo; 
desta vez, a ação é contrária. 
Em relação à tradução de Nicolas Pelicioni, o segundo verso se caracteriza 
como uma escolha inusitada. Ao utilizar a expressão “E afundo mais, e mais –” e em 
seguida, no terceiro verso, utilizar plunge em seu sentido real, nos faz questionar o 
porquê de não ter utilizado a tradução de Wrecked como “Naufragada”, na quarta 
estrofe, o que faria com que as estrofes tivessem uma maior ligação poética e 
houvesse uma linearidade mais clara na compreensão das experiências vivenciadas 
pelo eu-lírico. A forma com que Pelicioni conclui sua tradução propõe uma ideia de 
finalização em “E sei enfim – então –”, pois mesmo apresentando a interrupção de 
uma linha de pensamento, demonstra um eu-lírico em contato com um saber que 
nunca poderá ser revelado. Dessa forma, também consegue se aproximar da visão 
avassaladora da perda de consciência apresentada por Dickinson. 
Augusto de Campos, por sua vez, vale-se de uma liberdade poética para 
traduzir o segundo verso, vertendo-o para “E fui cair de Chão em Chão –”, no 
entanto sua modificação aparenta fazer parte de um jogo semântico que merece 
atenção. Ao substituir plunge, o ato de cair, mergulhar, por um novo acréscimo da 
palavra Chão, faz com que cada vez mais seja frisada a ideia de um eu-lírico em 
queda, passando por uma série de experiências que caminham para o seu 
definhamento a cada mundo em que emerge. Acrescentada ao último verso, que 
interrompe com a linha de raciocínio, que cede à insanidade, e a extrema pontuação 
relativamente cortada, o efeito estilístico utilizado por Campos é executado com 
maestria, assemelhando-se ao processo de imitação frisado por Dryden, no qual o 
tradutor “assume a liberdade, não somente de variar as palavras e o sentido, mas de 
abandoná-los quando achar oportuno, retirando somente a ideia geral do original” 
(DRYDEN apud MILTON, 1998, p.26). 
 
Conclusão 
Analisadas e discutidas as estratégias e escolhas realizadas no processo de 
atividade tradutória de Augusto de Campos e Nicolas Pelicioni, é possível 
compreender o quão complexo pode se tornar o processo de versão de um 
determinado conteúdo para uma língua-alvo, principalmente tratando-se de poesia, 
cujo caráter subjetivo necessita de imenso cuidado quando associado a questões 
estruturais e semânticas. 
Augusto de Campos, grande contribuinte no amplo cenário literário 
brasileiro, consegue se aproximar do estilo poético de Emily Dickinson, 
apresentando um árduo trabalho para preservar a forma e, ainda por cima, trazer 
construções de sentido que conferem uma similaridade aos pressupostos no poema 
fonte, valendo-se de processos onde resgata conceitos de metáfrase e imitação, tão 
bem explicitados por John Dryden. Nicolas Pelicioni transforma o que antes chama 
de “molecagem” em uma espécie de recriação do poema de Dickinson, não só 
alterando os tempos verbais, mas incorporando o caráter inovador e criativo deveras 
destacado por Ezra Pound, trazendo o texto para cada vez mais próximo da visão do 
leitor como ser que toma as dores do eu-lírico e as vivenciam na própria mente. 
Ambas as traduções cumprem com os objetivos propostos em suas 
concepções, trazendo a possibilidade de não só resgatar os aspectos biográficos e 
literários de Dickinson no cenário brasileiro, mas demonstrar, através da poesia e, 
além disso, da tradução de poesia, que a atividade tradutória não proporciona a 
morte dos sentidos; pelo contrário, promove diferentes e diversas formas de 
experimentá-los. 
 
4 Referências 
 
AZERÊDO, Genilda. Emily Dickinson e a dimensão semântico-pictórica da 
metáfora: a imagem do pressentimento. Fragmentos, Florianópolis, n. 34, p. 13-23, 
jan./jun. 2008. 
 
DICKINSON, Emily. Emily Dickinson: Não sou ninguém. Trad. Augusto de Campos. 
Campinas: Editora UNICAMP, 2008. 
 
LOURENÇO, Fernanda Maria Alves. Tradução de poesia: Emily Dickinson segundo 
a perspectiva tradutória de Augusto de Campos. 2014. 187 f. Dissertação (Mestrado 
em Estudos da Tradução) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 
 
MILTON, John. Tradução: teoria e prática. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 
 
PELICIONI, Nicolas. A tradução de um poema de Emily Dickinson. In: Nicolas 
Pelicioni. São José do Rio Preto, 31 dez. 2016. Disponível em: <http://nicolas-
pelicioni.blogspot.com/2016/12/a-traducao-de-um-poema-de-emily.html> Acesso em: 
16 set. 2019. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANEXOS 
 
ANEXO A – E-mail enviado a Nicolas Pelicioni. 
 
 
ANEXO B – Resposta enviada por Nicolas Pelicioni sobre sua tradução.

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