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ARQUÉTIPO DA SOMBRA NA POLARIZAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA

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O ARQUÉTIPO DA SOMBRA NA
POLARIZAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA
O ARQUÉTIPO DA SOMBRA NA
POLARIZAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA
Deborah Celentano
Brasília, 2019
O arquétipo da sombra na polarização política 
brasileira
©Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, 2018.
Todos os direitos reservados.
Editor
Max Stabile
Revisão ortográfica e gramatical
André Luis Gomes Moreira
Diagramação
Toni Moraes
Capa
Luda Lima
Catalogação na Publicação (CIP)
C3920 Celentano, Deborah, 1986 –
 O arquétipo da sombra na polarização política brasileira / Deborah 
Celentano – Brasília: Editora IBPAD, 2018.
 100p.; 18cm
 ISBN: 978-85-54230-03-6
 1. Psicologia junguiana; 2. Pensamento Político Brasileiro; 3. Persona e 
Sombra; 4.Polarização política; 5. Psicopolítica.
 1. Título
CDD: 100
CDU: 159.9
Editora IBPAD
Brasília (DF).
www.ibpad.com.br
contato@ibpad.com.br
+55 (61) 4042 2018
Para criar um inimigo
Comece com uma tela em branco
e delineie, num contorno geral, as formas
de homens, mulheres e crianças.
Mergulhe fundo no poço inconsciente de
sua própria sombra reprimida
com um pincel largo e
salpique os estranhos com o matiz sinistro da sombra.
Trace sobre o rosto do inimigo
a avidez, o ódio e a negligência que você não ousa
assumir como seus.
Obscureça a doce individualidade de cada rosto.
Apague todos os traços de mil amores, esperanças
e medos que brincam pelo caleidoscópio de
cada coração finito.
Retorça o sorriso até que ele forme um arco
descendente de crueldade.
Arranque a carne dos ossos até que só reste
o esqueleto abstrato da morte.
Exagere as feições para que o homem se metamorfoseie
em besta, verme, inseto.
Preencha o fundo com figuras malignas
de antigos sonhos — diabos,
demônios e guerreiros do mal.
Quando a sua estátua do inimigo estiver completa
você será capaz de matar sem sentir culpa,
trucidar sem sentir vergonha.
A coisa que você destruiu tornou-se apenas
um inimigo de Deus, um estorvo
à sagrada dialética da História.
S. Keen (1991)
Sumário
Prefácio: a democracia e sua sombra..................................11
Introdução......................................................................................15
1. Conceitos junguianos chave para entender a polari-
zação política: complexo, persona e sombra..................25
 1.1 Complexos ...........................................................................25
 1.2. O revelado e o oculto nas relações com outros: per-
sona e sombra................................................................................29
2. Velha ética e nova ética ou a psicologia do bode 
expiatório e a psicologia profunda....................................33
 2.1. A velha ética ou a psicologia do bode expiatório....33
 2.2. Psicologia profunda e nova ética.................................37
3. Por que involuímos em termos de manifestação 
política? A polarização política brasileira e a infanti-
lização do eleitor brasileiro à espera de um messias 
político.............................................................................................45
 3.1 As manifestações juninas de 2013 versus as manifes-
tações pró e anti-impeachment de 2015 e 2016..................45
 3.2. Do movimento social caleidoscópico à polarização 
política: o processo de criação do inimigo e a mente do 
homo hostilis..................................................................................55
 3.3 A infantilização do pensamento político: a espera de 
um messias político que resolveria todos os problemas da 
nação.................................................................................................60
Considerações finais..................................................................69
Posfácio............................................................................................79
Referências.....................................................................................83
Anexos..............................................................................................85
11
Prefácio
A democracia e sua sombra
Domenico Uhng Hur1
É com grande satisfação que apresento a obra 
O Arquétipo da sombra na polarização política 
brasileira da cientista política Deborah Celen-
tano. Neste livro instigante, a autora busca ana-
lisar um fenômeno contemporâneo de extrema 
relevância, a polarização política no Brasil, a par-
tir de um enfoque teórico potente: a Psicologia 
Analítica de Carl Gustav Jung. A autora trans-
passa os muros das disciplinaridades, cruzando 
as fronteiras de sua formação, para articular o 
olhar da Ciência Política com a Psicologia Ana-
lítica junguiana, num autêntico exercício psico-
político.
Essa postura interdisciplinar para a análise 
dos fenômenos psicossociais é bastante corajosa 
1 Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Social pela Uni-
versidade de São Paulo, com estágio doutoral na Universitat 
Autònoma de Barcelona e pós-doutoral na Universidad de 
Santiago de Compostela (Espanha). Professor de Graduação 
e Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de 
Goiás. Secretário de Pesquisas da Asociación Ibero-latino-
americana de Psicología Política. Bolsista de Produtividade 
em Pesquisa (PQ-2) do CNPq.
12
e ambiciosa, visto que grande parte dos campos 
de saberes ainda preferem transitar dentro de 
suas próprias disciplinas. Entretanto Deborah 
Celentano prefere percorrer a riqueza da inter-
disciplinaridade, nas contribuições que os sabe-
res heterogêneos propiciam para uma leitura 
mais complexa do fenômeno. Neste sentido, ana-
lisa o fenômeno da polarização política através 
de conceitos junguianos, tais como: Complexo, 
Projeção, Sombra e Persona. A autora oferece 
assim um enfoque original para tratar dos fenô-
menos coletivos, demonstrando a potência dos 
ensinamentos de Jung para uma analítica do 
contemporâneo. E vale ressaltar que preenche 
uma lacuna metodológica na Psicologia Política 
brasileira, pois são raríssimos, ou quase inexis-
tentes, os trabalhos da área que utilizam o marco 
teórico junguiano para a reflexão dos fenômenos 
psicopolíticos.
Deborah não apenas demonstra bom domínio 
sobre os conceitos junguianos, como os aplica 
de forma muito eficaz à leitura de seu problema 
de investigação, na realização do diagnóstico do 
presente. Neste caso, a projeção da sombra no 
grupo antagonista ocupa lugar central para a 
compreensão do fenômeno da polarização polí-
tica. A sombra que cada um carrega, e que se não 
é defrontada e analisada, pode ser depositada 
nesse outro, que de diferente, passa a ser imagi-
13
nado e concebido como um inimigo: torna-se o 
bode expiatório, a vítima sacrificial que deve ser 
eliminada, para que o mal, imaginariamente, seja 
expiado.
Deste modo o cenário político passa a ser o 
lugar de conflitos numa lógica dicotômica e 
maniqueísta. A democracia que deveria ser o 
lugar do debate e da heterogeneidade para a ges-
tão da vida e do coletivo, passa a ser o lugar de 
conflitos e disputas entre dois polos incomuni-
cáveis. Não seria então a polarização política a 
própria sombra da democracia? Ou melhor, não 
seria o sintoma resultante da democracia não 
se deparar e lidar com sua sombra, de insistir e 
idealizar apenas a sua persona, de uma suposta 
relação positiva de cidadãos com direitos iguais?
O campo de análise de Deborah é muito atual 
e relevante. Perpassa as manifestações de junho 
de 2013, as mobilizações pró e contrárias ao 
impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff 
em 2015 e 2016 e a adesão intensificada ao dis-
curso populista de Jair Bolsonaro. Demonstra 
que estamos num momento de enclave, no qual 
a negação e não tratamento da sombra chegaram 
a tal magnitude, que vemos os fenômenos mais 
irracionais e contraditórios no cenário político 
atual. Portanto, possivelmente o êxito de Bolso-
naro seja a maior expressão da Democracia não 
lidar com sua sombra e do triunfo das forças rea-
14
tivas de abolição, e não das forças de convivência 
e solidariedade.
Em toda sua narrativaDeborah Celentano 
também expressa um comprometimento éti-
co-político, no qual busca pensar soluções ao 
espectro polarizado que enfrentamos, para a 
assunção de um pensamento caleidoscópico, ou 
seja, sair das lógicas binárias e redutoras, para 
uma lógica da multiplicidade, que acolha as dife-
renças. Dessa forma, parabenizo a autora e faço 
um convite ao leitor para ingressar nessa jornada 
e refletir sobre sua própria sombra, seja do ponto 
de vista individual e/ou coletivo-social, para que 
juntos consigamos criar alternativas frente a este 
cenário de polarização social e política que aco-
mete o país.
15
Introdução1
A política brasileira recentemente tem apre-
sentado momentos polêmicos de polarização 
e animosidade entre grupos diversos que se 
fecham em seus clusters e se identificam entre si 
como o bem, a verdade, o certo, a luz. Podemos 
reconhecer a polarização política como pano de 
fundo a partir do qual se realçam alguns fatos 
que merecem atenção. Inicialmente, o próprio 
resultado das eleições presidenciais de 2014 que 
demonstra uma margem bastante apertada entre 
os dois candidatos em tela2, conforme esclarece a 
tabela a seguir, sendo considerada a menor dife-
rença de votos em uma eleição de segundo turno, 
desde a redemocratização (3,4 milhões). 
1 Este livro foi desenvolvido e ampliado a partir de um 
trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação Lato 
Sensu com Especialização Profissional em Psicologia 
Junguiana aprovado pelo Instituto Junguiano de Ensino e 
Pesquisa (IJEP), da Faculdade de Ciências da Saúde de São 
Paulo (FACIS) no ano de 2017.
2 Sobre o resultado das eleições presidenciais de 2014 ver 
anexo 1.
16
Resultado do 2° turno da eleição presidencial brasileira 
de 2014.
 
Candidatos Votos 
%Votos 
Válidos 
DILMA VANA ROUSSEFF (PT) 54.501.118 51,64 
AÉCIO NEVES DA CUNHA (PSDB) 51.041.155 48,36 
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Outros desdobramentos posteriores tornaram 
essa polarização mais marcada, o que foi visto ao 
longo do processo de impedimento da ex-presi-
dente Dilma Roussef. Nesse contexto, cabe desta-
car as nuances das manifestações populares que 
sofreram uma forte involução, do ponto de vista 
das características que marcam as manifestações 
populares. Essa involução será abordada no ter-
ceiro capítulo deste livro, onde se desenvolve um 
comparativo entre as manifestações juninas de 
2013 e as manifestações pró ou anti-impeach-
ment de 2015 e 2016, demonstrando uma reto-
mada ao pensamento maniqueísta que marcou 
fortemente o século XX.
