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TEMA: DIREITO 4.0 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS (DICA) 4.1 CONVERGÊNCIA ENTRE O DIDH E O DIH 4.1.1 Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). 4.1.2 Direito Internacional Humanitário (DIH). 4.1.3 A Interação entre o DIDH e o DIH. 4.1.4 Aplicação do DIDH e DIH no Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. 4.1.5 Desafios da interação do DIDH e do DIH. 4.1.5.1 Alguns problemas da aplicação dos Direitos Humanos em conflitos armados. 4.1.5.2 A interrelação entre o DIDH o DIH. 4.2 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS (DICA) 4.2.1 Conceito. 4.2.2 A evolução histórica do DICA. 4.2.3 Regras fundamentais do DICA. 4.2.4 Princípios fundamentais do DICA. 4.3 PRINCIPAIS TRATADOS DE DICA 4.3.1 Direito de Genebra. 4.3.2 Artigo 3º Comum. 4.3.3 Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra. 4.3.4 Direito de Haia. 4.4 PROTEÇÃO DO DICA 4.4.1 Civis. 4.4.2 Conduta com prisioneiro de guerra, feridos, enfermos e náufragos. 4.4.2.1 Prisioneiros de guerra. 4.4.2.2 Enfermos detidos. 4.4.2.3 Náufragos. 4.4.3 Conduta com Pessoal de Saúde e Capelães. 4.4.4 Espiões e Mercenários. 4.4.5 Procedimentos com unidades sanitárias e meios de transporte sanitário. 4.4.6 Pessoal sanitário e religioso. 4.4.7 Bens Culturais. 4.4.8 Localidades e Zonas sob Proteção Especial. 4.4.9 Principais símbolos e distintivos. 4.5 CONFLITO ARMADO INTERNACIONAL (CAI) 4.5.1 Natureza do conflito. 4.5.2 Os sujeitos ativos e passivos. 4.5.3 Aplicação em razão do tempo. 4.5.4 Aplicação em razão do lugar. 4.5.5 Estados Neutros. 4.6 CONFLITO ARMADO NÃO INTERNACIONAL (CANI) 4.6.1 Natureza do conflito. 4.6.2 Os sujeitos ativos e passivos. 4.6.3 Aplicação em razão do tempo. 4.6.4 Aplicação em razão do lugar. 4.7 GUERRA NO MAR 4.7.1 Passagem Inocente. 4.7.2 Imunidades. 4.7.3 Bloqueio e Zonas de Exclusão. 4.8 GUERRA NO AR 4.9 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 4.9.1 Tribunal Penal Internacional (TPI). 4.9.2 Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). 4.9.2.1 História. 4.9.2.2 Funções. 4.9.2.3 Princípios Fundamentais. 4.9.2.4 Orgãos do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS (DICA) Olá, Aluno (a)! Seja bem-vindo ao último capítulo do nosso curso, Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). Ao longo do curso tivemos algumas breves noções gerais sobre Direito Constitucional, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal Militar e Direito Administrativo, tendo sempre como foco a atuação das Forças Armadas, em especial da Marinha do Brasil (MB). Neste último tópico, veremos um outro ramo do Direito muito interessante e também intimamente relacionado à atuação das Forças Armadas em sua atividade fim, a guerra! Enquanto os demais ramos estarão mais preocupados em regular atividades dentro do território nacional, o DICA terá um enfoque mais voltado aos conflitos internacionais. Você perceberá que nós veremos um novo ramo do Direito, completamente distinto aos demais. As aulas deste capítulo foram compiladas e adaptadas, mediante autorização, a partir do material utilizado pela Escola Superior de Guerra (ESG), em sua plataforma EAD do Curso de Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). Estas regras constituem um resumo das disposições essenciais do Direito Internacional Humanitário. Nossas aulas terão como função facilitar a difusão do Direito Internacional Humanitário no âmbito da MB. Inicialmente conversaremos a respeito da relação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário. Objetivos da Aprendizagem: - Diferenciar o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e o Direito Internacional Humanitário (DIH); e - Descrever a interação entre o DIDH e o DIH. INTRODUÇÃO: Nesta aula veremos a interação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e o Direito Internacional Humanitário (DIH). Porém, para se verificar a convergência de ambos será necessário, em um primeiro momento, distinguir esses dois ramos do Direito Internacional, apresentando suas especificidades e os princípios que integram seus corpus iuris. Dessa forma, os primeiros tópicos deste breve estudo discutirão os elementos essenciais do DIDH e do DIH. A seguir, analizaremos de forma genérica as convergências entre os citados ramos, enfatizando o nível mínimo de humanidade destes e o desenvolvimento da claúsula Martens, que permite a aplicação subsidiária dos Direitos Humanos no Direito Humanitário. 