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O MÉTODO EXPERIMENTAL Prof.ª Débora Ferreira A pesquisa psicológica tem duas metas principais: A primeira é fornecer uma descrição do comportamento humano e de seus processos psicológicos subjacentes, e a segunda é fornecer uma explicação para esse comportamento. A experimentação e o método científico Historicamente, a difusão do uso de experimentos na pesquisa psicológica começou com a psicofísica alemã no século XIX, em particular com os estudos empíricos de Helmholtz sobre a percepção visual durante os anos de 1869 e com a fundação, em 1879, por Wundt, do primeiro laboratório de psicologia Desde então, o uso de experimentos na pesquisa psicológica tornou-se sinônimo de aceitação da psicologia como uma disciplina científica. O que é um experimento? Um experimento é um teste das relações de causa e efeito a partir da coleta de evidência para demonstrar o efeito de uma variável sobre a outra. Em sua forma mais simples, dois grupos de pessoas são tratados exatamente do mesmo modo, com uma exceção (o tratamento experimental, também chamado tratamento diferencial) e qualquer diferença observada entre os grupos é, então, atribuída ao tratamento diferente. Hipóteses são os enunciados formais de predições derivados da evidência obtida a partir de pesquisa e teoria anteriores, ou simplesmente o resultado de uma intuição. Causalidade e experimentação O método experimental cumpre essa condição manipulando um fator e procurando pela evidência de que isso produz uma mudança em outro fator. Se tal efeito ocorre, sabemos que existe uma relação causal entre o fator manipulado e o fator afetado. O uso cuidadoso deste método deveria indicar se o tratamento particular que está sendo variado pode ter ou não uma influência causal sobre o comportamento . O objetivo de estabelecer a causalidade é fornecer uma explicação que seja a única explicação para o fenômeno observado. Confiabilidade e Validade Nos experimentos, como em toda pesquisa sistemática, os riscos são muito altos. Alegar causalidade psicológica com base em estudos precariamente planejados resulta em experimentos inúteis, no melhor dos casos, e potencialmente danosos, no pior. Tais dificuldades podem ser formalizadas utilizando os conceitos de confiabilidade e de validade. Confiabilidade e Validade Confiabilidade refere-se à consistência ou à estabilidade de qualquer efeito experimental. A técnica mais comum para estabelecer a confiabilidade é a replicação. Se o mesmo modelo experimental conduz aos mesmos resultados em ocasiões seguidas e utilizando amostras diferentes, então o experimento é considerado confiável. Confiabilidade e Validade Validade refere-se ao fato de um experimento explicar ou não o que por meio dele se pretende explicar: em outras palavras, a verdade da causalidade que está sendo inferida. Manipulação e controle experimental O poder da técnica experimental reside em sua capacidade de assegurar que apenas a variável independente possa variar sistematicamente através das situações do experimento. Se uma ou mais das outras variáveis variam sem razão juntamente com a variável manipulada, isso resulta em confusão. A confusão de variáveis pode inutilizar um experimento, pois torna impossível a interpretação dos resultados. Delineamentos experimentais básicos Existem dois delineamentos experimentais fundamentais, os quais formam a base de todos os modelos mais complexos e que diferem de acordo com o modo no qual lidam com o controle da variação do objeto. Tais modelos são os delineamentos intersujeitos e os delineamentos intrassujeito. (Os delineamentos intersujeitos às vezes são chamados delineamentos de grupos independentes ou separados, ao passo que os delineamentos intrassujeitos às vezes são chamados de grupos relacionados ou repetidos ou modelos de medidas repetidas.) Delineamentos experimentais básicos Se dois ou mais grupos totalmente separados recebem cada um diferentes níveis de variável independente, então este constitui um delineamento intersujeitos. Em contrapartida, se o mesmo grupo de pessoas recebe todas as várias condições ou níveis de variável independente, então este é um caso de delineamento intrassujeito. Delineamentos intersujeitos Alocar pessoas em diferentes condições dentro de um experimento em vez de apresentar as pessoas com todas as condições experimentais consecutivamente é o paradigma experimental mais comum usado na psicologia experimental. Logo, esse método coloca uma ameaça ao poder do experimento porque, por definição, existem diferentes pessoas em cada grupo e esses grupos podem compartilhar diferentes características desde o início do experimento, o que influenciará seu desempenho. Randomização A randomização é uma técnica que garante que haja o menor número de diferenças possível entre diferentes grupos de sujeitos, dando a todo sujeito uma chance igual de ser alocado em cada uma das condições experimentais. É importante observar que tal procedimento não elimina ou mesmo reduz as diferenças individuais: ele simplesmente distribui essas diferenças