Tal guinada de cenário de polarização que 
se iniciou nas eleições de 2014 ganhou tônus 
no processo pró/anti-impeachment e tornou-se 
ainda mais marcante durante a corrida presi-
dencial de 2018, caindo em um nível de intensa 
mobilização afetiva. Essa mobilização afetiva foi 
agravada pelo fenômeno das fake news, voltadas 
17
justamente para apelar para o campo dos afetos, 
sucumbindo o indivíduo pensante cada vez mais 
para o entorpecimento da projeção da sombra 
no outro, ficando cada vez mais à deriva de uma 
lucidez ancorada em fatos reais.
Uma vez que o ambiente político e social se 
estabeleceu nesse espectro dicotômico, busca-se 
no presente estudo aqui contemplado fazer um 
paralelo entre esse contexto histórico, político 
e social com aspectos da psicologia junguiana, 
como os conceitos de projeção, sombra e per-
sona. 
Nesse sentido, objetiva-se neste livro enten-
der como a polarização política vivida na atua-
lidade brasileira pode ser lida à luz da psicologia 
junguiana. Analisar o contexto político à luz da 
psicologia junguiana amplia o alcance de enten-
dimento de processos psíquicos vividos no pen-
samento político na atualidade. O presente tema 
da polarização política relacionado ao arcabouço 
da psicologia analítica junguiana, chama a aten-
ção para o fenômeno das projeções extremas no 
campo do pensamento político, quem sabe tra-
zendo para o nível da consciência de algumas 
pessoas uma ponderação crítica sobre essa lógica 
de pensamento maniqueísta. Desse modo, esse 
estudo, pode promover uma ampliação do espec-
tro polarizado para o que será aqui denominado 
18
de pensamento caleidoscópico, além de contribuir 
para o amadurecimento do pensamento político 
de cidadãos que permanecem imersos em uma 
capacidade analítica que não os empodera obje-
tivamente e subjetivamente.
Um complexo torna-se patológico 
“apenas quando pensamos não possuí
-lo.”3 Porque é então que ele nos possui. 
Assim tudo indica que a falta de consci-
ência da pessoa em relação a seus com-
plexos favorece a tendência deles de 
tomar-se fontes de perturbação patoló-
gica. (WHITMONT, 1990, p. 63)
Trazer para a consciência que a leitura política 
da realidade pode estar muito ligada a projeções 
psíquicas – que envolvem complexos pessoais 
dos indivíduos – pode libertar o indivíduo para 
uma ampliação de consciência e para um empo-
deramento diante de uma “realidade mais real”, 
menos dicotômica, menos parecida com as nar-
rativas infantis e rasas de desenhos animados, do 
tipo maniqueísta mocinhos versus bandidos. De 
acordo com Whitmont (1990, p. 53): “Enquanto 
essa identidade inconsciente com um impulso ou 
ímpeto persistir, não haverá qualquer possibili-
3 JUNG, C. G. The Practice of Psychotherapy , par. 179. 
apud WHITMONT, 1990, p. 63. 
19
dade de escolha, já que agimos como marionetes 
incapazes, e nunca sabemos quais os fios que nos 
fizeram mexer”.
O objetivo da presente investigação aqui apre-
sentada é entender qual o diálogo entre o pensa-
mento político brasileiro atual, no que se refere 
à polarização, e aspectos da abordagem analítica 
da psicologia junguiana. Em que sentido pode-
mos ampliar a consciência sobre um fenômeno 
de leitura maniqueísta da realidade que tem-se 
tornado cada vez mais comum? Quais as contri-
buições que a psicologia junguiana pode oferecer 
frente a um típico pensamento maniqueísta que 
tem-se apresentado como pano de fundo de pro-
cessos políticos e sociais? 
Este estudo parte do pressuposto de que have-
ria algum nível de projeção da sombra no outro 
partido, que não aquele que o indivíduo tem mais 
afinidade, construindo uma lógica maniqueísta 
de pensamento. Essa lógica de raciocínio afasta 
o sujeito de uma análise política minimamente 
objetiva do contexto em que ele está inserido. O 
indivíduo envolto em uma lógica maniqueísta 
pensa a política nacional como os desenhos 
animados, projetando mocinhos e bandidos. 
Nesse cenário, é interessante notar que, na pola-
rização atual, ambos extremos sofrem desse 
mesmo tipo de comportamento psíquico. Os 
conteúdos de realidade são distorcidos para se 
20
encaixar em argumentações extremamente dico-
tômicas. Não há, nesse cenário, uma ponderação 
de fundo objetivo e o pensamento infantil e raso 
das díades incorpora tudo que se vê, se lê e se 
escuta sobre política.
Segundo Whitmont, a projeção é um estado 
original que não oferece escolha:
Os complexos portanto operam não 
apenas como conjuntos de tendên-
cias e impulsos interiores, mas tam-
bém como expectativas, esperanças 
e medos concernentes ao compor-
tamento externo das pessoas e dos 
objetos. Filosoficamente falando, já 
que toda a nossa percepção ocorre 
em termos de nossas predisposi-
ções psicológicas, podemos con-
siderar todas as percepções como 
projeções sobre o objeto, a “coisa 
em si mesma”, mas, em nosso uso 
clínico, limitamos o emprego da 
palavra àquelas situações nas quais 
a percepção da realidade é distor-
cida pelo poder irresistível de um 
complexo ou arquétipo constelado 
(WHITMONT, 1990, p. 55, grifo 
nosso).
21
Em uma linguagem figurada, é como se o 
indivíduo enxergasse dois pontos: preto ou 
branco. Se o que ele optou é o preto, tudo que é 
preto é bom, e o que é branco é ruim; não impor-
tando mais a realidade objetiva em si. Nessa linha 
de pensamento, o que optou por ver preto e o que 
optou por ver branco têm ideias extremamente 
opostas e ambos esqueceram da infinita escala decinza que há entre eles.
Nessa perda das noções objetivas da realidade 
política, alguns cidadãos passam a personificar 
o bem de um lado e o mal de outro. Nesse jogo 
dicotômico, começam a atuar fortes ilusões. O 
indivíduo passa a acreditar que aqueles que per-
sonificam o lado do bem podem resolver tudo, ou 
se não há o que personifica o bem atualmente o 
indivíduo se põe à espera de um messias político, 
aquele que virá nas próximas eleições e resolverá 
todos os problemas. É interessante notar que não 
importa que haja alguns mecanismos estruturais 
sistêmicos e que a mudança de um partido A por 
um partido B ou C no Executivo nacional não 
tem o poder de mudar tudo. Nesse tipo de lógica, 
a simples mudança de um ator político poderia 
mudar, como em um passe de mágica, tudo que 
se passa nas várias esferas inter e intragoverna-
mentais, independentemente dos aspectos sis-
têmicos que permaneceriam. Essa projeção do 
messias político, o salvador da pátria, que irá 
22
resolver todos os problemas da nação como em 
um passe de mágica, também está ligada à infan-
tilização do pensamento político. Esse aspecto 
será mais profundamente tratado no terceiro 
capítulo, em que se discorre sobre o puer político, 
uma infantilização que é dependente da trajetória 
do processo de cidadania/estadania no Brasil.
Segundo Jung (2008, p. 22): “A consequên-
cia da projeção é um isolamento do sujeito em 
relação ao mundo exterior, pois ao invés de uma 
relação real o que existe é uma relação ilusória. 
As projeções transformam o mundo externo 
na concepção própria, (...).” E ainda (op cit): 
“Quanto mais projeções se interpõem entre o 
sujeito e o mundo exterior, tanto mais difícil se 
torna para o eu perceber suas ilusões.”. 
Este livro está organizado em três capítulos, 
como se segue: 
Capítulo I: trata de conceitos junguianos 
chave para entender a polarização política: com-
plexo, persona e sombra;Capítulo II: após a base 
conceitual apresentada no capítulo um, adentra-
remos ao que seria a Velha Ética e a Nova Ética. 
Aqui já há uma apreensão dos conceitos apresen-
tados anteriormente em uma perspectiva socia-
lizante; Capítulo III: Já trabalhadas as bases con-
ceituas e teóricas, adentraremos ao fenômeno da 
polarização política em si. Neste capítulo, será 
23
apresentado um comparativo entre as manifes-
tações juninas de 2013 e as manifestações pró ou 
anti-impeachment de 2015 e 2016. Neste capí-
tulo serão aplicados elementos da psicologia 
junguiana à questão da polarização política e 
também haverá uma seção para tratar da infan-
tilização do pensamento político no processo de 
construção da cidadania no Brasil.
25
1. Conceitos junguianos chave para 
entender a polarização política: com-
plexo, persona e sombra
Este primeiro capítulo traz os conceitos fun-
damentais da psicologia junguiana para o enten-
dimento posterior do pensamento político pola-
rizado. Na seção 1.1, será definido o que são 
complexos e esclarecido como eles atuam auto-
nomamente, quando mobilizados, por meio de 
projeções. O núcleo central do complexo é um 
arquétipo. Nesta obra aqui apresentada, iremos 
focar no arquétipo da Sombra, mas para tanto é 
necessário estudar o seu contraponto: a Persona. 
Ambos conceitos serão apresentados na seção 
1.2.
1.1 Complexos 
A palavra complexo denota o elemento estru-
tural básico da psique objetiva (WHITMONT, 
1990, p. 52). 
Segundo a psicologia junguiana, os seres 
humanos desenvolvem complexos ao longo da 
vida, em seu processo de socialização:
26
No começo da vida, a personalidade é 
uma simples unidade indiferenciada. 
Amorfa e mais potencial do que real, 
ela constitui um todo. Iniciado o pro-
cesso de desenvolvimento, essa tota-
lidade diferencia-se e separa-se em 
várias partes. Nasce a consciência do 
ego e, ao crescer deixa para trás boa 
parte da totalidade de si mesmo no 
que é agora o “inconsciente”. O incons-
ciente, por sua vez, é estruturado como 
grupos materiais em torno de imagos, 
internalizações e experiências traumá-
ticas para formar as subpersonalidades, 
os complexos. (STEIN, 2006, p. 98). 
A partir de algum momento do processo de 
socialização, é como se o complexo passasse a 
atuar e o indivíduo fosse tomado pelo complexo, 
não conseguindo pensar de uma forma cons-
cientemente objetiva, o que se constituiria em 
uma ausência de diferenciação entre projeções e 
fatos objetivos da realidade:
Como opera o próprio complexo e 
qual á a sua estrutura? Jung descreve 
isso da seguinte maneira: “Ele apa-
rece como uma formação autônoma 
que se impõe sobre o consciente. Do 
consciente poderíamos dizer que é a 
27
nossa própria existência psíquica, mas 
o complexo tem sua própria existência 
psíquica, independentemente de nós. 
