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APOSTILA - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS

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Prévia do material em texto

Introdução aos 
Estudos Históricos
Professor Ma. Maria Helena Azevedo Ferreira
Diretor Geral 
Gilmar de Oliveira
Diretor de Ensino e Pós-graduação
Daniel de Lima
Diretor Administrativo 
Eduardo Santini
Coordenador NEAD - Núcleo
de Educação a Distância
Jorge Van Dal
Coordenador do Núcleo de Pesquisa
Victor Biazon
Secretário Acadêmico
Tiago Pereira da Silva
Projeto Gráfico e Editoração
André Oliveira Vaz
Revisão Textual
Kauê Berto
Web Designer
Thiago Azenha
UNIFATECIE Unidade 1
Rua Getúlio Vargas, 333,
Centro, Paranavaí-PR
(44) 3045 9898
UNIFATECIE Unidade 2
Rua Candido Berthier
Fortes, 2177, Centro
Paranavaí-PR
(44) 3045 9898
UNIFATECIE Unidade 3
Rua Pernambuco, 1.169,
Centro, Paranavaí-PR
(44) 3045 9898
UNIFATECIE Unidade 4
BR-376 , km 102, 
Saída para Nova Londrina
Paranavaí-PR
(44) 3045 9898
www.unifatecie.edu.br
As imagens utilizadas neste 
livro foram obtidas a partir
do site ShutterStock
FICHA CATALOGRÁFICA
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFATECIE. 
Credenciado pela Portaria N.º 527 de 10 de junho de 2020, 
publicada no D.O.U. em 15 de junho de 2020.
Núcleo de Educação a Distância;
FERREIRA, Maria Helena Azevedo.
Introdução aos Estudos Históricos.
Maria. Helena Azevedo Ferreira.
Paranavaí - PR.: UniFatecie, 2020. 115 p.
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária
Zineide Pereira dos Santos.
AUTORA
Professor Ma. Maria Helena Azevedo Ferreira
●	 Mestra em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); 
●	 Licenciada em História pela Universidade Estadual de Maringá;
Desenvolveu pesquisa em História das Ideias e Crenças. Já atuou na área da 
educação como professora orientadora em cursos lato-sensu da Unicesumar. Possui expe-
riência em faculdades públicas e privadas no âmbito da educação a distância.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL
Você deve saber que a História não é um mero exercício de narração dos fatos 
em ordem cronológica: ela é muito mais que isso. Nesse sentido, a disciplina que será 
apresentada a você terá o intuito de introduzir alguns métodos, problemáticas e objetos 
da escrita da História. A disciplina enquanto prática exige que o historiador esteja a par 
das diversas abordagens históricas, entendendo como estas também são produtos de um 
desenvolver, para que consiga olhar melhor para o passado. 
Tendo isso em vista, a primeira unidade visa apresentar os conceitos fundamentais 
para a escrita da história, que foram selecionados para pensar o objeto principal do historia-
dor, passado, por intermédio do seu recurso mais importante: a fonte. Discutiremos também 
a postura do historiador em relação ao seu objeto de estudo, entendendo as implicações 
de seu lugar social, ou seja, quais são condicionantes sociais de sua escrita. Ainda nessa 
unidade,	com	o	intuito	de	trazer	uma	reflexão,	vamos	fazer	um	diálogo	acerca	da	divisão	
quadripartida da História. 
Na segunda unidade, logo no primeiro tópico, haverá uma discussão sobre mito 
e história, discussão que terá importância para que você entenda as diferentes relações 
que os seres humanos estabeleciam com o passado e como eles o representavam. Nesse 
sentido, passaremos pelos primeiros indícios de escrita da História ainda na Antiguidade, 
ressaltando o papel de alguns pensadores para o desenvolver do campo histórico. Fala-
remos também sobre as possibilidades de escrita da história durante o período medieval. 
Em seguida, na unidade III, abordaremos a escrita da história no século XIX, mo-
mento no qual a História procurou se colocar como ciência. Como você poderá visualizar, 
uma das primeiras investidas da disciplina foi por intermédio do historicismo alemão, movi-
mento que “descobriu” a História, fundamentando importantes perspectivas. Apresentare-
mos em seguida, a Escola Metódica, que, em um amplo diálogo com as ciências naturais 
e	matemáticas,	firmou	seu	discurso	em	um	caráter	objetivo	da	História	e	do	historiador.	
Nessa unidade você também vai conhecer o materialismo histórico, importante instrumento 
para pensar o macro das mudanças históricas, pautadas pela materialidade. 
Por	 fim,	 na	 última	 unidade,	 apresentaremos	 a	 Escola	 dos	Annales,	 movimento	
bastante	 influente	 no	Brasil	 e	 em	 outras	 partes	 do	mundo	 até	 os	 dias	 atuais.	A	Escola	
dos Annales possui, de forma geral, três gerações e uma discutível quarta geração. Co-
meçaremos falando dos fundamentos que possibilitaram que Bloch e Febvre fundassem 
a escola, para que, em seguida, possamos discutir as particularidades de cada geração, 
também	perpassando	pela	abordagem	cultural	de	Chartier,	a	qual	continua	a	influenciar	as	
pesquisas de historiadores. 
Em suma, acreditamos que esse material possa servir de embasamento para a 
compreensão de demais conteúdos que estão por vir em seu curso. Que você não se 
esqueça de que todo fato histórico não é construído de forma descompromissada, mas sim, 
estão ancoradas em métodos, abordagens e lugares sociais.
SUMÁRIO
UNIDADE I ...................................................................................................... 7
Introdução à Prática Historiográfica
UNIDADE II ................................................................................................... 32
Concepções Sobre História na Antiguidade e no Medievo
UNIDADE III .................................................................................................. 55
A Escrita da História no Século XIX
UNIDADE IV .................................................................................................. 82
A Escola dos Annales
7
Plano de Estudo:
• Conceitos	fundamentais	para	a	prática	historiográfica;
• O	ofício	do	historiador	e	seus	desafios;
• O quadripartismo histórico e suas problemáticas.
Objetivos de Aprendizagem:
• Apresentar os principais parâmetros da escrita da história;
• Compreender o trabalho do historiador e suas questões;
• Problematizar paradigmas do âmbito da história.
UNIDADE I
Introdução à Prática Historiográfica
Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira
8UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
INTRODUÇÃO
Você já parou para pensar como os fatos históricos são construídos e como é o 
trabalho do historiador? Certamente você deve imaginar que a história não é simplesmente 
uma narração cronológica que surge do nada. Muito pelo contrário: para fazer história, são 
instaurados, em primeiro lugar, pressupostos básicos que garantem à disciplina de História 
legitimidade ao falar do passado. 
Logo no primeiro tópico, você compreenderá alguns destes pressupostos básicos 
para	historiografia	–	para	escrita	da	história.	Em	primeiro	 lugar,	você	vai	entender	o	que	
é história e qual o objetivo central da disciplina. Além disso, vai conhecer um conceito 
fundamental	para	a	prática	historiográfica:	o	anacronismo,	que	sempre	deve	ser	evitado	
pelo historiador. Levando em consideração que a história é uma ciência humana e, por isso, 
dialoga tanto com a subjetividade do sujeito historiador como com objetividade do método, 
é preciso estabelecer um diálogo entre estas duas instâncias, subjetividade e objetividade, 
a	fim	de	explorar	suas	implicações	do	trato	metodológico.	
Temas bastante discutidos na história, tais como anacronismo, objetividade e sub-
jetividade, trato com o passado e documentos, é que são os vestígios do passado. A partir 
destes preceitos é que o fazer histórico se torna possível. Tão importante quanto estes 
conceitos são também o trato com o passado como categoria indelével, o qual o historiador 
pode apenas se aproximar. Isso se dá a partir do cuidado com os documentos e com as 
fontes de pesquisa, pedra fundamental para a escrita da história. 
Como já dissemos, a história é uma ciência humana e isso evoca uma série de 
problemáticas com relação ao sujeito pesquisador (historiador) com relação ao seu objeto 
(o passado). Assim, o ofício do historiador	e	seus	desafios	são	o	tema	do	nosso	segundo	
tópico. Exploraremos a questão do “lugar social” do historiador, como aqueleque condiciona 
e molda sua visão sobre o passado, bem como voltaremos a discutir a função do historiador 
na atualidade. 
9UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
No	último	tópico,	a	fim	de	fazer	com	que	você	pense	criticamente	com	relação	à	
formatação da história, introduziremos a noção de quadripartismo histórico. Essa discussão 
é importante para que você entenda que a divisão hoje vigente na história não é um dado 
natural: ela foi construída através de pressupostos eurocêntricos. Por isso, nós como his-
toriadores latino-americanos, ou historiadores em formação, precisamos repensar o modo 
como olhamos para história e como podemos contribuir para nosso próprio lugar social. 
Esperamos que você aproveite a discussão apresentada nas próximas páginas e 
que você possa entender que a história é muito mais do que decorar nomes ou datas. 
Bons estudos!
10UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA A PRÁTICA HISTORIOGRÁFICA
1.1 Preceitos Básicos do Fazer Historiográfico 
A História é uma ciência que se desenvolve a partir de uma base sólida de instru-
mentos,	a	partir	dos	quais	 torna-se	possível	o	 fazer	historiográfico,	ou	seja,	a	escrita	da	
história. Fazer história, neste sentido, não é apenas reunir um conjunto de fatos históricos 
e fazer uma narrativa cronológica. Portanto, mais do que narrar fatos, a História está sub-
sidiada à teoria e ao método; em outras palavras, a partir do que é possível fazer História 
e como fazer isso. 
