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A ANTROPOLOGIA DAS EMOÇÕES NO BRASIL: UMA BREVE REVISÃO SISTEMÁTICA DAS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS NOS ÚLTIMOS 10 ANOS (2008-2018) Lucas Leon Vieira de Serpa Brandão1 Erika Fernanda da Silva Bandeira2 Resumo: A importância crescente da análise antropológica das emoções na sociedade atual pode ser verificada pelo aumento no número das diversas manifestações emocionais e sua interferência na relação homem-sociedade. No caso específico da antropologia das emoções, destaca-se pela utilização desse campo tratado como componente curricular presente nos cursos de ciências sociais, o que desperta o interesse de compreender a estruturação de suas produções científicas. A partir desse interesse, este estudo caracteriza-se como uma revisão sistemática qualitativa e tem por objetivo analisar as produções científicas no Brasil nos últimos 10 anos. Foi concluso que a antropologia das emoções como campo de estudos da antropologia apresenta um número baixo de estudos e aponta uma necessidade maior de investigação para indicar e entender como se encontra a interferência das emoções na sociedade brasileira do ponto de vista antropológico. Palavras-chave: antropologia das emoções; produção científica; antropologia. Abstract: The increasing importance of the anthropological analysis of emotions in today's society can be verified by the increase in the number of different emotional manifestations and their interference in the man-society relationship. In the specific case of the anthropology of emotions, it stands out for the use of this field treated as a curricular component present in the courses of social sciences, which arouses the interest of understanding the structuring of its scientific productions. Based on this interest, this study is characterized as a qualitative systematic review and aims to analyze the scientific productions in Brazil in the last 10 years. It was concluded that the anthropology of emotions as an anthropology field of study presents a low number of studies and points out a greater need for research to indicate and understand how the interference of emotions in Brazilian society is found from the anthropological point of view. Keywords: anthropology of emotions; scientific production; anthropology. 1 Graduando em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade de Pernambuco 2 Graduanda em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade de Pernambuco INTRODUÇÃO A palavra “emoção” origina-se da palavra emovere, que tem por significado o ato de movimentar-se. Desde a Grécia Antiga até metade do século XIX pesquisadores acreditavam que a emoção era inata, fazia parte dos instintos básicos humanos e estava completamente fora de controle, sendo influenciada pelo pensamento cartesiano. Para Halbwachs (2009) a emoção não é inata, natural, hereditária ou está ligada a constituição orgânica dos seres. Ainda para ele, a emoção é transmitida pela linguagem e corresponde a uma necessidade de se corresponder e se comunicar com os outros. Dessa forma, é a coletividade que sugere ou escolhe o melhor meio que a comunidade irá se expressar. Ou seja, nossa emoção é uma adaptação do meio social ao qual estamos inseridos. Pensando dessa maneira, a antropologia das emoções surge – no Brasil, a partir da década de 90 - como uma subárea da antropologia responsável por situar e centralizar as emoções como categoria a se pensar a relação homem-sociedade tendo esta como enfoque. (KOURY, 2014) Anos antes, em 1988, Catherine Lutz lança o livro Unnatural Emotions ampliando a discussão sobre a construção das emoções como objeto de estudo da antropologia. O livro é um marco em trazer a percepção da vida emocional em vários planos, traduzindo uma série de ambivalências entre representações de emoções e concepções de gênero Segundo Koury (2014) a antropologia das emoções no Brasil tem uma vida recente, surgindo como campo de pesquisa a partir de meados de 1990, resultado de um processo semelhante iniciado nos Estados Unidos nos anos 70. Nesse caso, ressalta, as ciências sociais vêm contribuindo