Esta afirmação parece formular os fatos 
observáveis de maneira completa. Se 
submetermos esse caso a um teste de 
associação, logo descobriremos que o 
homem não é o senhor na sua própria 
casa. Suas reações serão retardadas, 
alteradas, eliminadas ou substituídas 
por intrusos autônomos1.” (WHIT-
MONT, 1990, p. 58)
A autonomia do complexo dependerá das 
conexões maiores ou menores que mantenha 
com a totalidade da organização psíquica. Por 
isso, verifica-se em seu comportamento graus 
muito variados de independência: 
Alguns repousam tranquilamente mer-
gulhados na profundeza do incons-
ciente e mal se fazem notar; outros 
agem como verdadeiros perturbadores 
da economia psíquica; outros já rom-
peram caminho até o consciente mas, 
resistem a deixarem-se assimilar e per-
manecem mais ou menos independen-
1 JUNG, C. G. Vol. 11. Psychology and Religion: West 
and East. 1958. apud WHITMONT, 1990, p. 58.
28
tes, funcionando segundo suas leis pró-
prias2. (SILVEIRA, 1997, p. 30-31)
Silveira (1997) destaca que a tomada de cons-
ciência do complexo apenas no plano intelectual 
muito pouco modificará sua influência nociva. 
Para que se dê a assimilação de um complexo, 
será necessário, junto à sua compreensão em 
termos intelectuais, que os afetos nele conden-
sados sejam ab-reagidos. Isto é, que se exteriori-
zem através de descargas emocionais. A autora 
destaca ainda (op cit, p. 32): “Nós pretendemos 
funcionar só com a cabeça. Por isso discorre-
mos inteligentemente sobre nossos complexos, 
mas eles continuam bem encravados na textura 
inconsciente-corpo, produzindo sintomas somá-
ticos e psíquicos totalmente irracionais”.
Segundo Whitmont (1990) o elemento central 
do complexo é o arquétipo. Para Jung (2008, p. 
20): “Empiricamente, os arquétipos que se carac-
terizam mais nitidamente são aqueles que mais 
frequentemente e intensamente influenciam ou 
perturbam o eu. São eles a sombra, a anima e o 
animus.”. A investigação apresentada neste livro 
tem por foco o arquétipo da sombra.
2 JACOB, Jolande. Complex Archetype Symbol in the 
Psychology of C.G. Jung. Princton University Press: 1959. 
apud SILVEIRA, 1997, pp. 30-31. 
29
1.2. O revelado e o oculto nas relações com 
outros: persona e sombra
A sombra é a imagem de nós próprios que 
desliza em nossa esteira quando caminhamos em 
direção à luz. A persona, seu oposto, é o nome 
inspirado pelo termo romano para designar a 
máscara de um ator. É o rosto que usamos para 
o encontro com o mundo social que nos cerca. A 
persona é a pessoa que passamos a ser em resul-
tado dos processos de aculturação, educação e 
adaptação aos nossos meios físico e social.
A persona significa a pessoa-tal-como
-apresentada, não a pessoa-como-real. 
A persona é um construto psicológico 
e social adotado para um fim especí-
fico. Jung escolheu-o para a sua teoria 
psicológica porque se relaciona com o 
desempenho de papéis na sociedade. 
Ele estava interessado em apurar como 
as pessoas chegam a desempenhar 
determinados papéis, a adotar atitudes 
coletivas convencionais e a representar 
estereótipos sociais e culturais, em vez 
de assumirem e viverem sua própria 
unicidade. (STEIN, 2006, p. 102)
30
Quanto à sombra, o seu conteúdo específico 
pode mudar, dependendo dasatitudes e do grau 
de defensividade do ego. De um modo geral, a 
sombra possui uma qualidade imoral ou, pelo 
menos, pouco recomendável, contendo carac-
terísticas da natureza de uma pessoa que são 
contrárias aos costumes e convenções morais da 
sociedade.
Todo ego tem uma sombra. Isso é inevitável. 
Ao adaptar-se e enfrentar-se com o mundo, o 
ego, de um modo inteiramente involuntário, 
emprega a sombra para executar operações desa-
gradáveis que ele não poderia realizar sem cair 
num conflito moral. Sem conhecimento do ego, 
essas atividades protetoras e autônomas são leva-
das a efeito no escuro.
Se a trajetória das vontades, preferên-
cias e intenções do ego for seguida 
com suficiente profundidade, chega-se 
às regiões da escuridão e da frialdade 
onde se torna evidente que o ego tem 
capacidade, em sua sombra, para ser 
extremamente egoísta, obstinado, 
insensível e dominador. Aí, uma pessoa 
é puramente egoísta e decidida a satis-
fazer a todo custo os desejos pessoais de 
poder e de prazer. Esse núcleo de trevas 
no âmago do ego é a própria definição 
31
da maldade humana. (STEIN, 2006, p. 
99)
 Se traços da sombra se tornam, em certa 
medida, conscientes e integrados, uma pessoa é 
muito diferente do indivíduo comum. A maio-
ria das pessoas não sabe que é tão egocêntrica e 
egoísta quanto na realidade é, e quer aparentar 
ser altruísta e ter o total domínio de seus apetites 
e prazeres. A tendência das pessoas é, antes, a de 
esconder tais traços dos outros e de si mesmas 
por trás de uma fachada que as mostre atencio-
sas, ponderadas, empáticas, refletidas e benévo-
las. O que o ego quer na sombra, entretanto, não 
é necessariamente mal em si e de si e, com frequ-
ência, a sombra, uma vez enfrentada, não é tão 
perversa quanto se imaginou.
 A sombra não é diretamente experi-
mentada pelo ego. Sendo inconsciente, é pro-
jetada em outros. Quando uma pessoa se sente 
tremendamente irritada por outra que se mani-
festa ser realmente egoísta, por exemplo, essa 
reação é usualmente um sinal de que está sendo 
projetado um elemento inconsciente da sombra. 
Naturalmente, a outra pessoa tem que apresentar 
um “gancho” para a projeção da sombra e, assim, 
existe sempre uma mistura entre percepção e 
projeção em tais reações emocionais fortes.
32
 A integração da sombra constitui um 
problema psicológico e moral extremamente 
espinhoso. Se uma pessoa rechaça completa-
mente a sombra, a vida é correta, mas terrivel-
mente incompleta. Ao abrir-se para a experiência 
da sombra, entretanto, uma pessoa fica man-
chada de imoralidade, mas alcança um maior 
grau de totalidade.
33
2. Velha ética e nova ética ou a psico-
logia do bode expiatório e a psicolo-
gia profunda
Após a base conceitual apresentada no capí-
tulo 1, adentraremos ao que seria a Velha Ética 
e a Nova Ética. Aqui já há uma apreensão dos 
conceitos apresentados anteriormente em uma 
perspectiva socializante1. 
 Na seção 2.1, serão apresentadas carac-
terísticas da Velha Ética, a qual deveria caminhar 
para a Nova Ética, reflexão que será contemplada 
na seção 2.2.
2.1. A velha ética ou a psicologia do bode 
expiatório
A Velha Ética está ligada à incapacidade de 
reconhecimento daquilo que é considerado O 
Mal na própria natureza psíquica, o que gera essa 
1 Este capítulo é baseado na aula de Maria da Glória 
G. de Miranda, em sua apostila – disponibilizada na 
área do aluno do site do IJEP em 13.10.2016 – “Psico-
logia profunda e Nova Ética; O Arquétipo do Curador 
Ferido; O Arquétipo do Inválido” e na obra “Psicolo-
gia Profunda e Nova Ética”, de Erich Neumann (1991).
34
transferência para a sombra e consequente pro-
jeção no outro. O Mal é um arquétipo que nos 
constitui, mas que, na modernidade, é reprimido 
e negado, por isso se apresenta de modo proje-
tado em situações, pessoas, partidos, outros paí-
ses, etc.
A Velha Ética tem como características: i) a 
absolutização de valores que são “devidos” (os 
deveres); ii) personagens de santo, messias, sábio, 
nobre, bom, herói, sóbrio; iii) o Bem como valor 
absoluto que determina o comportamento; iv) o 
ideal de perfeição; e v) a negação do negativo.
Os métodos psíquicos fundamentais da Velha 
Ética são a supressão e a repressão. A supressão 
diz respeito ao desligamento realizado pelo ego 
de todos os traços e tendências da personalidade 
que não correspondem ao valor ético. Disciplina 
e ascese. É uma ação consciente do ego, havendo 
sacrifício e aceitação do sofrimento. Contudo, 
ainda assim, os conteúdos excluídos mantêm-
se vinculados ao ego. De outro lado, a repressão 
seria a forma mais frequente da velha ética impor 
seus valores. Os conteúdos excluídos tornam-se 
inconscientes e não se vinculam mais ao ego. 
Funcionam independentes dele, levando uma 
vida autônoma e fatal para o indivíduo e para o 
coletivo. Esses conteúdos interferem na consci-
ência e no aparecimento de sintomas.
35
Tudo o que ameaça o equilíbrio coletivo é 
convertido em tabu e proibido. O acordo com 
os valores do coletivo é a linha diretiva ética do 
indivíduo no grupo, e a consciência tenta pro-
duzir esse acordo. Resultado disso é a formação 
de dois sistemas psíquicos na personalidade: Per-
sona e Sombra (tratadas na seção 1.2 deste livro).
Na Velha Ética ocorrem duas reações (fatais) à 
situação psíquica criada pela consciência:
a) O ego identifica-se com os valores 
éticos: identificação do ego com a per-
sona e repressão da sombra. Assim, o 
ego sente que possui uma “boa cons-
ciência” e é portador da luz moral do 
mundo dos valores. Ocorre, então, uma 
inflação perigosa, pois a consciência 
é ofuscada por um conteúdo incons-
ciente, é possuída por ele e então fica 
limitada, presa por uma ideia fixa. A 
inflação é uma condição psicológica 
causada pela inundação de um conte-
údo maior, mais forte e cheio de ener-
gia do que a consciência e, como con-
sequência, acontece uma espécie de 
possessão. Tudo o que foi reprimido, 
suprido e ignorado é exatamente o que 
fará fracassar toda a unilateralidade. 
