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O ARQUÉTIPO DA SOMBRA NA POLARIZAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA O ARQUÉTIPO DA SOMBRA NA POLARIZAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA Deborah Celentano Brasília, 2019 O arquétipo da sombra na polarização política brasileira ©Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, 2018. Todos os direitos reservados. Editor Max Stabile Revisão ortográfica e gramatical André Luis Gomes Moreira Diagramação Toni Moraes Capa Luda Lima Catalogação na Publicação (CIP) C3920 Celentano, Deborah, 1986 – O arquétipo da sombra na polarização política brasileira / Deborah Celentano – Brasília: Editora IBPAD, 2018. 100p.; 18cm ISBN: 978-85-54230-03-6 1. Psicologia junguiana; 2. Pensamento Político Brasileiro; 3. Persona e Sombra; 4.Polarização política; 5. Psicopolítica. 1. Título CDD: 100 CDU: 159.9 Editora IBPAD Brasília (DF). www.ibpad.com.br contato@ibpad.com.br +55 (61) 4042 2018 Para criar um inimigo Comece com uma tela em branco e delineie, num contorno geral, as formas de homens, mulheres e crianças. Mergulhe fundo no poço inconsciente de sua própria sombra reprimida com um pincel largo e salpique os estranhos com o matiz sinistro da sombra. Trace sobre o rosto do inimigo a avidez, o ódio e a negligência que você não ousa assumir como seus. Obscureça a doce individualidade de cada rosto. Apague todos os traços de mil amores, esperanças e medos que brincam pelo caleidoscópio de cada coração finito. Retorça o sorriso até que ele forme um arco descendente de crueldade. Arranque a carne dos ossos até que só reste o esqueleto abstrato da morte. Exagere as feições para que o homem se metamorfoseie em besta, verme, inseto. Preencha o fundo com figuras malignas de antigos sonhos — diabos, demônios e guerreiros do mal. Quando a sua estátua do inimigo estiver completa você será capaz de matar sem sentir culpa, trucidar sem sentir vergonha. A coisa que você destruiu tornou-se apenas um inimigo de Deus, um estorvo à sagrada dialética da História. S. Keen (1991) Sumário Prefácio: a democracia e sua sombra..................................11 Introdução......................................................................................15 1. Conceitos junguianos chave para entender a polari- zação política: complexo, persona e sombra..................25 1.1 Complexos ...........................................................................25 1.2. O revelado e o oculto nas relações com outros: per- sona e sombra................................................................................29 2. Velha ética e nova ética ou a psicologia do bode expiatório e a psicologia profunda....................................33 2.1. A velha ética ou a psicologia do bode expiatório....33 2.2. Psicologia profunda e nova ética.................................37 3. Por que involuímos em termos de manifestação política? A polarização política brasileira e a infanti- lização do eleitor brasileiro à espera de um messias político.............................................................................................45 3.1 As manifestações juninas de 2013 versus as manifes- tações pró e anti-impeachment de 2015 e 2016..................45 3.2. Do movimento social caleidoscópico à polarização política: o processo de criação do inimigo e a mente do homo hostilis..................................................................................55 3.3 A infantilização do pensamento político: a espera de um messias político que resolveria todos os problemas da nação.................................................................................................60 Considerações finais..................................................................69 Posfácio............................................................................................79 Referências.....................................................................................83 Anexos..............................................................................................85 11 Prefácio A democracia e sua sombra Domenico Uhng Hur1 É com grande satisfação que apresento a obra O Arquétipo da sombra na polarização política brasileira da cientista política Deborah Celen- tano. Neste livro instigante, a autora busca ana- lisar um fenômeno contemporâneo de extrema relevância, a polarização política no Brasil, a par- tir de um enfoque teórico potente: a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. A autora trans- passa os muros das disciplinaridades, cruzando as fronteiras de sua formação, para articular o olhar da Ciência Política com a Psicologia Ana- lítica junguiana, num autêntico exercício psico- político. Essa postura interdisciplinar para a análise dos fenômenos psicossociais é bastante corajosa 1 Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Social pela Uni- versidade de São Paulo, com estágio doutoral na Universitat Autònoma de Barcelona e pós-doutoral na Universidad de Santiago de Compostela (Espanha). Professor de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás. Secretário de Pesquisas da Asociación Ibero-latino- americana de Psicología Política. Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ-2) do CNPq. 12 e ambiciosa, visto que grande parte dos campos de saberes ainda preferem transitar dentro de suas próprias disciplinas. Entretanto Deborah Celentano prefere percorrer a riqueza da inter- disciplinaridade, nas contribuições que os sabe- res heterogêneos propiciam para uma leitura mais complexa do fenômeno. Neste sentido, ana- lisa o fenômeno da polarização política através de conceitos junguianos, tais como: Complexo, Projeção, Sombra e Persona. A autora oferece assim um enfoque original para tratar dos fenô- menos coletivos, demonstrando a potência dos ensinamentos de Jung para uma analítica do contemporâneo. E vale ressaltar que preenche uma lacuna metodológica na Psicologia Política brasileira, pois são raríssimos, ou quase inexis- tentes, os trabalhos da área que utilizam o marco teórico junguiano para a reflexão dos fenômenos psicopolíticos. Deborah não apenas demonstra bom domínio sobre os conceitos junguianos, como os aplica de forma muito eficaz à leitura de seu problema de investigação, na realização do diagnóstico do presente. Neste caso, a projeção da sombra no grupo antagonista ocupa lugar central para a compreensão do fenômeno da polarização polí- tica. A sombra que cada um carrega, e que se não é defrontada e analisada, pode ser depositada nesse outro, que de diferente, passa a ser imagi- 13 nado e concebido como um inimigo: torna-se o bode expiatório, a vítima sacrificial que deve ser eliminada, para que o mal, imaginariamente, seja expiado. Deste modo o cenário político passa a ser o lugar de conflitos numa lógica dicotômica e maniqueísta. A democracia que deveria ser o lugar do debate e da heterogeneidade para a ges- tão da vida e do coletivo, passa a ser o lugar de conflitos e disputas entre dois polos incomuni- cáveis. Não seria então a polarização política a própria sombra da democracia? Ou melhor, não seria o sintoma resultante da democracia não se deparar e lidar com sua sombra, de insistir e idealizar apenas a sua persona, de uma suposta relação positiva de cidadãos com direitos iguais? O campo de análise de Deborah é muito atual e relevante. Perpassa as manifestações de junho de 2013, as mobilizações pró e contrárias ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2015 e 2016 e a adesão intensificada ao dis- curso populista de Jair Bolsonaro. Demonstra que estamos num momento de enclave, no qual a negação e não tratamento da sombra chegaram a tal magnitude, que vemos os fenômenos mais irracionais e contraditórios no cenário político atual. Portanto, possivelmente o êxito de Bolso- naro seja a maior expressão da Democracia não lidar com sua sombra e do triunfo das forças rea- 14 tivas de abolição, e não das forças de convivência e solidariedade. Em toda sua narrativaDeborah Celentano também expressa um comprometimento éti- co-político, no qual busca pensar soluções ao espectro polarizado que enfrentamos, para a assunção de um pensamento caleidoscópico, ou seja, sair das lógicas binárias e redutoras, para uma lógica da multiplicidade, que acolha as dife- renças. Dessa forma, parabenizo a autora e faço um convite ao leitor para ingressar nessa jornada e refletir sobre sua própria sombra, seja do ponto de vista individual e/ou coletivo-social, para que juntos consigamos criar alternativas frente a este cenário de polarização social e política que aco- mete o país. 15 Introdução1 A política brasileira recentemente tem apre- sentado momentos polêmicos de polarização e animosidade entre grupos diversos que se fecham em seus clusters e se identificam entre si como o bem, a verdade, o certo, a luz. Podemos reconhecer a polarização política como pano de fundo a partir do qual se realçam alguns fatos que merecem atenção. Inicialmente, o próprio resultado das eleições presidenciais de 2014 que demonstra uma margem bastante apertada entre os dois candidatos em tela2, conforme esclarece a tabela a seguir, sendo considerada a menor dife- rença de votos em uma eleição de segundo turno, desde a redemocratização (3,4 milhões). 1 Este livro foi desenvolvido e ampliado a partir de um trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação Lato Sensu com Especialização Profissional em Psicologia Junguiana aprovado pelo Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa (IJEP), da Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo (FACIS) no ano de 2017. 2 Sobre o resultado das eleições presidenciais de 2014 ver anexo 1. 