Antes de tudo, é preciso pensar: o que é efetivamente História? O célebre historia-
dor Marc Bloch (2001, p. 52) ponderou que dizer “a História é uma ciência do passado” é 
uma concepção equivocada.
Há, neste sentido, uma história do sistema solar, na medida em que os astros 
que o compõem nem sempre foram como os vemos. Ela é da alçada da 
astronomia. Há uma história das erupções vulcânica que é, estou convencido 
disso, do mais vivo interesse para a física do globo. Ela não pertence à histó-
ria (BLOCH, 2001, p. 53). 
Seguindo o raciocínio de Bloch (2001) do que não é alçada da História, temos 
pistas do elemento fundamental que constitui a disciplina. Nos exemplos citados falta o que 
é primordial para a História: o ser humano, sua interferência e ação. A partir disso, para 
uma	definição	mais	adequada,	pode-se	dizer	que	a	História é a ciência dos homens no 
tempo.
Fonte: Freepik (2020).
11UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Mas ela é realmente uma ciência? Essa é uma discussão bem longa, pois desde o 
século XIX discute-se o lugar da História no rol das ciências. Como veremos mais adiante, 
foi no século XIX que houve um esforço para organizar um conjunto de métodos de análise 
dos	fatos,	bem	como	delineou-se	a	postura	do	historiador,	a	fim	de	chegar	uma	controversa	
verdade histórica (ZANIRATO, 2011). É claro que as problemáticas e as críticas com relação 
aos	caminhos	que	a	historiografia	tomou	no	passado	são	presentes	até	os	dias	atuais.	Ain-
da assim, o que Bloch (2001), como defensor ferrenho de novos métodos e caminhos para 
História em seu tempo nos mostra é que a História não adota uma linguagem equivalente 
à da matemática e possui um linguagem própria ao lidar com fatos humanos, que exigem 
outros instrumentos de análise. 
A intenção do historiador ao analisar o passado é chegar o mais próximo possível 
do que realmente aconteceu. Mas isso está inevitavelmente ligado ao fato de que é um 
sujeito	do	presente	olhando	para	outra	época,	assim	o	fazer	historiográfico	é	sempre	um	
olhar do presente para o passado (ZANIRATO, 2011).
É comum que uma pessoa do século XXI, ao ter conhecimento, por exemplo, dos 
hábitos escassos de higiene do período colonial por parte da Corte e da população em 
geral,	fique	espantada	e	os	atribua	uma	série	de	adjetivos	pejorativos.	Esse	menosprezo	e	
julgamento com relação a esses, com base no olhar de um século que preza por princípios 
de higiene e sanitarismo, é o que chamamos de anacronismo e é um dos maiores erros 
do historiador.
Nesse sentido, outro renomado historiador, Lucien Febvre (2009, p.33), foi taxativo 
ao	afirmar	que	o	historiador	deve	evitar	o	que	seria	“o	pecado	entre	todos	imperdoável:	o	
anacronismo”. Analisar, julgar e verter sobre o passado uma visão advinda do presente 
é, para este, subverter as concepções da época que está sendo estudada, favorecendo 
nossos próprios valores, sentimentos, visão de mundo e modos de sentir. Isso seria um 
obstáculo ao historiador que deseja se aproximar de uma interpretação histórica. 
A interpretação histórica, como o historiador narra o fato, está sujeita a dois parâme-
tros	básicos,	longamente	discutidos	pela	historiografia:	a	objetividade e subjetividade. É, 
segundo Ricoeur (1968), um problema do trato metodológico, ou seja, em como eu, como 
historiador (a), escolho meus documentos, analiso as informações, interpreto os dados e 
os narro. 
Em primeiro lugar, o que é essa objetividade?
[...] é objetivo aquilo que o pensamento metódico elaborou, pôs em ordem, 
compreendeu, e que por essa maneira pode fazer compreender. Isto é exato 
quanto às ciências físicas quando às ciências biológicas; também é exato 
quanto à história (RICOEUR, 1968, p. 23).
12UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Entende-se,	portanto,	que	a	objetividade	cumpre	dentro	um	de	campo	científico,	
critérios	validados	e	legitimados	como	verdadeiros	e	eficazes	para	a	produção	do	conhe-
cimento.	Sua	 funcionalidade	 reside	na	produção	de	conhecimento	digno	de	confiança	e	
amparado pela tradição. 
No âmbito da história, se um (a) historiador (a) toma a observação de um vestígio 
documental para entender um evento, leva em consideração um princípio fundamentado 
e reconhecido na história, o de que a disciplina se faz a partir dos vestígios. Este é um 
princípio pautado em uma premissa objetiva (RICOEUR, 1968).
A objetividade é própria ciência histórica. No entanto, está intimamente ligada à 
subjetividade pertencente ao historiador. É ele quem seleciona os documentos, levanta os 
questionamentos e traz a narrativa de um modo particular. De uma certa maneira, pode-se 
dizer	que	objetividade	e	subjetividade	são	 inerentes	ao	 fazer	historiográfico	 (RICOEUR,	
1968).
Por isso, objetividade e subjetividade encontram-se relacionadas, em um primeiro 
momento, pelo que Ricoeur (1968) chama de “julgamento de importância”. É o historiador 
quem seleciona o documento, analisa o fato e cria a série de acontecimentos, mas essa se-
leção está sempre vinculada a critérios advindos da base teórica sobre a qual o historiador 
se assenta. 
Outro aspecto que revela a intersecção entre objetividade e subjetividade é a 
“distância histórica”. É tarefa da história, como ciência objetiva, falar sobre o “outro”, outro 
tempo, outros costumes, outras instituições etc. Contudo, como falar do outro ou daquilo 
que já não mais existe na nossa linguagem contemporânea sem perder o referencial? Cabe 
aqui a representação do passado, ainda que auxiliado por categorias explicativas, por meio 
de uma linguagem do presente (RICOEUR, 1968).
Por	 fim,	 a	 história	 é	 uma	 ciência	 que	 tem	 como	 fim	 último	 o	 estudo	 dos	 seres	
humanos. Em suma, a escrita da história envolve o estudo de pessoas por outras pessoas, 
com características em comuns e isso pode criar uma aproximação por parte do historiador 
do seu objeto de estudo (RICOEUR, 1968).
Até	aqui,	esperamos	que	a	concepção	básica	do	que	é	História	tenha	ficado	clara.	
Assim, partindo da ideia de que a História é uma ciência que tenta compreender cada 
realidade	em	seu	contexto	específico,	nos	desprendendo	de	nossas	visões	de	mundo	e	nos	
apegando as concepções do “outro” estudado, permeada pela objetividade e pela subjeti-
vidade, esperamos que você compreenda, a seguir, um pouco sobre o estudo do passado.
13UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
1.2 Sobre o Objeto: o Passado 
A história possui váriosdomínios: História Antiga, História Medieval, História da 
América, História Política, História das Religiões, História da Alimentação, Teorias da His-
tória, apenas para citar alguns. Seja por recorte temporal ou de eixo temático, o que todos 
eles	 têm	em	comum	é	o	estudo	do	passado	–	ou	mesmo	o	estudo	em	como	analisar	o	
passado. 
Mas	o	que	significa	estudar	o	passado?	
Se	o	passado	conta,	é	pelo	que	significa	para	nós.	Ele	é	produto	de	nossa	
memória coletiva, é o seu tecido fundamental [...]. Mas esse passado, próximo 
ou longínquo, tem sempre um sentido para nós. Ele nos ajuda a compreender 
melhor a sociedade na qual vivemos hoje, a saber o que defender e preser-
var, saber também o que mudar e destruir. A história tem uma relação ativa 
com o passado. O passado está presente em todas as esferas da vida social 
(CHESNEAUX, 1995, p. 22).
Como já dissemos, a História é a ciência dos homens no tempo. Por isso, o tempo 
é tão primordial para essa disciplina, mas para o historiador não basta dizer, por exemplo, 
que entre a ocupação dos portugueses no Brasil, em 1500, e a independência do Brasil, 
em 1822, passaram-se 322 anos. O que realmente importa é conhecer os mecanismos que 
fizeram	o	Brasil	abandonar	a	condição	de	colônia	e	proclamar	sua	independência.	
Qualquer que seja o tema da pesquisa, por vezes, o (a) historiador (a) na busca de 
explicações do porquê ou como aquele determinado evento ocorreu, recorre às origens. 
Porém será que as origens do fenômeno explicam o motivo pelo qual houve o ocorrido? 
Em nosso exemplo inicial, as origens do Brasil Colonial, com a ocupação dos portugueses, 
simplesmente explicam o porquê de o Brasil ter se tornado independente séculos mais tar-
de? Bloch (2001) adverte sobre os perigos de tomar as origens como causas explicativas: 
“para o vocabulário corrente, as origens são um começo que explica. Pior ainda: basta para 
explicar. Aí mora a ambiguidade; aí mora o perigo” (BLOCH, 2001, p. 57). 
A busca pelas origens, para Bloch (2001), começa a ser orientada também por uma 
busca de sentido no próprio presente, legítima e atesta um passado um único, que corre 
de forma linear ao presente. Contudo, a História não funciona assim: o início de um evento 
não é a explicação deste. A explicação de um fenômeno reside em seu próprio contexto de 
aparecimento:
Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno fora do estudo de seu 
momento. Isso é verdade para todas as etapas da evolução. Tanto daquela 
em vivemos como das outras. O provérbio árabe disse antes de nós: “Os 
homens se parecem mais com sua época do que com seus pais”. Por não 
ter meditado essa sabedoria oriental, o estudo do passado às vezes caiu em 
descrédito” (BLOCH, 2001, p. 60).
14UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Com isso, Bloch (2001) quis dizer que somos produtos da nossa época, assim 
como nossos antepassados são frutos de seus respectivos contextos e a busca por origens 
não explica, por si só, o que somos ou que fazemos. Assim, é importante reconhecer, ao 
tomar um objeto de estudo, as particularidades e as vicissitudes daquele período. 
Até agora, vimos que para um efetivo estudo do nosso objeto, o passado, não 
devemos buscar origens como se elas explicassem tudo, mas, sim, precisamos olhar para 
o próprio contexto, no qual aquele evento ocorreu. Agora, precisamos entender que o pas-
sado e a História são diferentes.
A História é a ciência que estuda o passado, mas, segundo Bloch (2001), ela não 
o narra tal como aconteceu: apenas tenta se aproximar. Até porque fazer isso implicaria na 
busca por uma “verdade” histórica única e imutável e também em uma neutralidade e total 
perda da subjetividade do (a) historiador (a) ao analisar o fato, o que não pode ocorrer. 
Ricoeur (1968) bem lembrou que a ideia de “verdade” assenta-se em um ideal intelectual, 
algo que não pode ser efetivado em sua plenitude. 
O passado é o legado que serve de base para “a manutenção e a sobrevivência 
das gerações vindouras” (COELHO; MELO, 2017, p. 213). São valores, passíveis de mu-
danças, sobre os quais os seres humanos se comprometem, criando um elo entre presente 
e passado. Com isso, o passado “[...] não passa de material bruto, um fragmento de fatos 
mortos, que só nasce com História mediante o trabalho interpretativo dos que debruçam, 
reflexivamente,	sobre	ele”	 (RÜSEN,	2001,	p.	68	apud	ZANIRATO,	2011,	p.15).	Assim,	o	
passado só ganha vida a partir de momento em que há o interesse por parte do historiador 
de analisá-lo no tempo presente. 
De fato, os historiadores têm um compromisso com a investigação do passado. Os 
usos	do	passado	por	intermédio	da	memória,	especialmente	a	memória	oficial,	têm	impli-
cações no presente. Hobsbawm (2013, p. 11) lembra que “o passado legitima. O passado 
fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que come-
morar”. Isso quer dizer que a interpretação do passado não é monopólio dos historiadores 
e	as	interpretações	que	se	fazem	dele	para	justificar	ações	e	ideologias	do	presente	são	
comuns na sociedade em geral, mas especialmente problemáticos em governos e regimes 
que	flertam	com	totalitarismos	em	um	movimento	de	lembrar	e	esquecer	eventos	históricos.
A memória tem usos no presente, mas também tem seus abusos. Para Ricoeur 
(2007), os abusos da memória “resultam de uma manipulação concertada da memória e do 
esquecimento por detentores de poder” (RICOEUR, 2007, p. 93). Mas como os detentores 
de poder instrumentalizam a memória e o esquecimento de povo? Basta recordar que 
15UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
tanto lembrar como esquecer são dois processos fundamentais para o ser humano. Sem 
a memória não seríamos capazes de nos reconhecermos como indivíduo e sociedade e 
sem o esquecimento não seria possível adquirirmos novos conhecimentos e lidarmos com 
situações	conflitantes.	Para	responder	à	pergunta	inicial,	Paul	Ricoeur	chama	atenção	para	
um pré-requisito fundamental: a fragilidade da identidade. 
Uma sociedade precisa responder à questão “quem somos nós?”. Essa pergunta 
incide, em primeiro lugar, na delicada relação com a temporalidade: evoca-se uma memória 
coletiva, com uma análise vinda do presente e com uma projeção do futuro. Em segundo 
lugar, está o tratamento para com o outro que começa a se constituir como ameaça para o 
“nós” e para o “eu”; uma ameaça à identidade, tendo como exemplo o fato que muitos não 
conseguem tolerar modos de viver diferentes e veem seu próprio modo de vida em risco 
simplesmente pela existência do outro. O terceiro fator para a fragilidade da identidade 
é que todas as sociedades são constituídas na base da violência. Atos celebrados como 
marcos históricos são instituídos por meio de guerras e/ou violências por parte do Estado 
(RICOEUR, 2007).
Com base nesses aspectos, Ricoeur (2007) avalia que as manipulações de memó-
ria acontecem entre a reivindicação da identidade e as manifestações públicas de memória. 
Isso faz parte de um processo ideológico que:
é opaco por dois motivos. Primeiro, permanece dissimulado [...] é inconfessá-
vel, mascara-se ao transformar em denúncia contra os adversários no campo 
da competição entre ideologias: é sempre o outro que na atola na ideologia” 
(RICOEUR, 2007, p. 95).
De grosso modo, é partir da criação de narrativas, ou seja, da construção de cená-
rios nos quais os personagens têm papéis e funções bem delimitadas que uma ideologia 
pode se utilizar da memória de um povo e também pode engendrar o esquecimento, ao 
deixar	fora	da	narrativa	oficial	fatos	históricos	(RICOEUR,	2007).	O	historiador	deve	per-
manecer atento aos usos que os detentores do poder fazem das memórias de um povo, 
como estes constroem suas narrativas e quais são seus interesses. Assim, o compromisso 
com o tratamento do objeto e a percepção da memória de um povo perpassam também em 
desconstruir narrativas pré-fabricadas e tomar um posicionamento crítico.
Vemos, assim,que a memória apresenta-se como aspecto representativo do pas-
sado. Deste modo, ela não é o passado em si, mas um produto das interpretações da 
sociedade,	sujeita	a	pressões	das	diferentes	esferas	que	a	compõe.	A	partir	disso	fica	claro	
que, se tratando da história, não lidamos com a memória de um ou dois indivíduos isolados, 
16UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
mas sim de memórias coletivas, sendo possível que a sociedade como um todo tenha 
memórias compartilhadas. 
Segundo Ricoeur (2007), categorias patológicas, como o de trauma, por exemplo, 
que,	na	psicanálise,	ficariam	no	nível	individual,	podem	ser	transpostas	para	o	coletivo:	“a	
noção de objeto perdido encontra uma aplicação direta nas ‘perdas’ que afetam igualmente 
o poder, o território, as populações que constituem a substância do Estado” (RICOEUR, 
2007, p. 92).
As	memórias	coletivas	não	são	as	mesmas	para	todos:	o	que	significou	vitória	para	
uma	sociedade,	pode	 ter	significado	humilhação	para	a	outra	 (RICOEUR,	2007).	Dessa	
maneira, o processo de lembrar cria um vínculo com o presente, assim como o processo 
de esquecer, de criar novas interpretações da realidade que se evoca ou deixa de evocar e 
releva muito daquilo como aquela sociedade lida com seu passado. 
A apreensão do passado é algo complexo, em que historiadores, através da análise 
das	fontes	e	métodos	bem	definidos,	podem,	em	suas	conclusões,	chegar	perto	de	entender	
determinado evento histórico, ainda que suas hipóteses sempre possam ser contestadas. 
Por isso, Bloch (2001) sustenta que o historiador não narra o fato tal como se passou. 
História se faz com base em testemunhos daquilo que o próprio historiador não presenciou; 
são resquícios e indícios de uma parte do passado e não o passado em si. Nesse sentido, 
as fontes de pesquisa e sua análise são fundamentais e é isso que veremos a seguir.
1.3 Sobre a Fonte: o Documento
Vamos	falar	de	um	aspecto	fundamental	para	o	fazer	historiográfico:	a	fonte,	que	
é o documento. Toda história produzida dentro das premissas da disciplina, seja narrada 
nos livros didáticos ou em livros comuns, tem em comum o fato de que um historiador 
teve acesso a certos documentos e, a partir de um procedimento metodológico, construiu 
hipóteses em torno desse documento.
O trabalho do historiador é investigativo, nasce da curiosidade em entender um 
fenômeno	que	 permanece	na	memória	 coletiva	 –	 ou	 lançar	 luz	 sobre	 algo	 que	 está	 no	
esquecimento. A busca por fontes e por diferentes documentos que registrem de alguma 
forma aquele fenômeno é um dos primeiros passos. Na tentativa de tentar entender aquilo 
que aconteceu, o (a) historiador (a) deve, em sua análise, buscar formas de compreender 
melhor os resquícios do passado sobre o qual está debruçado:
A análise da documentação demanda que o historiador adote procedimentos 
metodológicos para não incorrer no risco de fazer interpretações do pas-
sado que não encontrem correspondência entre o ocorrido e o modo como 
se registra essa ocorrência é necessário que os historiadores empreguem 
17UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
métodos de investigação pertinentes à explicação histórica, que limitem a 
liberdade interpretativa do historiador e que orientem a investigação. A inves-
tigação histórica assim conduzida contribui para uma menor subjetividade na 
interpretação histórica (ZANIRATO, 2011, p. 21). 
A	partir	da	citação	acima	podemos	afirmar	que	a	História se faz a partir de docu-
mentos, que são as fontes que trazem vestígios do passado. É importantíssimo que você 
tenha em mente a centralidade do documento para a investigação histórica. Não estamos 
a	falar	aqui	sobre	documento	em	seu	sentido	restrito,	escrito	e	oficial,	mas	sim	em	uma	
concepção mais abrangente. Era comum até meados do século XX restringir o documento 
ao texto e foi apenas na década de 1960, quando houve uma revolução documental, que foi 
permitido	o	estudo	não	apenas	decretos	oficiais,	mas	de	tudo	aquilo	relacionado	ao	estudo	
das “massas”, como relatos orais, cultura material, músicas, imagens, dentre outros (LE 
GOFF, 1990).