Ocorre uma Hybris – ego inflado iden-
tificado com o Self –, pois é como se o 
36
indivíduo deixasse de ser criatura-li-
mitada e passasse a acreditar que é um 
criador ilimitado. Ele perde seus limites 
e sente-se um deus;
b) O ego reprime o lado da sombra: 
esta é a base da identificação pessoal 
do ego com os valores coletivos, atra-
vés da persona. Nossa impossibilidade 
de identificação do ego pessoal com o 
suprapessoal é a experiência viva no 
sofrimento do homem.
A Velha Ética é dualista: luz-trevas, Deus-
Diabo, bem-mal. Ela divide o homem, o mundo 
e a divindade em duas partes, uma é superior e a 
outra é inferior. A realidade do homem ociden-
tal ainda é determinada por essa divisão em duas 
partes e pelo conflito de opostos. Sendo assim, a 
figura principal dessa ética é o herói, identificado 
com o princípio da luz. Porém, a treva reprimida, 
suprimida e vencida, sempre volta a se levantar. 
O mundo, a natureza e a alma são o palco de um 
inesgotável renascimento do mal. 
O que foi reprimido passa a ser projetado, é 
“o estranho fora” e não o que deveria ser: “o pró-
prio interno”. Nesse contexto aparece a figura do 
bode expiatório. O mal não é reconhecido como 
mal pessoal e passa a ser experimentado como 
estranho, sendo projetado nos estrangeiros, nas 
37
minorias, nos marginalizados. O papel que estes 
representam é importante para a economia psí-
quica, porque a sombra não reconhecida pela 
consciência é situada fora dela e eliminada. A 
sombra é ameaçadora para a velha ética porque 
contradiz a imaginação do ego de se identificar 
totalmente com os valores.
A evolução da ética e a evolução da consci-
ência acham-se unidas estreitamente entre si, 
não podendo se entender uma sem a outra. A 
Velha Ética é responsável pela negação da som-
bra, e, consequentemente, pela divisão e cisão. 
O esforço para integrar o negado, o dividido e o 
cindido inaugura a possibilidade da Nova Ética.
2.2. Psicologia profunda e nova ética
O homem moderno,ao adoecer ou entrar 
em conflito, necessita, nos moldes da psicologia 
profunda, descobrir camadas desconhecidas da 
personalidade e conscientizá-las. O desenvolvi-
mento desse homem começa com o problema 
moral e sua reorientação, que se realiza na assi-
milação da sombra e na reelaboração da persona.
Nesse encontro com sua sombra, a velha ima-
gem idealizada do ego desmorona, reconhe-
cendo-se a ambiguidade e pluralidade da própria 
natureza, assumindo o seu mal. Mas o problema 
38
do mal tem raízes mais profundas: as fontes do 
mal. A distinção entre o mal individual e o mal 
geral constitui peça essencial de autoconheci-
mento no processo de individuação. Isso exige 
esforços tremendos da personalidade. Com o 
fortalecimento do ego e do aspecto escuro que 
se impõe, essas posições contrárias acarretam 
uma divisão na personalidade do indivíduo e do 
grupo. Dessa forma, a problemática da sombra 
e do conflito moral vem ao encontro do ego de 
forma camuflada, mas avassaladora: a sombra se 
impõe como sintoma ou complexo.
Para a Nova Ética, somente aquele que assu-
miu o problema de sua sombra, que se conscien-
tizou do seu próprio lado negativo pode agir eti-
camente. A personalidade total é necessária para 
o comportamento ético da nova ética. Ela não 
considera apenas a situação ética do indivíduo 
sobre ele mesmo, mas também a atitude indivi-
dual sobre o coletivo. Não é somente uma ética 
parcial de consciência, mas considera também os 
efeitos da atitude consciente sobre o inconsciente 
e vice-versa. Assim, a personalidade total é res-
ponsabilizada e não somente o ego como centro 
da consciência. Ela exige uma intuição maior e 
uma participação conjunta do ego e da sombra, 
pelo menos da sombra individual. O indivíduo 
deve elaborar sua problemática básica moral 
39
antes de estar em condições de representar um 
fator coletivo:
A nova ética repousa sobre a conscien-
tização das forças positivas e negati-
vas da estrutura humana e sobre a sua 
inserção consciente na vida do indiví-
duo e da comunidade. A sombra, que 
é mister assumir, é o forasteiro da vida. 
Ela é a forma individual que o lado 
escuro da humanidade assume em 
mim e por mim como parte de minha 
personalidade.
O meu lado da sombra é parte e repre-
sentante do lado da sombra da huma-
nidade em geral, e quando minha 
sombra é associal e cobiçosa, cruel e 
má, pobre e miserável, quando ela se 
me apresenta como mendigo, como 
negro e como fera, está por detrás da 
reconciliação com ela a reconciliação 
com a irmã escura da humanidade em 
geral, e à medida que a assume e nela a 
mim mesmo, assumo com ela também 
toda a parte da humanidade que como 
minha sombra é “o meu próximo”. 
O amor ao próximo de Jesus de Nazaré 
toma-se aí amor ao próximo como o 
malfeitor e a sombra. Em sua limita-
ção a uma figura pessoal interior, ele 
parece ser uma forma paradoxal de 
40
“amor próprio”, em contraste com o 
amor do Nazareno que abstrai de si. 
Mas somente o amor à sombra e sua 
assunção constitui psicologicamente 
a base para um comportamento ético 
realizável também para com o tu que se 
acha fora de nós. (NEUMANN, 1991, 
p. 73-74)
A Nova Ética quer assumir os conteúdos 
inconscientes e para integrá-los à consciência 
precisa reelaborá-los, faz-se então necessária 
uma reintegração. 
A tarefa essencial da Nova Ética é conseguir 
alcançar uma síntese dos opostos, uma integra-
ção das partes dissociadas e inimigas no sistema 
de vida do indivíduo. Ela almeja a união dos 
contrários em uma estrutura unitária, não mais 
divisão, diferenciação, separação e cisão. Assim, 
ela produz a globalidade, a totalidade da per-
sonalidade. O ego passa a ser responsável pela 
aliança dos povos.
A atenção da Nova Ética não está em ser bom, 
mas na autonomia do indivíduo, em ele estar 
são, produtivo e que não seja psiquicamente 
“infeccioso”2. A integração das “forças negativas” 
presentes passa a ser feita conscientemente. A 
2 A negação do negativo leva à psicologia do bode 
expiatório, que seria um tipo de “infecção”.
41
personalidade, sua autonomia e integridade no 
sentido da Nova Ética é a base de processos cria-
tivos, produtivos de valores. 
Autonomia ética ou ética total significa cuidar 
por si e conscientemente da economia de sua 
sombra. O mal assim conscientizado e assumido 
pelo ego apresenta-se como tarefa. O mal incons-
ciente sempre acarreta danos, e o mal conscienti-
zado apresenta-se ao indivíduo como um conte-
údo a ser incorporado na vida e na formação da 
personalidade. 
A “voz” exige que o mal seja reconhecido e que 
se assumam os conflitos internos e externos que 
daí surgem. Assumir o mal não significa sempre 
um agir externo. Perceber uma imagem interna 
não significa reagir a ela, nem atuá-la no mundo.
Na nova ética, o indivíduo necessita assumir 
corajosamente a parte do mal que lhe cabe e ela-
borá-lo; assumir aquilo que ele é e ter a coragem 
moral de querer não ser melhor do que ele é. Na 
Nova Ética, a pessoa precisa ser levada em consi-
deração: as diversidades na consciência e na per-
sonalidade ligam-se aos diferentes graus éticos 
de responsabilidade.
A Nova Ética não está interessada na punição. 
A necessidade é de elaborar o mal, tomando-o 
em suas próprias mãos autonomamente. A cons-
cientização passa a ser um compromisso ético. A 
42
verdade refere-se à relação real entre o ego e o 
inconsciente. A consciência é estabelecida como 
instância para controlar e produzir a relação 
de totalidade do psíquico: “A repressão do mal, 
sempre acompanhada por auto-supravalorização 
inflacionalística, é má, ainda quando parte de 
uma ‘boa intenção’ ou de uma ‘boa vontade’.” (op 
cit, p. 92).
O ego tem participação importante no pro-
cesso, mas não detém a última decisão. Ao assu-
mir o mal, o homem moderno assume o mundo e 
a si próprio na perigosa natureza dupla que cabe 
a ambos. É uma afirmação da totalidade humana 
que engloba tanto o consciente como o incons-
ciente, e o centro não é o eu (centro da consciên-
cia), e sim o si-mesmo (centro do psíquico).
O processo de individuação é muito impor-
tante na psicologia profunda, e esse processo, por 
envolver a estabilização da personalidade, é fun-
damental para a Nova Ética. A orientação pelo 
si-mesmo exige um processo duradouro de auto-
questionamento e autocontrole. Ela é feita pelo 
ego, mas de modo que ele permita que conteúdos 
que faltam à consciência e que são necessários à 
totalidade possam surgir revigorados do incons-
ciente. Isso permite o processo de compensação, 
onde uma falsa postura da consciência possa 
ser “corrigida” por um sonho, por exemplo. A 
43
compensação é uma manifestação direta da tota-
lidade e relacionada ao si-mesmo. Ocorre uma 
liberação dos opostos. É um estar no mundo 
revigorado e aprofundado.
A Nova Ética, ao mesmo tempo que é um 
movimento individual, gera impactos coletivos:
A nova ética é, por um lado, uma ética 
individual, uma ética de individuação. 
Contém a tarefa, singular para cada 
indivíduo e resultante da singulari-
dade de sua situação, de haver-se ade-
quadamente com os seus problemas 
morais específicos, tais como resultam 
de sua constituição psico-física e de 
seu destino. O outro aspecto, ao menos 
igualmente importante da nova ética, 
porém, é precisamente o significado 
coletivo da individuação exigida por 
ela. O que chamamos de fortalecimento 
da estrutura psíquica é, (...), de enorme 
importância para o coletivo. (op cit, p. 
105, grifo nosso)
O indivíduo, ao elaborar seu mal, sempre ela-
bora também uma parcela do mal coletivo: “O 
indivíduo assume parte da carga do coletivo em 
sua própria responsabilidade e desenvenena e 
integra este mal com o seu próprio trabalho de 
44
transformação interna.” (op cit, p. 106). O indiví-
duo torna-se assim corresponsável, partícipe dos 
processos coletivos de transformação, ao invés 
de empurrar o seu mal para o outro, como ocorre 
na psicologia do bode expiatório.