16 Resultado do 2° turno da eleição presidencial brasileira de 2014. Candidatos Votos %Votos Válidos DILMA VANA ROUSSEFF (PT) 54.501.118 51,64 AÉCIO NEVES DA CUNHA (PSDB) 51.041.155 48,36 Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outros desdobramentos posteriores tornaram essa polarização mais marcada, o que foi visto ao longo do processo de impedimento da ex-presi- dente Dilma Roussef. Nesse contexto, cabe desta- car as nuances das manifestações populares que sofreram uma forte involução, do ponto de vista das características que marcam as manifestações populares. Essa involução será abordada no ter- ceiro capítulo deste livro, onde se desenvolve um comparativo entre as manifestações juninas de 2013 e as manifestações pró ou anti-impeach- ment de 2015 e 2016, demonstrando uma reto- mada ao pensamento maniqueísta que marcou fortemente o século XX. Tal guinada de cenário de polarização que se iniciou nas eleições de 2014 ganhou tônus no processo pró/anti-impeachment e tornou-se ainda mais marcante durante a corrida presi- dencial de 2018, caindo em um nível de intensa mobilização afetiva. Essa mobilização afetiva foi agravada pelo fenômeno das fake news, voltadas 17 justamente para apelar para o campo dos afetos, sucumbindo o indivíduo pensante cada vez mais para o entorpecimento da projeção da sombra no outro, ficando cada vez mais à deriva de uma lucidez ancorada em fatos reais. Uma vez que o ambiente político e social se estabeleceu nesse espectro dicotômico, busca-se no presente estudo aqui contemplado fazer um paralelo entre esse contexto histórico, político e social com aspectos da psicologia junguiana, como os conceitos de projeção, sombra e per- sona. Nesse sentido, objetiva-se neste livro enten- der como a polarização política vivida na atua- lidade brasileira pode ser lida à luz da psicologia junguiana. Analisar o contexto político à luz da psicologia junguiana amplia o alcance de enten- dimento de processos psíquicos vividos no pen- samento político na atualidade. O presente tema da polarização política relacionado ao arcabouço da psicologia analítica junguiana, chama a aten- ção para o fenômeno das projeções extremas no campo do pensamento político, quem sabe tra- zendo para o nível da consciência de algumas pessoas uma ponderação crítica sobre essa lógica de pensamento maniqueísta. Desse modo, esse estudo, pode promover uma ampliação do espec- tro polarizado para o que será aqui denominado 18 de pensamento caleidoscópico, além de contribuir para o amadurecimento do pensamento político de cidadãos que permanecem imersos em uma capacidade analítica que não os empodera obje- tivamente e subjetivamente. Um complexo torna-se patológico “apenas quando pensamos não possuí -lo.”3 Porque é então que ele nos possui. Assim tudo indica que a falta de consci- ência da pessoa em relação a seus com- plexos favorece a tendência deles de tomar-se fontes de perturbação patoló- gica. (WHITMONT, 1990, p. 63) Trazer para a consciência que a leitura política da realidade pode estar muito ligada a projeções psíquicas – que envolvem complexos pessoais dos indivíduos – pode libertar o indivíduo para uma ampliação de consciência e para um empo- deramento diante de uma “realidade mais real”, menos dicotômica, menos parecida com as nar- rativas infantis e rasas de desenhos animados, do tipo maniqueísta mocinhos versus bandidos. De acordo com Whitmont (1990, p. 53): “Enquanto essa identidade inconsciente com um impulso ou ímpeto persistir, não haverá qualquer possibili- 3 JUNG, C. G. The Practice of Psychotherapy , par. 179. apud WHITMONT, 1990, p. 63. 19 dade de escolha, já que agimos como marionetes incapazes, e nunca sabemos quais os fios que nos fizeram mexer”. O objetivo da presente investigação aqui apre- sentada é entender qual o diálogo entre o pensa- mento político brasileiro atual, no que se refere à polarização, e aspectos da abordagem analítica da psicologia junguiana. Em que sentido pode- mos ampliar a consciência sobre um fenômeno de leitura maniqueísta da realidade que tem-se tornado cada vez mais comum? Quais as contri- buições que a psicologia junguiana pode oferecer frente a um típico pensamento maniqueísta que tem-se apresentado como pano de fundo de pro- cessos políticos e sociais? Este estudo parte do pressuposto de que have- ria algum nível de projeção da sombra no outro partido, que não aquele que o indivíduo tem mais afinidade, construindo uma lógica maniqueísta de pensamento. Essa lógica de raciocínio afasta o sujeito de uma análise política minimamente objetiva do contexto em que ele está inserido. O indivíduo envolto em uma lógica maniqueísta pensa a política nacional como os desenhos animados, projetando mocinhos e bandidos. Nesse cenário, é interessante notar que, na pola- rização atual, ambos extremos sofrem desse mesmo tipo de comportamento psíquico. Os conteúdos de realidade são distorcidos para se 20 encaixar em argumentações extremamente dico- tômicas. Não há, nesse cenário, uma ponderação de fundo objetivo e o pensamento infantil e raso das díades incorpora tudo que se vê, se lê e se escuta sobre política. Segundo Whitmont, a projeção é um estado original que não oferece escolha: Os complexos portanto operam não apenas como conjuntos de tendên- cias e impulsos interiores, mas tam- bém como expectativas, esperanças e medos concernentes ao compor- tamento externo das pessoas e dos objetos. Filosoficamente falando, já que toda a nossa percepção ocorre em termos de nossas predisposi- ções psicológicas, podemos con- siderar todas as percepções como projeções sobre o objeto, a “coisa em si mesma”, mas, em nosso uso clínico, limitamos o emprego da palavra àquelas situações nas quais a percepção da realidade é distor- cida pelo poder irresistível de um complexo ou arquétipo constelado (WHITMONT, 1990, p. 55, grifo nosso). 21 Em uma linguagem figurada, é como se o indivíduo enxergasse dois pontos: preto ou branco. Se o que ele optou é o preto, tudo que é preto é bom, e o que é branco é ruim; não impor- tando mais a realidade objetiva em si. Nessa linha de pensamento, o que optou por ver preto e o que optou por ver branco têm ideias extremamente opostas e ambos esqueceram da infinita escala decinza que há entre eles. Nessa perda das noções objetivas da realidade política, alguns cidadãos passam a personificar o bem de um lado e o mal de outro. Nesse jogo dicotômico, começam a atuar fortes ilusões. O indivíduo passa a acreditar que aqueles que per- sonificam o lado do bem podem resolver tudo, ou se não há o que personifica o bem atualmente o indivíduo se põe à espera de um messias político, aquele que virá nas próximas eleições e resolverá todos os problemas. É interessante notar que não importa que haja alguns mecanismos estruturais sistêmicos e que a mudança de um partido A por um partido B ou C no Executivo nacional não tem o poder de mudar tudo. Nesse tipo de lógica, a simples mudança de um ator político poderia mudar, como em um passe de mágica, tudo que se passa nas várias esferas inter e intragoverna- mentais, independentemente dos aspectos sis- têmicos que permaneceriam. Essa projeção do messias político, o salvador da pátria, que irá 22 resolver todos os problemas da nação como em um passe de mágica, também está ligada à infan- tilização do pensamento político. Esse aspecto será mais profundamente tratado no terceiro capítulo, em que se discorre sobre o puer político, uma infantilização que é dependente da trajetória do processo de cidadania/estadania no Brasil. Segundo Jung (2008, p. 22): “A consequên- cia da projeção é um isolamento do sujeito em relação ao mundo exterior, pois ao invés de uma relação real o que existe é uma relação ilusória. As projeções transformam o mundo externo na concepção própria, (...).” E ainda (op cit): “Quanto mais projeções se interpõem entre o sujeito e o mundo exterior, tanto mais difícil se torna para o eu perceber suas ilusões.”. Este livro está organizado em três capítulos, como se segue: Capítulo I: trata de conceitos junguianos chave para entender a polarização política: com- plexo, persona e sombra;Capítulo II: após a base conceitual apresentada no capítulo um, adentra- remos ao que seria a Velha Ética e a Nova Ética. Aqui já há uma apreensão dos conceitos apresen- tados anteriormente em uma perspectiva socia- lizante; Capítulo III: Já trabalhadas as bases con- ceituas e teóricas, adentraremos ao fenômeno da polarização política em si. Neste capítulo, será 23 apresentado um comparativo entre as manifes- tações juninas de 2013 e as manifestações pró ou anti-impeachment de 2015 e 2016. Neste capí- tulo serão aplicados elementos da psicologia junguiana à questão da polarização política e também haverá uma seção para tratar da infan- tilização do pensamento político no processo de construção da cidadania no Brasil. 25 1. Conceitos junguianos chave para entender a polarização política: com- plexo, persona e sombra Este primeiro capítulo traz os conceitos fun- damentais da psicologia junguiana para o enten- dimento posterior do pensamento político pola- rizado. Na seção 1.1, será definido o que são complexos e esclarecido como eles atuam auto- nomamente, quando mobilizados, por meio de projeções. O núcleo central do complexo é um arquétipo. Nesta obra aqui apresentada, iremos focar no arquétipo da Sombra, mas para tanto é necessário estudar o seu contraponto: a Persona. Ambos conceitos serão apresentados na seção 1.2. 