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Introdução aos Estudos Históricos Professor Ma. Maria Helena Azevedo Ferreira Diretor Geral Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino e Pós-graduação Daniel de Lima Diretor Administrativo Eduardo Santini Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Jorge Van Dal Coordenador do Núcleo de Pesquisa Victor Biazon Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Projeto Gráfico e Editoração André Oliveira Vaz Revisão Textual Kauê Berto Web Designer Thiago Azenha UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Candido Berthier Fortes, 2177, Centro Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rua Pernambuco, 1.169, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 4 BR-376 , km 102, Saída para Nova Londrina Paranavaí-PR (44) 3045 9898 www.unifatecie.edu.br As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock FICHA CATALOGRÁFICA CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFATECIE. Credenciado pela Portaria N.º 527 de 10 de junho de 2020, publicada no D.O.U. em 15 de junho de 2020. Núcleo de Educação a Distância; FERREIRA, Maria Helena Azevedo. Introdução aos Estudos Históricos. Maria. Helena Azevedo Ferreira. Paranavaí - PR.: UniFatecie, 2020. 115 p. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Zineide Pereira dos Santos. AUTORA Professor Ma. Maria Helena Azevedo Ferreira ● Mestra em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); ● Licenciada em História pela Universidade Estadual de Maringá; Desenvolveu pesquisa em História das Ideias e Crenças. Já atuou na área da educação como professora orientadora em cursos lato-sensu da Unicesumar. Possui expe- riência em faculdades públicas e privadas no âmbito da educação a distância. APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Você deve saber que a História não é um mero exercício de narração dos fatos em ordem cronológica: ela é muito mais que isso. Nesse sentido, a disciplina que será apresentada a você terá o intuito de introduzir alguns métodos, problemáticas e objetos da escrita da História. A disciplina enquanto prática exige que o historiador esteja a par das diversas abordagens históricas, entendendo como estas também são produtos de um desenvolver, para que consiga olhar melhor para o passado. Tendo isso em vista, a primeira unidade visa apresentar os conceitos fundamentais para a escrita da história, que foram selecionados para pensar o objeto principal do historia- dor, passado, por intermédio do seu recurso mais importante: a fonte. Discutiremos também a postura do historiador em relação ao seu objeto de estudo, entendendo as implicações de seu lugar social, ou seja, quais são condicionantes sociais de sua escrita. Ainda nessa unidade, com o intuito de trazer uma reflexão, vamos fazer um diálogo acerca da divisão quadripartida da História. Na segunda unidade, logo no primeiro tópico, haverá uma discussão sobre mito e história, discussão que terá importância para que você entenda as diferentes relações que os seres humanos estabeleciam com o passado e como eles o representavam. Nesse sentido, passaremos pelos primeiros indícios de escrita da História ainda na Antiguidade, ressaltando o papel de alguns pensadores para o desenvolver do campo histórico. Fala- remos também sobre as possibilidades de escrita da história durante o período medieval. Em seguida, na unidade III, abordaremos a escrita da história no século XIX, mo- mento no qual a História procurou se colocar como ciência. Como você poderá visualizar, uma das primeiras investidas da disciplina foi por intermédio do historicismo alemão, movi- mento que “descobriu” a História, fundamentando importantes perspectivas. Apresentare- mos em seguida, a Escola Metódica, que, em um amplo diálogo com as ciências naturais e matemáticas, firmou seu discurso em um caráter objetivo da História e do historiador. Nessa unidade você também vai conhecer o materialismo histórico, importante instrumento para pensar o macro das mudanças históricas, pautadas pela materialidade. Por fim, na última unidade, apresentaremos a Escola dos Annales, movimento bastante influente no Brasil e em outras partes do mundo até os dias atuais. A Escola dos Annales possui, de forma geral, três gerações e uma discutível quarta geração. Co- meçaremos falando dos fundamentos que possibilitaram que Bloch e Febvre fundassem a escola, para que, em seguida, possamos discutir as particularidades de cada geração, também perpassando pela abordagem cultural de Chartier, a qual continua a influenciar as pesquisas de historiadores. Em suma, acreditamos que esse material possa servir de embasamento para a compreensão de demais conteúdos que estão por vir em seu curso. Que você não se esqueça de que todo fato histórico não é construído de forma descompromissada, mas sim, estão ancoradas em métodos, abordagens e lugares sociais. SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 7 Introdução à Prática Historiográfica UNIDADE II ................................................................................................... 32 Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo UNIDADE III .................................................................................................. 55 A Escrita da História no Século XIX UNIDADE IV .................................................................................................. 82 A Escola dos Annales 7 Plano de Estudo: • Conceitos fundamentais para a prática historiográfica; • O ofício do historiador e seus desafios; • O quadripartismo histórico e suas problemáticas. Objetivos de Aprendizagem: • Apresentar os principais parâmetros da escrita da história; • Compreender o trabalho do historiador e suas questões; • Problematizar paradigmas do âmbito da história. UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira 8UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica INTRODUÇÃO Você já parou para pensar como os fatos históricos são construídos e como é o trabalho do historiador? Certamente você deve imaginar que a história não é simplesmente uma narração cronológica que surge do nada. Muito pelo contrário: para fazer história, são instaurados, em primeiro lugar, pressupostos básicos que garantem à disciplina de História legitimidade ao falar do passado. Logo no primeiro tópico, você compreenderá alguns destes pressupostos básicos para historiografia – para escrita da história. Em primeiro lugar, você vai entender o que é história e qual o objetivo central da disciplina. Além disso, vai conhecer um conceito fundamental para a prática historiográfica: o anacronismo, que sempre deve ser evitado pelo historiador. Levando em consideração que a história é uma ciência humana e, por isso, dialoga tanto com a subjetividade do sujeito historiador como com objetividade do método, é preciso estabelecer um diálogo entre estas duas instâncias, subjetividade e objetividade, a fim de explorar suas implicações do trato metodológico. Temas bastante discutidos na história, tais como anacronismo, objetividade e sub- jetividade, trato com o passado e documentos, é que são os vestígios do passado. A partir destes preceitos é que o fazer histórico se torna possível. Tão importante quanto estes conceitos são também o trato com o passado como categoria indelével, o qual o historiador pode apenas se aproximar. Isso se dá a partir do cuidado com os documentos e com as fontes de pesquisa, pedra fundamental para a escrita da história. Como já dissemos, a história é uma ciência humana e isso evoca uma série de problemáticas com relação ao sujeito pesquisador (historiador) com relação ao seu objeto (o passado). Assim, o ofício do historiador e seus desafios são o tema do nosso segundo tópico. Exploraremos a questão do “lugar social” do historiador, como aqueleque condiciona e molda sua visão sobre o passado, bem como voltaremos a discutir a função do historiador na atualidade. 9UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica No último tópico, a fim de fazer com que você pense criticamente com relação à formatação da história, introduziremos a noção de quadripartismo histórico. Essa discussão é importante para que você entenda que a divisão hoje vigente na história não é um dado natural: ela foi construída através de pressupostos eurocêntricos. Por isso, nós como his- toriadores latino-americanos, ou historiadores em formação, precisamos repensar o modo como olhamos para história e como podemos contribuir para nosso próprio lugar social. Esperamos que você aproveite a discussão apresentada nas próximas páginas e que você possa entender que a história é muito mais do que decorar nomes ou datas. Bons estudos! 10UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica 1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA A PRÁTICA HISTORIOGRÁFICA 1.1 Preceitos Básicos do Fazer Historiográfico A História é uma ciência que se desenvolve a partir de uma base sólida de instru- mentos, a partir dos quais torna-se possível o fazer historiográfico, ou seja, a escrita da história. Fazer história, neste sentido, não é apenas reunir um conjunto de fatos históricos e fazer uma narrativa cronológica. Portanto, mais do que narrar fatos, a História está sub- sidiada à teoria e ao método; em outras palavras, a partir do que é possível fazer História e como fazer isso. Antes de tudo, é preciso pensar: o que é efetivamente História? O célebre historia- dor Marc Bloch (2001, p. 52) ponderou que dizer “a História é uma ciência do passado” é uma concepção equivocada. Há, neste sentido, uma história do sistema solar, na medida em que os astros que o compõem nem sempre foram como os vemos. Ela é da alçada da astronomia. Há uma história das erupções vulcânica que é, estou convencido disso, do mais vivo interesse para a física do globo. Ela não pertence à histó- ria (BLOCH, 2001, p. 53). Seguindo o raciocínio de Bloch (2001) do que não é alçada da História, temos pistas do elemento fundamental que constitui a disciplina. Nos exemplos citados falta o que é primordial para a História: o ser humano, sua interferência e ação. A partir disso, para uma definição mais adequada, pode-se dizer que a História é a ciência dos homens no tempo. Fonte: Freepik (2020). 11UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica Mas ela é realmente uma ciência? Essa é uma discussão bem longa, pois desde o século XIX discute-se o lugar da História no rol das ciências. Como veremos mais adiante, foi no século XIX que houve um esforço para organizar um conjunto de métodos de análise dos fatos, bem como delineou-se a postura do historiador, a fim de chegar uma controversa verdade histórica (ZANIRATO, 2011). É claro que as problemáticas e as críticas com relação aos caminhos que a historiografia tomou no passado são presentes até os dias atuais. Ain- da assim, o que Bloch (2001), como defensor ferrenho de novos métodos e caminhos para História em seu tempo nos mostra é que a História não adota uma linguagem equivalente à da matemática e possui um linguagem própria ao lidar com fatos humanos, que exigem outros instrumentos de análise. A intenção do historiador ao analisar o passado é chegar o mais próximo possível do que realmente aconteceu. Mas isso está inevitavelmente ligado ao fato de que é um sujeito do presente olhando para outra época, assim o fazer historiográfico é sempre um olhar do presente para o passado (ZANIRATO, 2011). É comum que uma pessoa do século XXI, ao ter conhecimento, por exemplo, dos hábitos escassos de higiene do período colonial por parte da Corte e da população em geral, fique espantada e os atribua uma série de adjetivos pejorativos. Esse menosprezo e julgamento com relação a esses, com base no olhar de um século que preza por princípios de higiene e sanitarismo, é o que chamamos de anacronismo e é um dos maiores erros do historiador. Nesse sentido, outro renomado historiador, Lucien Febvre (2009, p.33), foi taxativo ao afirmar que o historiador deve evitar o que seria “o pecado entre todos imperdoável: o anacronismo”. Analisar, julgar e verter sobre o passado uma visão advinda do presente é, para este, subverter as concepções da época que está sendo estudada, favorecendo nossos próprios valores, sentimentos, visão de mundo e modos de sentir. Isso seria um obstáculo ao historiador que deseja se aproximar de uma interpretação histórica. A interpretação histórica, como o historiador narra o fato, está sujeita a dois parâme- tros básicos, longamente discutidos pela historiografia: a objetividade e subjetividade. É, segundo Ricoeur (1968), um problema do trato metodológico, ou seja, em como eu, como historiador (a), escolho meus documentos, analiso as informações, interpreto os dados e os narro. Em primeiro lugar, o que é essa objetividade? [...] é objetivo aquilo que o pensamento metódico elaborou, pôs em ordem, compreendeu, e que por essa maneira pode fazer compreender. Isto é exato quanto às ciências físicas quando às ciências biológicas; também é exato quanto à história (RICOEUR, 1968, p. 23). 12UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica Entende-se, portanto, que a objetividade cumpre dentro um de campo científico, critérios validados e legitimados como verdadeiros e eficazes para a produção do conhe- cimento. Sua funcionalidade reside na produção de conhecimento digno de confiança e amparado pela tradição. No âmbito da história, se um (a) historiador (a) toma a observação de um vestígio documental para entender um evento, leva em consideração um princípio fundamentado e reconhecido na história, o de que a disciplina se faz a partir dos vestígios. Este é um princípio pautado em uma premissa objetiva (RICOEUR, 1968). A objetividade é própria ciência histórica. No entanto, está intimamente ligada à subjetividade pertencente ao historiador. É ele quem seleciona os documentos, levanta os questionamentos e traz a narrativa de um modo particular. De uma certa maneira, pode-se dizer que objetividade e subjetividade são inerentes ao fazer historiográfico (RICOEUR, 1968). Por isso, objetividade e subjetividade encontram-se relacionadas, em um primeiro momento, pelo que Ricoeur (1968) chama de “julgamento de importância”. É o historiador quem seleciona o documento, analisa o fato e cria a série de acontecimentos, mas essa se- leção está sempre vinculada a critérios advindos da base teórica sobre a qual o historiador se assenta. Outro aspecto que revela a intersecção entre objetividade e subjetividade é a “distância histórica”. É tarefa da história, como ciência objetiva, falar sobre o “outro”, outro tempo, outros costumes, outras instituições etc. Contudo, como falar do outro ou daquilo que já não mais existe na nossa linguagem contemporânea sem perder o referencial? Cabe aqui a representação do passado, ainda que auxiliado por categorias explicativas, por meio de uma linguagem do presente (RICOEUR, 1968). Por fim, a história é uma ciência que tem como fim último o estudo dos seres humanos. Em suma, a escrita da história envolve o estudo de pessoas por outras pessoas, com características em comuns e isso pode criar uma aproximação por parte do historiador do seu objeto de estudo (RICOEUR, 1968). Até aqui, esperamos que a concepção básica do que é História tenha ficado clara. Assim, partindo da ideia de que a História é uma ciência que tenta compreender cada realidade em seu contexto específico, nos desprendendo de nossas visões de mundo e nos apegando as concepções do “outro” estudado, permeada pela objetividade e pela subjeti- vidade, esperamos que você compreenda, a seguir, um pouco sobre o estudo do passado. 13UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica 1.2 Sobre o Objeto: o Passado A história possui váriosdomínios: História Antiga, História Medieval, História da América, História Política, História das Religiões, História da Alimentação, Teorias da His- tória, apenas para citar alguns. Seja por recorte temporal ou de eixo temático, o que todos eles têm em comum é o estudo do passado – ou mesmo o estudo em como analisar o passado. Mas o que significa estudar o passado? Se o passado conta, é pelo que significa para nós. Ele é produto de nossa memória coletiva, é o seu tecido fundamental [...]. Mas esse passado, próximo ou longínquo, tem sempre um sentido para nós. Ele nos ajuda a compreender melhor a sociedade na qual vivemos hoje, a saber o que defender e preser- var, saber também o que mudar e destruir. A história tem uma relação ativa com o passado. O passado está presente em todas as esferas da vida social (CHESNEAUX, 1995, p. 22). Como já dissemos, a História é a ciência dos homens no tempo. Por isso, o tempo é tão primordial para essa disciplina, mas para o historiador não basta dizer, por exemplo, que entre a ocupação dos portugueses no Brasil, em 1500, e a independência do Brasil, em 1822, passaram-se 322 anos. O que realmente importa é conhecer os mecanismos que fizeram o Brasil abandonar a condição de colônia e proclamar sua independência. Qualquer que seja o tema da pesquisa, por vezes, o (a) historiador (a) na busca de explicações do porquê ou como aquele determinado evento ocorreu, recorre às origens. Porém será que as origens do fenômeno explicam o motivo pelo qual houve o ocorrido? Em nosso exemplo inicial, as origens do Brasil Colonial, com a ocupação dos portugueses, simplesmente explicam o porquê de o Brasil ter se tornado independente séculos mais tar- de? Bloch (2001) adverte sobre os perigos de tomar as origens como causas explicativas: “para o vocabulário corrente, as origens são um começo que explica. Pior ainda: basta para explicar. Aí mora a ambiguidade; aí mora o perigo” (BLOCH, 2001, p. 57). A busca pelas origens, para Bloch (2001), começa a ser orientada também por uma busca de sentido no próprio presente, legítima e atesta um passado um único, que corre de forma linear ao presente. Contudo, a História não funciona assim: o início de um evento não é a explicação deste. A explicação de um fenômeno reside em seu próprio contexto de aparecimento: Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno fora do estudo de seu momento. Isso é verdade para todas as etapas da evolução. Tanto daquela em vivemos como das outras. O provérbio árabe disse antes de nós: “Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais”. Por não ter meditado essa sabedoria oriental, o estudo do passado às vezes caiu em descrédito” (BLOCH, 2001, p. 60). 14UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica Com isso, Bloch (2001) quis dizer que somos produtos da nossa época, assim como nossos antepassados são frutos de seus respectivos contextos e a busca por origens não explica, por si só, o que somos ou que fazemos. Assim, é importante reconhecer, ao tomar um objeto de estudo, as particularidades e as vicissitudes daquele período. Até agora, vimos que para um efetivo estudo do nosso objeto, o passado, não devemos buscar origens como se elas explicassem tudo, mas, sim, precisamos olhar para o próprio contexto, no qual aquele evento ocorreu. Agora, precisamos entender que o pas- sado e a História são diferentes. A História é a ciência que estuda o passado, mas, segundo Bloch (2001), ela não o narra tal como aconteceu: apenas tenta se aproximar. Até porque fazer isso implicaria na busca por uma “verdade” histórica única e imutável e também em uma neutralidade e total perda da subjetividade do (a) historiador (a) ao analisar o fato, o que não pode ocorrer. Ricoeur (1968) bem lembrou que a ideia de “verdade” assenta-se em um ideal intelectual, algo que não pode ser efetivado em sua plenitude. O passado é o legado que serve de base para “a manutenção e a sobrevivência das gerações vindouras” (COELHO; MELO, 2017, p. 213). São valores, passíveis de mu- danças, sobre os quais os seres humanos se comprometem, criando um elo entre presente e passado. Com isso, o passado “[...] não passa de material bruto, um fragmento de fatos mortos, que só nasce com História mediante o trabalho interpretativo dos que debruçam, reflexivamente, sobre ele” (RÜSEN, 2001, p. 68 apud ZANIRATO, 2011, p.15). Assim, o passado só ganha vida a partir de momento em que há o interesse por parte do historiador de analisá-lo no tempo presente. De fato, os historiadores têm um compromisso com a investigação do passado. Os usos do passado por intermédio da memória, especialmente a memória oficial, têm impli- cações no presente. Hobsbawm (2013, p. 11) lembra que “o passado legitima. O passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que come- morar”. Isso quer dizer que a interpretação do passado não é monopólio dos historiadores e as interpretações que se fazem dele para justificar ações e ideologias do presente são comuns na sociedade em geral, mas especialmente problemáticos em governos e regimes que flertam com totalitarismos em um movimento de lembrar e esquecer eventos históricos. A memória tem usos no presente, mas também tem seus abusos. Para Ricoeur (2007), os abusos da memória “resultam de uma manipulação concertada da memória e do esquecimento por detentores de poder” (RICOEUR, 2007, p. 93). Mas como os detentores de poder instrumentalizam a memória e o esquecimento de povo? Basta recordar que 15UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica tanto lembrar como esquecer são dois processos fundamentais para o ser humano. Sem a memória não seríamos capazes de nos reconhecermos como indivíduo e sociedade e sem o esquecimento não seria possível adquirirmos novos conhecimentos e lidarmos com situações conflitantes. Para responder à pergunta inicial, Paul Ricoeur chama atenção para um pré-requisito fundamental: a fragilidade da identidade. Uma sociedade precisa responder à questão “quem somos nós?”. Essa pergunta incide, em primeiro lugar, na delicada relação com a temporalidade: evoca-se uma memória coletiva, com uma análise vinda do presente e com uma projeção do futuro. Em segundo lugar, está o tratamento para com o outro que começa a se constituir como ameaça para o “nós” e para o “eu”; uma ameaça à identidade, tendo como exemplo o fato que muitos não conseguem tolerar modos de viver diferentes e veem seu próprio modo de vida em risco simplesmente pela existência do outro. O terceiro fator para a fragilidade da identidade é que todas as sociedades são constituídas na base da violência. Atos celebrados como marcos históricos são instituídos por meio de guerras e/ou violências por parte do Estado (RICOEUR, 2007). Com base nesses aspectos, Ricoeur (2007) avalia que as manipulações de memó- ria acontecem entre a reivindicação da identidade e as manifestações públicas de memória. Isso faz parte de um processo ideológico que: é opaco por dois motivos. Primeiro, permanece dissimulado [...] é inconfessá- vel, mascara-se ao transformar em denúncia contra os adversários no campo da competição entre ideologias: é sempre o outro que na atola na ideologia” (RICOEUR, 2007, p. 95). De grosso modo, é partir da criação de narrativas, ou seja, da construção de cená- rios nos quais os personagens têm papéis e funções bem delimitadas que uma ideologia pode se utilizar da memória de um povo e também pode engendrar o esquecimento, ao deixar fora da narrativa oficial fatos históricos (RICOEUR, 2007). O historiador deve per- manecer atento aos usos que os detentores do poder fazem das memórias de um povo, como estes constroem suas narrativas e quais são seus interesses. Assim, o compromisso com o tratamento do objeto e a percepção da memória de um povo perpassam também em desconstruir narrativas pré-fabricadas e tomar um posicionamento crítico. Vemos, assim,que a memória apresenta-se como aspecto representativo do pas- sado. Deste modo, ela não é o passado em si, mas um produto das interpretações da sociedade, sujeita a pressões das diferentes esferas que a compõe. A partir disso fica claro que, se tratando da história, não lidamos com a memória de um ou dois indivíduos isolados, 16UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica mas sim de memórias coletivas, sendo possível que a sociedade como um todo tenha memórias compartilhadas. Segundo Ricoeur (2007), categorias patológicas, como o de trauma, por exemplo, que, na psicanálise, ficariam no nível individual, podem ser transpostas para o coletivo: “a noção de objeto perdido encontra uma aplicação direta nas ‘perdas’ que afetam igualmente o poder, o território, as populações que constituem a substância do Estado” (RICOEUR, 2007, p. 92). As memórias coletivas não são as mesmas para todos: o que significou vitória para uma sociedade, pode ter significado humilhação para a outra (RICOEUR, 2007). Dessa maneira, o processo de lembrar cria um vínculo com o presente, assim como o processo de esquecer, de criar novas interpretações da realidade que se evoca ou deixa de evocar e releva muito daquilo como aquela sociedade lida com seu passado. A apreensão do passado é algo complexo, em que historiadores, através da análise das fontes e métodos bem definidos, podem, em suas conclusões, chegar perto de entender determinado evento histórico, ainda que suas hipóteses sempre possam ser contestadas. Por isso, Bloch (2001) sustenta que o historiador não narra o fato tal como se passou. História se faz com base em testemunhos daquilo que o próprio historiador não presenciou; são resquícios e indícios de uma parte do passado e não o passado em si. Nesse sentido, as fontes de pesquisa e sua análise são fundamentais e é isso que veremos a seguir. 1.3 Sobre a Fonte: o Documento Vamos falar de um aspecto fundamental para o fazer historiográfico: a fonte, que é o documento. Toda história produzida dentro das premissas da disciplina, seja narrada nos livros didáticos ou em livros comuns, tem em comum o fato de que um historiador teve acesso a certos documentos e, a partir de um procedimento metodológico, construiu hipóteses em torno desse documento. O trabalho do historiador é investigativo, nasce da curiosidade em entender um fenômeno que permanece na memória coletiva – ou lançar luz sobre algo que está no esquecimento. A busca por fontes e por diferentes documentos que registrem de alguma forma aquele fenômeno é um dos primeiros passos. Na tentativa de tentar entender aquilo que aconteceu, o (a) historiador (a) deve, em sua análise, buscar formas de compreender melhor os resquícios do passado sobre o qual está debruçado: A análise da documentação demanda que o historiador adote procedimentos metodológicos para não incorrer no risco de fazer interpretações do pas- sado que não encontrem correspondência entre o ocorrido e o modo como se registra essa ocorrência é necessário que os historiadores empreguem 17UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica métodos de investigação pertinentes à explicação histórica, que limitem a liberdade interpretativa do historiador e que orientem a investigação. A inves- tigação histórica assim conduzida contribui para uma menor subjetividade na interpretação histórica (ZANIRATO, 2011, p. 21). A partir da citação acima podemos afirmar que a História se faz a partir de docu- mentos, que são as fontes que trazem vestígios do passado. É importantíssimo que você tenha em mente a centralidade do documento para a investigação histórica. Não estamos a falar aqui sobre documento em seu sentido restrito, escrito e oficial, mas sim em uma concepção mais abrangente. Era comum até meados do século XX restringir o documento ao texto e foi apenas na década de 1960, quando houve uma revolução documental, que foi permitido o estudo não apenas decretos oficiais, mas de tudo aquilo relacionado ao estudo das “massas”, como relatos orais, cultura material, músicas, imagens, dentre outros (LE GOFF, 1990). Marrou (1968) explica que documento é todo vestígio sobre o qual se pode retirar informações valiosas para o historiador: Em síntese, tudo aquilo que, na herança subsistente do passado, pode ser interpretado como um indício que revela alguma coisa da presença, da ati- vidade, dos sentimentos, da mentalidade do homem de outrora, entrará em nossa documentação (MARROU, 1968, p. 63). Cada tipo de fonte, seja ela registros oficiais, relatos orais, imagens, interrogatórios etc., suscita problemáticas diferentes. Nesse sentido, Burke (1992) chama a atenção para o fato de historiadores que se debruçam sobre a história do cotidiano, na vida da pessoa comum, têm acesso a um tipo de documento, como um interrogatório, por exemplo, que é um registro extraordinário do indivíduo e o relato por si só não revela seus hábitos cotidia- nos. Nisso, para Burke (1992), reside em ler as fontes nas entrelinhas. SAIBA MAIS A análise documental é, sobretudo, investigativa e as fontes podem revelar uma série de fatos históricos inauditos. Um exemplo disso, foi o método investigativo utilizado pelo historiador Carlo Ginzburg, chamado de paradigma indiciário. O método consiste em perceber os sinais, os detalhes: assim como um perito criminal analisa a cena de um cri- me, o historiador procura construir, através das fontes como vestígios, o quebra-cabeça; assim podemos tangenciar o passado. Fonte: Guinzburg (1989). 18UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica As fotografias, como fontes, também evocam problemas específicos. Até pouco tem- po entendia-se que as fotos eram registro objetivo da realidade, porém é preciso considerar que o fotógrafo escolhe determinados ângulos e persegue a imagem ideal por disposições conscientes e inconscientes. As fotografias, portanto, se colocam como representações da realidade e não como a realidade em si (BURKE, 1992). As fontes documentais são aquelas encontradas em arquivos e que exigem muita dedicação por parte do historiador em procurar e selecionar os documentos relevantes para sua pesquisa. Os arquivos guardam documentos muito antigos e deles podem sair grandes obras. Os arquivos pode ser de diferentes tipos e conter diferentes tipos de documentos como mostra o quadro abaixo: Quadro 1 - Tipos de arquivos e documentos Arquivos Documentos Arquivos do Poder Executivo Correspondência: ofícios e requerimentos Lista nominativas Matrículas de classificações de escravos Listas de qualificação de votantes Documentos de polícia Documentos sobre obras públicas Documentos sobre terras Arquivos do Poder Legislativo Atas Registros Arquivos do Poder Judiciário Inventários e testamentos Processos cíveis Processos crimes Arquivos cartoriais Notas Registro Civil Arquivos eclesiásticos (da Igreja) Registros paroquiais Processos Correspondência Arquivos privados Documentos particulares de indivíduos, fa- mílias, grupos de interesse ou empresas Fonte: Bacellar (2011). Outro suporte documental são as revistas e os jornais, também conhecidos como periódicos. Luca (2011) explica que apenas recentemente é que os periódicos começaram a ser entendidos como fontes, isso porque a história vem de uma tradição que preza pela objetividade, imparcialidade e distância dos fatos ocorridos e os periódicos se revelavam 19UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica um “influxo de interesses, compromissos e paixões. Em vez de permitirem captar o ocorrido, dele forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas” (LUCA, 2011, p.112). A análise dos periódicos deve levar em conta a forma e conteúdo presente, bem como o público consumidor e os idealizadores. Por isso, é importante levar em considera- ção que a imprensa seleciona, estrutura e narra aquilo que julga importante chegar ao leitor, de acordo com seus interesses econômicose políticos. É através da análise do discurso, de ler além do texto escrito, que o historiador deve pautar sua leitura deste tipo de fonte. O pesquisador dos jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o que por si só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coi- sa. Entretanto, ter sido publicado implica atentar para o destaque conferido ao acontecimento, assim como para o local em que se deu a publicação: é muito diverso o peso do que figura na capa de uma revista semanal ou na principal manchete de um grande matutino e o que fica relegado às páginas internas (LUCA, 2011, p. 140, grifo do autor). Qualquer que seja o tipo de documento, que será nossa fonte, este só atinge tal status a partir da escolha do historiador. Le Goff (1990) sugere o trabalho com a noção documento/monumento para explicar a prática investigativa do historiador. Primeiro, vamos a definição de monumento: O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filoló- gicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos [...]. Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc.; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte. O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) (LE GOFF, 1990, p. 536-537). O monumento é a manifestação da memória coletiva. Por exemplo: provavelmente existe algum monumento em sua cidade, ou alguma outra que você conheça, que diga respeito a um determinado fato histórico que se queira lembrar de uma dada forma. Os monumentos não são apenas de ordem física e/ou material, mas também podem se mani- festar para além disso: dizeres comuns, lendas, preces, poemas etc. Isso quer dizer que o monumento é fruto daquilo que a sociedade produziu como memória. A proposta em entender documento como monumento está em compreender que aquilo que o historiador escolhe como fonte de seu trabalho é fruto daquilo que uma dada sociedade quis registrar, lembrar e perpetuar: O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite 20UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa (LE GOFF, 1990, p. 547). Frisamos, portanto, que a noção documento/monumento recai no cuidado que o historiador deve ter ao analisar a sua fonte, compreendendo-a como fruto de seu tempo, de um traço do passado com a intenção de ser preservado. Portanto, vimos que a investigação histórica depende de alguns fatores condi- cionantes, tais como objetividade e subjetividade, do cuidado do historiador com relação ao anacronismo e a centralidade do documento. Esses procedimentos investigativos são essenciais para o exercício idôneo da escrita da história. Ainda assim, os procedimentos em questão estão submetidos à figura do historiador, assunto que trataremos a seguir. 21UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica 2 O OFÍCIO DO HISTORIADOR E SEUS DESAFIOS Na História, bem como nas demais ciências humanas e sociais, existe um paradig- ma que necessita de atenção, pois nessas “a consciência e a razão existem tanto no sujeito quanto no objeto, posto que nelas os seres humanos são tanto sujeito quanto objeto do conhecimento” (CARDOSO; VAINFAS, 2012, p. 1). Como já dissemos, são seres humanos estudando outros seres humanos, sociedades etc., razão pela qual instaura-se a proble- mática do sujeito historiador, tomando como objeto de estudo outros seres humanos, ainda que esses tenham vivido em outro espaço e outro tempo. Marrou (1968), em seu tempo já deixava claro que “a história é, por infortúnio, inseparável do historiador” (MARROU, 1968, p. 41, tradução nossa). Por isso, a discussão incide em quais são as condições e os limites da produção do conhecimento histórico. No trato com o documento, a matéria-prima do historiador, realiza-se primeiro uma crítica externa, separando as informações relevantes de acordo com seu tema de pesquisa de outros assuntos. Depois de ter em mãos os testemunhos que irá utilizar, cabe-lhe a crítica interna e, com isso, alguns questionamentos são levantados: “estes testemunhos podem estar enganados?” ou “eles tinham desejam de enganar-nos?”. Entre o passado e a história, existe a figura do sujeito cognoscente, o historiador, figura sem a qual não haveria história (MARROU, 1968). Na relação entre sujeito e objeto deve ser levado em consideração como se instau- ra a própria prática do sujeito historiador, ou seja, como ele é influenciado por seu “lugar social”: 22UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioe- conômico, política e cultural. Implica um meio de elaboração que circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em fun- ção deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam (CERTEAU, 1982, p. 66-67). Em suma, o local de origem, nacionalidade, a etnia/raça, os interesses políticos, a posição econômica, a religião do historiador, dentre outros aspectos, incidem na escolha das fontes de pesquisa e na interpretação dos fatos históricos. Assim, o lugar social desse acaba se interpondo na investigação do seu objeto. A história da historiografia mostrou que a busca pela objetividade total e pela ver- dade absoluta não pode se concretizar de fato. Discute-se então sobre a subjetividade do historiador subscrita ao seu lugar de pertencimento. O lugar social do historiador constrói o seu centro de referência e delimita o seu tipo de análise (CERTEAU, 1982). Apenas a caráter de exemplo podemos citar um conhecimento que se propagou por muito tempo na academia e nos currículos escolares: o de que o Brasil teria sido “descober- to” pelos portugueses. Mais recentemente aqui no Brasil, com auxílio da arqueologia e de outros suportes documentais, tem se ressaltado a importância de reconhecer a existência dos povos originários, chamados indígenas, como anteriores à chegada do europeu. Esse cenário pode ilustrar dois posicionamentos distintos: o primeiro reconhece que o descobri- mento do ponto de vista europeu, reforçado durante anos nas universidades e escolas, é fruto de um grupo de historiadores comprometidos com essa visão de mundo; o segundo, ao contrário, mostra que um grupo de historiadores, em outro contexto social, que questio- na este ponto de vista europeu. São perspectivas cuja diferença nasce essencialmente do lugar social dos historiadores que interpretaram os documentos e fatos. Assim, o conhecimento histórico é feito de escolhas, ainda que na maioria das vezes sejam inconscientes. Mas qualquer ponto de vista é válido? Um historiador pode se munir de tal subjetividade para justificar qualquer que seja sua interpretação? Certeau (1982) atesta a importância do reconhecimento dos lugares a partir do qual o historiador fala e seus métodos de análise: Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira necessaria- mente limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar (um recru- tamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentosde análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual trata, e que essa realidade pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, “enquanto prática” (CERTEAU, 1982, p. 66). 23UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica Compreender a história como disciplina (com seus métodos específicos), como es- crita (com suas formas literárias que narram o passado) e como prática (como aquela que está intimamente ligada ao historiador e seu contexto) é fundamental para o profissional historiador. Assim, não se pode negar a influência do presente e de aspectos subjetivos do historiador; por isso para esse é preciso reconhecer-se como agente ativo na operação historiográfica. Portanto, é necessário que o historiador reconheça as influências e pressões às quais está submetido. Bem como é fundamental ter ciência de que, ao olhar para o pas- sado, tem-se mente questões e conflitos que são próprios do seu tempo: “[a] História têm como base sua própria época, de forma que, ao dialogar com o passado, ele contemple os embates e as contradições que são próprias do seu presente” (COELHO; MELO, 2017, p. 211). Se a história parte de questões advindas do presente e o historiador está envolvido em seu lugar social, esse profissional teria alguma função na sociedade? Cruz (2011) es- clarece que as funções do historiador foram várias ao longo dos tempos, desde conselheiro de príncipes, educador, defensor da pátria, dentre outros. O autor defende que a principal missão do historiador é fazer despertar a consciência histórica. Para explicar a função do historiador por meio do despertar da consciência históri- ca, Cruz (2011) parte das ideias de Jörn Rüsen, para quem a História se apresenta como um retrato do passado (ainda que, lembre-se, por intermédio do historiador). Por isso, a consciência histórica diz respeito ao passado como experiência para o presente e a aponta para a projeção para o futuro. Assim, o passado através da História não é inerte e articula as noções de passado, presente e futuro para o indivíduo. “A consciência histórica [...] permite aos homens atribuírem sentido a rea- lidade em que vivem, que permite a compreensão das transformações da existência, que permite perceber o tempo como uma dinâmica entre a expe- riência e a expectativa” (CRUZ, 2018, p.13). Nisso, reside a pesada função do historiador perante aos indivíduos e a sociedade. A ponte que se faz entre a investigação histórica e a compreensão pública também está nas mãos do historiador, bem como está nas mãos dos professores de história. O historiador, como membro partícipe da sua sociedade, tem como compromisso reconhecer o seu lugar na escrita, seus condicionamentos, inclinações e limites. Precisa, inclusive, reconhecer-se como agente não apenas produto do seu meio, mas também produtor da sua realidade, que a transforma e que age em favor do bem-estar do “nós” e do “outro”. 24UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica 3 O QUADRIPARTISMO HISTÓRICO E SUAS PROBLEMÁTICAS 3.1 O que é Quadripartismo Histórico? No Brasil, a historiografia está vinculada a tradições específicas que definem o modo como compreendemos a história e como ela é ensinada. Muito dessa tradição está calcada em uma historiografia eurocentrada, especialmente a francesa. Normalmente, boa parte dos currículos mais conservadores adotam a divisão estru- tural: História Antiga, História Medieval, História Moderna e História Contemporânea – uma história quadripartida. Muitas vezes, nos acostumamos com essa divisão e a entendemos como natural, sem sequer percebermos que ela é fruto de um tipo de história que privilegia certos elementos em detrimentos dos demais. O que se aborda em cada uma destas divisões? Quadro 2 - A divisão quadripartida da história História Antiga Compreende a Antiguidade do povo Greco-romano, por vezes faz-se uma abertura para o estudo do Egito Faraôni- co e dos impérios assírios-babilônicos. Vai até a queda do Império Romano no século V. História Medieval Começa a partir da queda do Império Romano e organiza- ção dos povos bárbaros, abarca a Europa ocidental, com leve abertura a entender o Império Bizantino (mais ao leste do continente) e países árabes. Compreende até por volta do século XV, com a chamada expansão marítima. 25UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica História Moderna Está centrada exclusivamente na Europa, contemplando a expansão marítima, se encerrando com Revolução Fran- cesa de 1789. História Contemporânea É única que ultrapassa de fato os limites do continente europeu e concede um lugar para o estudo de Ásia, África e América, muitas vezes essa narrativa acompanha o processo colonial a que estas regiões foram submetidas. Fonte: adaptado de Chesneaux (1995). Você pode perceber, a partir do quadro apresentado, que essa história quadripartite é, sobretudo, uma história do continente europeu, com pouco espaço para demais regiões do planeta. Chesneaux (1995) afirma que essa divisão é fruto de uma concepção francesa, já que em outros países: o passado está organizado de modo diferente, em função de pontos de referências diferentes. [...] Na Grécia, a Antiguidade chega até o século XV, e a ocupação turca corresponde a uma espécie de Idade Média. Na China, a história “moderna” (jindai) vai das guerras do ópio ao movimento patriótico de maio de 1919. Começa com este último a história “contemporânea” (jiandai) (CHESNEAUX, 1995, p. 93). A estrutura em questão define não apenas os currículos da educação básica, mas reverbera nos campos de pesquisa. Assim, é também uma forma de divisão do trabalho intelectual, no qual cada historiador, dentro dessas quatro grandes áreas, se dedica a es- tudar uma região, um país ou um tema específico. Mas também a nível ideológico, procura valorizar o Ocidente em detrimento dos povos não-europeus (CHESNEAUX, 1995). Muitos dos acontecimentos escolhidos como eventos históricos marcantes nada influenciam em outras partes do mundo, mesmo assim são tomados por esta historiografia como cruciais do ponto de vista universal. Cada período guarda em si características exal- tadas pela classe burguesa dirigente, que precisa compor seus valores. A Antiguidade Greco-romana é uma das bases dos valores da cultura burguesa que se instaura na modernidade. Um exemplo disso é que, até pouco tempo, “saber latim e grego era um indício seguro de que se pertencia à classe dirigente” (CHESNEAUX, 1995, p. 95). Já a Idade Média é retratada como essencialmente cristã, que molda os valores de família e de uma civilização cristã, tomada como período intermediário entre os valores da Antiguidade Greco-romana e o alvorecer da Europa moderna. O período seguinte consagra o auge dos “tempos modernos” e escancarou a pre- tensão por parte da classe dirigente em escrever a história da humanidade inteira. A Idade Contemporânea traz em si a história do Ocidente apto a dominar, em uma perspectiva 26UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica colonial, que é o eixo norteador das histórias de África, Ásia e América. Trata-se, no caso do quadripartismo, de uma sequência ideológica imposta como universal. Essa estrutura de desenvolvimento da história conta uma história pré-moldada da civilização europeia como o centro do mundo, pautada em um sentido de progresso, como podemos averiguar abaixo: Imagem 1 - Sequência ideológica da Grécia à Europa Moderna Fonte: Dussel (2005). Dussel (2005) adverte que este esquema tão arraigado em nossa mentalidade é, na verdade, uma “invenção ideológica”. Esta sequência é hoje a tradicional. Ninguém pensa que se trata de uma “invenção” ideológica (que “rapta” a cultura grega como exclusivamente “eu- ropeia” e “ocidental”) e que pretende que desde as épocas grega e romana tais culturas foram o “centro” da história mundial. Esta visão é duplamente falsa: em primeiro lugar,porque, como veremos, faticamente ainda não há uma história mundial (mas histórias justapostas e isoladas: a romana, persa, dos reinos hindus, de Sião, da China, do mundo meso-americano ou inca na América, etc.). Em segundo lugar, porque o lugar geopolítico impede-o de ser o “centro” (o Mar Vermelho ou Antioquia, lugar de término do comércio do Oriente, não são o “centro”, mas o limite ocidental do mercado euro-afro-asiá- tico) (DUSSEL, 2005, p. 27). Pensando dessa maneira, o quadripartismo histórico vem atender demandas es- pecíficas e desconsidera novos modos de organização da história, interferindo em nossos métodos e objetos. Romper com este paradigma é tarefa difícil. Já a colonização aqui na América não trouxe apenas uma nova organização sócio- -político-econômica, mas também empreendeu uma colonização dos saberes e um sufoca- mento das identidades locais e regionais. Se o historiador, em sua prática, precisa cumprir 27UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica a função social de fazer despertar a consciência histórica nos indivíduos, é necessário se empenhar em construir novas narrativas que nos sejam próprias e tenham significação para o lugar social no qual nos encontramos. REFLITA Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão glorificando o caçador (Provérbio Africano). Fonte: Ballestrin (2013). 28UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante essa unidade, você viu alguns temas inerentes à prática da historiografia. Nossa intenção foi oferecer um suporte teórico sobre a escrita da história, para que você entenda o seguinte: os fatos históricos dependem de um árduo trabalho do historiador e isso está ligado a uma tradição, às metodologias específicas e também às visões de mundo que criam a narrativa histórica. Assim, logo de início, oferecemos um panorama geral sobre o teor da disciplina, es- pecificando alguns dos seus objetivos centrais. Discutimos também, um conceito importan- te, o anacronismo, descrevendo-o como uma das principais práticas que o historiador deve evitar. Em seguida, falamos de duas instâncias que estão sempre em qualquer pesquisa histórica: a questão da subjetividade e da objetividade, enquanto elementos partícipes da produção do conhecimento em nosso campo. Para finalizar o primeiro tópico, apresentamos questões inerentes ao objeto, o passado, a fonte e os documentos, como traços essenciais da escrita da história. No segundo tópico nos debruçamos a entender o ofício do historiador, suas espe- cificidades, dado seu campo de conhecimento e seus desafios. Fizemos isso inserindo a noção de “lugar social” enquanto conceito fundamental para compreender as influências que o sujeito sofre em seu meio. Aproveitamos também para falar brevemente sobre a função do historiador em criar uma consciência histórica nos indivíduos e na sociedade como um todo. No terceiro tópico, que teve como intenção fazer uma análise crítica com relação às estruturas no âmbito da história formatadas de acordo com interesses específicos, trou- xemos a noção de quadripartismo histórico. A partir dessa análise, você pôde compreender que, por vezes, é necessário desnaturalizar algumas práticas e entender as origens e as implicações deste posicionamento na história. 29UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica LEITURA COMPLEMENTAR CORRESPONDÊNCIA E DEPOIMENTOS ORAIS: REFLEXÕES A PARTIR DA COMPA- RAÇÃO ENTRE DUAS FONTES DE DADOS PARA O ESTUDO DO PASSADO Alice Beatriz da Silva Gordo Lang Para estudar o passado, recorre o pesquisador a documentos de tipo variado, utilizando certamente técnicas apropriadas a cada um e consistindo sua avaliação numa questão de extrema importância. As reflexões ora apresentadas têm por base resultados de uma pesquisa que, para a obtenção dos dados, fez uso de uma fonte escrita, constituí- da por uma correspondência familiar e de uma fonte oral, representada por depoimentos orais. A comparação entre ambas fornece elementos valiosos para uma discussão sobre as possibilidades, limites, vantagens e desvantagens do emprego de cada uma das fontes utilizadas. Refiro-me à pesquisa Família e Política em São Paulo (1910-1950) que tem por objetivo conhecer como o campo da política era vivenciado por grupos familiares. No foco da análise coloca-se a questão da intersecção e da interação entre os campos da política e da família, considerando campos segundo a perspectiva do sociólogo francês Pierre Bourdieu, como sistemas de relações sociais objetivas, regidos cada qual por sua lógica específica. [...] Foram utilizadas duas fontes de dados: ● Para o estudo das décadas iniciais, 10 e 20, dispunha-se da correspondência de uma família, constituída por centenas de cartas, dando-se especial destaque às cartas da mulher; ● Para o período subsequente, décadas de 30 e 40, foram coletados relatos orais de mulheres de uma classe social semelhante à do grupo familiar estudado através da correspondência e que definimos como uma classe letrada, podendo também ser considerada média-alta, considerando nível de instrução e padrão de vida. As entrevistadas, no entanto, reportam-se sempre a períodos anteriores e, por outro lado, chegam aos dias atuais. A comparação dos resultados obtidos pelas duas fontes, uma escrita e uma oral, versando sobre a vida cotidiana e sobre a vivência de acontecimentos políticos, como exemplifica a Revolta de 1924 em São Paulo por sua referência nos dois tipos de docu- mentação, possibilitou a discussão das próprias fontes utilizadas, colocando-se questões importantes ao pesquisador que trabalha com relatos orais, seja para a reconstrução de 30UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica fatos, seja para estudos sociológicos que visam atingir grupos e as relações sociais que entre estes se estabelecem. Referem-se estas reflexões de modo especial à questão do tempo – o passado e o presente; à fixação na memória dos fatos que rompem o cotidiano; ao processo seletivo do memorizar e do rememorar. 1) Correspondência: o estudo das relações família e política nas décadas de 10 e 20 tem por base, a análise da correspondência de uma família e, de modo especial, as Cartas de Eugênia. Eugênia, paulista, filha de um advogado e Professor da Faculdade de Direito, nasceu em 1878. Em 1904 casou-se com Otávio, político paulista de destacada atuação como deputado e depois como senador federal; Eugênia era uma dona de casa, mãe de cinco filhos. A residência do casal era em São Paulo, mas Otávio passava grande parte do ano no Rio de Janeiro onde funcionava o Congresso Nacional. Às vezes Eugênia acompanhava Otávio no Rio de Janeiro, onde ele morava em um hotel, como ocorria com quase todos os políticos de outros Estados. Estando Otávio no Rio e Eugênia em São Paulo, o casal se correspondia quase que diariamente, tendo-se conservado um total de 1335 cartas escritas entre 1910 a 1929, quando Otávio faleceu vítima de um desastre. Trata-se então de, com base na correspondência familiar e através dela, apreender o cotidiano familiar e o reflexo, o significado e a vivência dos acontecimentos políticos pelo grupo familiar. As referências aqui apresentadas reportam-se de modo especial às cartas de Eugênia, que têm nas de Otávio seu contraponto. 2) Depoimentos orais: para o estudo das décadas subsequentes, não se dispondo de fonte equivalente à utilizada para o estudo do primeiro período, recorreu-se a relatos orais. Foram coletados dezesseis relatos de mulheres que viveram em São Paulo no período, mulheres de extração social semelhante à da famí- lia considerada no período anterior. Procura-se, através dos relatos, captar a vivência cotidiano e a vivência de fatos políticos. Considera-se depoimento o relato que versa sobre um tópico específico. [...] Nos depoimentos, está presente um crivo seletivo que já teria atuado na memoriza- ção e que se faz sentir na própria rememoração.Há uma reelaboração do passado mediada pelos valores atuais do depoente, que é muito nítida. Estas duas fontes – correspondências e depoimentos de grande riqueza para o conhecimento do passado – revelam, na vivência do cotidiano e de acontecimentos, a dimensão do privado, da vivência a nível pessoal, a nível dos grupos primários. Leia o artigo completo em: http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/view/18669/20732. http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/view/18669/20732 31UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: O Queijo e os Vermes: O Cotidiano e as Ideias de um Mo- leiro Perseguido pela Inquisição Autor: Carlo Ginzburg Editora: Companhia das Letras Sinopse: ao pesquisar julgamentos inquisitoriais, o historiador Carlo Ginzburg deparou-se com um excepcionalmente detalhado. Tratava-se do depoimento de um moleiro do norte da Itália, que no século XVI ousará afirmar que o mundo tinha origem na putre- fação. Graças ao fascínio dos inquisidores pelas crenças desse moleiro, Ginzburg pôde reconstituir a trajetória de Menocchio num texto claro e atraente, e desembocar em uma hipótese geral sobre a cultura popular da Europa pré-industrial. Link: https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bol- so-205071/p FILME/VÍDEO Título: Cidades Fantasmas Ano: 2017 Sinopse: o documentário passeia por quatro localidades diferentes no deserto chileno, na Amazônia brasileira, nos Andes colombianos e no Pampa argentino. O que estes lugares têm em comum é que eles abrigam cidades fantasmas, que outrora já tiveram vida ativa. Estas histórias só podem ser contadas através dos meandros da memória de seus antigos moradores. https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bolso-205071/p https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bolso-205071/p 32 Plano de Estudo: • Mito e História; • Concepções sobre História na Antiguidade; • Concepções sobre História no Medievo. Objetivos de Aprendizagem: • Articular e diferenciar as apreensões de mito e história; • Reconhecer a escrita historiográfica na Antiguidade; • Compreender a escrita da história no período medieval. UNIDADE II Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira 33UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas INTRODUÇÃO Como qualquer outro fato, evento ou disciplina, a escrita da história possui uma historicidade. Há muito tempo que os seres humanos olham para o passado e trazem signi- ficados importantes para seu viver no presente. Isso não quer dizer que a história, tal como a conhecemos hoje, com seus métodos, objetos e fontes, sempre tenha existido, mas sim que os povos que nos sucederam lidaram com formas específicas com o seu passado. Ainda nas primeiras formas de organização de sociedade, é possível ver alguns recursos que eram utilizados pelos arcaicos. Os mitos, neste sentido, se mostravam como narrativa possível de um passado fabuloso e primordial. Mas esse passado não estava inerte e perdido em algum ponto de outrora: ele se fazia presente e de forma cotidiana para os membros das civilizações tradicionais e isso era possível por meio da reatualização do mito. É sobre essa dinâmica das sociedades ditas primitivas que você contemplará no primeiro tópico de nossa unidade. Em continuação, você perceberá que é na Antiguidade quando vão surgir os primei- ros pensadores preocupados em olhar para o passado e sistematizá-lo. O grego Heródoto, nesse sentido, foi considerado o “pai da história”, pois mesmo em uma sociedade na qual a explicação mítica predominava, trouxe os seres humanos como agentes próprios de sua história, além de ter fundamentado a ideia de diferença entre os povos. Outros pensadores helenos e romanos contribuíram significativamente para a escrita da história durante toda a Antiguidade clássica e vão fornecer as bases para a historiografia ocidental. No terceiro e último tópico, vamos nos debruçar pela escrita da história no período medieval. Certamente, o medievo esteve marcado pelo jugo moral, econômico, político, religioso da Igreja Católica e isso não poderia deixar de se reverberar na escrita da história. Vamos ver que o ser humano vai ocupar um lugar secundário com relação aos desígnios divinos. Observaremos também que a noção de temporalidade será radicalmente modifi- cada. Bons Estudos! 34UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas 1 MITO E HISTÓRIA Você viu na unidade anterior que a escrita da história tem uma função explicativa para o tempo presente. A história, através de seus métodos e práticas, busca delinear narrativas sobre o passado cientificamente validadas e que, muitas vezes, estão de acordo com as demandas específicas de nossa época, com o lugar social do historiador e com as possibilidades que a memória coletiva nos impõe. O ser humano, em geral, sempre lidou com o passado de uma forma significativa para em seu presente, se hoje a história lida com a memória através de olhar crítico e com base em documentos, as civilizações tradicionais, ditas primitivas, ressignifcavam o passado por meio dos mitos e eles foram e ainda são, de alguma forma, essenciais para a construção das sociedades. Normalmente, quando ouvimos a palavra “mito” a entendemos como sinônimo de lenda, fábula ou mesmo inverdade e essa nossa construção imaginária em torno do termo também foi construída historicamente. Eliade (2013) relata que o estudo dos mitos, desde meados do século XX, tem sido sensivelmente diferente do que era estudado no século XIX, período no qual reforçou-se a ideia de que a narrativa mitológica dos povos “primitivos” estudados era essencialmente falsa. No entanto, caro (a) estudante, gostaríamos de cha- mar atenção para a seguinte situação: a tal ideia de falsidade também estava fatalmente arraigada aos valores eurocêntricos dos pesquisadores do século XIX, que ao entender-se e entender seu próprio lugar social como produtor de verdades, olhava para o outro, para a construção de realidade do outro como falsa. 35UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas Eliade (2013) propõe que, ao olharmos para as narrativas míticas, em um exercício de alteridade – reconhecimento da singularidade do outro –, olhemos para os mitos como “histórias verdadeiras”. Mas o que se define como mito? Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobre- naturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do “sobrenatural”) no Mundo (ELIADE, 2013, p. 9). A partir da citação acima podemos resumir algumas características básicas dos mitos: ● Narram uma cosmogonia, ou seja, o início de algo (por exemplo: início do pla- neta terra, princípio de alguma atividade, surgimento dos seres humanos etc.); ● Dizem respeito a um tempo mítico, que não obedece aos mesmos padrões do tempo profano e cotidiano; ● São essencialmente histórias sagradas, envolvendo entes sobrenaturais e suas ações; ● Estão sempre ligados à questão “criadora” e “sobrenatural” para explicar a vida terrena. Um mito pode contar diversas histórias, como o exemplo a seguir, de um mito cosmogônico da região do Tibet, que busca explicar a origem sagrada das dinastias reais tibetanas: Da essência dos cinco elementos primordiais,nasceu um grande ovo... De- zoito ovos saíram da gema desse ovo. O ovo do meio, dentre os dezoito ovos, um ovo concóide, separou-se dos demais. Esse ovo concóide desenvolveu membros, e depois os cinco sentidos, tudo perfeito, convertendo-se num jovem de tão extraordinária beleza, que parecia a concretização de todos os desejos (yid la smon). Por isso, foi chamado de rei Ye-smon. A rainha Tchu- -lchag, sua esposa, deu à luz um filho, capaz de se transformar por meio de magia, Dbang-ldan (MACDONALD, 1959, p.428 apud ELIADE, 2013, p. 20). Não nos cabe julgar a veracidade de uma narrativa mitológica, pois, para aquelas sociedades, o mito conta uma história real e esta história incide no modo de organização daquela comunidade. Eliade (2013) afirma que a principal função do mito é mostrar modelos exemplares, sobre os quais todas as atividades humanas significativas devem se pautar: a alimentação, o trabalho, o casamento, a iniciação, a educação, dentre outros. Em muitas 36UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas tribos, os mitos não são contados diante de mulheres ou crianças, ou mesmo perante a não-iniciados, mesmo assim faz parte da memória coletiva daqueles povos e “é transmitida de uma geração para a outra, em parte através do processo comum da vida em sociedade, sem nenhum esforço consciente de ninguém” (FINLEY, 1989, p. 20). Eliade (2013) aponta que os mitos nas civilizações “primitivas” exprimem e codi- ficam a crença. Além disso, impõem os princípios morais, garantem a eficácia do ritual e também fornecem regras práticas de conduta. Podemos considerar, portanto, o mito como vital para a civilização humana e não apenas uma fábula ou algo a ser desmerecido, pois, codifica a religião primitiva e a vida cotidiana, os trabalhos e o destino da humanidade. Assim, o mito é vivido, ou seja, não há uma dissociação das narrativas do passado de caráter sagrado com o modo de viver da sociedade. É importante lembrar, no entanto, que a vivência do mito está intrinsecamente ligada aos ritos, ou seja, momentos nos quais o mito é reatualizado, lembrado de determinada forma em tempos específicos. Para as so- ciedades tradicionais, é necessário sempre reviver o mito por intermédio do rito, momento no qual os homens imitam os deuses ou entes sobrenaturais. […] o essencial consiste em evocar periodicamente o acontecimento pri- mordial que fundou a condição humana atual. Toda a sua vida religiosa é uma comemoração, uma rememoração. A recordação reatualizada por ritos […] desempenha um papel decisivo: o homem deve evitar cuidadosamente esquecer o que se passou. [...] A memória pessoal não entra em jogo: o que conta é rememorar o acontecimento mítico, o único digno de interesse, por- que é o único criador. É ao mito primordial que cabe conservar a verdadeira história, a história da condição humana: é nele que é preciso procurar e reen- contrar os princípios e os paradigmas de toda conduta (ELIADE, 1992, p. 53). A vida daquela sociedade é regida por rememoração dos mitos por intermédio dos ritos. Eliade (1992) exemplifica a seguinte situação em uma dada sociedade tradicional: uma jovem, em sua menarca, é impelida a ficar retida em uma cabana escura por três dias, sem falar com ninguém. Ela faz isso porque a narrativa mítica que diz que um ser divino, identificado como uma jovem, ao ser morto, foi transformado na Lua e permanece três dias nas trevas. É importante, portanto, que a jovem siga esta narrativa mítica, caso contrário torna-se culpada do esquecimento de um acontecimento considerado primordial. Por mais que estas narrativas míticas não encontrem mais sentido na sociedade moderna que vivemos hoje, é importante notar que a percepção sobre o passado na forma de narrativa mítica constituía a vivência das sociedades consideradas primitivas. Finley (1989) comenta que a história, quando ela começou a se delinear, estava imersa em um mar de mitos; na verdade, os chamados “pais da história” trabalhavam a partir destes, sendo o passado uma massa desconexa de fatos. 37UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas Por isso, é preciso afirmar que, muito antes de a história se constituir como ciência, o mito deu uma resposta. O mito organizava o passado e essa era uma de suas funções, quando ele selecionava e revivia aspectos dele, significava o presente e todas estas narrati- vas eram tomadas como literalmente verdadeiras (FINLEY, 1989). Ainda assim, havia entre os “primitivos” a distinção entre “histórias verdadeiras” e “histórias falsas”. As histórias ver- dadeiras, como já dissemos, são de caráter sagrado, se assentando num passado distante e fabuloso, enquanto as histórias falsas, caracterizadas por contos, envolvem personagens profanos, sendo pertencentes ao mundo cotidiano (ELIADE, 2013). Em suma, podemos dizer que os mitos: 1) [constituem] a História dos atos dos Entes Sobrenaturais; 2) que essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a reali- dades) e sagrada (porque é a obra dos Entes Sobrenaturais); 3) que o mito se refere sempre a uma “criação”, contando como algo veio à existência, ou como um padrão de comportamento, uma instituição, uma maneira de trabalhar foram estabelecidos; essa a razão pela qual os mitos constituem Os paradigmas de todos os atos humanos significativos; 4) que, conhecendo o mito, conhece-se a “origem” das coisas, chegando-se, consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento “exterior”, “abstrato”, mas de um conhecimento que é “vivido” ritualmente, seja narrando cerimonialmente o mito, seja efetuando o ritual ao qual ele serve de justificação; 5) que de uma maneira ou de outra, “vive-se” o mito, no sentido de que se é impregnado pelo poder sagrado e exaltante dos eventos rememorados ou reatualizados (ELIADE, 2013, p. 18). A relação que as sociedades arcaicas desenvolveram com o passado é completa- mente diferente da nossa, mas guarda similitudes, já que os mitos não explicam apenas a origem do mundo, dos homens, das plantas e dos animais, sendo eles um artifício que explica como o ser humano se constituiu no que é hoje (ELIADE, 2013). A História que inte- ressa para o homem destas sociedades é apenas a história sagrada. Ele se constitui