Agora que já nos familiarizamos com con-
ceitos da psicologiajunguiana como sombra, 
persona, complexos, projeções e como estes estão 
intrinsecamente ligados a formas coletivas de 
pensar – a Velha Ética e a Nova Ética – vamos 
passar aos elementos políticos, a fim de aplicar o 
arcabouço conceitual e teórico à conjuntura polí-
tica brasileira atual.
45
3. Por que involuímos em termos de 
manifestação política? A polarização 
política brasileira e a infantilização 
do eleitor brasileiro à espera de um 
messias político 
Neste capítulo, trataremos na primeira seção 
sobre as características das manifestações popu-
lares recentes no Brasil, para demonstrar como 
sofreram uma forte involução, no sentido de 
uma retomada ao pensamento maniqueísta que 
marcou fortemente o século XX.
Na sequência, na seção 3.2, trataremos sobre 
polarização política em si: o processo de criação 
do inimigo e a mente do homo hostilis.
Na seção 3.3, trataremos da infantilização do 
pensamento político: a espera de um messias 
político que resolveria todos os problemas da 
nação.
3.1 As manifestações juninas de 2013 versus 
as manifestações pró e anti-impeachment 
de 2015 e 2016
No livro “Redes de indignação e esperança: 
movimentos sociais na era da internet”, Castells 
46
(2013) traz um estudo de características em 
comum que ele pode constatar ao observar movi-
mentos como a Revolução de Jasmim, na Tunísia 
(2010), a Revolução egípcia (2011), Os Indignados 
na Espanha (2011) e o movimento Occupy Wall 
Street (2011). 
O autor levantou um rol de características que 
marcam essas manifestações populares no século 
XXI em diferentes culturas, e o mais interessante, 
quando estava finalizando o seu livro, estoura-
ram as manifestações juninas de 2013 no Brasil, 
nas quais se apresentavam as mesmas caracte-
rísticas. Isso o impeliu a escrever um posfácio 
incluindo o Brasil:
Aconteceu também no Brasil. Sem que 
ninguém percebesse. Sem líderes. Sem 
partidos nem sindicatos em sua organi-
zação. Sem apoio da mídia. Espontane-
amente. Um grito de indignação contra 
o aumento do preço dos transportes 
que se difundiu pelas redes sociais e foi 
se transformando no projeto de espe-
rança de uma vida melhor, por meio da 
ocupação das ruas em manifestações 
que reuniram multidões em mais de 
350 cidades. (CASTELLS, 2013, p. 178, 
grifo nosso)
47
Conforme o grifo destacado no trecho, esta 
é uma característica de todos os movimentos 
sociais supracitados: tratam-se de movimen-
tos sem liderança, não pela falta de líderes em 
potencial, mas pela profunda e espontânea des-
confiança dos participantes do movimento em 
relação a qualquer forma de delegação de poder 
(intermediação). 
Essa característica essencial dos movimentos 
observados resulta diretamente de uma de suas 
causas: a rejeição dos representantes políticos 
pelos representados, depois que se sentiram tra-
ídos e manipulados em sua experiência com a 
política instituída.
Essa realidade de desconfiança em relação à 
intermediação estaria perpassando vários cam-
pos, como o político e o religioso; assim como 
a não adesão a cartilhas fechadas e à ortodoxia 
cega. Por isso, esses movimentos têm em comum 
o fato de não serem programáticos. Uma das 
grandes dificuldades da presidente Dilma Rous-
sef na época era identificar os interlocutores das 
manifestações, quais seriam os líderes e qual a 
pauta da manifestação. Em uma mesma mani-
festação, conviviam demandas as mais diversas e, 
muitas vezes, até contraditórias umas em relação 
às outras. Segundo Castells, essa característica 
de não serem programáticos demonstra tanto a 
48
força – um amplo poder de atração multidirecio-
nal – quanto a fraqueza – a não instrumentali-
dade – desses movimentos.
Outras características que as manifestações 
do século XXI supracitadas apresentaram em 
comum foram:
a) As redes que se mobilizam são hori-
zontais, multimodais, tanto na inter-
net quanto no espaço urbano, e criam 
companheirismo. A horizontalidade das 
redes favorece a cooperação e a solida-
riedade, ao mesmo tempo que reduz a 
necessidade de liderança formal.
b) Os movimentos sociais que se criam 
a partir dessa mobilização são profun-
damente autorreflexivos. Em termos de 
gênese, esses movimentos são ampla-
mente espontâneos em sua origem, 
geralmente desencadeados por uma 
centelha de indignação. A indignação 
passa a pesar mais que o medo de se 
manifestar, ou pesa mais que permane-
cer na zona de conforto. E, assim, pas-
sa-se da indignação à esperança. Essa 
mudança se constela no que o autor 
chama de espaço da autonomia, onde 
os cidadãos “mobil-lizados” em rede 
passam a ocupar o espaço público.
49
c) Por estarem nesse ínterim entre 
indignação e esperança, esses movi-
mentos se situariam em um tempo 
atemporal: um tempo emergente, alter-
nativo, constituído de um híbrido do 
agora com o para sempre.
Sobre essa tomada de consciência no processo 
entre indignação e esperança, temos que:
A mudança social resulta da ação 
comunicativa que envolve a conexão 
entre redes de redes neurais dos cére-
bros humanos estimuladas por sinais 
de um ambiente comunicacional for-
mado por redes de comunicação. A 
tecnologia e a morfologia dessas redes 
de comunicação dão forma ao processo 
de mobilização e, assim, de mudança 
social, ao mesmo tempo como pro-
cesso e como resultado. (CASTELLS, 
2013, p. 158, grifo nosso)
Segundo o autor em tela, o que esses movi-
mentos sociais em rede estariam propondo em 
sua prática seria uma nova utopia no cerne da 
cultura da sociedade em rede: a utopia da auto-
nomia do sujeito em relação às instituições da 
sociedade.
50
Esses movimentos sociais comungam de uma 
cultura específica, a cultura da autonomia, a 
matriz cultural básica das sociedades contem-
porâneas. Nesse ponto, o autor faz referência ao 
conceito junguiano de individuação, porém sem 
citar ou se referir à psicologia junguiana ao longo 
de sua obra:
Nos bastidores desse processo de 
mudança social está a transformação 
cultural de nossas sociedades. Tentei 
documentar em outros textos o fato 
de que as características básicas dessa 
transformação cultural se referem à 
emergência de um novo conjunto de 
valores definidos como individua-
ção e autonomia, (...). Individuação 
é a tendência cultural que enfatiza os 
projetos do indivíduo como supremo 
princípio orientador de seu compor-
tamento. Individuação não é indivi-
dualismo, pois o projeto do indivíduo 
pode ser adaptado à ação coletiva e a 
ideias comuns, como preservar o meio 
ambiente ou criar uma comunidade, 
enquanto o individualismo faz do bem
-estar do indivíduo o principal objetivo 
de seu projeto particular. (CASTELLS, 
2013, p. 167-168, grifo nosso)
51
Esses movimentos sociais em rede seriam 
novos tipos de movimento democrático – de movi-
mentos que estão reconstruindo a esfera pública 
no espaço de autonomia, constituído na interação 
entre localidades e redes da internet e reconsti-
tuindo a confiança como alicerce da interação 
humana. 
O autor conclui que:
De forma confusa, raivosa e otimista, 
foi surgindo por sua vez essa consci-
ência de milhares de pessoas que eram 
ao mesmo tempo indivíduos e um 
coletivo, pois estavam – e estão – sem-
pre conectadas, conectadas em rede e 
enredadas na rua, mão na mão, tuítes 
a tuítes, post a post, imagem a ima-
gem. Um mundo de virtualidade real 
e realidade multimodal, um mundo 
novo que já não é novo, mas que as 
gerações mais jovens veem como seu. 
Um mundo que a gerontocracia domi-
nante não entende, não conhece e que 
não lhe interessa, por ela encarado com 
suspeita quando seus próprios filhos 
e netos se comunicam pela internet, 
entre si e com o mundo, e ela sente que 
está perdendo o controle. (CASTELLS, 
2013, p. 179-180)
52
O que marcou as manifestações de junho de 
2013 foi, portanto, a horizontalidade (não inter-
mediação) e a indignação fragmentada, no sen-
tido de se voltar para vários aspectos políticos. O 
que marcou foi a confluência de várias demandas 
convivendo em um mesmo espaço plural, muitas 
vezes propostas atécontraditórias, mas convi-
vendo em um espaço de tolerância e de diversi-
dade. 
Esse contexto revela-se muito diferente do que 
foram as manifestações de 2015 e 2016. Ali estava 
muito claro o símbolo da polarização: a neces-
sidade de se colocar um muro na Esplanada1, 
separando os que eram pró dos que eram con-
tra o impeachment. As “cortinas de ferro” típicas 
do século XX, da era das polarizações ideológi-
cas, figuravam em um contexto político e social 
que recém experimentara manifestar-se de uma 
forma plural e democrática. 
De volta ao “contexto muro”, os brasileiros 
vivenciaram dias de profunda imersão na expe-
riência de constelação de complexos em ambien-
tes de trabalho, salas de aula e plataformas vir-
tuais. Luz versus sombra, coxinhas e mortadelas, 
o bem e o mal, mocinhos e bandidos, ... Era 
difícil sair ileso às discussões e optar por estar 
em cima do muro. O clima era de real polariza-
1 É possível ver essas diferenças pelas imagens apresenta-
das nos anexos 3 e 4.
53
ção e todos queriam posicionar uns aos outros 
em algum dos dois lados do muro, para saber se 
estavam conversando com um “amigo” ou com 
um “inimigo”. E assim passamos por um período 
de “caça às bruxas” que se intensificou na corrida 
presidencial de 2018. Mas o que está mais apa-
rente, cada vez mais, é que a parte sombria das 
organizações políticas não está em partido A, ou 
em partido B. Está no sistema político como um 
todo. Assim como está em todos nós. O sistema 
político representa o simulacro da vida humana 
em sociedade. E não há nada de estranho que 
nele se reproduzam todas as sombras que exis-
tem na nossa sociedade, uma vez que a represen-
tação representa o que se tem para representar.