1.1 Complexos A palavra complexo denota o elemento estru- tural básico da psique objetiva (WHITMONT, 1990, p. 52). Segundo a psicologia junguiana, os seres humanos desenvolvem complexos ao longo da vida, em seu processo de socialização: 26 No começo da vida, a personalidade é uma simples unidade indiferenciada. Amorfa e mais potencial do que real, ela constitui um todo. Iniciado o pro- cesso de desenvolvimento, essa tota- lidade diferencia-se e separa-se em várias partes. Nasce a consciência do ego e, ao crescer deixa para trás boa parte da totalidade de si mesmo no que é agora o “inconsciente”. O incons- ciente, por sua vez, é estruturado como grupos materiais em torno de imagos, internalizações e experiências traumá- ticas para formar as subpersonalidades, os complexos. (STEIN, 2006, p. 98). A partir de algum momento do processo de socialização, é como se o complexo passasse a atuar e o indivíduo fosse tomado pelo complexo, não conseguindo pensar de uma forma cons- cientemente objetiva, o que se constituiria em uma ausência de diferenciação entre projeções e fatos objetivos da realidade: Como opera o próprio complexo e qual á a sua estrutura? Jung descreve isso da seguinte maneira: “Ele apa- rece como uma formação autônoma que se impõe sobre o consciente. Do consciente poderíamos dizer que é a 27 nossa própria existência psíquica, mas o complexo tem sua própria existência psíquica, independentemente de nós. Esta afirmação parece formular os fatos observáveis de maneira completa. Se submetermos esse caso a um teste de associação, logo descobriremos que o homem não é o senhor na sua própria casa. Suas reações serão retardadas, alteradas, eliminadas ou substituídas por intrusos autônomos1.” (WHIT- MONT, 1990, p. 58) A autonomia do complexo dependerá das conexões maiores ou menores que mantenha com a totalidade da organização psíquica. Por isso, verifica-se em seu comportamento graus muito variados de independência: Alguns repousam tranquilamente mer- gulhados na profundeza do incons- ciente e mal se fazem notar; outros agem como verdadeiros perturbadores da economia psíquica; outros já rom- peram caminho até o consciente mas, resistem a deixarem-se assimilar e per- manecem mais ou menos independen- 1 JUNG, C. G. Vol. 11. Psychology and Religion: West and East. 1958. apud WHITMONT, 1990, p. 58. 28 tes, funcionando segundo suas leis pró- prias2. (SILVEIRA, 1997, p. 30-31) Silveira (1997) destaca que a tomada de cons- ciência do complexo apenas no plano intelectual muito pouco modificará sua influência nociva. Para que se dê a assimilação de um complexo, será necessário, junto à sua compreensão em termos intelectuais, que os afetos nele conden- sados sejam ab-reagidos. Isto é, que se exteriori- zem através de descargas emocionais. A autora destaca ainda (op cit, p. 32): “Nós pretendemos funcionar só com a cabeça. Por isso discorre- mos inteligentemente sobre nossos complexos, mas eles continuam bem encravados na textura inconsciente-corpo, produzindo sintomas somá- ticos e psíquicos totalmente irracionais”. Segundo Whitmont (1990) o elemento central do complexo é o arquétipo. Para Jung (2008, p. 20): “Empiricamente, os arquétipos que se carac- terizam mais nitidamente são aqueles que mais frequentemente e intensamente influenciam ou perturbam o eu. São eles a sombra, a anima e o animus.”. A investigação apresentada neste livro tem por foco o arquétipo da sombra. 2 JACOB, Jolande. Complex Archetype Symbol in the Psychology of C.G. Jung. Princton University Press: 1959. apud SILVEIRA, 1997, pp. 30-31. 29 1.2. O revelado e o oculto nas relações com outros: persona e sombra A sombra é a imagem de nós próprios que desliza em nossa esteira quando caminhamos em direção à luz. A persona, seu oposto, é o nome inspirado pelo termo romano para designar a máscara de um ator. É o rosto que usamos para o encontro com o mundo social que nos cerca. A persona é a pessoa que passamos a ser em resul- tado dos processos de aculturação, educação e adaptação aos nossos meios físico e social. A persona significa a pessoa-tal-como -apresentada, não a pessoa-como-real. A persona é um construto psicológico e social adotado para um fim especí- fico. Jung escolheu-o para a sua teoria psicológica porque se relaciona com o desempenho de papéis na sociedade. Ele estava interessado em apurar como as pessoas chegam a desempenhar determinados papéis, a adotar atitudes coletivas convencionais e a representar estereótipos sociais e culturais, em vez de assumirem e viverem sua própria unicidade. (STEIN, 2006, p. 102) 30 Quanto à sombra, o seu conteúdo específico pode mudar, dependendo dasatitudes e do grau de defensividade do ego. De um modo geral, a sombra possui uma qualidade imoral ou, pelo menos, pouco recomendável, contendo carac- terísticas da natureza de uma pessoa que são contrárias aos costumes e convenções morais da sociedade. Todo ego tem uma sombra. Isso é inevitável. Ao adaptar-se e enfrentar-se com o mundo, o ego, de um modo inteiramente involuntário, emprega a sombra para executar operações desa- gradáveis que ele não poderia realizar sem cair num conflito moral. Sem conhecimento do ego, essas atividades protetoras e autônomas são leva- das a efeito no escuro. Se a trajetória das vontades, preferên- cias e intenções do ego for seguida com suficiente profundidade, chega-se às regiões da escuridão e da frialdade onde se torna evidente que o ego tem capacidade, em sua sombra, para ser extremamente egoísta, obstinado, insensível e dominador. Aí, uma pessoa é puramente egoísta e decidida a satis- fazer a todo custo os desejos pessoais de poder e de prazer. Esse núcleo de trevas no âmago do ego é a própria definição 31 da maldade humana. (STEIN, 2006, p. 99) Se traços da sombra se tornam, em certa medida, conscientes e integrados, uma pessoa é muito diferente do indivíduo comum. A maio- ria das pessoas não sabe que é tão egocêntrica e egoísta quanto na realidade é, e quer aparentar ser altruísta e ter o total domínio de seus apetites e prazeres. A tendência das pessoas é, antes, a de esconder tais traços dos outros e de si mesmas por trás de uma fachada que as mostre atencio- sas, ponderadas, empáticas, refletidas e benévo- las. O que o ego quer na sombra, entretanto, não é necessariamente mal em si e de si e, com frequ- ência, a sombra, uma vez enfrentada, não é tão perversa quanto se imaginou. A sombra não é diretamente experi- mentada pelo ego. Sendo inconsciente, é pro- jetada em outros. Quando uma pessoa se sente tremendamente irritada por outra que se mani- festa ser realmente egoísta, por exemplo, essa reação é usualmente um sinal de que está sendo projetado um elemento inconsciente da sombra. Naturalmente, a outra pessoa tem que apresentar um “gancho” para a projeção da sombra e, assim, existe sempre uma mistura entre percepção e projeção em tais reações emocionais fortes. 32 A integração da sombra constitui um problema psicológico e moral extremamente espinhoso. Se uma pessoa rechaça completa- mente a sombra, a vida é correta, mas terrivel- mente incompleta. Ao abrir-se para a experiência da sombra, entretanto, uma pessoa fica man- chada de imoralidade, mas alcança um maior grau de totalidade. 33 2. Velha ética e nova ética ou a psico- logia do bode expiatório e a psicolo- gia profunda Após a base conceitual apresentada no capí- tulo 1, adentraremos ao que seria a Velha Ética e a Nova Ética. Aqui já há uma apreensão dos conceitos apresentados anteriormente em uma perspectiva socializante1. Na seção 2.1, serão apresentadas carac- terísticas da Velha Ética, a qual deveria caminhar para a Nova Ética, reflexão que será contemplada na seção 2.2. 2.1. A velha ética ou a psicologia do bode expiatório A Velha Ética está ligada à incapacidade de reconhecimento daquilo que é considerado O Mal na própria natureza psíquica, o que gera essa 1 Este capítulo é baseado na aula de Maria da Glória G. de Miranda, em sua apostila – disponibilizada na área do aluno do site do IJEP em 13.10.2016 – “Psico- logia profunda e Nova Ética; O Arquétipo do Curador Ferido; O Arquétipo do Inválido” e na obra “Psicolo- gia Profunda e Nova Ética”, de Erich Neumann (1991). 34 transferência para a sombra e consequente pro- jeção no outro. O Mal é um arquétipo que nos constitui, mas que, na modernidade, é reprimido e negado, por isso se apresenta de modo proje- tado em situações, pessoas, partidos, outros paí- ses, etc. A Velha Ética tem como características: i) a absolutização de valores que são “devidos” (os deveres); ii) personagens de santo, messias, sábio, nobre, bom, herói, sóbrio; iii) o Bem como valor absoluto que determina o comportamento; iv) o ideal de perfeição; e v) a negação do negativo. Os métodos psíquicos fundamentais da Velha Ética são a supressão e a repressão. A supressão diz respeito ao desligamento realizado pelo ego de todos os traços e tendências da personalidade que não correspondem ao valor ético. Disciplina e ascese. É uma ação consciente do ego, havendo sacrifício e aceitação do sofrimento. Contudo, ainda assim, os conteúdos excluídos mantêm- se vinculados ao ego. De outro lado, a repressão seria a forma mais frequente da velha ética impor seus valores. Os conteúdos excluídos tornam-se inconscientes e não se vinculam mais ao ego. Funcionam independentes dele, levando uma vida autônoma e fatal para o indivíduo e para o coletivo. Esses conteúdos interferem na consci- ência e no aparecimento de sintomas. 