4.0 DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS (DICA) O DICA faz parte do Direito Internacional, o qual rege as relações entre Estados, sendo constituído por acordos internacionais concluídos entre Estados – geralmente designados por tratados ou convenções – assim como pelos princípios gerais e costumes que os Estados aceitam como obrigações legais. As origens do DICA podem ser encontradas nos códigos e regras de religiões e nas culturas do mundo inteiro. O desenvolvimento moderno do Direito teve início na década de 1860; desde essa altura, os Estados acordaram uma série de normas práticas, baseadas na dura experiência da guerra moderna, que refletem em um delicado equilíbrio entre as preocupações humanitárias e as necessidades militares dos Estados. Com o crescimento da comunidade internacional, aumentou igualmente o número de Estados em todo o mundo que contribuem para o desenvolvimento do DICA, que hoje pode ser considerado como um sistema de Direito verdadeiramente universal. 4.1 CONVERGÊNCIA ENTRE O DIDH E O DIH 4.1.1 Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem o escopo de proteger os indivíduos contra violações cometidas pelo Estado ou por particulares com a conivência ou inatividade deste, sendo formada uma relação jurídica entre o indivíduo e o Estado; ou entre o indivíduo e outro particular, nos casos de omissão do Estado. O modelo de proteção dos Direitos Humanos é baseado em atividades de garantia da lei (law enforcement), capazes de serem utilizadas tanto em tempo de paz, quanto em tempo de guerra. Assim, independentemente da qualificação da situação do Estado como comum ou de conflito armado, a aplicação desse modelo pressupõe uma base segura por parte do governo em relação ao seu território, dentro do qual ele deve exercer controle efetivo e assegurar a ordem e o cumprimento das normas estabelecidas. Dessa forma, apesar de as normas de Direitos Humanos serem aplicáveis em todas as circunstâncias, elas podem, contudo, sofrer revogações de alguns de seus preceitos, de acordo com as cláusulas de suspensão de garantias dos tratados internacionais. Em casos excepcionais, alguns direitos humanos podem ser revogados, sendo que é nesse campo de atuação que se encontra explicitamente a interrelação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário. Diversos tratados internacionais abrangem tal possibilidade de suspensão de direitos. Como exemplos, podemos citar o artigo 4 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no sistema ONU, e o artigo 15º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, no Sistema Europeu de Proteção aos Direitos Humanos. ARTIGO 4 1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente, os Estados Partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida exigida pela situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6, 7, 8 (parágrafos1 e 2) 11, 15, 16, e 18. 3. Os Estados Partes do presente Pacto que fizerem uso do direito de suspensão devem comunicar imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto, por intermédio do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, as disposições que tenham suspendido, bem como os motivos de tal suspensão. Os Estados partes deverão fazer uma nova comunicação, igualmente por intermédio do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, na data em que terminar tal suspensão. ARTIGO 15° Derrogação em caso de estado de necessidade 1. Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito internacional. 2. A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2°, salvo quanto ao caso de morte resultante de actos lícitos de guerra, nem aos artigos 3°, 4° (parágrafo 1) e 7°. 3. Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este direito de derrogação manterá completamente informado o Secretário Geral do Conselho da Europa das providências tomadas e dos motivos que as provocaram. Deverá igualmente informar o Secretário - Geral do Conselho da Europa da data em que essas disposições tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da Convenção voltarem a ter plena aplicação. No âmbito do Sistema Interamericano, marco teórico da presente pesquisa, é o artigo 27 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) que estabelece as regras para a suspensão de garantias para os Estados-membros. Artigo 27. Suspensão de garantias 1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados seguintes artigos: 3 (Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica); 4 (Direito à vida); 5 (Direito à integridade pessoal); 6 (Proibição da escravidão e servidão); 9 (Princípio da legalidade e da retroatividade); 12 (Liberdade de consciência e de religião); 17 (Proteção da família); 18 (Direito ao nome); 19 (Direitos da