Mas nessa mesma esteira de análise de con-
texto em que se pode observar novas perspec-
tivas de consideração da sombra de forma mais 
caleidoscópica no sistema político como um 
todo, envolvendo todos os partidos, ainda vemos 
ranços da tentativa de enquadrar a dicotomia; 
a polarização rasa do tipo pensamento infantil 
“mocinhos versus bandidos”; “ursinhos carinho-
sos verus coração gelado e malvado”. Esse tipo de 
pensamento polarizado vai conviver com o tipo 
que chamamos aqui de caleidoscópico.
No tipo polarizado, continuaremos a encon-
trar aquelas nuances de luz e sombra que vão 
54
projetar a luz nos operadores da Lava Jato – a 
própria apresentação de Deltan Dallagnol colo-
cando Lula no centro do sistema que ele deno-
mina de propinocracia é bastante enviesada nesse 
mesmo sentido2 – por exemplo, ou na ministra 
do STF, Cármen Lúcia, como espécies de messias 
políticos que vão salvar a pátria de toda a som-
bra: “Estes sim seriam personagens da luz, 100% 
corretos”. Mais recentemente, na corrida pre-
sidencial de 2018, esse jogo de luz e sombra foi 
atualizado e temos o candidato Bolsonaro - reve-
renciado como “mito” por seus seguidores – que 
se declara antissistema, no sentido de combater 
todo o mal e defender os “cidadãos de bem”, mui-
tas vezes empunhando uma arma fictícia ou ver-
dadeira. O contexto de polarização do processo 
de impeachment sofreu uma escalada de projeção 
do mal no outro que se torna cada vez mais pato-
lógico, chegando a colocar em risco os direitos 
de minorias e grupos historicamente marginali-
zados.
2 Sobre esta apresentação ver anexo 2.
55
3.2. Do movimento social caleidoscópico à 
polarização política: o processo de criação 
do inimigo e a mente do homo hostilis
 
A partir da seção 3.1 podemos notar que, 
seguido um fenômeno de manifestação popular 
característico do século XXI, involuímos para as 
características marcantes do século XX, em um 
movimento pendular. Para alguns autores que 
estudam pensamento político, esta caraterística 
da tendência à retomada ao pensamento polari-
zado marca a história das sociedades de várias 
maneiras e em vários tempos:
Em termos de país, de raça, de religião 
ou de qualquer outra identidade cole-
tiva, podemos observar que a criação 
do inimigo é realizada em proporções 
míticas, dramáticas e muitas vezes trá-
gicas. Guerras, cruzadas e persegui-
ções constituem o terrível patrimônio 
dessa forma da sombra humana, que 
é, até certo ponto, um legado da nossa 
herança tribal instintiva. As maiores 
crueldades na história da humanidade 
foram praticadas em nome de causas 
virtuosas, quando as sombras de nações 
inteiras se projetaram sobre a face de 
um inimigo; e, assim, um grupo “dife-
rente” pode ser transformado em ini-
56
migo, em bode expiatório ou em infiel. 
(ZWEIG; ABRAMS, 1991, p. 217)
 
Já vimos no Capítulo 2 – Velha Ética e Nova 
Ética ou a psicologia do bode expiatório e a psi-
cologia profunda – que o Mal presente na men-
talidade coletiva quando não integrado individu-
almente recai no tema da sombra projetada no 
tecido social e político da humanidade. No ensaio 
“O criador de inimigos”, Keen (1991) descreve o 
processo de criação do inimigo e explora a mente 
daquele a quem chama homo hostilis, o “homem 
hostil”. O homo hostilis é incuravelmente dualista, 
um maniqueísta moralista: 
Geração após geração, encontramos 
desculpas para odiar e desumanizar uns 
aos outros e sempre nos justificamos 
com a retórica política que nos parece 
mais amadurecida. E nos recusamos a 
admitir o óbvio. Nós, seres humanos, 
somos Homo hostilis (“homem hostil”), 
a espécie hostil, o animal que fabrica 
inimigos. Somos levados a fabricar 
um inimigo como um bode expiatório 
para carregar o fardo da inimizade que 
reprimimos. Do resíduo inconsciente 
da nossa hostilidade, criamos um alvo; 
dos nossos demônios particulares, con-
juramos um inimigo público. E, mais 
57
que tudo, talvez as guerras em que nos 
envolvemos sejam rituais compulsivos, 
dramas da sombra nos quais continu-
amente tentamos matar aquelas partes 
de nós mesmos que negamos e despre-
zamos. (KEEN, 1991, p. 220) 
O homo hostilis cria no pensamento político 
polarizado uma simbiose hostil, um sistema inte-
grado que garantiria que nenhum dos polos teria 
que se confrontar com sua própria sombra:
“(...) a pessoa ou nação paranoica criará 
um sistema de ilusão compartilhado, 
uma paranoia à deux. O “sistema de 
inimigo” envolve um processo de dois 
ou mais inimigos que lançam seu lixo 
psicológico (inconsciente) no quintal 
uns dos outros. Atribuímos a eles tudo 
aquilo que desprezamos em nós mes-
mos. E vice-versa. Já que esse processo 
de projeção inconsciente da sombra é 
universal, os inimigos “precisam” um 
do outro para se livrar das toxinas psi-
cológicas acumuladas e reprimidas. 
Formamos um laço de ódio, uma “sim-
biose hostil”, um sistema integrado que 
garante que nenhum de nós será con-
frontado com a sua própria sombra. 
(KEEN, 1991, p 222-223)
58
Um exemplo clássico desse sistema de sim-
biose hostil garantidor do não enfrentamento 
recíproco da sombra foi o conflito da Guerra Fria 
entre a U.R.S.S. e os Estados Unidos: um precisa 
do outro como alvo de transferências grupais. O 
analista junguiano Jerome Bernstein (1991) exa-
minou a natureza das projeções da sombra que 
os norte-americanos, os soviéticos e seus respec-
tivos governos lançaram um sobre o outro:
Cada lado acreditava que o sistema 
político do outro era a raiz de todas 
as injustiças sociais e de todo o mal 
que existe no mundo. Como resul-
tado, cada um deles comprometeu-se 
ideologicamente a eliminar o sistema 
sócio-político do outro. Esse ponto de 
vista colocou-os num conflito imediato 
com sua auto-imagem de defensores da 
paz mundial e da liberdade, já que cada 
lado fazia uso de táticas de subversão e 
violência para provocar a extinção do 
sistema do outro — onde quer que exis-
tisse. (BERNSTEIN, 1991, p. 237)
Segundo o autor, o arquétipo da sombra era a 
mais ativa, explosiva e perigosa energia psíquica 
operante entre as duas superpotências. A dinâ-
mica da sombra pode crescer ou minguar, mas 
59
nunca desaparecerá. Ela sempre ressurge sob 
alguma outra forma, ou um novo alvo, por qual-
quer um desses países ou por ambos. 
Desse modo,a dinâmica da sombra na sim-
biose hostil seria parte constituinte do pensa-
mento político, ora mais presente, ora menos 
presente no tecido social e político. No Brasil 
não seria diferente, vivemos tempos em que essa 
dinâmica estava minguada, cresceu sobrema-
neira durante o processo de impleachment da 
presidente Dilma Roussef, permaneceu de forma 
latente como pano de fundo do governo Temer, 
e ressurgiu com muita força, em uma onda arra-
sadora trazida por um candidato extremista que 
se apresentou nestas eleições presidenciais, com 
forte adesão popular, grande parte desta adesão 
por um público anti-petista, já funcionando em 
uma dinâmica de sombra.
Sobre este último ponto – eleições presiden-
ciais – será apresentado na próxima sessão deste 
capítulo, como esse meandro político envolve 
expectativas e uma capacidade de análise extre-
mamente infantis e rasas. O movimento de saída 
do pensamento polarizado e a ampliação para 
uma leitura mais caleidoscópica da realidade, 
para ser realmente empoderador, poderia ser 
acompanhado também por uma saída sistêmica 
da condição do que aqui denominaremos de 
60
eleitor puer. Essas ideias serão tratadas na seção 
seguinte.
3.3 A infantilização do pensamento político: 
a espera de um messias político que resol-
veria todos os problemas da nação 
Alguns anos já se passaram desde a redemo-
cratização brasileira, e aquele entusiasmo inicial 
de que a abertura democrática e o direito de ele-
ger nossos prefeitos, governadores e presidente 
da República seriam garantias de liberdade, de 
participação, de segurança, de desenvolvimento, 
de emprego, de justiça social ficou para trás. 
Enfrentamos um cenário de sensações bastante 
diversas quando o tema é política no Brasil. Há 
uma imensa relação que se faz entre a política e 
a politicagem (forma corrupta de praticar a polí-
tica).
Para entender um pouco mais a dinâmica do 
pensamento político brasileiro hoje, teríamos 
que compreender como se deu a trajetória da 
cidadania no Brasil. 
Para começar, vamos entender que conceito é 
esse que chamamos cidadania. 
A cidadania é um conceito que engloba várias 
dimensões de direitos: os direitos civis, políticos 
e sociais.
61
Os direitos civis são os mais básicos, são 
chamados também de direitos de primeira 
geração, primeiros garantidores de uma vida 
em sociedade. São também conhecidos como 
direitos negativos e ligados às liberdades 
individuais. Dentre eles, podemos citar: o direito 
à vida, à propriedade, à garantia de ir e vir, de 
manifestar o pensamento, de acesso à justiça, à 
justiça independente, entre outros.
Os direitos políticos se referem à participação 
do cidadão no governo da sociedade: direito de 
votar, de ser votado, de organizar partidos, de um 
parlamento livre e representativo, entre outros. 
Quanto aos direitos sociais, temos que:
Se os direitos civis garantem a vida 
em sociedade, se os direitos políticos 
garantem a participação no governo 
da sociedade, os direitos sociais garan-
tem a participação na riqueza cole-
tiva. Eles incluem o direito à educa-
ção, ao trabalho, ao salário justo, à 
saúde, à aposentadoria. A garantia de 
sua vigência depende da existência de 
uma eficiente máquina administrativa 
do Poder Executivo. (…) Os direitos 
sociais permitem às sociedades politi-
camente organizadas reduzir os exces-
sos de desigualdade produzidos pelo 
62
capitalismo e garantir um mínimo de 
bem-estar para todos. A ideia central 
em que se baseiam é a da justiça social. 
(CARVALHO, 2004, p. 10)
O autor que desenvolveu a distinção entre as 
várias dimensões da cidadania, Thomas Mar-
shall, sugeriu também que ela, a cidadania, se 
desenvolveu na Inglaterra com muita lentidão. 