aleatoriamente entre os grupos. Randomização Se não for feita, podemos acabar com um grupo mais apto em uma condição e qualquer diferença entre as condições poderá ser atribuída a um efeito sistemático das diferenças individuais, e não às diferenças no tratamento experimental entre os grupos. Com a randomização, reduzimos bastante a possibilidade de um viés sistemático desse tipo. Emparelhamento A sensibilidade de um experimento consiste em sua capacidade de descobrir qualquer efeito da variável independente. Efeitos experimentais podem ser eventualmente muito discretos e, contudo, ter grande significação psicológica. A randomização dos participantes em grupos experimentais prevenirá contra certo erro, mas não aumentará a sensibilidade. Emparelhamento A importância de emparelhar torna-se mais evidente quando o experimento compreende grupos muito diferentes de participantes. Suponhamos que o experimento esteja comparando algum tipo de tratamento de intervenção em grupos de pessoas portadoras de deficiências como o autismo, a esquizofrenia, a dislexia ou a síndrome de Down. Como essas pessoas podem ser combinadas? Delineamentos intrassujeitos Alguns tipos de experimento resolvem o problema das diferenças entre as pessoas e a necessidade de combinar utilizando as mesmas pessoas em cada uma das condições experimentais. Delineamentos intrassujeitos, como são chamados, têm uma vantagem muito óbvia, pois cada indivíduo é testado em ambas ou todas as condições do estudo. Em experimentos que contêm um grupo-controle ou que serve de base, cada indivíduo atua como seu próprio controle. Quando a mesma pessoa tem desempenhos muito diferentes em cada um dos tratamentos, então o efeito da variável é, de fato, muito claro, porque a diferença não pode ser causada ou diluída por diferenças individuais. Delineamentos intrassujeitos O primeiro problema que os delineamentos intrassujeitos colocam é aquele que surge, porque, por definição, os diferentes níveis ou tarefas do experimento devem ser completados serialmente, um após o outro. A natureza serial do teste pode facilmente dar origem a efeitos de ordem, nos quais fazer, em primeiro lugar, uma tarefa e, em segundo, outra, influencia o desempenho da pessoa. Delineamentos intrassujeitos Todo experimento no qual a familiaridade com o procedimento e a instalação experimental pode aumentar corre o risco de apresentar efeitos de ordem que irão distorcer a interpretação dos resultados. Similarmente, a fadiga e o tédio podem também aumentar ao longo do tempo e afetar o resultado. Além disso, esses tipos de efeito de ordem surgirão independentemente do sequenciamento preciso das condições, pois surgem simplesmente do fato de que uma condição deve ser primeira, segunda,terceira, e assim por diante. Delineamentos intrassujeitos Um tipo mais específico de dificuldade que surge da ordem de apresentação é o potencial para desenvolver efeitos de transferência. Estes aparecem quando o desempenho em uma condição é, em parte, dependente das condições que a precedem. Com isso, corre-se o risco de reduzir a validade do experimento. Delineamentos intrassujeitos Efeitos de transferência podem ser caracterizados de vários modos. O primeiro é aquele no qual o participante adquire habilidades relevantes para o experimento em uma tarefa, as quais ele transporta para a tarefa subsequente. Assim, em um experimento que tem duas condições (A e B), suponhamos que, ao realizar A, o sujeito adquira habilidades que irão melhorar seu desempenho em B. O escore do participante em B será artificialmente inflado em comparação com o experimento executado em um modelo intersujeitos. Delineamentos intrassujeitos Outra situação de transferência frequente é quando duas tarefas diferem em termos de dificuldade. Suponhamos que a tarefa A seja fácil e que a tarefa B seja difícil, e que o pesquisador pretende avaliar as habilidades das pessoas em cada tarefa, algo como o quão rapidamente elas terminam ou quantos problemas elas resolvem corretamente. Delineamentos intrassujeitos Um indivíduo que realiza a tarefa A primeiro dará a impressão de que o experimento é fácil e, por isso, abordará a tarefa B com isso em mente: esse indivíduo atuará rapidamente e, desse modo, cometerá muitos erros. Por outro lado, o indivíduo que realizar primeiro a tarefa B, saberá antes que o experimento é difícil e, por isso, atuará lenta e cuidadosamente quando for o momento de realizar a tarefa A. Os participantes podem, portanto, obter escores diferentes na tarefa A, dependendo de ela ter sido realizada em primeiro ou em segundo lugar, e o mesmo pode ser verdadeiro para a tarefa B. A A A B C Intra Inter V 1 V 2 V 1 V 2 V 3 Variáveis em níveis diferentesVariáveis em níveis diferentes A V 3 O MÉTODO QUASE-EXPERIMENTAIS Prof.