35 Tudo o que ameaça o equilíbrio coletivo é convertido em tabu e proibido. O acordo com os valores do coletivo é a linha diretiva ética do indivíduo no grupo, e a consciência tenta pro- duzir esse acordo. Resultado disso é a formação de dois sistemas psíquicos na personalidade: Per- sona e Sombra (tratadas na seção 1.2 deste livro). Na Velha Ética ocorrem duas reações (fatais) à situação psíquica criada pela consciência: a) O ego identifica-se com os valores éticos: identificação do ego com a per- sona e repressão da sombra. Assim, o ego sente que possui uma “boa cons- ciência” e é portador da luz moral do mundo dos valores. Ocorre, então, uma inflação perigosa, pois a consciência é ofuscada por um conteúdo incons- ciente, é possuída por ele e então fica limitada, presa por uma ideia fixa. A inflação é uma condição psicológica causada pela inundação de um conte- údo maior, mais forte e cheio de ener- gia do que a consciência e, como con- sequência, acontece uma espécie de possessão. Tudo o que foi reprimido, suprido e ignorado é exatamente o que fará fracassar toda a unilateralidade. Ocorre uma Hybris – ego inflado iden- tificado com o Self –, pois é como se o 36 indivíduo deixasse de ser criatura-li- mitada e passasse a acreditar que é um criador ilimitado. Ele perde seus limites e sente-se um deus; b) O ego reprime o lado da sombra: esta é a base da identificação pessoal do ego com os valores coletivos, atra- vés da persona. Nossa impossibilidade de identificação do ego pessoal com o suprapessoal é a experiência viva no sofrimento do homem. A Velha Ética é dualista: luz-trevas, Deus- Diabo, bem-mal. Ela divide o homem, o mundo e a divindade em duas partes, uma é superior e a outra é inferior. A realidade do homem ociden- tal ainda é determinada por essa divisão em duas partes e pelo conflito de opostos. Sendo assim, a figura principal dessa ética é o herói, identificado com o princípio da luz. Porém, a treva reprimida, suprimida e vencida, sempre volta a se levantar. O mundo, a natureza e a alma são o palco de um inesgotável renascimento do mal. O que foi reprimido passa a ser projetado, é “o estranho fora” e não o que deveria ser: “o pró- prio interno”. Nesse contexto aparece a figura do bode expiatório. O mal não é reconhecido como mal pessoal e passa a ser experimentado como estranho, sendo projetado nos estrangeiros, nas 37 minorias, nos marginalizados. O papel que estes representam é importante para a economia psí- quica, porque a sombra não reconhecida pela consciência é situada fora dela e eliminada. A sombra é ameaçadora para a velha ética porque contradiz a imaginação do ego de se identificar totalmente com os valores. A evolução da ética e a evolução da consci- ência acham-se unidas estreitamente entre si, não podendo se entender uma sem a outra. A Velha Ética é responsável pela negação da som- bra, e, consequentemente, pela divisão e cisão. O esforço para integrar o negado, o dividido e o cindido inaugura a possibilidade da Nova Ética. 2.2. Psicologia profunda e nova ética O homem moderno,ao adoecer ou entrar em conflito, necessita, nos moldes da psicologia profunda, descobrir camadas desconhecidas da personalidade e conscientizá-las. O desenvolvi- mento desse homem começa com o problema moral e sua reorientação, que se realiza na assi- milação da sombra e na reelaboração da persona. Nesse encontro com sua sombra, a velha ima- gem idealizada do ego desmorona, reconhe- cendo-se a ambiguidade e pluralidade da própria natureza, assumindo o seu mal. Mas o problema 38 do mal tem raízes mais profundas: as fontes do mal. A distinção entre o mal individual e o mal geral constitui peça essencial de autoconheci- mento no processo de individuação. Isso exige esforços tremendos da personalidade. Com o fortalecimento do ego e do aspecto escuro que se impõe, essas posições contrárias acarretam uma divisão na personalidade do indivíduo e do grupo. Dessa forma, a problemática da sombra e do conflito moral vem ao encontro do ego de forma camuflada, mas avassaladora: a sombra se impõe como sintoma ou complexo. Para a Nova Ética, somente aquele que assu- miu o problema de sua sombra, que se conscien- tizou do seu próprio lado negativo pode agir eti- camente. A personalidade total é necessária para o comportamento ético da nova ética. Ela não considera apenas a situação ética do indivíduo sobre ele mesmo, mas também a atitude indivi- dual sobre o coletivo. Não é somente uma ética parcial de consciência, mas considera também os efeitos da atitude consciente sobre o inconsciente e vice-versa. Assim, a personalidade total é res- ponsabilizada e não somente o ego como centro da consciência. Ela exige uma intuição maior e uma participação conjunta do ego e da sombra, pelo menos da sombra individual. O indivíduo deve elaborar sua problemática básica moral 39 antes de estar em condições de representar um fator coletivo: A nova ética repousa sobre a conscien- tização das forças positivas e negati- vas da estrutura humana e sobre a sua inserção consciente na vida do indiví- duo e da comunidade. A sombra, que é mister assumir, é o forasteiro da vida. Ela é a forma individual que o lado escuro da humanidade assume em mim e por mim como parte de minha personalidade. O meu lado da sombra é parte e repre- sentante do lado da sombra da huma- nidade em geral, e quando minha sombra é associal e cobiçosa, cruel e má, pobre e miserável, quando ela se me apresenta como mendigo, como negro e como fera, está por detrás da reconciliação com ela a reconciliação com a irmã escura da humanidade em geral, e à medida que a assume e nela a mim mesmo, assumo com ela também toda a parte da humanidade que como minha sombra é “o meu próximo”. O amor ao próximo de Jesus de Nazaré toma-se aí amor ao próximo como o malfeitor e a sombra. Em sua limita- ção a uma figura pessoal interior, ele parece ser uma forma paradoxal de 40 “amor próprio”, em contraste com o amor do Nazareno que abstrai de si. Mas somente o amor à sombra e sua assunção constitui psicologicamente a base para um comportamento ético realizável também para com o tu que se acha fora de nós. (NEUMANN, 1991, p. 73-74) A Nova Ética quer assumir os conteúdos inconscientes e para integrá-los à consciência precisa reelaborá-los, faz-se então necessária uma reintegração. A tarefa essencial da Nova Ética é conseguir alcançar uma síntese dos opostos, uma integra- ção das partes dissociadas e inimigas no sistema de vida do indivíduo. Ela almeja a união dos contrários em uma estrutura unitária, não mais divisão, diferenciação, separação e cisão. Assim, ela produz a globalidade, a totalidade da per- sonalidade. O ego passa a ser responsável pela aliança dos povos. A atenção da Nova Ética não está em ser bom, mas na autonomia do indivíduo, em ele estar são, produtivo e que não seja psiquicamente “infeccioso”2. A integração das “forças negativas” presentes passa a ser feita conscientemente. A 2 A negação do negativo leva à psicologia do bode expiatório, que seria um tipo de “infecção”. 41 personalidade, sua autonomia e integridade no sentido da Nova Ética é a base de processos cria- tivos, produtivos de valores. Autonomia ética ou ética total significa cuidar por si e conscientemente da economia de sua sombra. O mal assim conscientizado e assumido pelo ego apresenta-se como tarefa. O mal incons- ciente sempre acarreta danos, e o mal conscienti- zado apresenta-se ao indivíduo como um conte- údo a ser incorporado na vida e na formação da personalidade. A “voz” exige que o mal seja reconhecido e que se assumam os conflitos internos e externos que daí surgem. Assumir o mal não significa sempre um agir externo. Perceber uma imagem interna não significa reagir a ela, nem atuá-la no mundo. Na nova ética, o indivíduo necessita assumir corajosamente a parte do mal que lhe cabe e ela- borá-lo; assumir aquilo que ele é e ter a coragem moral de querer não ser melhor do que ele é. Na Nova Ética, a pessoa precisa ser levada em consi- deração: as diversidades na consciência e na per- sonalidade ligam-se aos diferentes graus éticos de responsabilidade. A Nova Ética não está interessada na punição. A necessidade é de elaborar o mal, tomando-o em suas próprias mãos autonomamente. A cons- cientização passa a ser um compromisso ético. A 42 verdade refere-se à relação real entre o ego e o inconsciente. A consciência é estabelecida como instância para controlar e produzir a relação de totalidade do psíquico: “A repressão do mal, sempre acompanhada por auto-supravalorização inflacionalística, é má, ainda quando parte de uma ‘boa intenção’ ou de uma ‘boa vontade’.” (op cit, p. 92). O ego tem participação importante no pro- cesso, mas não detém a última decisão. Ao assu- mir o mal, o homem moderno assume o mundo e a si próprio na perigosa natureza dupla que cabe a ambos. É uma afirmação da totalidade humana que engloba tanto o consciente como o incons- ciente, e o centro não é o eu (centro da consciên- cia), e sim o si-mesmo (centro do psíquico). O processo de individuação é muito impor- tante na psicologia profunda, e esse processo, por envolver a estabilização da personalidade, é fun- damental para a Nova Ética. A orientação pelo si-mesmo exige um processo duradouro de auto- questionamento e autocontrole. Ela é feita pelo ego, mas de modo que ele permita que conteúdos que faltam à consciência e que são necessários à totalidade possam surgir revigorados do incons- ciente. Isso permite o processo de compensação, onde uma falsa postura da consciência possa ser “corrigida” por um sonho, por exemplo. A 43 compensação é uma manifestação direta da tota- lidade e relacionada ao si-mesmo. Ocorre uma liberação dos opostos. É um estar no mundo revigorado e aprofundado. A Nova Ética, ao mesmo tempo que é um movimento individual, gera impactos coletivos: A nova ética é, por um lado, uma ética individual, uma ética de individuação. Contém a tarefa, singular para cada indivíduo e resultante da singulari- dade de sua situação, de haver-se ade- quadamente com os seus problemas morais específicos, tais como resultam de sua constituição psico-física e de seu destino. O outro aspecto, ao menos igualmente importante da nova ética, porém, é precisamente o significado coletivo da individuação exigida por ela. O que chamamos de fortalecimento da estrutura psíquica é, (...), de enorme importância para o coletivo. (op cit, p. 105, grifo nosso) O indivíduo, ao elaborar seu mal, sempre ela- bora também uma parcela do mal coletivo: “O indivíduo assume parte da carga do coletivo em sua própria responsabilidade e desenvenena e integra este mal com o seu próprio trabalho de 44 transformação interna.” (op cit, p. 106). O indiví- duo torna-se assim corresponsável, partícipe dos processos coletivos de transformação, ao invés de empurrar o seu mal para o outro, como ocorre na psicologia do bode expiatório. Agora que já nos familiarizamos com con- ceitos da psicologiajunguiana como sombra, persona, complexos, projeções e como estes estão intrinsecamente ligados a formas coletivas de pensar – a Velha Ética e a Nova Ética – vamos passar aos elementos políticos, a fim de aplicar o arcabouço conceitual e teórico à conjuntura polí- tica brasileira atual. 