Primeiro vieram os direitos civis, no século 
XVIII. Depois, no século XIX, surgiram os 
direitos políticos. Finalmente, os direitos sociais 
foram conquistados no século XX. Segundo ele, 
não se trata de uma sequência apenas cronoló-
gica: ela é também lógica. Foi com base no exer-
cício dos direitos civis, nas liberdades civis, que 
os ingleses reivindicaram o direito de votar, de 
participar do governo de seu país. A participa-
ção permitiu a eleição de operários e a criação do 
Partido Trabalhista, que foram os responsáveis 
pela introdução dos direitos sociais.
O percurso inglês foi apenas um entre outros. 
A França, a Alemanha, os Estados Unidos, cada 
país seguiu seu próprio caminho. O Brasil não 
é exceção. Se compararmos com a Inglaterra, a 
sequência dos direitos no Brasil foi invertida.
63
A cronologia e a lógica da sequência 
descrita por Marshall foram invertidas 
no Brasil. Aqui, primeiro vieram os 
direitos sociais, implantados em perí-
odo de supressão dos direitos políticos 
e de redução dos direitos civis por um 
ditador que se tornou popular. Depois 
vieram os direitos políticos, de maneira 
também bizarra. A maior expansão do 
direito do voto deu-se em outro perí-
odo ditatorial, em que os órgãos de 
representação política foram transfor-
mados em peça decorativa do regime. 
Finalmente, ainda hoje muitos direitos 
civis, a base da sequência de Marshall, 
continuam inacessíveis à maioria da 
população. A pirâmide dos direitos foi 
colocada de cabeça para baixo. (CAR-
VALHO, 2004, p. 219-220)
Qual a consequência dessa pirâmide invertida 
dos direitos no Brasil?
Uma consequência importante é a 
excessiva valorização do Poder Exe-
cutivo. Se os direitos sociais foram 
implantados em períodos ditatoriais, 
em que o Legislativo ou estava fechado 
ou era apenas decorativo, cria-se a ima-
gem, para o grosso da população, da 
64
centralidade do Executivo. O governo 
aparece como o ramo mais importante 
do poder (…). (CARVALHO, 2004: 
221).
Nessa perspectiva, como os direitos sociais 
“caíram no colo”, criou-se uma espécie de cultura 
política em que se espera que “as coisas sejam 
resolvidas de cima pra baixo”. Cria-se uma pas-
sividade e a espera de que a realidade seja resol-
vida, sem a perspectiva daquele que espera de 
que ele também faz parte do processo político. O 
processo político seria deslocado somente para 
o externo e para uma espera de que alguém irá 
fazer o que tem que ser feito. O cidadão nesse 
sentido fica desempoderado, como uma criança 
que depende de um adulto para fazer por ela na 
vida em sociedade.
Assim, as expectativas ficam centralizadas no 
Executivo nacional: “Ligada à preferência pelo 
Executivo está a busca por um messias polí-
tico, por um salvador da pátria.” (CARVALHO, 
2004, p. 221). Nesse sentido, há uma valorização 
muito maior das eleições do Executivo nacional 
em detrimento às eleições das outras esferas 
federais e dos Legislativos. Há também um 
desconhecimento/desinteresse/desinformação 
do funcionamento inter e intragovernamental, 
de modo que todos os problemas do país pas-
65
sam a ser projetados na figura da(o) presidente. 
Problemas que seriam da alçada de outras esferas 
federais ou de outro ramo de Poder são sempre 
relacionados com o Executivo Federal, criando-
se uma análise de contexto desconectada da rea-
lidade.
Essa cultura de valorização do Executivo e 
com alto teor de passividade do cidadão frente 
o Estado cria o que o autor chama de “estada-
nia”, em contraste com a cidadania: “A inversão 
da sequência dos direitos reforçou entre nós a 
supremacia do Estado. Se há algo importante 
a fazer em termos de consolidação democrá-
tica, é reforçar a organização da sociedade para 
dar embasamento social ao político, isto é, para 
democratizar o poder.” (CARVALHO, 2004, p. 
227).
A partir dessa leitura, vemos que o pensa-
mento político é extremamente influenciado por 
aspectos do desenvolvimento da cidadania. E que 
uma cidadania plena depende de uma mudança 
interna de perspectiva dos próprios brasileiros. 
Em vez de esperar por um messias político que 
virá nas próximas eleições, o pensamento polí-
tico brasileiro pode inverter essa lógica de passi-
vidade frente a pessoas – como em um complexo 
materno ou paterno, via conceito de estadania - e 
pleitearautonomamente seus direitos de cidada-
66
nia frente às instituições que já preveem canais 
de acesso autônomo e democrático de participa-
ção política. 
Essa posição de passividade da estadania lem-
bra um pouco a posição do puer na linha de Jung 
e von Franz:
(...), von Franz acompanha Jung ao 
identificar o puer como o arquétipo da 
criança e em conceber este arquétipo 
como possuidor de duas naturezas. Por 
um lado, ele é renovação da vida; por 
outro, é a sombra de infantilidade que 
todos nós carregamos. Esta infantili-
dade deve ser sacrificada, pois ela sem-
pre nos puxa para trás, nos mantendo 
dependentes, preguiçosos, fugindo dos 
problemas e das responsabilidades da 
vida, (...). (BERNARDI, 2008, p 31, 
grifo nosso)
A espera de que as coisas sejam resolvidas de 
“cima para baixo”, sem a perspectiva daquele que 
espera de que ele também faz parte do processo 
político parece-se com essa sombra de infantili-
dade ligada à fuga dos problemas e responsabi-
lidades da vida em sociedade. O cidadão puer, 
desempoderado, fica à mercê do adulto/messias/
ser de luz que fará por ele na vida em sociedade. 
67
Essa posição traz “ganhos” no sentido de manu-
tenção do indivíduo em sua zona de conforto, a 
sua não implicação em ser corresponsável pelos 
desígnios sociais. E, além de tudo, é uma posição 
que é mantenedora do status quo. 
Se eu não faço nada, e só espero que seja feito, 
enquanto eu espero, tudo se mantém exatamente 
como está. Então o indivíduo que não se pensa 
partícipe dos processos, que se abstém para se 
colocar em uma posição de passividade, ele está 
contribuindo para que tudo permaneça exata-
mente como está. Essa omissão do eleitor puer 
que pensa a política de quatro em quatro anos, 
nas eleições presidenciais, traz consigo a ideia de 
que a simples mudança de um ator político pode-
ria mudar como em um passe de mágica tudo o 
que se passa nas várias esferas inter e intragover-
namentais, independentemente dos aspectos sis-
têmicos que permaneceriam. Dentre os aspectos 
sistêmicos que permaneceriam está a sua própria 
posição de puer político aeternus.
69
Considerações finais
Ao longo deste livro vimos como a polariza-
ção política vivida na atualidade brasileira pode 
ser lida à luz da psicologia junguiana, através de 
conceitos como complexo, projeções, sombra e 
persona (Capítulo 1), a Velha Ética (Capítulo 2), 
a criação do inimigo pelo homo hostilis e a sim-
biose hostil garantidora do não enfrentamento 
recíproco da sombra (Seção 3.2). E, por último, 
ampliamos um pouco mais para além da pola-
rização em si, olhando para o pensamento polí-
tico brasileiro de uma forma mais abrangente, 
trazendo a perspectiva do puer político aeternus 
(Seção 3.3).
Vimos que sombra e persona são um par 
clássico de opostos, figurando na psique como 
polaridades do ego. Uma vez que a tarefa central 
do desenvolvimento psicológico é a integração, 
e a totalidade é o valor supremo, como integrar 
persona e sombra nos pensamentos polarizados? 
Segundo Stein (2006), as pessoas mudam com 
terapia e no decorrer do seu desenvolvimento 
vital. A persona, como um instrumento de adap-
tação, tem grande potencial para mudança. Pode 
tornar-se cada vez mais flexível, dado que o ego 
está disposto a modificar antigos padrões.
70
Do ponto de vista sistêmico, como mudar esse 
padrão de pensamento polarizado? Seria possível 
um mecanismo social para desempenhar uma 
ampla função transcendente capaz de transformá
-lo em caleidoscópico? Alguma política pública 
nesse sentido seria possível? Seria interessante 
para as autoridades governamentais implemen-
tar políticas públicas de amadurecimento e con-
sequente empoderamento do pensamento polí-
tico para os cidadãos? Que essas inquietações 
possam nortear algumas reflexões mais amplas e 
que o simples exercício reflexivo nesse sentido já 
nos traga um giro caleidoscópico.
 Segundo Keen (1991, p. 221):
Os heróis e líderes pacifistas do nosso 
tempo serão aqueles homens e mulhe-
res com coragem para mergulhar nas 
trevas no fundo da psique pessoal e 
coletiva, e enfrentar o inimigo interior. 
As psicologias de profundidade nos 
presentearam com a inegável sabedoria 
de que o inimigo é construído a partir 
de aspectos reprimidos do self. Por-
tanto, o mandamento radical “Ama a 
teus inimigos como a ti mesmo” indica 
o caminho tanto para o autoconheci-
mento como para a paz. Na verdade, 
amamos ou odiamos nossos inimigos 
na mesma medida em que amamos ou 
71
odiamos a nós mesmos. Na imagem do 
inimigo, encontraremos o espelho no 
qual podemos ver a nossa própria face 
com a máxima clareza. 
Vimos no Capítulo 2 – Velha Ética e Nova 
Ética ou a psicologia do bode expiatório e a psi-
cologia profunda – que o Mal presente na menta-
lidade coletiva, quando não integrado individu-
almente, recai no tema da sombra projetada no 
tecido social e político da humanidade.
Ao longo do livro, vimos que o processo de 
polarização que se iniciou nas eleições presiden-
ciais de 2014, a qual apresentou a menor dife-
rença de votos em uma eleição de segundo turno, 
desde a redemocratização, tornou-se ainda mais 
marcada ao longo do processo de impedimento 
da ex-presidente Dilma Roussef.
Ali estava muito claro o símbolo da polari-
zação: a necessidade de se colocar um muro na 
Esplanada, separando os que eram pró dos que 
eram contra o impeachment. As “cortinas de 
ferro” típicas do século XX, da era das polari-
zações ideológicas, figuravam em um contexto 
político e social que recém experimentara mani-
festar-se de uma forma plural e democrática em 
2013.