para a desnaturalização das emoções e tratando estas como incorporações apreendidas. Para Coelho e Rezende (2010, apud Carneiro, 2013), contribuindo com Koury, essa questão começa a ser tratada ainda na década de 80 por autores como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto DaMatta, sendo apenas na década de 90 que a antropologia das emoções ganha fôlego e passa a ser tratada por revistas, grupos tématicos e linhas de pesquisa. A partir das considerações citadas acerca do desenvolvimento da antropologia das emoções no Brasil, revisar a literatura para pontuar o caminho percorrido por esta faz-se necessário para entender como anda o entendimento de sociedade a partir da ótica antropológica no que concerne a antropologia das emoções e serve para demonstrar lacunas para novas estruturações de pesquisas em antropologia das emoções. Desta forma, o presente estudo teve como objetivo analisar as produções científicas neste tema no Brasil nos últimos 10 anos. METODOLOGIA A pesquisa caracteriza-se como uma revisão sistemática o que, segundo Medina e Pailaquilén (2010), possuindo relevância na América Latina, traz credibilidade na busca e ordenação de pesquisas que têm sido realizadas num período de tempo. Sintetizam os resultados de múltiplas pesquisas e avaliam critérios e características dos dados a serem interpretados. Para Sampaio e Mancini (2007) as revisões sistemáticas norteiam o desenvolvimento de novos projetos e indica novos rumos para futuras investigações, indicando ainda, métodos que foram utilizados por determinadas áreas. A busca pelas produções científicas foi realizada nas bases de dados Scielo e no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) referente ao conteúdo gratuito, utilizando unicamente do seguinte descritor: “antropologia das emoções”, definido como o termo de referência aos estudos em questão, consultados unicamente em português e com limitação de tempo para publicação nos anos de 2008 a 2018, selecionados assim com critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão os seguintes parâmetros: A. Pesquisas referentes a antropologia das emoções; B. Estudos apenas em português do Brasil; C. Publicações recentes dos últimos dez anos. Os seguintes critérios de exclusão foram adotados: A. Trabalhos de conclusão de cursos, dissertações e teses; B. Livros; C. Artigos ou resenhas repetidas nas duas bases de dados; D. Trabalhos estrangeiros. Assim, foram identificados 26 estudos na base da Scielo e 401 trabalhos no Portal de Periódicos da CAPES, totalizando 427 estudos a serem analisados. Foi realizada uma triagem dos estudos, cuja temática aparentava ser pertinente, sendo excluídos 245 trabalhos, inicialmente, seguindo os critérios de exclusão. Posteriormente, todos os estudos foram lidos em resumo para serem considerados como lócus da pesquisa. Dessa forma, apenas dez estudos foram considerados elegíveis, levando em conta os critérios de inclusão e exclusão. ANÁLISE DOS DADOS Na Tabela 1 são apresentados os estudos que passaram por revisão, ordenados de forma cronológica nos quais houve resultado, de 2010 a 2017. Tabela 1 AUTORES ANO TIPO TÍTULO KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro 2010 ARTIGO Pela consolidação da sociologia e da antropologia das emoções no Brasil COELHO, Maria Cláudia 2010 ARTIGO Narrativas da Violência: A Dimensão Micropolítica das Emoções CASTRO E SILVA, Anderson Moraes de 2010 ARTIGO O prazer de Sísifo está no leito de Procusto: a emoção do prazer nos relatos de consumidores de fast sex COELHO, Maria Cláudia 2012 ARTIGO Gênero, emoções e vitimização: percepções sobre a violênciaurbana no Rio de Janeiro CARNEIRO, Rosamaria 2013 RESENHA Antropologia das Emoções: retomando concepções e consolidando campos DUARTE, Thais Lemos 2013 ARTIGO Amor, Fidelidade e Compaixão: "Sucata" para os presos ALVES, Fábio Lopes 2015 RESENHA KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Estilos de vida e individualidade : escritos em antropologia e sociologia das emoções. Curitiba: Appris, 2014. 