45 3. Por que involuímos em termos de manifestação política? A polarização política brasileira e a infantilização do eleitor brasileiro à espera de um messias político Neste capítulo, trataremos na primeira seção sobre as características das manifestações popu- lares recentes no Brasil, para demonstrar como sofreram uma forte involução, no sentido de uma retomada ao pensamento maniqueísta que marcou fortemente o século XX. Na sequência, na seção 3.2, trataremos sobre polarização política em si: o processo de criação do inimigo e a mente do homo hostilis. Na seção 3.3, trataremos da infantilização do pensamento político: a espera de um messias político que resolveria todos os problemas da nação. 3.1 As manifestações juninas de 2013 versus as manifestações pró e anti-impeachment de 2015 e 2016 No livro “Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet”, Castells 46 (2013) traz um estudo de características em comum que ele pode constatar ao observar movi- mentos como a Revolução de Jasmim, na Tunísia (2010), a Revolução egípcia (2011), Os Indignados na Espanha (2011) e o movimento Occupy Wall Street (2011). O autor levantou um rol de características que marcam essas manifestações populares no século XXI em diferentes culturas, e o mais interessante, quando estava finalizando o seu livro, estoura- ram as manifestações juninas de 2013 no Brasil, nas quais se apresentavam as mesmas caracte- rísticas. Isso o impeliu a escrever um posfácio incluindo o Brasil: Aconteceu também no Brasil. Sem que ninguém percebesse. Sem líderes. Sem partidos nem sindicatos em sua organi- zação. Sem apoio da mídia. Espontane- amente. Um grito de indignação contra o aumento do preço dos transportes que se difundiu pelas redes sociais e foi se transformando no projeto de espe- rança de uma vida melhor, por meio da ocupação das ruas em manifestações que reuniram multidões em mais de 350 cidades. (CASTELLS, 2013, p. 178, grifo nosso) 47 Conforme o grifo destacado no trecho, esta é uma característica de todos os movimentos sociais supracitados: tratam-se de movimen- tos sem liderança, não pela falta de líderes em potencial, mas pela profunda e espontânea des- confiança dos participantes do movimento em relação a qualquer forma de delegação de poder (intermediação). Essa característica essencial dos movimentos observados resulta diretamente de uma de suas causas: a rejeição dos representantes políticos pelos representados, depois que se sentiram tra- ídos e manipulados em sua experiência com a política instituída. Essa realidade de desconfiança em relação à intermediação estaria perpassando vários cam- pos, como o político e o religioso; assim como a não adesão a cartilhas fechadas e à ortodoxia cega. Por isso, esses movimentos têm em comum o fato de não serem programáticos. Uma das grandes dificuldades da presidente Dilma Rous- sef na época era identificar os interlocutores das manifestações, quais seriam os líderes e qual a pauta da manifestação. Em uma mesma mani- festação, conviviam demandas as mais diversas e, muitas vezes, até contraditórias umas em relação às outras. Segundo Castells, essa característica de não serem programáticos demonstra tanto a 48 força – um amplo poder de atração multidirecio- nal – quanto a fraqueza – a não instrumentali- dade – desses movimentos. Outras características que as manifestações do século XXI supracitadas apresentaram em comum foram: a) As redes que se mobilizam são hori- zontais, multimodais, tanto na inter- net quanto no espaço urbano, e criam companheirismo. A horizontalidade das redes favorece a cooperação e a solida- riedade, ao mesmo tempo que reduz a necessidade de liderança formal. b) Os movimentos sociais que se criam a partir dessa mobilização são profun- damente autorreflexivos. Em termos de gênese, esses movimentos são ampla- mente espontâneos em sua origem, geralmente desencadeados por uma centelha de indignação. A indignação passa a pesar mais que o medo de se manifestar, ou pesa mais que permane- cer na zona de conforto. E, assim, pas- sa-se da indignação à esperança. Essa mudança se constela no que o autor chama de espaço da autonomia, onde os cidadãos “mobil-lizados” em rede passam a ocupar o espaço público. 49 c) Por estarem nesse ínterim entre indignação e esperança, esses movi- mentos se situariam em um tempo atemporal: um tempo emergente, alter- nativo, constituído de um híbrido do agora com o para sempre. Sobre essa tomada de consciência no processo entre indignação e esperança, temos que: A mudança social resulta da ação comunicativa que envolve a conexão entre redes de redes neurais dos cére- bros humanos estimuladas por sinais de um ambiente comunicacional for- mado por redes de comunicação. A tecnologia e a morfologia dessas redes de comunicação dão forma ao processo de mobilização e, assim, de mudança social, ao mesmo tempo como pro- cesso e como resultado. (CASTELLS, 2013, p. 158, grifo nosso) Segundo o autor em tela, o que esses movi- mentos sociais em rede estariam propondo em sua prática seria uma nova utopia no cerne da cultura da sociedade em rede: a utopia da auto- nomia do sujeito em relação às instituições da sociedade. 50 Esses movimentos sociais comungam de uma cultura específica, a cultura da autonomia, a matriz cultural básica das sociedades contem- porâneas. Nesse ponto, o autor faz referência ao conceito junguiano de individuação, porém sem citar ou se referir à psicologia junguiana ao longo de sua obra: Nos bastidores desse processo de mudança social está a transformação cultural de nossas sociedades. Tentei documentar em outros textos o fato de que as características básicas dessa transformação cultural se referem à emergência de um novo conjunto de valores definidos como individua- ção e autonomia, (...). Individuação é a tendência cultural que enfatiza os projetos do indivíduo como supremo princípio orientador de seu compor- tamento. Individuação não é indivi- dualismo, pois o projeto do indivíduo pode ser adaptado à ação coletiva e a ideias comuns, como preservar o meio ambiente ou criar uma comunidade, enquanto o individualismo faz do bem -estar do indivíduo o principal objetivo de seu projeto particular. (CASTELLS, 2013, p. 167-168, grifo nosso) 51 Esses movimentos sociais em rede seriam novos tipos de movimento democrático – de movi- mentos que estão reconstruindo a esfera pública no espaço de autonomia, constituído na interação entre localidades e redes da internet e reconsti- tuindo a confiança como alicerce da interação humana. O autor conclui que: De forma confusa, raivosa e otimista, foi surgindo por sua vez essa consci- ência de milhares de pessoas que eram ao mesmo tempo indivíduos e um coletivo, pois estavam – e estão – sem- pre conectadas, conectadas em rede e enredadas na rua, mão na mão, tuítes a tuítes, post a post, imagem a ima- gem. Um mundo de virtualidade real e realidade multimodal, um mundo novo que já não é novo, mas que as gerações mais jovens veem como seu. Um mundo que a gerontocracia domi- nante não entende, não conhece e que não lhe interessa, por ela encarado com suspeita quando seus próprios filhos e netos se comunicam pela internet, entre si e com o mundo, e ela sente que está perdendo o controle. (CASTELLS, 2013, p. 179-180) 52 O que marcou as manifestações de junho de 2013 foi, portanto, a horizontalidade (não inter- mediação) e a indignação fragmentada, no sen- tido de se voltar para vários aspectos políticos. O que marcou foi a confluência de várias demandas convivendo em um mesmo espaço plural, muitas vezes propostas atécontraditórias, mas convi- vendo em um espaço de tolerância e de diversi- dade. Esse contexto revela-se muito diferente do que foram as manifestações de 2015 e 2016. Ali estava muito claro o símbolo da polarização: a neces- sidade de se colocar um muro na Esplanada1, separando os que eram pró dos que eram con- tra o impeachment. As “cortinas de ferro” típicas do século XX, da era das polarizações ideológi- cas, figuravam em um contexto político e social que recém experimentara manifestar-se de uma forma plural e democrática. De volta ao “contexto muro”, os brasileiros vivenciaram dias de profunda imersão na expe- riência de constelação de complexos em ambien- tes de trabalho, salas de aula e plataformas vir- tuais. Luz versus sombra, coxinhas e mortadelas, o bem e o mal, mocinhos e bandidos, ... Era difícil sair ileso às discussões e optar por estar em cima do muro. O clima era de real polariza- 1 É possível ver essas diferenças pelas imagens apresenta- das nos anexos 3 e 4. 