Marrou (1968) explica que documento é todo vestígio sobre o qual se pode retirar 
informações valiosas para o historiador: 
Em síntese, tudo aquilo que, na herança subsistente do passado, pode ser 
interpretado como um indício que revela alguma coisa da presença, da ati-
vidade, dos sentimentos, da mentalidade do homem de outrora, entrará em 
nossa documentação (MARROU, 1968, p. 63).
Cada	tipo	de	fonte,	seja	ela	registros	oficiais,	relatos	orais,	imagens,	interrogatórios	
etc., suscita problemáticas diferentes. Nesse sentido, Burke (1992) chama a atenção para 
o fato de historiadores que se debruçam sobre a história do cotidiano, na vida da pessoa 
comum, têm acesso a um tipo de documento, como um interrogatório, por exemplo, que é 
um registro extraordinário do indivíduo e o relato por si só não revela seus hábitos cotidia-
nos. Nisso, para Burke (1992), reside em ler as fontes nas entrelinhas.
SAIBA MAIS
A análise documental é, sobretudo, investigativa e as fontes podem revelar uma série 
de fatos históricos inauditos. Um exemplo disso, foi o método investigativo utilizado pelo 
historiador Carlo Ginzburg, chamado de paradigma indiciário. O método consiste em 
perceber os sinais, os detalhes: assim como um perito criminal analisa a cena de um cri-
me, o historiador procura construir, através das fontes como vestígios, o quebra-cabeça; 
assim podemos tangenciar o passado. 
Fonte: Guinzburg (1989).
18UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
As	fotografias,	como	fontes,	também	evocam	problemas	específicos.	Até	pouco	tem-
po entendia-se que as fotos eram registro objetivo da realidade, porém é preciso considerar 
que o fotógrafo escolhe determinados ângulos e persegue a imagem ideal por disposições 
conscientes	e	inconscientes.	As	fotografias,	portanto,	se	colocam	como	representações	da	
realidade e não como a realidade em si (BURKE, 1992).
As fontes documentais são aquelas encontradas em arquivos e que exigem muita 
dedicação por parte do historiador em procurar e selecionar os documentos relevantes para 
sua pesquisa. Os arquivos guardam documentos muito antigos e deles podem sair grandes 
obras. Os arquivos pode ser de diferentes tipos e conter diferentes tipos de documentos 
como mostra o quadro abaixo:
Quadro 1 - Tipos de arquivos e documentos
Arquivos Documentos
Arquivos do Poder Executivo 
Correspondência: ofícios e requerimentos 
Lista nominativas
Matrículas	de	classificações	de	escravos
Listas	de	qualificação	de	votantes	
Documentos de polícia 
Documentos sobre obras públicas 
Documentos sobre terras 
Arquivos do Poder Legislativo 
Atas
Registros 
Arquivos do Poder Judiciário 
Inventários e testamentos 
Processos cíveis 
Processos crimes 
Arquivos cartoriais 
Notas 
Registro Civil 
Arquivos eclesiásticos (da Igreja)
Registros paroquiais 
Processos
Correspondência 
Arquivos privados 
Documentos particulares de indivíduos, fa-
mílias, grupos de interesse ou empresas
Fonte: Bacellar (2011). 
Outro suporte documental são as revistas e os jornais, também conhecidos como 
periódicos. Luca (2011) explica que apenas recentemente é que os periódicos começaram 
a ser entendidos como fontes, isso porque a história vem de uma tradição que preza pela 
objetividade, imparcialidade e distância dos fatos ocorridos e os periódicos se revelavam 
19UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
um	“influxo	de	interesses,	compromissos	e	paixões.	Em	vez	de	permitirem	captar	o	ocorrido,	
dele forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas” (LUCA, 2011, p.112).
A análise dos periódicos deve levar em conta a forma e conteúdo presente, bem 
como o público consumidor e os idealizadores. Por isso, é importante levar em considera-
ção que a imprensa seleciona, estrutura e narra aquilo que julga importante chegar ao leitor, 
de acordo com seus interesses econômicose políticos. É através da análise do discurso, 
de ler além do texto escrito, que o historiador deve pautar sua leitura deste tipo de fonte. 
O pesquisador dos jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o 
que por si só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta 
das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coi-
sa. Entretanto, ter sido publicado implica atentar para o destaque conferido 
ao acontecimento, assim como para o local em que se deu a publicação: é 
muito	diverso	o	peso	do	que	figura	na	capa	de	uma	revista	semanal	ou	na	
principal	manchete	de	um	grande	matutino	e	o	que	fica	relegado	às	páginas	
internas (LUCA, 2011, p. 140, grifo do autor). 
Qualquer que seja o tipo de documento, que será nossa fonte, este só atinge tal 
status	a	partir	da	escolha	do	historiador.	Le	Goff	(1990)	sugere	o	 trabalho	com	a	noção	
documento/monumento para explicar a prática investigativa do historiador. Primeiro, vamos 
a	definição	de	monumento:
O	monumentum	é	um	sinal	do	passado.	Atendendo	às	suas	origens	filoló-
gicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar 
a recordação, por exemplo, os atos escritos [...]. Mas desde a Antiguidade 
romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma 
obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, 
troféu, pórtico, etc.; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a 
recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente 
valorizada: a morte. O monumento tem como características o ligar-se ao 
poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas 
(é um legado à memória coletiva) (LE GOFF, 1990, p. 536-537).
O monumento é a manifestação da memória coletiva. Por exemplo: provavelmente 
existe algum monumento em sua cidade, ou alguma outra que você conheça, que diga 
respeito a um determinado fato histórico que se queira lembrar de uma dada forma. Os 
monumentos não são apenas de ordem física e/ou material, mas também podem se mani-
festar para além disso: dizeres comuns, lendas, preces, poemas etc. Isso quer dizer que o 
monumento é fruto daquilo que a sociedade produziu como memória. 
A proposta em entender documento como monumento está em compreender que 
aquilo que o historiador escolhe como fonte de seu trabalho é fruto daquilo que uma dada 
sociedade quis registrar, lembrar e perpetuar:
O	documento	 não	 é	 qualquer	 coisa	 que	 fica	 por	 conta	 do	 passado,	 é	 um	
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí 
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite 
20UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
à	memória	coletiva	recuperá-lo	e	ao	historiador	usá-lo	cientificamente,	isto	é,	
com pleno conhecimento de causa (LE GOFF, 1990, p. 547).
Frisamos, portanto, que a noção documento/monumento recai no cuidado que o 
historiador deve ter ao analisar a sua fonte, compreendendo-a como fruto de seu tempo, de 
um traço do passado com a intenção de ser preservado. 
Portanto, vimos que a investigação histórica depende de alguns fatores condi-
cionantes, tais como objetividade e subjetividade, do cuidado do historiador com relação 
ao anacronismo e a centralidade do documento. Esses procedimentos investigativos são 
essenciais para o exercício idôneo da escrita da história. Ainda assim, os procedimentos 
em	questão	estão	submetidos	à	figura	do	historiador,	assunto	que	trataremos	a	seguir.
21UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
2 O OFÍCIO DO HISTORIADOR E SEUS DESAFIOS 
Na História, bem como nas demais ciências humanas e sociais, existe um paradig-
ma que necessita de atenção, pois nessas “a consciência e a razão existem tanto no sujeito 
quanto no objeto, posto que nelas os seres humanos são tanto sujeito quanto objeto do 
conhecimento” (CARDOSO; VAINFAS, 2012, p. 1). Como já dissemos, são seres humanos 
estudando outros seres humanos, sociedades etc., razão pela qual instaura-se a proble-
mática do sujeito historiador, tomando como objeto de estudo outros seres humanos, ainda 
que esses tenham vivido em outro espaço e outro tempo. 
Marrou (1968), em seu tempo já deixava claro que “a história é, por infortúnio, 
inseparável do historiador” (MARROU, 1968, p. 41, tradução nossa). Por isso, a discussão 
incide em quais são as condições e os limites da produção do conhecimento histórico. 
No trato com o documento, a matéria-prima do historiador, realiza-se primeiro uma crítica 
externa, separando as informações relevantes de acordo com seu tema de pesquisa de 
outros assuntos. Depois de ter em mãos os testemunhos que irá utilizar, cabe-lhe a crítica 
interna e, com isso, alguns questionamentos são levantados: “estes testemunhos podem 
estar enganados?” ou “eles tinham desejam de enganar-nos?”. Entre o passado e a história, 
existe	a	figura	do	sujeito	cognoscente,	o	historiador,	figura	sem	a	qual	não	haveria	história	
(MARROU, 1968).
Na relação entre sujeito e objeto deve ser levado em consideração como se instau-
ra	a	própria	prática	do	sujeito	historiador,	ou	seja,	como	ele	é	influenciado	por	seu	“lugar	
social”:
22UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Toda	pesquisa	historiográfica	se	articula	com	um	lugar	de	produção	socioe-
conômico, política e cultural. Implica um meio de elaboração que circunscrito 
por	determinações	próprias:	uma	profissão	liberal,	um	posto	de	observação	
ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois, submetida a 
imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em fun-
ção	deste	lugar	que	se	instauram	os	métodos,	que	se	delineia	uma	topografia	
de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, 
se organizam (CERTEAU, 1982, p. 66-67). 
Em suma, o local de origem, nacionalidade, a etnia/raça, os interesses políticos, a 
posição econômica, a religião do historiador, dentre outros aspectos, incidem na escolha 
das fontes de pesquisa e na interpretação dos fatos históricos. Assim, o lugar social desse 
acaba se interpondo na investigação do seu objeto. 
A	história	da	historiografia	mostrou	que	a	busca	pela	objetividade	total	e	pela	ver-
dade absoluta não pode se concretizar de fato. Discute-se então sobre a subjetividade do 
historiador subscrita ao seu lugar de pertencimento. O lugar social do historiador constrói o 
seu centro de referência e delimita o seu tipo de análise (CERTEAU, 1982).