criança); 20 (Direito à nacionalidade) e 23 (Direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos. 3. Todo Estado Parte que fizer uso do direito de suspensão deverá informar imediatamente os outros Estados Partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, das disposições cuja aplicação haja suspendido, dos motivos determinantes da suspensão e da data em que haja dado por terminada tal suspensão. Considerando-se que o artigo 27.1 da CADH contempla a suspensão de certos direitos em caso de guerra, perigo público e outras emergências que ameacem a independência ou segurança do Estado, e dado que as limitações em qualquer dessas hipóteses devem estar ajustadas à exigência da situação específica, pode-se concluir que alguns tipos de suspensão de garantias que poderiam ser permitidas em um caso, por outro lado, poderiam não o ser em um caso diferente. Portanto, a licitude das medidas adotadas para enfrentar situações excepcionais em um Estado depende do caráter, da intensidade, da profundidade e do contexto particular da emergência, bem como da proporcionalidade e razoabilidade que possuam as medidas adotadas. A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já enfatizou que o Estado está obrigado a determinar as razões e os motivos que levaram as autoridades internas a declarar o estado de emergência, que deve exercer o adequado e efetivo controle dessa situação, além de garantir que a suspensão declarada se encontre na medida e no tempo estritamente limitados à exigência do caso. No mesmo sentido, a Corte Europeia de Direitos Humanos estabelece como requisitos para a declaração do estado de emergência três critérios: - a existência de uma situação excepcional de crise ou emergência; - que essa situação afete toda a população; e - que constitua uma ameaça à vida organizadada sociedade. Os Estados, portanto, não possuem uma discricionariedade ilimitada no momento da declaração da suspensão de garantias. Consequentemente, corresponde aos órgãos de supervisão dos tratados internacionais, de acordo com as suas respectivas competências, exercer o controle da declaração do estado de emergência de forma subsidiária e complementar, analisando a conformidade ou não dos atos estatais com o estabelecido no dispositivo que autoriza a suspensão de garantias, assim como com os outros artigos do texto convencional. Destarte, a suspensão de garantias não deve exceder a medida do estritamente necessário, sendo ilegal toda a atuação dos poderes públicos que ultrapasse os limites que devem estar assinalados na disposição que decreta o estado de exceção. 4.1.2 Direito Internacional Humanitário (DIH) O Direito Internacional Humanitário (DIH) tem a finalidade de reger as normas referentes à condução das hostilidades e as normas de proteção e distinção entre combatentes e civis em casos de conflito armado. A relação jurídica que esse ramo do Direito abrange é entre as partes que estão em conflito armado, sejam elas Estados, grupos insurgentes ou outros grupos armados organizados. Suas normas não podem ser revogadas, por serem o nível mínimo de humanidade a deve ser respeitado em casos de conflito. A definição da existência de um conflito armado é objetiva, com base na natureza e na gravidade das hostilidades em curso, independentemente da motivação ou propósito do conflito ou da qualificação das partes a ele pertencentes. O modelo de proteção ao indivíduo do DIH se aplica exclusivamente na condução das hostilidades em conflitos armados, baseando-se na premissa de que, em dito estágio, é muito tarde para prevenir o uso de violência armada entre as várias partes do conflito. Seu objetivo é restringir o uso de violência pelos beligerantes, por meio do balanceamento das necessidades militares e dos imperativos humanitários. O DIH é aplicado em casos de conflitos armados, que devem ser entendidos como uma situação que gera o recurso à força armada por: - Estados entre si; - Estados e grupos armados organizados; ou - Grupos armados organizados entre si dentro de um Estado. Os conflitos armados podem, por sua vez, ter caráter internacional ou não internacional; sendo que a respeito de cada âmbito de aplicação incidem normas específicas. No que tange aos conflitos armados internacionais, são aplicadas as disposições das Convenções de Genebra de 1949. Os conflitos armados não internacionais, por sua vez, apesar de não estarem expressamente definidos no artigo 3 comum às Convenções de Genebra, são interpretados pela doutrina como abrangidos pelo referido artigo e pelas normas costumeiras pertinentes; sendo que devem ser entendidos da forma mais