53 ção e todos queriam posicionar uns aos outros em algum dos dois lados do muro, para saber se estavam conversando com um “amigo” ou com um “inimigo”. E assim passamos por um período de “caça às bruxas” que se intensificou na corrida presidencial de 2018. Mas o que está mais apa- rente, cada vez mais, é que a parte sombria das organizações políticas não está em partido A, ou em partido B. Está no sistema político como um todo. Assim como está em todos nós. O sistema político representa o simulacro da vida humana em sociedade. E não há nada de estranho que nele se reproduzam todas as sombras que exis- tem na nossa sociedade, uma vez que a represen- tação representa o que se tem para representar. Mas nessa mesma esteira de análise de con- texto em que se pode observar novas perspec- tivas de consideração da sombra de forma mais caleidoscópica no sistema político como um todo, envolvendo todos os partidos, ainda vemos ranços da tentativa de enquadrar a dicotomia; a polarização rasa do tipo pensamento infantil “mocinhos versus bandidos”; “ursinhos carinho- sos verus coração gelado e malvado”. Esse tipo de pensamento polarizado vai conviver com o tipo que chamamos aqui de caleidoscópico. No tipo polarizado, continuaremos a encon- trar aquelas nuances de luz e sombra que vão 54 projetar a luz nos operadores da Lava Jato – a própria apresentação de Deltan Dallagnol colo- cando Lula no centro do sistema que ele deno- mina de propinocracia é bastante enviesada nesse mesmo sentido2 – por exemplo, ou na ministra do STF, Cármen Lúcia, como espécies de messias políticos que vão salvar a pátria de toda a som- bra: “Estes sim seriam personagens da luz, 100% corretos”. Mais recentemente, na corrida pre- sidencial de 2018, esse jogo de luz e sombra foi atualizado e temos o candidato Bolsonaro - reve- renciado como “mito” por seus seguidores – que se declara antissistema, no sentido de combater todo o mal e defender os “cidadãos de bem”, mui- tas vezes empunhando uma arma fictícia ou ver- dadeira. O contexto de polarização do processo de impeachment sofreu uma escalada de projeção do mal no outro que se torna cada vez mais pato- lógico, chegando a colocar em risco os direitos de minorias e grupos historicamente marginali- zados. 2 Sobre esta apresentação ver anexo 2. 55 3.2. Do movimento social caleidoscópico à polarização política: o processo de criação do inimigo e a mente do homo hostilis A partir da seção 3.1 podemos notar que, seguido um fenômeno de manifestação popular característico do século XXI, involuímos para as características marcantes do século XX, em um movimento pendular. Para alguns autores que estudam pensamento político, esta caraterística da tendência à retomada ao pensamento polari- zado marca a história das sociedades de várias maneiras e em vários tempos: Em termos de país, de raça, de religião ou de qualquer outra identidade cole- tiva, podemos observar que a criação do inimigo é realizada em proporções míticas, dramáticas e muitas vezes trá- gicas. Guerras, cruzadas e persegui- ções constituem o terrível patrimônio dessa forma da sombra humana, que é, até certo ponto, um legado da nossa herança tribal instintiva. As maiores crueldades na história da humanidade foram praticadas em nome de causas virtuosas, quando as sombras de nações inteiras se projetaram sobre a face de um inimigo; e, assim, um grupo “dife- rente” pode ser transformado em ini- 56 migo, em bode expiatório ou em infiel. (ZWEIG; ABRAMS, 1991, p. 217) Já vimos no Capítulo 2 – Velha Ética e Nova Ética ou a psicologia do bode expiatório e a psi- cologia profunda – que o Mal presente na men- talidade coletiva quando não integrado individu- almente recai no tema da sombra projetada no tecido social e político da humanidade. No ensaio “O criador de inimigos”, Keen (1991) descreve o processo de criação do inimigo e explora a mente daquele a quem chama homo hostilis, o “homem hostil”. O homo hostilis é incuravelmente dualista, um maniqueísta moralista: Geração após geração, encontramos desculpas para odiar e desumanizar uns aos outros e sempre nos justificamos com a retórica política que nos parece mais amadurecida. E nos recusamos a admitir o óbvio. Nós, seres humanos, somos Homo hostilis (“homem hostil”), a espécie hostil, o animal que fabrica inimigos. Somos levados a fabricar um inimigo como um bode expiatório para carregar o fardo da inimizade que reprimimos. Do resíduo inconsciente da nossa hostilidade, criamos um alvo; dos nossos demônios particulares, con- juramos um inimigo público. E, mais 57 que tudo, talvez as guerras em que nos envolvemos sejam rituais compulsivos, dramas da sombra nos quais continu- amente tentamos matar aquelas partes de nós mesmos que negamos e despre- zamos. (KEEN, 1991, p. 220) O homo hostilis cria no pensamento político polarizado uma simbiose hostil, um sistema inte- grado que garantiria que nenhum dos polos teria que se confrontar com sua própria sombra: “(...) a pessoa ou nação paranoica criará um sistema de ilusão compartilhado, uma paranoia à deux. O “sistema de inimigo” envolve um processo de dois ou mais inimigos que lançam seu lixo psicológico (inconsciente) no quintal uns dos outros. Atribuímos a eles tudo aquilo que desprezamos em nós mes- mos. E vice-versa. Já que esse processo de projeção inconsciente da sombra é universal, os inimigos “precisam” um do outro para se livrar das toxinas psi- cológicas acumuladas e reprimidas. Formamos um laço de ódio, uma “sim- biose hostil”, um sistema integrado que garante que nenhum de nós será con- frontado com a sua própria sombra. (KEEN, 1991, p 222-223) 58 Um exemplo clássico desse sistema de sim- biose hostil garantidor do não enfrentamento recíproco da sombra foi o conflito da Guerra Fria entre a U.R.S.S. e os Estados Unidos: um precisa do outro como alvo de transferências grupais. O analista junguiano Jerome Bernstein (1991) exa- minou a natureza das projeções da sombra que os norte-americanos, os soviéticos e seus respec- tivos governos lançaram um sobre o outro: Cada lado acreditava que o sistema político do outro era a raiz de todas as injustiças sociais e de todo o mal que existe no mundo. Como resul- tado, cada um deles comprometeu-se ideologicamente a eliminar o sistema sócio-político do outro. Esse ponto de vista colocou-os num conflito imediato com sua auto-imagem de defensores da paz mundial e da liberdade, já que cada lado fazia uso de táticas de subversão e violência para provocar a extinção do sistema do outro — onde quer que exis- tisse. (BERNSTEIN, 1991, p. 237) Segundo o autor, o arquétipo da sombra era a mais ativa, explosiva e perigosa energia psíquica operante entre as duas superpotências. A dinâ- mica da sombra pode crescer ou minguar, mas 59 nunca desaparecerá. Ela sempre ressurge sob alguma outra forma, ou um novo alvo, por qual- quer um desses países ou por ambos. Desse modo,a dinâmica da sombra na sim- biose hostil seria parte constituinte do pensa- mento político, ora mais presente, ora menos presente no tecido social e político. No Brasil não seria diferente, vivemos tempos em que essa dinâmica estava minguada, cresceu sobrema- neira durante o processo de impleachment da presidente Dilma Roussef, permaneceu de forma latente como pano de fundo do governo Temer, e ressurgiu com muita força, em uma onda arra- sadora trazida por um candidato extremista que se apresentou nestas eleições presidenciais, com forte adesão popular, grande parte desta adesão por um público anti-petista, já funcionando em uma dinâmica de sombra. Sobre este último ponto – eleições presiden- ciais – será apresentado na próxima sessão deste capítulo, como esse meandro político envolve expectativas e uma capacidade de análise extre- mamente infantis e rasas. O movimento de saída do pensamento polarizado e a ampliação para uma leitura mais caleidoscópica da realidade, para ser realmente empoderador, poderia ser acompanhado também por uma saída sistêmica da condição do que aqui denominaremos de 60 eleitor puer. Essas ideias serão tratadas na seção seguinte. 3.3 A infantilização do pensamento político: a espera de um messias político que resol- veria todos os problemas da nação Alguns anos já se passaram desde a redemo- cratização brasileira, e aquele entusiasmo inicial de que a abertura democrática e o direito de ele- ger nossos prefeitos, governadores e presidente da República seriam garantias de liberdade, de participação, de segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social ficou para trás. Enfrentamos um cenário de sensações bastante diversas quando o tema é política no Brasil. Há uma imensa relação que se faz entre a política e a politicagem (forma corrupta de praticar a polí- tica). Para entender um pouco mais a dinâmica do pensamento político brasileiro hoje, teríamos que compreender como se deu a trajetória da cidadania no Brasil. Para começar, vamos entender que conceito é esse que chamamos cidadania. A cidadania é um conceito que engloba várias dimensões de direitos: os direitos civis, políticos e sociais. 61 Os direitos civis são os mais básicos, são chamados também de direitos de primeira geração, primeiros garantidores de uma vida em sociedade. São também conhecidos como direitos negativos e ligados às liberdades individuais. Dentre eles, podemos citar: o direito à vida, à propriedade, à garantia de ir e vir, de manifestar o pensamento, de acesso à justiça, à justiça independente, entre outros. Os direitos políticos se referem à participação do cidadão no governo da sociedade: direito de votar, de ser votado, de organizar partidos, de um parlamento livre e representativo, entre outros. Quanto aos direitos sociais, temos que: Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais garan- tem a participação na riqueza cole- tiva. Eles incluem o direito à educa- ção, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. A garantia de sua vigência depende da existência de uma eficiente máquina administrativa do Poder Executivo. (…) Os direitos sociais permitem às sociedades politi- camente organizadas reduzir os exces- sos de desigualdade produzidos pelo 62 capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social. (CARVALHO, 2004, p. 10) O autor que desenvolveu a distinção entre as várias dimensões da cidadania, Thomas Mar- shall, sugeriu também que ela, a cidadania, se desenvolveu na Inglaterra com muita lentidão. Primeiro vieram os direitos civis, no século XVIII. Depois, no século XIX, surgiram os direitos políticos. Finalmente, os direitos sociais foram conquistados no século XX. Segundo ele, não se trata de uma sequência apenas cronoló- gica: ela é também lógica. Foi com base no exer- cício dos direitos civis, nas liberdades civis, que os ingleses reivindicaram o direito de votar, de participar do governo de seu país. A participa- ção permitiu a eleição de operários e a criação do Partido Trabalhista, que foram os responsáveis pela introdução dos direitos sociais. O percurso inglês foi apenas um entre outros. A França, a Alemanha, os Estados Unidos, cada país seguiu seu próprio caminho. O Brasil não é exceção. Se compararmos com a Inglaterra, a sequência dos direitos no Brasil foi invertida. 