Apenas a caráter de exemplo podemos citar um conhecimento que se propagou por 
muito tempo na academia e nos currículos escolares: o de que o Brasil teria sido “descober-
to” pelos portugueses. Mais recentemente aqui no Brasil, com auxílio da arqueologia e de 
outros suportes documentais, tem se ressaltado a importância de reconhecer a existência 
dos povos originários, chamados indígenas, como anteriores à chegada do europeu. Esse 
cenário pode ilustrar dois posicionamentos distintos: o primeiro reconhece que o descobri-
mento do ponto de vista europeu, reforçado durante anos nas universidades e escolas, é 
fruto de um grupo de historiadores comprometidos com essa visão de mundo; o segundo, 
ao contrário, mostra que um grupo de historiadores, em outro contexto social, que questio-
na este ponto de vista europeu. São perspectivas cuja diferença nasce essencialmente do 
lugar social dos historiadores que interpretaram os documentos e fatos.
Assim, o conhecimento histórico é feito de escolhas, ainda que na maioria das 
vezes sejam inconscientes. Mas qualquer ponto de vista é válido? Um historiador pode 
se	munir	de	tal	subjetividade	para	justificar	qualquer	que	seja	sua	interpretação?	Certeau	
(1982) atesta a importância do reconhecimento dos lugares a partir do qual o historiador 
fala e seus métodos de análise:
Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira necessaria-
mente limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar (um recru-
tamento,	 um	 meio,	 uma	 profissão,	 etc.),	 procedimentosde	 análise	 (uma	
disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz 
parte da “realidade” da qual trata, e que essa realidade pode ser apropriada 
“enquanto atividade humana”, “enquanto prática” (CERTEAU, 1982, p. 66). 
23UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
Compreender	a	história	como	disciplina	(com	seus	métodos	específicos),	como	es-
crita (com suas formas literárias que narram o passado) e como prática (como aquela que 
está	intimamente	ligada	ao	historiador	e	seu	contexto)	é	fundamental	para	o	profissional	
historiador.	Assim,	não	se	pode	negar	a	 influência	do	presente	e	de	aspectos	subjetivos	
do historiador; por isso para esse é preciso reconhecer-se como agente ativo na operação 
historiográfica.
	Portanto,	é	necessário	que	o	historiador	reconheça	as	influências	e	pressões	às	
quais está submetido. Bem como é fundamental ter ciência de que, ao olhar para o pas-
sado,	tem-se	mente	questões	e	conflitos	que	são	próprios	do	seu	tempo:	“[a]	História	têm	
como base sua própria época, de forma que, ao dialogar com o passado, ele contemple os 
embates e as contradições que são próprias do seu presente” (COELHO; MELO, 2017, p. 
211). 
Se a história parte de questões advindas do presente e o historiador está envolvido 
em	seu	lugar	social,	esse	profissional	teria	alguma	função	na	sociedade?	Cruz	(2011)	es-
clarece que as funções do historiador foram várias ao longo dos tempos, desde conselheiro 
de príncipes, educador, defensor da pátria, dentre outros. O autor defende que a principal 
missão do historiador é fazer despertar a consciência histórica. 
Para explicar a função do historiador por meio do despertar da consciência históri-
ca, Cruz (2011) parte das ideias de Jörn Rüsen, para quem a História se apresenta como 
um retrato do passado (ainda que, lembre-se, por intermédio do historiador). Por isso, a 
consciência histórica diz respeito ao passado como experiência para o presente e a aponta 
para a projeção para o futuro. Assim, o passado através da História não é inerte e articula 
as noções de passado, presente e futuro para o indivíduo. 
“A consciência histórica [...] permite aos homens atribuírem sentido a rea-
lidade em que vivem, que permite a compreensão das transformações da 
existência, que permite perceber o tempo como uma dinâmica entre a expe-
riência e a expectativa” (CRUZ, 2018, p.13). 
Nisso, reside a pesada função do historiador perante aos indivíduos e a sociedade. 
A ponte que se faz entre a investigação histórica e a compreensão pública também está nas 
mãos do historiador, bem como está nas mãos dos professores de história. 
O historiador, como membro partícipe da sua sociedade, tem como compromisso 
reconhecer o seu lugar na escrita, seus condicionamentos, inclinações e limites. Precisa, 
inclusive, reconhecer-se como agente não apenas produto do seu meio, mas também 
produtor da sua realidade, que a transforma e que age em favor do bem-estar do “nós” e 
do “outro”.
24UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
3 O QUADRIPARTISMO HISTÓRICO E SUAS PROBLEMÁTICAS 
3.1 O que é Quadripartismo Histórico?
No	Brasil,	 a	 historiografia	 está	 vinculada	 a	 tradições	 específicas	 que	 definem	 o	
modo como compreendemos a história e como ela é ensinada. Muito dessa tradição está 
calcada	em	uma	historiografia	eurocentrada,	especialmente	a	francesa.	
Normalmente, boa parte dos currículos mais conservadores adotam a divisão estru-
tural:	História	Antiga,	História	Medieval,	História	Moderna	e	História	Contemporânea	–	uma	
história quadripartida. Muitas vezes, nos acostumamos com essa divisão e a entendemos 
como natural, sem sequer percebermos que ela é fruto de um tipo de história que privilegia 
certos elementos em detrimentos dos demais.
O que se aborda em cada uma destas divisões?
Quadro 2 - A divisão quadripartida da história
História Antiga
Compreende a Antiguidade do povo Greco-romano, por 
vezes faz-se uma abertura para o estudo do Egito Faraôni-
co e dos impérios assírios-babilônicos. Vai até a queda do 
Império Romano no século V.
História Medieval
Começa a partir da queda do Império Romano e organiza-
ção dos povos bárbaros, abarca a Europa ocidental, com 
leve abertura a entender o Império Bizantino (mais ao leste 
do continente) e países árabes. Compreende até por volta 
do século XV, com a chamada expansão marítima.
25UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
História Moderna
Está centrada exclusivamente na Europa, contemplando a 
expansão marítima, se encerrando com Revolução Fran-
cesa de 1789.
História Contemporânea
É única que ultrapassa de fato os limites do continente 
europeu e concede um lugar para o estudo de Ásia, África 
e América, muitas vezes essa narrativa acompanha o 
processo colonial a que estas regiões foram submetidas.
Fonte: adaptado de Chesneaux (1995).
Você pode perceber, a partir do quadro apresentado, que essa história quadripartite 
é, sobretudo, uma história do continente europeu, com pouco espaço para demais regiões 
do	planeta.	Chesneaux	(1995)	afirma	que	essa divisão é fruto de uma concepção francesa, 
já que em outros países:
 o passado está organizado de modo diferente, em função de pontos de 
referências diferentes. [...] Na Grécia, a Antiguidade chega até o século XV, 
e a ocupação turca corresponde a uma espécie de Idade Média. Na China, a 
história “moderna” (jindai) vai das guerras do ópio ao movimento patriótico de 
maio de 1919. Começa com este último a história “contemporânea” (jiandai) 
(CHESNEAUX, 1995, p. 93).
A	estrutura	em	questão	define	não	apenas	os	currículos	da	educação	básica,	mas	
reverbera nos campos de pesquisa. Assim, é também uma forma de divisão do trabalho 
intelectual, no qual cada historiador, dentro dessas quatro grandes áreas, se dedica a es-
tudar	uma	região,	um	país	ou	um	tema	específico.	Mas	também	a	nível	ideológico,	procura	
valorizar o Ocidente em detrimento dos povos não-europeus (CHESNEAUX, 1995). 
Muitos dos acontecimentos escolhidos como eventos históricos marcantes nada 
influenciam	em	outras	partes	do	mundo,	mesmo	assim	são	tomados	por	esta	historiografia	
como cruciais do ponto de vista universal. Cada período guarda em si características exal-
tadas pela classe burguesa dirigente, que precisa compor seus valores. 
A Antiguidade Greco-romana é uma das bases dos valores da cultura burguesa 
que se instaura na modernidade. Um exemplo disso é que, até pouco tempo, “saber latim e 
grego era um indício seguro de que se pertencia à classe dirigente” (CHESNEAUX, 1995, 
p. 95). Já a Idade Média é retratada como essencialmente cristã, que molda os valores de 
família e de uma civilização cristã, tomada como período intermediário entre os valores da 
Antiguidade Greco-romana e o alvorecer da Europa moderna. 
O período seguinte consagra o auge dos “tempos modernos” e escancarou a pre-
tensão por parte da classe dirigente em escrever a história da humanidade inteira. A Idade 
Contemporânea traz em si a história do Ocidente apto a dominar, em uma perspectiva 
26UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
colonial, que é o eixo norteador das histórias de África, Ásia e América. Trata-se, no caso 
do quadripartismo, de uma sequência ideológica imposta como universal. Essa estrutura de 
desenvolvimento da história conta uma história pré-moldada da civilização europeia como o 
centro do mundo, pautada em um sentido de progresso, como podemos averiguar abaixo:
Imagem 1 - Sequência ideológica da Grécia à Europa Moderna
Fonte: Dussel (2005). 
Dussel (2005) adverte que este esquema tão arraigado em nossa mentalidade é, 
na verdade, uma “invenção ideológica”.