extensiva possível, de modo a abarcar, inclusive, aqueles conflitos abertos e de pouca intensidade entre as forças armadas ou grupos relativamente organizados, que ocorrem dentro do território de um Estado em particular. A existência de um conflito prolongado, com uso de táticas e armamentos militares e de intensidade grave são fatores quecaracterizariam, por exemplo, uma situação de conflito armado não internacional, sendo que eles devem ser diferenciados das situações de distúrbios e tensões internas, que se caracterizam por serem atos isolados e esporádicos, que não são abarcados pelo DIH, mas sim pelos Direitos Humanos. Estes tipos de conflitos variam enormemente. Compreendem as guerras civis tradicionais, conflitos armados internos que se propagaram a outros Estados ou conflitos internos nos quais intervêm terceiros Estados ou uma força multinacional junto aos governos. O artigo 3º comum estipula normas fundamentais que são irrevogáveis. É como uma mini convenção dentro das quatro Convenções de Genebra com as suas normas essenciais condensadas, tornando-as aplicáveis aos conflitos de natureza não internacional: - Determina o tratamento humano para todos os indivíduos em poder do inimigo, sem nenhuma distinção adversa. Proíbe especialmente os assassinatos; mutilações; torturas; tratamento cruéis, humilhantes e degradantes; tomada de reféns e julgamentos parciais; - Determina que os feridos, enfermos e náufragos sejam recolhidos e tratados; - Outorga ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) o direito de oferecer seus serviços às partes em conflito; - Insta as partes em conflito para pôr em vigor, mediante os chamados acordos especiais, a totalidade ou as partes das Convenções de Genebra; e - Reconhece que a aplicação dessas disposições não afetam o estatuto jurídico das partes em conflito. Diversos standards de proteção estão abrangidos no modelo do DIH, sendo eles variáveis de acordo com o status do indivíduo envolvido nas hostilidades. Assim, não apenas os membros da força armada inimiga podem ser objeto de ataque, mas também os civis que tomam parte diretamente nas hostilidades, pelo período que durar a sua participação. A distinção entre combatentes e não combatentes tem implicações fundamentais. Cabe ressaltar que, de acordo com a regra de imunidade do artigo 13 do Protocolo II das Convenções de Genebra, as partes têm a obrigação geral de proteger a população civil contra os perigos procedentes das operações militares, sendo que, consequentemente, essa população não pode ser objeto de ataques militares e não pode ser alvo de atos de ameaça de violência que tenham como objetivo aterrorizá-la. Independentemente da situação jurídica de normalidade ou anormalidade política, a população civil vítima de um conflito armado deve ser protegida pelo Estado. 4.1.3 A interação entre o DIDH e o DIH O DIH tem status de lei especial, uma vez que abrange especificamente os casos de conflito armado. Apesar de elaborado para tutelar essa específica qualificação jurídica, tem-se que em muitos casos suas regras tratam do mesmo bem jurídico que as regras de Direitos Humanos. Contudo, as normas desenvolvidas no período de paz não podem ser aplicadas indiscriminadamente aos conflitos armados, mas inseridas na estrutura do DIH de maneira sensível. A esse respeito, a Corte Internacional de Justiça estabeleceu no caso da Legality of the Threat or Use of Nuclear Weapons que para a análise da natureza do direito inderrogável à vida deveriam ser levadas em consideração as regras do DIH como lex specialis, a fim de se determinar o que seria considerado como privação arbitrária à vida no contexto de um conflito armado. Embora esse raciocínio funcione completamente para se interpretar o direito à vida, o mesmo não ocorre para outros bens jurídicos protegidos, como, por exemplo, o direito ao acesso à justiça. Em algumas áreas coincidentes do DIDH e DIH, as normas de direitos humanos são mais precisas do que as de direito internacional humanitário. Por exemplo, no caso das garantias judiciais, que possuem grande desenvolvimento normativo e jurisprudencial em matéria de DIDH e bastante incipiente em DIH, tem-se que a norma do artigo 3.1.d comum das Convenções de Genebra diz que: "As condenações proferidas e as execuções efectuadas sem prévio julgamento, realizado por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados". Perceba que a norma é bastante imprecisa e demasiadamente abrangente, o que necessitaria a utilização complementar dos Direitos Humanos para desenvolver seu conteúdo. Assim, em uma hipótese como essa é necessário que além dos