226 p. A análise dos trabalhos presentes na Tabela 1 permitiu observar que cinco estudos são resenhas de livros de um mesmo autor, Mauro Guilherme Pinheiro Koury; os outros cinco, são artigos de diferentes assuntos com foco na sociologia e/ou na antropologia das emoções. Um deles, do autor citado, faz um breve panorama da antropologia das emoções no Brasil através de uma revisão de literatura de dados recolhidos em encontros e congressos no Brasil e na América Latina (Koury, 2010). Por seguinte, temos um artigo que investiga a violência urbana em camadas médias do Rio de Janeiro através de oito entrevistas realizadas com três casais e duas mulheres (Coelho, 2010). O terceiro artigo analisa os espaços destinados a prostituição feminina no Rio de Janeiro como espaços de construção da masculinidade, e a partir disso, através da análise de narrativas dos “clientes”, estuda as emoções referentes ao prazer (Silva, 2010). O quarto artigo, traz depoimentos de vítimas de assaltos residenciais no Rio de Janeiro através de entrevistas com casais e tem como objetivo analisar o controle emocional nos relatos e as emoções por trás destes (Coelho, 2012). O quinto e último artigo analisado, gira em torno da relação das mulheres de presidiários em visitas às unidades prisionais, tratando especificamente sobre os alimentos levados por elas e faz uma análise dos sentimentos das companheiras no contexto prisional a partir disto (Duarte, 2013). BARBOSA, Raoni Borges 2016 RESENHA KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Quebra de confiança e conflito entre iguais : cultura emotiva e moralidade em um bairro popular. Recife: Bagaço; João Pessoa: Edições do GREM, 2016. 141 p. (Caderno do GREM n. 9). SILVA SANTANA, Tarsila Chiara Albino da e OLIVEIRA, Jainara Gomes de 2016 RESENHA Cultura Emotiva, Estilos de Vida e Individualidade SILVA SANTANA, Tarsila Chiara Albino da e OLIVEIRA, Jainara Gomes de 2017 RESENHA KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro; BARBOSA, Raoni Borges. Da subjetividade às emoções : a antropologia e a sociologia das emoções no Brasil. Recife: Edições Bagaço; João Pessoa: Edições GREM, 2015. 115 p. (Série Cadernos do Grem n. 7). É importante salientar que, mesmo com métodos e abordagens diferentes para coleta e debate dos dados, todos os estudos giram em torno de trazer à tona uma visão qualitativa da antropologia das emoções. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao nos depararmos sob esses estudos e compreendermos a antropologia das emoções como um ato necessário a ser utilizado para o (re)conhecimento da relação homem-sociedade, os estudos considerados apontam de forma clara para um recorte muito específico da antropologia das emoções, onde ela se encontra sendo produzida, sua qualificação e seu desenvolvimento nas universidades brasileiras. É perceptível, por outro lado, indicando fragilidade em referenciais teóricos nacionais, o uso, pelas resenhas, de trabalhos produzidos por um mesmo autor. Não do ponto de vista da qualidade teórica e científica do mesmo, mas induzindo e revelando uma ausência de maior número de produções nacionais acerca do tema. No que diz respeito aos artigos, estes são produzidos dentro de um mesmo campo de pesquisa, a cidade do Rio de Janeiro, indicando, por seguinte, uma sedimentação de conhecimentos muito específicos, ligados a problemáticas regionais, e que de certa forma descrevem o modus operandi da pesquisa circunscrita pela relação sociocultural do objeto pesquisado. Abordando ainda a necessidade de mais pesquisas, é consenso que os métodos utilizados são praticamente os mesmos e envolvem responsabilidade, planejamento e estruturação bem definidos para responder as perguntas condizentes as necessidades pautadas pela área. Além disso, é observável a importância dessas pesquisas na legitimação da antropologia das emoções como área valorativa a construção de saberes para entendimento da relação homem-sociedade. Nesse sentido, os estudos analisados, pontuam, de forma bastante esclarecedora, as diversas possibilidades de leitura propostas pela antropologia das emoções, como nos estudos de Coelho (2010; 2012) que versam sobre óticas diferentes da violência no Rio de Janeiro e das emoções do ponto