Esta sequência é hoje a tradicional. Ninguém pensa que se trata de uma 
“invenção” ideológica (que “rapta” a cultura grega como exclusivamente “eu-
ropeia” e “ocidental”) e que pretende que desde as épocas grega e romana 
tais culturas foram o “centro” da história mundial. Esta visão é duplamente 
falsa: em primeiro lugar,porque, como veremos, faticamente ainda não há 
uma história mundial (mas histórias justapostas e isoladas: a romana, persa, 
dos reinos hindus, de Sião, da China, do mundo meso-americano ou inca na 
América, etc.). Em segundo lugar, porque o lugar geopolítico impede-o de 
ser o “centro” (o Mar Vermelho ou Antioquia, lugar de término do comércio do 
Oriente, não são o “centro”, mas o limite ocidental do mercado euro-afro-asiá-
tico) (DUSSEL, 2005, p. 27). 
Pensando dessa maneira, o quadripartismo histórico vem atender demandas es-
pecíficas	e	desconsidera	novos	modos	de	organização	da	história,	interferindo	em	nossos	
métodos e objetos. Romper com este paradigma é tarefa difícil. 
Já a colonização aqui na América não trouxe apenas uma nova organização sócio-
-político-econômica, mas também empreendeu uma colonização dos saberes e um sufoca-
mento das identidades locais e regionais. Se o historiador, em sua prática, precisa cumprir 
27UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
a função social de fazer despertar a consciência histórica nos indivíduos, é necessário se 
empenhar	em	construir	novas	narrativas	que	nos	sejam	próprias	e	tenham	significação	para	
o lugar social no qual nos encontramos.
REFLITA
Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão 
glorificando	o	caçador	(Provérbio	Africano).
Fonte: Ballestrin (2013).
28UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante essa unidade, você viu alguns	temas	inerentes	à	prática	da	historiografia.	
Nossa intenção foi oferecer um suporte teórico sobre a escrita da história, para que você 
entenda o seguinte: os fatos históricos dependem de um árduo trabalho do historiador e 
isso está ligado a uma tradição, às metodologias	específicas	e	também	às visões de mundo 
que criam a narrativa histórica. 
Assim, logo de início, oferecemos um panorama geral sobre o teor da disciplina, es-
pecificando	alguns	dos	seus	objetivos	centrais.	Discutimos	também,	um	conceito	importan-
te, o anacronismo, descrevendo-o como uma das principais práticas que o historiador deve 
evitar. Em seguida, falamos de duas instâncias que estão sempre em qualquer pesquisa 
histórica: a questão da subjetividade e da objetividade, enquanto elementos partícipes da 
produção	do	conhecimento	em	nosso	campo.	Para	finalizar	o	primeiro	tópico,	apresentamos 
questões inerentes ao objeto, o passado, a fonte e os documentos, como traços essenciais 
da escrita da história.
No segundo tópico nos debruçamos a entender o ofício do historiador, suas espe-
cificidades,	dado	seu	campo	de	conhecimento	e	seus	desafios.	Fizemos	isso	inserindo	a	
noção	de	“lugar	social”	enquanto	conceito	 fundamental	para	compreender	as	 influências	
que o sujeito sofre em seu meio. Aproveitamos também para falar brevemente sobre a 
função do historiador em criar uma consciência histórica nos indivíduos e na sociedade 
como um todo. 
No terceiro tópico, que teve como intenção fazer uma análise crítica com relação 
às	estruturas	no	âmbito	da	história	formatadas	de	acordo	com	interesses	específicos,	trou-
xemos a noção de quadripartismo histórico. A partir dessa análise, você pôde compreender 
que, por vezes, é necessário desnaturalizar algumas práticas e entender as origens e as 
implicações deste posicionamento na história.
29UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
LEITURA COMPLEMENTAR
CORRESPONDÊNCIA E DEPOIMENTOS ORAIS: REFLEXÕES A PARTIR DA COMPA-
RAÇÃO ENTRE DUAS FONTES DE DADOS PARA O ESTUDO DO PASSADO
Alice Beatriz da Silva Gordo Lang
Para estudar o passado, recorre o pesquisador a documentos de tipo variado, 
utilizando certamente técnicas apropriadas a cada um e consistindo sua avaliação numa 
questão	de	extrema	importância.	As	reflexões	ora	apresentadas	têm	por	base	resultados	
de uma pesquisa que, para a obtenção dos dados, fez uso de uma fonte escrita, constituí-
da por uma correspondência familiar e de uma fonte oral, representada por depoimentos 
orais. A comparação entre ambas fornece elementos valiosos para uma discussão sobre 
as possibilidades, limites, vantagens e desvantagens do emprego de cada uma das fontes 
utilizadas.	Refiro-me	 à	 pesquisa	 Família	 e	Política	 em	São	Paulo	 (1910-1950)	 que	 tem	
por objetivo conhecer como o campo da política era vivenciado por grupos familiares. No 
foco da análise coloca-se a questão da intersecção e da interação entre os campos da 
política e da família, considerando campos segundo a perspectiva do sociólogo francês 
Pierre Bourdieu, como sistemas de relações sociais objetivas, regidos cada qual por sua 
lógica	específica.	
[...]
Foram utilizadas duas fontes de dados:
●	 Para o estudo das décadas iniciais, 10 e 20, dispunha-se da correspondência 
de uma família, constituída por centenas de cartas, dando-se especial destaque 
às cartas da mulher;
●	 Para o período subsequente, décadas de 30 e 40, foram coletados relatos orais 
de mulheres de uma classe social semelhante à do grupo familiar estudado 
através	da	correspondência	e	que	definimos	como	uma	classe	letrada,	podendo	
também ser considerada média-alta, considerando nível de instrução e padrão 
de vida. As entrevistadas, no entanto, reportam-se sempre a períodos anteriores 
e, por outro lado, chegam aos dias atuais.
A comparação dos resultados obtidos pelas duas fontes, uma escrita e uma oral, 
versando sobre a vida cotidiana e sobre a vivência de acontecimentos políticos, como 
exemplifica	a	Revolta	de	1924	em	São	Paulo	por	sua	referência	nos	dois	tipos	de	docu-
mentação, possibilitou a discussão das próprias fontes utilizadas, colocando-se questões 
importantes ao pesquisador que trabalha com relatos orais, seja para a reconstrução de 
30UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
fatos, seja para estudos sociológicos que visam atingir grupos e as relações sociais que 
entre estes se estabelecem.
Referem-se	estas	reflexões	de	modo	especial	à	questão	do	tempo	–	o	passado	e	o	
presente;	à	fixação	na	memória	dos	fatos	que	rompem	o	cotidiano;	ao	processo	seletivo	do	
memorizar e do rememorar.
1) Correspondência: o estudo das relações família e política nas décadas de 10 e 20 
tem por base, a análise da correspondência de uma família e, de modo especial, 
as	Cartas	de	Eugênia.	Eugênia,	paulista,	filha	de	um	advogado	e	Professor	da	
Faculdade de Direito, nasceu em 1878. Em 1904 casou-se com Otávio, político 
paulista de destacada atuação como deputado e depois como senador federal; 
Eugênia	era	uma	dona	de	casa,	mãe	de	cinco	filhos.	A	residência	do	casal	era	
em São Paulo, mas Otávio passava grande parte do ano no Rio de Janeiro onde 
funcionava o Congresso Nacional. Às vezes Eugênia acompanhava Otávio no 
Rio de Janeiro, onde ele morava em um hotel, como ocorria com quase todos 
os políticos de outros Estados. Estando Otávio no Rio e Eugênia em São Paulo, 
o casal se correspondia quase que diariamente, tendo-se conservado um total 
de 1335 cartas escritas entre 1910 a 1929, quando Otávio faleceu vítima de um 
desastre. Trata-se então de, com base na correspondência familiar e através 
dela,	apreender	o	cotidiano	familiar	e	o	reflexo,	o	significado	e	a	vivência	dos	
acontecimentos políticos pelo grupo familiar. As referências aqui apresentadas 
reportam-se de modo especial às cartas de Eugênia, que têm nas de Otávio seu 
contraponto.
2) Depoimentos orais: para o estudo das décadas subsequentes, não se dispondo 
de fonte equivalente à utilizada para o estudo do primeiro período, recorreu-se 
a relatos orais. Foram coletados dezesseis relatos de mulheres que viveram 
em São Paulo no período, mulheres de extração social semelhante à da famí-
lia considerada no período anterior. Procura-se, através dos relatos, captar a 
vivência cotidiano e a vivência de fatos políticos. Considera-se depoimento o 
relato	que	versa	sobre	um	tópico	específico.	[...]
Nos depoimentos, está presente um crivo seletivo que já teria atuado na memoriza-
ção e que se faz sentir na própria rememoração.Há uma reelaboração do passado mediada 
pelos	valores	atuais	do	depoente,	que	é	muito	nítida.	Estas	duas	fontes	–	correspondências	
e	depoimentos	de	grande	riqueza	para	o	conhecimento	do	passado	–	revelam,	na	vivência	
do cotidiano e de acontecimentos, a dimensão do privado, da vivência a nível pessoal, a 
nível dos grupos primários.
Leia o artigo completo em: http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/view/18669/20732.
http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/view/18669/20732
31UNIDADE I Introdução à Prática Historiográfica
MATERIAL COMPLEMENTAR
LIVRO 
Título: O Queijo e os Vermes: O Cotidiano e as Ideias de um Mo-
leiro Perseguido pela Inquisição
Autor: Carlo Ginzburg
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: ao pesquisar julgamentos inquisitoriais, o historiador 
Carlo Ginzburg deparou-se com um excepcionalmente detalhado. 
Tratava-se do depoimento de um moleiro do norte da Itália, que 
no século XVI ousará	afirmar	que	o	mundo	tinha	origem	na	putre-
fação. Graças ao fascínio dos inquisidores pelas crenças desse 
moleiro, Ginzburg pôde reconstituir a trajetória de Menocchio num 
texto claro e atraente, e desembocar em uma hipótese geral sobre 
a cultura popular da Europa pré-industrial.