dela, enquanto o homem moderno, ao contrário, se vê como fruto unicamente da história profana (ELIADE, 1992). Dessa forma, “assim como o homem moderno se considera constituído pela História, o homem das sociedades arcaicas se proclama o resultado de um certo número de eventos míticos” (ELIADE, 2013, p. 13). Há também uma diferença fundamental entre homem moderno e o das sociedades arcaicas: o primeiro não se sente obrigado a conhecer a totalidade da sua história, ao passo que o homem arcaico não apenas deve conhecê-la em sua totalidade, mas também deve relembrá-la por meio dos ritos. O passado por intermédio dos mitos acompanha também, para as sociedades arcaicas, um conhecimento mágico-religioso. Assim, conhecer a origem de uma planta, animal etc., significa adquirir um poder mágico sobre eles, ou seja, dominá-los e utilizá-los para os fins que se deseja (ELIADE, 2013). Para os gregos também o mito era fundamental 38UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas para as questões do espírito, pois “com ele, aprendiam moralidade e conduta; as virtudes da nobreza [...] e ainda sobre raça, cultura e ainda sobre política” (FINLEY, 1989, p. 6). Nas narrativas das sociedades arcaicas, o tempo obedece a outro ritmo: ele é cíclico ou, nas palavras de Eliade (1992), é caracterizado por um “eterno retorno”. Em consequên- cia disso, os mitos vão contar a história infindável de criação, destruição, criação e assim por diante. Isso foi visto nas culturas da Índia, Grécia e em outras sociedades paleorientais. Porém, o sentido de tempo é transfigurado em algumas civilizações, calcadas em outros tipos de religiões, como é o caso do judaísmo,para o qual o tempo não é cíclico, mas possui início e terá um fim. Já com o cristianismo, o tempo histórico adquire outra forma, já não se vangloria o tempo mítico como primordial, mas toma-se a narrativa histórica dos evangelhos. Marca-se, então, uma diferença importante na concepção de tempo após o advento do cristianismo: Quando um cristão de nossos dias participa do Tempo litúrgico, volta a unir se ao illud tempus em que Jesus vivera, agonizara e ressuscitara – mas já não se trata de um Tempo mítico, mas do Tempo em que Pôncio Pilatos governava a Judeia. Para o cristão, também o calendário sagrado repete indefinidamente os mesmos acontecimentos da existência do Cristo, mas esses acontecimentos desenrolaram-se na História: já não são fatos que se passaram na origem do Tempo, “no começo” (ELIADE, 1992, p. 58) Entre história, tal como ela se constitui hoje, e os mitos há diferenças marcantes no olhar para o passado, ainda que, em aspectos muito específicos, guarde similitudes, as quais não iremos explorar neste momento. Se as sociedades arcaicas tendiam a ressig- nificar o passado, especialmente o primordial, como modelo explicativo, essencialmente sagrado e total, na contemporaneidade entendemos a história de maneira fragmentária e nos desligamos de seu sentido sagrado em um movimento de dessacralização. É importan- te entender, entretanto, que as narrativas míticas, por mais que sejam traço marcante das sociedades arcaicas, não foram abolidas na sociedade moderna. Os mitos não necessaria- mente morrem, mas adquirem outras roupagens, ainda que haja um movimento consciente por parte de uma ciência “esclarecida” que nega quaisquer influências destes em nossos tempos. Portanto, frisamos que a escrita da história, ou melhor, o olhar para o passado, não obedece uma linha evolutiva de melhora; como já dissemos, a produção de uma dada sociedade deve ser vista de acordo com seus próprios parâmetros. 39UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas 2 CONCEPÇÕES SOBRE HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE A história da historiografia marca alguns episódios, lugares e personagens conside- rados essenciais para o desenvolvimento da disciplina. Ainda assim, antes de começarmos, é preciso advertir que a narrativa a seguir está ancorada em uma perspectiva ocidental da escrita da história e não coloca os personagens, fatos e contextos em posição de universa- lidade, mas compreende a importância de determinadas correntes para a formação do que hoje se compreende ser de suma importância estudar em nosso campo de conhecimento. Por isso, é necessário reconhecer a influência de determinados pensadores para a consti- tuição de determinada tradição histórica. Considera-se que a História tenha surgido por meio de Heródoto, que mais tarde ganhou o título de “pai da História”. Heródoto viveu no século V a.C. em Halicarnasso, região hoje chamada de Turquia. Porém, ele peregrinou por várias regiões, como o Egito (antes Kemet), Fenícia, a Trácia, a Grécia continental e o norte da África. É importante frisar que Heródoto, em sua vivência em Atenas, inseriu-se no contexto do nascimento não apenas da história, mas também da geografia, do direito, da medicina, dentre outros (EYLER, 2012). Atenas, uma das polis gregas, vivia uma atmosfera de novos pensadores que se desligavam do caráter mítico-explicativo que estava nas mãos dos adivinhos ou “mestres da verdade”. Assim, buscava-se outra forma de relação com o meio, com o presente, com as palavras e as coisas. A dessacralização da explicação do ser atesta a construção do mundo propriamente humano, “o que necessariamente altera as relações deste com as 40UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas divindades, com a percepção de tempo” (EYLER, 2012, p. 13). O surgimento da história se encontrou, portanto, fortemente ancorado na perspectiva da construção do que deveria ser lembrado sob a ótica humana e não mais dos deuses e entes sobrenaturais (EYLER, 2012). Heródoto, inserido neste contexto, escreve História (este é o nome da obra), no intuito de narrar as Guerras Médicas, que envolveram gregos e bárbaros. Diferentemente das epopeias homéricas, que colocavam deuses contracenando com homens para narrar o mesmo conflito, Heródoto ainda traz a figura dos deuses, mas com certo constrangimento. Já o eixo central da sua obra é explicar, do ponto de vista humano, como os homens bri- gavam entre si e como se podia empreender uma investigação para analisar determinado fato (EYLER, 2012). Com Heródoto são evidenciados alguns valores da investigação histórica. Ele esforça-se para rememorar as possíveis causas das guerras, colhendo depoimentos de diferentes povos e reconhecendo as diferenças destes testemunhos por conta da cultura de cada. O pensador não se desfaz completamente do passado mítico grego, mas “lida de modo distinto com os mitos na medida em que a veracidade de sua História dependia da criação de um método humano através do qual ele pudesse controlar o valor das fontes que recolhia e colocava diante dos seus olhos” (EYLER, 2012, p. 16). Em seus escritos encontra-se a preocupação em registrar grandes feitos, para que estes não fossem varridos da memória. Heródoto também trouxe novas perspectivas sobre o espaço e o tempo, categorias fundamentais para a história. Se para os antigos o tempo era algo objetivo e natural, pertencente à natureza, e o lugar dizia respeito às coisas que ali habitavam, para Heródoto, que andou por diversas culturas coletando relatos estranhos ao mundo grego, tempo e lugar adquiriam contornos plurais e estavam condicionados a cada sociedade (EYLER, 2012). Heródoto concede espaço às questões humanas: Pela primeira vez, aparece a necessidade de os homens lutarem com suas próprias armas contra o esquecimento (léthes). A história inaugura, de modo crítico e metódico, uma nova forma de garantir uma verdade (aletheia) que não mais depende da autoridade das Musas e dos poetas em sua transmis- são (EYLER, 2012, p. 22). É possível dizer, portanto, que Heródoto inaugura um novo modo de pensar. Além de conceder espaço para o tempo humano em narrativa, ele empreende um novo método a partir de pesquisas cosmológicas, geográficas e etnográficas. Dessa maneira, a escrita da história em Heródoto significa “pesquisa” e “investigação” e isso se vê quando este se propõe a analisar a guerra entre os gregos e os persas. Sua investigação está pautada em 41UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas eventos recentes, diferindo das narrativas mitológicas que atestam um tempo longínquo, ainda que o pensador precise regressar um pouco no tempo para buscar as causas daquilo que narra. Assim, A escrita da história em Heródoto dispõe de um modo de conhecimento apropriado que combina três operações intelectuais: refletir sobre os casos presentes, compará-los com os casos passados que oferecem circunstân- cias análogas, tirar conclusões que permitam prever como algo vai evoluir (EYLER, 2012, p. 36-37). Ainda assim, é importante salientar que, na sociedade helênica (grega), enxer- gamos a passagem do mythos para o logos, ou seja, da explicação mítica pela razão, no contexto do nascimento da filosofia. Heródoto, apesar de se pautar pela racionalidade, não evitava totalmente a presença das crenças em sua narrativa como interventoras na ação humana, mas a presença divina se manifestava apenas ao final de uma longa cadeia de eventos geridas pelos seres humanos (EYLER, 2012). Por mais que por vezes haja esse diálogo com o mito, Nas Histórias de Heródoto, mythos aparece pouco, ele mesmo diz escrever logoi, ou seja, relatos que eram investigações em forma de pesquisa e ao mesmo tempo se nega a narrar logoi sagrados. Para ele, mythos não era uma verdade revelada a iniciados e sim uma opinião cujo dizer se dava em plena luz do dia, mas que era insensato ou absurdo simplesmente por ser incrível (EYLER, 2012, p. 25).
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