ª Débora Ferreira Podemos dizer que tanto os delineamentos experimentais como os quase experimentais têm como objetivo estabelecer relações de causa-efeito, o que não é o caso das pesquisas de levantamento (surveys), nem mesmo dos delineamentos correlacionais. Mesmo abrindo mão de algum controle das variáveis, já que as condições não poderão ser controladas totalmente, e da randomização dos grupos, o delineamento quase experimental tem como característica a manipulação de variáveis. Assim, das três condições indispensáveis (a manipulação de variáveis, o controle das variáveis e a randomização dos grupos) para que se possa classificar um delineamento como experimental, permanece como absolutamente necessária a condição de manipulação de variáveis para que um delineamento possa ser considerado quase experimental. Tanto nos delineamentos experimentais como nos quase experimentais, é comum a utilização de grupos para se efetuar o controle das variáveis. Assim, podemos montar um grupo experimental, no qual introduzimos a variável independente (VI), e o grupo de controle, no qual a VI não está presente. O delineamento quase experimental tem características muito semelhantes às do delineamento experimental no que se refere à manipulação de variáveis em diferentes grupos. O pesquisador muda uma condição, chamada variável independente (VI), também denominada variável exploratória ou experimental, para observar e mensurar que efeito essa mudança tem em outra variável, ou seja, a variável dependente (VD). Quase-experimentos não deveriam ser vistos, contudo, como sempre inferiores aos verdadeiros experimentos. As vezes, eles constituem o próximo passo lógico a ser dado em um longo processo de investigação no qual resultados experimentais estabelecidos em laboratório precisam ser testados em situações práticas a fim de ver se são realmente úteis. Delineamentos de grupo-controle não equivalente O delineamento de grupo-controle não equivalente (GCNE) supera esse problema ao requerer um pré-teste de habilidade computacional, bem como um pós-teste. O pré-teste permite-nos ter alguma ideia de quão similares os grupos- controle e os grupos de tratamento eram antes da intervenção. Delineamentos de série temporal Um delineamento de série temporal envolve a investigação apenas de uma amostra, mas também implica a tomada de medidas referentes à variável dependente em três ou mais ocasiões. Esses modelos são por vezes designados delineamentos de “séries temporais interrompidas”, na medida em que a intervenção do tratamento “interrompe” uma série temporal de observações que, de outro modo, seria contínua. Delineamentos de série temporal Para que os estudos que contêm séries temporais funcionem bem, são requeridos múltiplos pontos de coleta/observação de dados. É difícil detectar tendências de qualquer tipo com apenas três pontos de observação e, portanto, sempre que possível, convém optar pelo maior número de pontos de observação possível, mas sempre levando em consideração a fadiga, o tédio e a irritação dos participantes. Delineamentos de série temporal com grupo- controle não equivalente Uma série estendida de pontos de coleta de dados é usada tanto com o grupo de tratamento quanto com o de controle não equivalente. A principal vantagem do delineamento de STGCNE é que o pesquisador estaria apto a dizer tanto se um tratamento tem um efeito em comparação com um grupo-controle quanto se o efeito ocorre apenas em um momento posterior à introdução do tratamento. Ele ajuda a eliminar muitos riscos individuais para a validade delineada antes. Delineamentos de série temporal com grupo- controle não equivalente Muitos dos problemas associados a série temporal e GCNE são perfeitamente superados pela combinação das duas abordagens no delineamento de série temporal com grupo-controle não equivalente (STGCNE), por vezes também chamado “delineamento de série múltipla”. Referências BREAKWELL, G. M. ; etal. Métodos de Pesquisa em Psicologia. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536324159/cfi/0!/4/4@0.00:0.00 BAPTISTA, Makilim Nunes; DE CAMPOS, Dinael Corrêa. Metodologias de pesquisa em ciências: análises quantitativa e qualitativa. Livros Técnicos e Científicos, 2007. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521630470/cfi/6/10!/4/2@0:0 Referências para AV1 AULA 01 e 02 – Construção e testagem de uma teoria BREAKWELL, G. M. ; etal. Métodos de Pesquisa em Psicologia. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536324159/cfi/0!/4/4@0.00:0.00 - Capítulo 01 AULA 03 - Variáveis MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 9. ed. São Paulo : Atlas 2021. Disponívelem:https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597026580/cfi/6/2!/4/2/2@0:0.0904 - Capítulo 07 AULA 04 – Ética em pesquisa Resoluções do Conselho Nacional de Saúde – CNS: 466/2012 e 510/2016 AULA 05 – Método experimental e quase-experimental BREAKWELL, G. M. ; etal. Métodos de Pesquisa em Psicologia. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536324159/cfi/0!/4/4@0.00:0.00 - Capítulo 04 e 05 BAPTISTA, Makilim Nunes; DE CAMPOS, Dinael Corrêa. Metodologias de pesquisa em ciências: análises quantitativa e qualitativa. Livros Técnicos e Científicos, 2007. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521630470/cfi/6/10!/4/2@0:0 - Capítulo 13 e 14
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