Link: https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bol-
so-205071/p 
FILME/VÍDEO 
Título: Cidades Fantasmas 
Ano: 2017
Sinopse: o documentário passeia por quatro localidades diferentes 
no deserto chileno, na Amazônia brasileira, nos Andes colombianos 
e no Pampa argentino. O que estes lugares têm em comum é que 
eles abrigam cidades fantasmas, que outrora já tiveram vida ativa. 
Estas histórias só podem ser contadas através dos meandros da 
memória de seus antigos moradores.
https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bolso-205071/p
https://www.saraiva.com.br/o-queijo-e-os-vermes-ed-de-bolso-205071/p
32
Plano de Estudo:
• Mito e História;
• Concepções sobre História na Antiguidade;
• Concepções sobre História no Medievo.
Objetivos de Aprendizagem:
• Articular e diferenciar as apreensões de mito e história;
•	Reconhecer	a	escrita	historiográfica	na	Antiguidade;	
• Compreender a escrita da história no período medieval.
UNIDADE II
Concepções Sobre História na 
Antiguidade e no Medievo
Professora Mestra Maria Helena Azevedo Ferreira
33UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
INTRODUÇÃO
Como qualquer outro fato, evento ou disciplina, a escrita da história possui uma 
historicidade. Há muito tempo que os seres humanos olham para o passado e trazem signi-
ficados	importantes	para	seu	viver	no	presente.	Isso	não	quer	dizer	que	a	história,	tal	como	
a conhecemos hoje, com seus métodos, objetos e fontes, sempre tenha existido, mas sim 
que	os	povos	que	nos	sucederam	lidaram	com	formas	específicas	com	o	seu	passado.	
Ainda nas primeiras formas de organização de sociedade, é possível ver alguns 
recursos que eram utilizados pelos arcaicos. Os mitos, neste sentido, se mostravam como 
narrativa possível de um passado fabuloso e primordial. Mas esse passado não estava 
inerte e perdido em algum ponto de outrora: ele se fazia presente e de forma cotidiana para 
os membros das civilizações tradicionais e isso era possível por meio da reatualização 
do mito. É sobre essa dinâmica das sociedades ditas primitivas que você contemplará no 
primeiro tópico de nossa unidade. 
Em continuação, você perceberá que é na Antiguidade quando vão surgir os primei-
ros pensadores preocupados em olhar para o passado e sistematizá-lo. O grego Heródoto, 
nesse sentido, foi considerado o “pai da história”, pois mesmo em uma sociedade na qual 
a explicação mítica predominava, trouxe os seres humanos como agentes próprios de sua 
história, além de ter fundamentado a ideia de diferença entre os povos. Outros pensadores 
helenos	e	romanos	contribuíram	significativamente	para	a	escrita	da	história	durante	toda	a	
Antiguidade	clássica	e	vão	fornecer	as	bases	para	a	historiografia	ocidental.	
No terceiro e último tópico, vamos nos debruçar pela escrita da história no período 
medieval. Certamente, o medievo esteve marcado pelo jugo moral, econômico, político, 
religioso da Igreja Católica e isso não poderia deixar de se reverberar na escrita da história. 
Vamos ver que o ser humano vai ocupar um lugar secundário com relação aos desígnios 
divinos.	Observaremos	também	que	a	noção	de	temporalidade	será	radicalmente	modifi-
cada. 
Bons Estudos!
34UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
1 MITO E HISTÓRIA
Você viu na unidade anterior que a escrita da história tem uma função explicativa 
para o tempo presente. A história, através de seus métodos e práticas, busca delinear 
narrativas	sobre	o	passado	cientificamente	validadas	e	que,	muitas	vezes,	estão	de	acordo	
com	as	demandas	específicas	de	nossa	época,	com	o	lugar	social	do	historiador	e	com	as	
possibilidades que a memória coletiva nos impõe. O ser humano, em geral, sempre lidou 
com	o	passado	de	uma	forma	significativa	para	em	seu	presente,	se	hoje	a	história	lida	com	
a memória através de olhar crítico e com base em documentos, as civilizações tradicionais, 
ditas primitivas, ressignifcavam o passado por meio dos mitos e eles foram e ainda são, de 
alguma forma, essenciais para a construção das sociedades. 
Normalmente, quando ouvimos a palavra “mito” a entendemos como sinônimo de 
lenda, fábula ou mesmo inverdade e essa nossa construção imaginária em torno do termo 
também foi construída historicamente. Eliade (2013) relata que o estudo dos mitos, desde 
meados do século XX, tem sido sensivelmente diferente do que era estudado no século 
XIX, período no qual reforçou-se a ideia de que a narrativa mitológica dos povos “primitivos” 
estudados era essencialmente falsa. No entanto, caro (a) estudante, gostaríamos de cha-
mar atenção para a seguinte situação: a tal ideia de falsidade também estava fatalmente 
arraigada aos valores eurocêntricos dos pesquisadores do século XIX, que ao entender-se 
e entender seu próprio lugar social como produtor de verdades, olhava para o outro, para a 
construção de realidade do outro como falsa. 
35UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
Eliade (2013) propõe que, ao olharmos para as narrativas míticas, em um exercício 
de	alteridade	–	reconhecimento	da	singularidade	do	outro	–,	olhemos	para	os	mitos	como	
“histórias	verdadeiras”.	Mas	o	que	se	define	como	mito?
Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobre-
naturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, 
ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento 
humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: 
ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala 
apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os 
personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos 
sobretudo	pelo	que	fizeram	no	tempo	prestigioso	dos	“primórdios”.	Os	mitos	
revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou 
simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos 
descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado 
(ou do “sobrenatural”) no Mundo (ELIADE, 2013, p. 9). 
A partir da citação acima podemos resumir algumas características básicas dos 
mitos:
●	 Narram uma cosmogonia, ou seja, o início de algo (por exemplo: início do pla-
neta terra, princípio de alguma atividade, surgimento dos seres humanos etc.);
●	 Dizem respeito a um tempo mítico, que não obedece aos mesmos padrões do 
tempo profano e cotidiano;
●	 São essencialmente histórias sagradas, envolvendo entes sobrenaturais e suas 
ações;
●	 Estão sempre ligados à questão “criadora” e “sobrenatural” para explicar a vida 
terrena.
Um mito pode contar diversas histórias, como o exemplo a seguir, de um mito 
cosmogônico da região do Tibet, que busca explicar a origem sagrada das dinastias reais 
tibetanas: 
Da essência dos cinco elementos primordiais,nasceu um grande ovo... De-
zoito ovos saíram da gema desse ovo. O ovo do meio, dentre os dezoito ovos, 
um ovo concóide, separou-se dos demais. Esse ovo concóide desenvolveu 
membros, e depois os cinco sentidos, tudo perfeito, convertendo-se num 
jovem de tão extraordinária beleza, que parecia a concretização de todos os 
desejos (yid la smon). Por isso, foi chamado de rei Ye-smon. A rainha Tchu-
-lchag,	sua	esposa,	deu	à	luz	um	filho,	capaz	de	se	transformar	por	meio	de	
magia, Dbang-ldan (MACDONALD, 1959, p.428 apud ELIADE, 2013, p. 20).
Não nos cabe julgar a veracidade de uma narrativa mitológica, pois, para aquelas 
sociedades, o mito conta uma história real e esta história incide no modo de organização 
daquela	comunidade.	Eliade	(2013)	afirma	que	a	principal	função	do	mito	é	mostrar	modelos	
exemplares,	sobre	os	quais	todas	as	atividades	humanas	significativas	devem	se	pautar:	a	
alimentação, o trabalho, o casamento, a iniciação, a educação, dentre outros. Em muitas 
36UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
tribos, os mitos não são contados diante de mulheres ou crianças, ou mesmo perante a 
não-iniciados, mesmo assim faz parte da memória coletiva daqueles povos e “é transmitida 
de uma geração para a outra, em parte através do processo comum da vida em sociedade, 
sem nenhum esforço consciente de ninguém” (FINLEY, 1989, p. 20). 
Eliade (2013) aponta que os mitos nas civilizações “primitivas” exprimem e codi-
ficam	a	crença.	Além	disso,	impõem	os	princípios	morais,	garantem	a	eficácia	do	ritual	e	
também fornecem regras práticas de conduta. Podemos considerar, portanto, o mito como 
vital para a civilização humana e não apenas uma fábula ou algo a ser desmerecido, pois, 
codifica	a	religião	primitiva	e	a	vida	cotidiana,	os	trabalhos	e	o	destino	da	humanidade.	
Assim, o mito é vivido, ou seja, não há uma dissociação das narrativas do passado 
de caráter sagrado com o modo de viver da sociedade. É importante lembrar, no entanto, 
que a vivência do mito está intrinsecamente ligada aos ritos, ou seja, momentos nos quais 
o	mito	é	reatualizado,	lembrado	de	determinada	forma	em	tempos	específicos.	Para	as	so-
ciedades tradicionais, é necessário sempre reviver o mito por intermédio do rito, momento 
no qual os homens imitam os deuses ou entes sobrenaturais. 
[…] o essencial consiste em evocar periodicamente o acontecimento pri-
mordial que fundou a condição humana atual. Toda a sua vida religiosa é 
uma comemoração, uma rememoração. A recordação reatualizada por ritos 
[…] desempenha um papel decisivo: o homem deve evitar cuidadosamente 
esquecer o que se passou. [...] A memória pessoal não entra em jogo: o que 
conta é rememorar o acontecimento mítico, o único digno de interesse, por-
que é o único criador. É ao mito primordial que cabe conservar a verdadeira 
história, a história da condição humana: é nele que é preciso procurar e reen-
contrar os princípios e os paradigmas de toda conduta (ELIADE, 1992, p. 53).