63 A cronologia e a lógica da sequência descrita por Marshall foram invertidas no Brasil. Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em perí- odo de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em outro perí- odo ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transfor- mados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo. (CAR- VALHO, 2004, p. 219-220) Qual a consequência dessa pirâmide invertida dos direitos no Brasil? Uma consequência importante é a excessiva valorização do Poder Exe- cutivo. Se os direitos sociais foram implantados em períodos ditatoriais, em que o Legislativo ou estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a ima- gem, para o grosso da população, da 64 centralidade do Executivo. O governo aparece como o ramo mais importante do poder (…). (CARVALHO, 2004: 221). Nessa perspectiva, como os direitos sociais “caíram no colo”, criou-se uma espécie de cultura política em que se espera que “as coisas sejam resolvidas de cima pra baixo”. Cria-se uma pas- sividade e a espera de que a realidade seja resol- vida, sem a perspectiva daquele que espera de que ele também faz parte do processo político. O processo político seria deslocado somente para o externo e para uma espera de que alguém irá fazer o que tem que ser feito. O cidadão nesse sentido fica desempoderado, como uma criança que depende de um adulto para fazer por ela na vida em sociedade. Assim, as expectativas ficam centralizadas no Executivo nacional: “Ligada à preferência pelo Executivo está a busca por um messias polí- tico, por um salvador da pátria.” (CARVALHO, 2004, p. 221). Nesse sentido, há uma valorização muito maior das eleições do Executivo nacional em detrimento às eleições das outras esferas federais e dos Legislativos. Há também um desconhecimento/desinteresse/desinformação do funcionamento inter e intragovernamental, de modo que todos os problemas do país pas- 65 sam a ser projetados na figura da(o) presidente. Problemas que seriam da alçada de outras esferas federais ou de outro ramo de Poder são sempre relacionados com o Executivo Federal, criando- se uma análise de contexto desconectada da rea- lidade. Essa cultura de valorização do Executivo e com alto teor de passividade do cidadão frente o Estado cria o que o autor chama de “estada- nia”, em contraste com a cidadania: “A inversão da sequência dos direitos reforçou entre nós a supremacia do Estado. Se há algo importante a fazer em termos de consolidação democrá- tica, é reforçar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, para democratizar o poder.” (CARVALHO, 2004, p. 227). A partir dessa leitura, vemos que o pensa- mento político é extremamente influenciado por aspectos do desenvolvimento da cidadania. E que uma cidadania plena depende de uma mudança interna de perspectiva dos próprios brasileiros. Em vez de esperar por um messias político que virá nas próximas eleições, o pensamento polí- tico brasileiro pode inverter essa lógica de passi- vidade frente a pessoas – como em um complexo materno ou paterno, via conceito de estadania - e pleitearautonomamente seus direitos de cidada- 66 nia frente às instituições que já preveem canais de acesso autônomo e democrático de participa- ção política. Essa posição de passividade da estadania lem- bra um pouco a posição do puer na linha de Jung e von Franz: (...), von Franz acompanha Jung ao identificar o puer como o arquétipo da criança e em conceber este arquétipo como possuidor de duas naturezas. Por um lado, ele é renovação da vida; por outro, é a sombra de infantilidade que todos nós carregamos. Esta infantili- dade deve ser sacrificada, pois ela sem- pre nos puxa para trás, nos mantendo dependentes, preguiçosos, fugindo dos problemas e das responsabilidades da vida, (...). (BERNARDI, 2008, p 31, grifo nosso) A espera de que as coisas sejam resolvidas de “cima para baixo”, sem a perspectiva daquele que espera de que ele também faz parte do processo político parece-se com essa sombra de infantili- dade ligada à fuga dos problemas e responsabi- lidades da vida em sociedade. O cidadão puer, desempoderado, fica à mercê do adulto/messias/ ser de luz que fará por ele na vida em sociedade. 67 Essa posição traz “ganhos” no sentido de manu- tenção do indivíduo em sua zona de conforto, a sua não implicação em ser corresponsável pelos desígnios sociais. E, além de tudo, é uma posição que é mantenedora do status quo. Se eu não faço nada, e só espero que seja feito, enquanto eu espero, tudo se mantém exatamente como está. Então o indivíduo que não se pensa partícipe dos processos, que se abstém para se colocar em uma posição de passividade, ele está contribuindo para que tudo permaneça exata- mente como está. Essa omissão do eleitor puer que pensa a política de quatro em quatro anos, nas eleições presidenciais, traz consigo a ideia de que a simples mudança de um ator político pode- ria mudar como em um passe de mágica tudo o que se passa nas várias esferas inter e intragover- namentais, independentemente dos aspectos sis- têmicos que permaneceriam. Dentre os aspectos sistêmicos que permaneceriam está a sua própria posição de puer político aeternus. 69 Considerações finais Ao longo deste livro vimos como a polariza- ção política vivida na atualidade brasileira pode ser lida à luz da psicologia junguiana, através de conceitos como complexo, projeções, sombra e persona (Capítulo 1), a Velha Ética (Capítulo 2), a criação do inimigo pelo homo hostilis e a sim- biose hostil garantidora do não enfrentamento recíproco da sombra (Seção 3.2). E, por último, ampliamos um pouco mais para além da pola- rização em si, olhando para o pensamento polí- tico brasileiro de uma forma mais abrangente, trazendo a perspectiva do puer político aeternus (Seção 3.3). Vimos que sombra e persona são um par clássico de opostos, figurando na psique como polaridades do ego. Uma vez que a tarefa central do desenvolvimento psicológico é a integração, e a totalidade é o valor supremo, como integrar persona e sombra nos pensamentos polarizados? Segundo Stein (2006), as pessoas mudam com terapia e no decorrer do seu desenvolvimento vital. A persona, como um instrumento de adap- tação, tem grande potencial para mudança. Pode tornar-se cada vez mais flexível, dado que o ego está disposto a modificar antigos padrões. 70 Do ponto de vista sistêmico, como mudar esse padrão de pensamento polarizado? Seria possível um mecanismo social para desempenhar uma ampla função transcendente capaz de transformá -lo em caleidoscópico? Alguma política pública nesse sentido seria possível? Seria interessante para as autoridades governamentais implemen- tar políticas públicas de amadurecimento e con- sequente empoderamento do pensamento polí- tico para os cidadãos? Que essas inquietações possam nortear algumas reflexões mais amplas e que o simples exercício reflexivo nesse sentido já nos traga um giro caleidoscópico. Segundo Keen (1991, p. 221): Os heróis e líderes pacifistas do nosso tempo serão aqueles homens e mulhe- res com coragem para mergulhar nas trevas no fundo da psique pessoal e coletiva, e enfrentar o inimigo interior. As psicologias de profundidade nos presentearam com a inegável sabedoria de que o inimigo é construído a partir de aspectos reprimidos do self. Por- tanto, o mandamento radical “Ama a teus inimigos como a ti mesmo” indica o caminho tanto para o autoconheci- mento como para a paz. Na verdade, amamos ou odiamos nossos inimigos na mesma medida em que amamos ou 71 odiamos a nós mesmos. Na imagem do inimigo, encontraremos o espelho no qual podemos ver a nossa própria face com a máxima clareza. Vimos no Capítulo 2 – Velha Ética e Nova Ética ou a psicologia do bode expiatório e a psi- cologia profunda – que o Mal presente na menta- lidade coletiva, quando não integrado individu- almente, recai no tema da sombra projetada no tecido social e político da humanidade. Ao longo do livro, vimos que o processo de polarização que se iniciou nas eleições presiden- ciais de 2014, a qual apresentou a menor dife- rença de votos em uma eleição de segundo turno, desde a redemocratização, tornou-se ainda mais marcada ao longo do processo de impedimento da ex-presidente Dilma Roussef. Ali estava muito claro o símbolo da polari- zação: a necessidade de se colocar um muro na Esplanada, separando os que eram pró dos que eram contra o impeachment. As “cortinas de ferro” típicas do século XX, da era das polari- zações ideológicas, figuravam em um contexto político e social que recém experimentara mani- festar-se de uma forma plural e democrática em 2013. 