elementos complementares à Convenção de Genebra, contidos nos protocolos adicionais I e II e no direito costumeiro, integrem-se à fórmula apresentada na Convenção de Genebra as normas de Direitos Humanos, uma vez que elas apresentam uma evolução patente na caracterização das garantias judiciais e meios de acesso à justiça. No que tange à convergência dos DH e DIH, é notável que no caso Music et alli o Tribunal Penal Internacional ad hoc para a ex-Ioguslávia tenha ponderado que tanto o Direito Internacional dos Conflitos Armados, quanto o Direito Internacional dos Direitos Humanos tomam como ponto de partida sua preocupação comum em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, o que forma a base dos seus princípios mínimos de humanidade. Assim, o princípio da humanidade pode ser entendido de dois modos diversos: de um lado, pode ser concebido como um princípio subjacente à proibição do tratamento desumano, estabelecido pelo artigo 3 comum às Convenções de Genebra; e por outro lado pode ser invocado como referência à humanidade como um todo, em relação às matérias de interesse comum, geral e direto desta. A inclusão no preâmbulo da Convenção de Haia de 1899 de uma disposição, tributo a um delegado russo na Convenção, conhecida como cláusula Martens, é outra eloquente expressão da convergência entre esses ramos do Direito Internacional. Reconhecendo-se que não seria possível solucionar todos os problemas que poderiam ser levantados na análise da Convenção de Haia, as partes contratantes estabeleceram que não era a sua intenção que os casos não previstos, na ausência de um mandamento escrito, fossem deixados ao julgamento arbitrário dos comandantes militares. Dessa forma, estabeleceu-se que nos casos de falta de normativa dirigente, os civis e os combatentes deveriam permanecer sob a proteção e a regra dos princípios do direito das nações, como um resultado dos usos estabelecidos pelos povos civilizados, das leis de humanidade, e os ditames da consciência pública. Assim, independentemente do que os Estados acordem, a condução da guerra será sempre governada pelos princípios existentes de direito internacional, entre os quais se destaca o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Sua importância ainda é visível, por sua incorporação nas disposições relativas à denúncia das quatro Convenções de Genebra sobre Direito Internacional Humanitário e do Protocolo Adicional I. VAMOS TESTAR OS SEUS CONHECIMENTOS! Vamos fazer agora uma pequena pausa nos nossos estudos para verificar o que você já aprendeu até aqui. Responda às questões abaixo. I - Coloque “C” ou “E” nos parênteses à esquerda, conforme as afirmativas sejam consideradas certas ou erradas. 1) ( ) Os Direitos Humanos não podem ser revogados, por serem o nível mínimo de humanidade que deve ser respeitado. 2) ( ) A definição da existência de um conflito armado é subjetiva, dependendo da natureza e gravidade das hostilidades, e ainda da motivação ou propósito do conflito. 3) ( ) O objetivo do DIH é restringir o uso de violência pelos beligerantes, por meio do balanceamento das necessidades militares e dos imperativos humanitários. II - Assinale a alternativa que apresenta a única resposta correta. 4) Sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), podemos afirmar que (A) só se aplica em tempos de paz. (B) tem o escopo de proteger os indivíduos contra violações cometidas pelo Estado ou por particulares coma conivência ou inatividade deste. (C) a relação jurídica que esse ramo do Direito abrange é entre as partes que estão em conflito armado, sejam elas Estados, grupos insurgentes ou outros grupos armados organizados. (D) suas normas não podem ser revogadas, por serem o nível mínimo de humanidade a deve ser respeitado em casos de conflito. (E) se aplica em todas as circunstâncias, sem a possibilidade de qualquer de acordo com as cláusulas de suspensão de garantias dos tratados internacionais. GABARITO: QUESTÃO RESPOSTA 1 E 2 E 3 C 4 B RECADO FINAL: Nesta primeira aula de Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), procuramos diferenciar bem o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e o Direito Internacional Humanitário (DIH), que é algo que sempre causa muitas dúvidas, principalmente pelos nomes parecidos. Descrever também como que ocorre a interação entre eles. A aplicação de um, não exclui necessariamente a do outro. Na próxima aula, complementaremos esta ideia, abordando a aplicação de ambos no âmbito do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Dito isto... Até a próxima aula!
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