de vista da antropologia, tecendo uma relação entre as duas. Logo após, os estudos de Castro e Silva (2010) e Duarte (2013) revelam problemáticas contemporâneas como a prostituição e a posição das mulheres casadas com presidiários, respectivamente, e ajuda a tecer uma narrativa da relação da subjetividade com a cultura e suas interferências de forma muito elucidativa, demonstrando a flexibilidade da antropologia das emoções. Por fim, é preciso esclarecer que a metodologia utilizada possui vários fatores limitantes que são pertinentes a serem levados em consideração. O primeiro deles deve- se ao fato da utilização de periódicos indexados apenas em duas bases de dados (Scielo e Portal de Periódicos – CAPES), depois o descritor considerado e por fim, a utilização de critérios de exclusão e inclusão. Sendo assim, é possível que outros estudos sobre a temática não tenham sido incluídos nesse estudo. Além disso, a quantidade de estudos que foram encontrados demonstra a necessidade de investigações no que diz respeito a antropologia das emoções. Pesquisas sobre diferentes abordagens e diferentes realidades possibilitaram maiores aprofundamentos e discussões mais pertinentes sobre essa área da antropologia. REFERÊNCIAS ALVES, Fábio Lopes. KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Estilos de vida e individualidade : escritos em antropologia e sociologia das emoções. Curitiba: Appris, 2014. 226 p. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 21, n. 44, p.393-396, jul. 2005. BARBOSA, Raoni Borges. KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Quebra de confiança e conflito entre iguais : cultura emotiva e moralidade em um bairro popular. Recife: Bagaço; João Pessoa: Edições do GREM, 2016. 141 p. (Caderno do GREM n. 9). Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 22, n. 46, p.457-460, jul. 2016. CARNEIRO, Rosamaria. Antropologia das Emoções: retomando concepções e consolidando campos. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p.647-652, 2013. CASTRO E SILVA, Anderson Moraes de. O prazer de Sísifo está no leito de Procusto: a emoção do prazer nos relatos dos consumidores de fast sex. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latino Americana, [s.i], v. 6, p.63-82, abr. 2010. COELHO, Maria Claudia. Gênero, emoções e vitimização: percepções sobre a violência urbana no Rio de Janeiro. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latino Americana, [s.i], v. 10, p.10-36, abr. 2012. COELHO, Maria Claudia. Narrativas da Violência: A Dimensão Micropolítica das Emoções. Mana: Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p.265-285, 2010. DUARTE, Thais Lemos. Amor, Fidelidade e Compaixão: "sucata" para os presos. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, v. 6, n. 3, p.621-641, nov. 2013. HALBWACHS, Maurice. “A Expressão das emoções e a sociedade”. Tradução de Mauro Guilherme Pinheiro Koury. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 8, n. 22, p. 201 a 218, abr. 2009. KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Pela consolidação da sociologia e da antropologia das emoções no Brasil. Revista Sociedade e Estado, [s.i], v. 29, n. 3, p.841-866, set. 2014. MEDINA, Eugenia Urra; PAILAQUILÉN, René Mauricio Barría. A revisão sistemática e a sua relação com a prática baseadana evidência em saúde. Revista Latino-americana de Enfermagem, Chile, v. 4, n. 18, p.1-8, jul. 2010. OLIVEIRA, Jainara Gomes de; SANTANA, Tarsila Chiara. KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro; BARBOSA, Raoni Borges. Da subjetividade às emoções : a antropologia e a sociologia das emoções no Brasil. Recife: Edições Bagaço; João Pessoa: Edições GREM, 2015. 115 p. (Série Cadernos do Grem n. 7). Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 23, n. 48, p.379-381, maio 2017. SAMPAIO, RF; MANCINI, MC. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 11, n. 1, p.83-89, jan. 2007. SANTANA, Tarsila Chiara Albino da Silva; OLIVEIRA, Jainara Gomes de. Cultura Emotiva, Estilos de Vida e Individualidade. Mediações, Londrina, v. 21, n. 1, p.418-423, jul. 2016
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