72
De volta ao “contexto muro”, os brasileiros 
vivenciaram dias de profunda imersão na dinâ-
mica de projeção cruzada da simbiose hostil: luz 
versus sombra, coxinhas e mortadelas, o bem e o 
mal, mocinhos e bandidos, ...
A polarização permaneceu de forma latente 
como pano de fundo do governo Temer e ressur-
giu com muita força, em uma onda arrasadora 
trazida por um candidato extremista que se apre-
sentou nestas eleições presidenciais, com forte 
adesão popular, grande parte dessa adesão por 
um público antipetista, já funcionando em uma 
dinâmica de sombra.
A projeção de sombra do movimento antipe-
tista foi agravada pelo fenômeno das fake news, 
voltadas justamente para apelar para o campo 
dos afetos, sucumbindo o indivíduo pensante 
cada vez mais para o entorpecimento da proje-
ção da sombra no outro, ficando cada vez mais 
à deriva de uma lucidez ancorada em fatos reais.
Nesse sentido, o contexto de polarização polí-
tica do processo de impeachment – representado 
imageticamente pelo muro na Esplanada – em 
seu jogo de luz e sombra – sofreu uma escalada 
de projeção do mal no outro que se torna cada vez 
mais patológico, chegando a colocar em risco os 
direitos de minorias e de grupos historicamente 
marginalizados.
73
Dessa forma, temos uma nova atualização da 
simbiose hostil, uma nova dança das projeções 
cruzadas, que agora não se encontra mais den-
tro de parâmetros já conhecidos ao longo desses 
trinta anos de Constituição. Não é o contexto 
corriqueiro de disputa presidencial no segundo 
turno entre PT versus PSDB.
Na atual corrida presidencial, vemos que o 
homo hostilis de Keen (1991) – incuravelmente 
dualista, um maniqueísta moralista – é conste-
lado em uma via de escolha presidencial com 
forte adesão do eleitorado que já se encontrava 
estruturalmente à espera de um messias político, 
um salvador da pátria (conforme vimos na seção 
3.3).
O que se vê no movimento de apoio a Bolso-
naro, daqueles que se dizem “homens de bem”, é 
justamente a concretização da Velha Ética. Nesse 
contexto aparece a figura do bode expiatório. O 
mal não é reconhecido como mal pessoal e passa 
a ser experimentado como estranho, sendo pro-
jetado nos estrangeiros, nas minorias, nos mar-
ginalizados, no PT. A sombra não reconhecida 
pela consciência é situada fora dela. A sombra é 
ameaçadora para a velha ética porque contradiz 
a imaginação do ego de se identificar totalmentecom os valores.
74
Para a Nova Ética, somente aquele que assu-
miu o problema de sua sombra, que se conscien-
tizou do seu próprio lado negativo, pode agir eti-
camente. A personalidade total é necessária para 
o comportamento ético da nova ética.
Por que a homossexualidade incomoda parte 
dos conservadores que apoiam Bolsonaro? Por-
que transita por conteúdos não integrados inter-
namente por eles. Se o que está fora ameaça é 
porque não está bem trabalhado dentro. Não há 
interlocução com aqueles conteúdos sombrios, 
porque não dialogam com o regime de verdade 
do ego. 
A Nova Ética quer assumir os conteúdos 
inconscientes e, para integrá-los à consciência 
precisa reelaborá-los, faz-se então necessária 
uma reintegração. A tarefa essencial da Nova 
Ética é conseguir alcançar uma síntese dos 
opostos, uma integração das partes dissociadas 
e inimigas no sistema de vida do indivíduo. Ela 
almeja a união dos contrários em uma estrutura 
unitária, não mais divisão, diferenciação, sepa-
ração e cisão. Assim, ela produz a globalidade, 
a totalidade da personalidade. O ego passa a ser 
responsável pela aliança dos povos.
A atenção da Nova Ética não está em ser bom, 
mas na autonomia do indivíduo, em ele estar 
são, e que não seja psiquicamente “infeccioso”, 
75
que não negue o negativo. O que vemos no 
movimento bolsonarista são inúmeras pessoas 
“saindo do armário” no sentido de revelarem 
seus conteúdos sombrios ainda não conscientes, 
agindo inconscientemente de forma infecciosa e 
nociva para a sociedade.
Ações opressoras – como a da polícia no caso 
de Verônica Bolina, ou o assassinato de Marielle 
Franco – passam a ser reforçadas e legitimadas 
quando o discurso do bode expiatório é propa-
gado pelo próprio futuro presidente da Repú-
blica.
Na nova ética, o indivíduo necessita assumir 
corajosamente a parte do mal que lhe cabe e ela-
borá-lo; assumir aquilo que ele é e ter a coragem 
moral de querer não ser melhor do que ele é. Na 
Nova Ética, a pessoa precisa ser levada em consi-
deração: as diversidades na consciência e na per-
sonalidade ligam-se aos diferentes graus éticos 
de responsabilidade.
A Nova Ética não está interessada na punição. 
A necessidade é de elaborar o mal, tomando-o 
em suas próprias mãos autonomamente. A cons-
cientização passa a ser um compromisso ético. A 
verdade refere-se à relação real entre o ego e o 
inconsciente. A consciência é estabelecida como 
instância para controlar e produzir a relação 
de totalidade do psíquico: “A repressão do mal, 
76
sempre acompanhada por auto-supravaloriza-
ção inflacionalística, é má, ainda quando parte 
de uma ‘boa intenção’ ou de uma ‘boa vontade’.” 
(NEUMANN, 1991, p. 92).
Através do encontro interno com a própria 
Sombra, ocorre uma liberação dos opostos. É o 
giro caleidoscópico que falamos aqui. É um estar 
no mundo revigorado e aprofundado. O indiví-
duo torna-se assim corresponsável, partícipe dos 
processos coletivos de transformação, ao invés 
de empurrar o seu mal para o outro, como ocorre 
na psicologia do bode expiatório.
Estamos vivendo na atualidade uma nova sim-
biose hostil, envolvidos nas garras do arquétipo 
da sombra, grupos se entrechocam na dança das 
projeções cruzadas; só que agora esta dança se dá 
em novo terreno, com movimentos que podem 
transgredir a maleabilidade da malha institucio-
nal e cair, de fato, na barbárie. Nenhum dos lados 
da polarização está isento, tanto a ação quanto a 
reação, tanto a posição quanto a futura oposição 
têm de estar atentos à importância do giro calei-
doscópico para sua própria lucidez e integração 
da diversidade em sua totalidade. Como vimos:
(...) a pessoa ou nação paranoica 
criará um sistema de ilusão com-
partilhado, uma paranoia à deux. 
77
O “sistema de inimigo” envolve 
um processo de dois ou mais ini-
migos que lançam seu lixo psicoló-
gico (inconsciente) no quintal uns 
dos outros. Atribuímos a eles tudo 
aquilo que desprezamos em nós 
mesmos. E vice-versa. Já que esse 
processo de projeção inconsciente 
da sombra é universal, os inimigos 
“precisam” um do outro para se 
livrar das toxinas psicológicas acu-
muladas e reprimidas. Formamos 
um laço de ódio, uma “simbiose 
hostil”, um sistema integrado que 
garante que nenhum de nós será 
confrontado com a sua própria 
sombra. (KEEN, 1991, p. 222-223)
79
Posfácio
Waldemar Magaldi Filho1
A leitura deste livro proporciona a ampliação 
do contexto de polarização política que o Brasil e 
o mundo estão sofrendo. As causas são multifa-
toriais, porque os complexos coletivos, que estão 
constelados, abrangem muitos arquétipos e mirí-
ades de imagens com enorme antagonismo entre 
elas. Jung, nos seus estudos a respeito do desen-
volvimento da personalidade e evolução da cons-
ciência humana, brilhantemente, em seu livro: 
“Resposta a Jó”, nos apresenta a hipótese de que 
toda expressão violenta, territorialista, vaidosa, 
autoritarista, machista, tirana e cruel, descrita no 
antigo testamento, após o confronto de Javé com 
Jó, possibilitou o despertar da alteridade divina, 
onde Javé, ou Deus, evolutivamente, precisou 
encarnar como Cristo, anunciando o início da 
desconstrução do patriarcado dominante, para 
iniciar o surgimento da alteridade, onde a hie-
rarquia dará lugar à sinarquia, a exclusão à inclu-
são igualitária e o ódio ao amor ágape. Como 
sabemos, diante das crises, principalmente esta 
que está trazendo mudança de paradigma, seria 
1 Fundador e analista junguiano didata do IJEP – Instituto 
Junguiano de Ensino e Pesquisa. 
80
inevitável o surgimento das defesas extremistas 
e, neste caso, o sistema dominante está reagindo 
violentamente para não abrir mão do patriar-
cado vigente, com seu poder excludente e hie-
rarquizante, do territorialismo e dos muros. Ati-
vando muito mais medo e todos os mecanismos 
de defesa possíveis!
Somado a esse medo do novo sistema que está 
por vir, temos toda a cultura do imediatismo 
e do consumismo hedônico, onde as relações 
são liquidas, porque os sujeitos estão vazios de 
sentimentos. Precisamos compreender como as 
potencialidades arquetípicas de Ares e Atena, 
deuses gregos que nasceram sem a semente do 
seu gênero sexual, e seus desdobramentos/epíte-
tos: Phobos, Terror, Discórdia, Harmonia, Fúrias 
e Vingança, interagiram e ainda interagem em 
nós, levando aos extremos do temor aterrori-
zante da tirania e do fascismo ao ódio da corrup-
ção, como se estes elementos não fizessem parte 
de nós mesmos. Ou seja, projetamos nos outros 
o que mais incomoda em nós, com intenção de 
destruí-los. Por isso, estimular reflexões epis-
temologicamente coerentes, para surgir o con-
fronto com a sombra e o terceiro elemento não 
dado, a função transcendente, na sua dimensão 
simbólica, metafórica e não literal é a saída cria-
tiva. Só assim poderemos reconhecer e aceitar a 
sabedoria do Self, tanto para os rumos macro-
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politicos, quanto nas relações micropoliticas, 
agora que a sombra, os complexos e os valores 
ideológicos, ficaram expostos. Precisamos seguir 
adiante com fé, amor e atenção crítica! Sem per-
der nosso sonho de liberdade, igualdade e frater-
nidade e muita serenidade para lidar com todos 
os complexos que estão constelados.
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Referências
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In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). 
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NEUMANN, Erich.

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