72 De volta ao “contexto muro”, os brasileiros vivenciaram dias de profunda imersão na dinâ- mica de projeção cruzada da simbiose hostil: luz versus sombra, coxinhas e mortadelas, o bem e o mal, mocinhos e bandidos, ... A polarização permaneceu de forma latente como pano de fundo do governo Temer e ressur- giu com muita força, em uma onda arrasadora trazida por um candidato extremista que se apre- sentou nestas eleições presidenciais, com forte adesão popular, grande parte dessa adesão por um público antipetista, já funcionando em uma dinâmica de sombra. A projeção de sombra do movimento antipe- tista foi agravada pelo fenômeno das fake news, voltadas justamente para apelar para o campo dos afetos, sucumbindo o indivíduo pensante cada vez mais para o entorpecimento da proje- ção da sombra no outro, ficando cada vez mais à deriva de uma lucidez ancorada em fatos reais. Nesse sentido, o contexto de polarização polí- tica do processo de impeachment – representado imageticamente pelo muro na Esplanada – em seu jogo de luz e sombra – sofreu uma escalada de projeção do mal no outro que se torna cada vez mais patológico, chegando a colocar em risco os direitos de minorias e de grupos historicamente marginalizados. 73 Dessa forma, temos uma nova atualização da simbiose hostil, uma nova dança das projeções cruzadas, que agora não se encontra mais den- tro de parâmetros já conhecidos ao longo desses trinta anos de Constituição. Não é o contexto corriqueiro de disputa presidencial no segundo turno entre PT versus PSDB. Na atual corrida presidencial, vemos que o homo hostilis de Keen (1991) – incuravelmente dualista, um maniqueísta moralista – é conste- lado em uma via de escolha presidencial com forte adesão do eleitorado que já se encontrava estruturalmente à espera de um messias político, um salvador da pátria (conforme vimos na seção 3.3). O que se vê no movimento de apoio a Bolso- naro, daqueles que se dizem “homens de bem”, é justamente a concretização da Velha Ética. Nesse contexto aparece a figura do bode expiatório. O mal não é reconhecido como mal pessoal e passa a ser experimentado como estranho, sendo pro- jetado nos estrangeiros, nas minorias, nos mar- ginalizados, no PT. A sombra não reconhecida pela consciência é situada fora dela. A sombra é ameaçadora para a velha ética porque contradiz a imaginação do ego de se identificar totalmentecom os valores. 74 Para a Nova Ética, somente aquele que assu- miu o problema de sua sombra, que se conscien- tizou do seu próprio lado negativo, pode agir eti- camente. A personalidade total é necessária para o comportamento ético da nova ética. Por que a homossexualidade incomoda parte dos conservadores que apoiam Bolsonaro? Por- que transita por conteúdos não integrados inter- namente por eles. Se o que está fora ameaça é porque não está bem trabalhado dentro. Não há interlocução com aqueles conteúdos sombrios, porque não dialogam com o regime de verdade do ego. A Nova Ética quer assumir os conteúdos inconscientes e, para integrá-los à consciência precisa reelaborá-los, faz-se então necessária uma reintegração. A tarefa essencial da Nova Ética é conseguir alcançar uma síntese dos opostos, uma integração das partes dissociadas e inimigas no sistema de vida do indivíduo. Ela almeja a união dos contrários em uma estrutura unitária, não mais divisão, diferenciação, sepa- ração e cisão. Assim, ela produz a globalidade, a totalidade da personalidade. O ego passa a ser responsável pela aliança dos povos. A atenção da Nova Ética não está em ser bom, mas na autonomia do indivíduo, em ele estar são, e que não seja psiquicamente “infeccioso”, 75 que não negue o negativo. O que vemos no movimento bolsonarista são inúmeras pessoas “saindo do armário” no sentido de revelarem seus conteúdos sombrios ainda não conscientes, agindo inconscientemente de forma infecciosa e nociva para a sociedade. Ações opressoras – como a da polícia no caso de Verônica Bolina, ou o assassinato de Marielle Franco – passam a ser reforçadas e legitimadas quando o discurso do bode expiatório é propa- gado pelo próprio futuro presidente da Repú- blica. Na nova ética, o indivíduo necessita assumir corajosamente a parte do mal que lhe cabe e ela- borá-lo; assumir aquilo que ele é e ter a coragem moral de querer não ser melhor do que ele é. Na Nova Ética, a pessoa precisa ser levada em consi- deração: as diversidades na consciência e na per- sonalidade ligam-se aos diferentes graus éticos de responsabilidade. A Nova Ética não está interessada na punição. A necessidade é de elaborar o mal, tomando-o em suas próprias mãos autonomamente. A cons- cientização passa a ser um compromisso ético. A verdade refere-se à relação real entre o ego e o inconsciente. A consciência é estabelecida como instância para controlar e produzir a relação de totalidade do psíquico: “A repressão do mal, 76 sempre acompanhada por auto-supravaloriza- ção inflacionalística, é má, ainda quando parte de uma ‘boa intenção’ ou de uma ‘boa vontade’.” (NEUMANN, 1991, p. 92). Através do encontro interno com a própria Sombra, ocorre uma liberação dos opostos. É o giro caleidoscópico que falamos aqui. É um estar no mundo revigorado e aprofundado. O indiví- duo torna-se assim corresponsável, partícipe dos processos coletivos de transformação, ao invés de empurrar o seu mal para o outro, como ocorre na psicologia do bode expiatório. Estamos vivendo na atualidade uma nova sim- biose hostil, envolvidos nas garras do arquétipo da sombra, grupos se entrechocam na dança das projeções cruzadas; só que agora esta dança se dá em novo terreno, com movimentos que podem transgredir a maleabilidade da malha institucio- nal e cair, de fato, na barbárie. Nenhum dos lados da polarização está isento, tanto a ação quanto a reação, tanto a posição quanto a futura oposição têm de estar atentos à importância do giro calei- doscópico para sua própria lucidez e integração da diversidade em sua totalidade. Como vimos: (...) a pessoa ou nação paranoica criará um sistema de ilusão com- partilhado, uma paranoia à deux. 77 O “sistema de inimigo” envolve um processo de dois ou mais ini- migos que lançam seu lixo psicoló- gico (inconsciente) no quintal uns dos outros. Atribuímos a eles tudo aquilo que desprezamos em nós mesmos. E vice-versa. Já que esse processo de projeção inconsciente da sombra é universal, os inimigos “precisam” um do outro para se livrar das toxinas psicológicas acu- muladas e reprimidas. Formamos um laço de ódio, uma “simbiose hostil”, um sistema integrado que garante que nenhum de nós será confrontado com a sua própria sombra. (KEEN, 1991, p. 222-223) 79 Posfácio Waldemar Magaldi Filho1 A leitura deste livro proporciona a ampliação do contexto de polarização política que o Brasil e o mundo estão sofrendo. As causas são multifa- toriais, porque os complexos coletivos, que estão constelados, abrangem muitos arquétipos e mirí- ades de imagens com enorme antagonismo entre elas. Jung, nos seus estudos a respeito do desen- volvimento da personalidade e evolução da cons- ciência humana, brilhantemente, em seu livro: “Resposta a Jó”, nos apresenta a hipótese de que toda expressão violenta, territorialista, vaidosa, autoritarista, machista, tirana e cruel, descrita no antigo testamento, após o confronto de Javé com Jó, possibilitou o despertar da alteridade divina, onde Javé, ou Deus, evolutivamente, precisou encarnar como Cristo, anunciando o início da desconstrução do patriarcado dominante, para iniciar o surgimento da alteridade, onde a hie- rarquia dará lugar à sinarquia, a exclusão à inclu- são igualitária e o ódio ao amor ágape. Como sabemos, diante das crises, principalmente esta que está trazendo mudança de paradigma, seria 1 Fundador e analista junguiano didata do IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa. 80 inevitável o surgimento das defesas extremistas e, neste caso, o sistema dominante está reagindo violentamente para não abrir mão do patriar- cado vigente, com seu poder excludente e hie- rarquizante, do territorialismo e dos muros. Ati- vando muito mais medo e todos os mecanismos de defesa possíveis! Somado a esse medo do novo sistema que está por vir, temos toda a cultura do imediatismo e do consumismo hedônico, onde as relações são liquidas, porque os sujeitos estão vazios de sentimentos. Precisamos compreender como as potencialidades arquetípicas de Ares e Atena, deuses gregos que nasceram sem a semente do seu gênero sexual, e seus desdobramentos/epíte- tos: Phobos, Terror, Discórdia, Harmonia, Fúrias e Vingança, interagiram e ainda interagem em nós, levando aos extremos do temor aterrori- zante da tirania e do fascismo ao ódio da corrup- ção, como se estes elementos não fizessem parte de nós mesmos. Ou seja, projetamos nos outros o que mais incomoda em nós, com intenção de destruí-los. Por isso, estimular reflexões epis- temologicamente coerentes, para surgir o con- fronto com a sombra e o terceiro elemento não dado, a função transcendente, na sua dimensão simbólica, metafórica e não literal é a saída cria- tiva. Só assim poderemos reconhecer e aceitar a sabedoria do Self, tanto para os rumos macro- 81 politicos, quanto nas relações micropoliticas, agora que a sombra, os complexos e os valores ideológicos, ficaram expostos. Precisamos seguir adiante com fé, amor e atenção crítica! Sem per- der nosso sonho de liberdade, igualdade e frater- nidade e muita serenidade para lidar com todos os complexos que estão constelados. 83 Referências BEMSTEIN, Jerome S. “O espelho EUA-URSS”. In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao Encontro da Sombra. São Paulo: Cultrix, 1991. BERNARDI, Carlos. “Senex-et-puer: esboço da psicologia de um arquétipo”. In: MONTEIRO, D. M. R. (org.) Puer – senex: dinâmicas relacio- nais. Petrópolis: Vozes, 2008. CARVALHO. José Murilo de. Cidadania no Bra- sil: O longo Caminho. Rio de Janeiro: Civiliza- ção Brasileira, 2009. CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e espe- rança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. JUNG, Carl Gustav. AION Estudos sobre o sim- bolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 2008. KEEN, Sam. “O criador de inimigos”. In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao Encontro da Sombra. São Paulo: Cultrix, 1991. NEUMANN, Erich.
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