A vida daquela sociedade é regida por rememoração dos mitos por intermédio dos 
ritos.	Eliade	 (1992)	exemplifica	a	seguinte	situação	em	uma	dada	sociedade	 tradicional:	
uma	jovem,	em	sua	menarca,	é	impelida	a	ficar	retida	em	uma	cabana	escura	por	três	dias,	
sem falar com ninguém. Ela faz isso porque a narrativa mítica que diz que um ser divino, 
identificado como uma jovem, ao ser morto, foi transformado na Lua e permanece três dias 
nas trevas. É importante, portanto, que a jovem siga esta narrativa mítica, caso contrário 
torna-se culpada do esquecimento de um acontecimento considerado primordial. 
Por mais que estas narrativas míticas não encontrem mais sentido na sociedade 
moderna que vivemos hoje, é importante notar que a percepção sobre o passado na forma 
de narrativa mítica constituía a vivência das sociedades consideradas primitivas. Finley 
(1989) comenta que a história, quando ela começou a se delinear, estava imersa em um 
mar de mitos; na verdade, os chamados “pais da história” trabalhavam a partir destes, 
sendo o passado uma massa desconexa de fatos. 
37UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
Por	isso,	é	preciso	afirmar	que,	muito	antes	de	a	história	se	constituir	como	ciência,	
o mito deu uma resposta. O mito organizava o passado e essa era uma de suas funções, 
quando	ele	selecionava	e	revivia	aspectos	dele,	significava	o	presente	e	todas	estas	narrati-
vas eram tomadas como literalmente verdadeiras (FINLEY, 1989). Ainda assim, havia entre 
os “primitivos” a distinção entre “histórias verdadeiras” e “histórias falsas”. As histórias ver-
dadeiras, como já dissemos, são de caráter sagrado, se assentando num passado distante 
e fabuloso, enquanto as histórias falsas, caracterizadas por contos, envolvem personagens 
profanos, sendo pertencentes ao mundo cotidiano (ELIADE, 2013). 
Em suma, podemos dizer que os mitos:
1) [constituem] a História dos atos dos Entes Sobrenaturais; 2) que essa 
História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a reali-
dades) e sagrada (porque é a obra dos Entes Sobrenaturais); 3) que o mito 
se refere sempre a uma “criação”, contando como algo veio à existência, 
ou como um padrão de comportamento, uma instituição, uma maneira de 
trabalhar foram estabelecidos; essa a razão pela qual os mitos constituem 
Os	paradigmas	de	todos	os	atos	humanos	significativos;	4)	que,	conhecendo	
o mito, conhece-se a “origem” das coisas, chegando-se, consequentemente, 
a dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento 
“exterior”, “abstrato”, mas de um conhecimento que é “vivido” ritualmente, 
seja narrando cerimonialmente o mito, seja efetuando o ritual ao qual ele 
serve	de	justificação;	5)	que	de	uma	maneira	ou	de	outra,	“vive-se”	o	mito,	no	
sentido de que se é impregnado pelo poder sagrado e exaltante dos eventos 
rememorados ou reatualizados (ELIADE, 2013, p. 18). 
A relação que as sociedades arcaicas desenvolveram com o passado é completa-
mente diferente da nossa, mas guarda similitudes, já que os mitos não explicam apenas 
a origem do mundo, dos homens, das plantas e dos animais, sendo eles um artifício que 
explica como o ser humano se constituiu no que é hoje (ELIADE, 2013). A História que inte-
ressa para o homem destas sociedades é apenas a história sagrada. Ele se constitui dela, 
enquanto o homem moderno, ao contrário, se vê como fruto unicamente da história profana 
(ELIADE, 1992). Dessa forma, “assim como o homem moderno se considera constituído 
pela História, o homem das sociedades arcaicas se proclama o resultado de um certo 
número de eventos míticos” (ELIADE, 2013, p. 13). Há também uma diferença fundamental 
entre homem moderno e o das sociedades arcaicas: o primeiro não se sente obrigado a 
conhecer a totalidade da sua história, ao passo que o homem arcaico não apenas deve 
conhecê-la em sua totalidade, mas também deve relembrá-la por meio dos ritos. 
O passado por intermédio dos mitos acompanha também, para as sociedades 
arcaicas, um conhecimento mágico-religioso. Assim, conhecer a origem de uma planta, 
animal	etc.,	significa	adquirir	um	poder	mágico	sobre	eles,	ou	seja,	dominá-los	e	utilizá-los	
para	os	fins	que	se	deseja	(ELIADE,	2013).	Para	os	gregos	também	o	mito	era	fundamental	
38UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
para as questões do espírito, pois “com ele, aprendiam moralidade e conduta; as virtudes 
da nobreza [...] e ainda sobre raça, cultura e ainda sobre política” (FINLEY, 1989, p. 6). 
Nas narrativas das sociedades arcaicas, o tempo obedece a outro ritmo: ele é cíclico 
ou, nas palavras de Eliade (1992), é caracterizado por um “eterno retorno”. Em consequên-
cia	disso,	os	mitos	vão	contar	a	história	infindável	de	criação,	destruição,	criação	e	assim	
por diante. Isso foi visto nas culturas da Índia, Grécia e em outras sociedades paleorientais. 
Porém,	o	sentido	de	tempo	é	transfigurado	em	algumas	civilizações,	calcadas	em	outros	
tipos de religiões, como é o caso do judaísmo,para o qual o tempo não é cíclico, mas 
possui	início	e	terá	um	fim.	Já	com	o	cristianismo,	o	tempo	histórico	adquire	outra	forma,	
já não se vangloria o tempo mítico como primordial, mas toma-se a narrativa histórica dos 
evangelhos. 
Marca-se, então, uma diferença importante na concepção de tempo após o advento 
do cristianismo:
Quando um cristão de nossos dias participa do Tempo litúrgico, volta a unir 
se ao illud tempus em	 que	 Jesus	 vivera,	 agonizara	 e	 ressuscitara	 –	mas	
já não se trata de um Tempo mítico, mas do Tempo em que Pôncio Pilatos 
governava a Judeia. Para o cristão, também o calendário sagrado repete 
indefinidamente	 os	mesmos	 acontecimentos	 da	 existência	 do	 Cristo,	 mas	
esses acontecimentos desenrolaram-se na História: já não são fatos que se 
passaram na origem do Tempo, “no começo” (ELIADE, 1992, p. 58) 
Entre história, tal como ela se constitui hoje, e os mitos há diferenças marcantes 
no	olhar	para	o	passado,	ainda	que,	em	aspectos	muito	específicos,	guarde	similitudes,	as	
quais não iremos explorar neste momento. Se as sociedades arcaicas tendiam a ressig-
nificar	o	passado,	especialmente	o	primordial,	 como	modelo	explicativo,	essencialmente	
sagrado e total, na contemporaneidade entendemos a história de maneira fragmentária e 
nos desligamos de seu sentido sagrado em um movimento de dessacralização. É importan-
te entender, entretanto, que as narrativas míticas, por mais que sejam traço marcante das 
sociedades arcaicas, não foram abolidas na sociedade moderna. Os mitos não necessaria-
mente morrem, mas adquirem outras roupagens, ainda que haja um movimento consciente 
por	parte	de	uma	ciência	“esclarecida”	que	nega	quaisquer	influências	destes	em	nossos	
tempos. Portanto, frisamos que a escrita da história, ou melhor, o olhar para o passado, 
não obedece uma linha evolutiva de melhora; como já dissemos, a produção de uma dada 
sociedade deve ser vista de acordo com seus próprios parâmetros.
39UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
2 CONCEPÇÕES SOBRE HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE
A	história	da	historiografia	marca	alguns	episódios,	lugares	e	personagens	conside-
rados essenciais para o desenvolvimento da disciplina. Ainda assim, antes de começarmos, 
é preciso advertir que a narrativa a seguir está ancorada em uma perspectiva ocidental da 
escrita da história e não coloca os personagens, fatos e contextos em posição de universa-
lidade, mas compreende a importância de determinadas correntes para a formação do que 
hoje se compreende ser de suma importância estudar em nosso campo de conhecimento. 
Por	isso,	é	necessário	reconhecer	a	influência	de	determinados	pensadores	para	a	consti-
tuição de determinada tradição histórica. 
Considera-se que a História tenha surgido por meio de Heródoto, que mais tarde 
ganhou o título de “pai da História”. Heródoto viveu no século V a.C. em Halicarnasso, região 
hoje chamada de Turquia. Porém, ele peregrinou por várias regiões, como o Egito (antes 
Kemet), Fenícia, a Trácia, a Grécia continental e o norte da África. É importante frisar que 
Heródoto, em sua vivência em Atenas, inseriu-se no contexto do nascimento não apenas da 
história,	mas	também	da	geografia,	do	direito,	da	medicina,	dentre	outros	(EYLER,	2012).
Atenas, uma das polis gregas, vivia uma atmosfera de novos pensadores que se 
desligavam do caráter mítico-explicativo que estava nas mãos dos adivinhos ou “mestres 
da verdade”. Assim, buscava-se outra forma de relação com o meio, com o presente, com 
as palavras e as coisas. A dessacralização da explicação do ser atesta a construção do 
mundo propriamente humano, “o que necessariamente altera as relações deste com as 
40UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
divindades, com a percepção de tempo” (EYLER, 2012, p. 13). O surgimento da história se 
encontrou, portanto, fortemente ancorado na perspectiva da construção do que deveria ser 
lembrado sob a ótica humana e não mais dos deuses e entes sobrenaturais (EYLER, 2012).
Heródoto, inserido neste contexto, escreve História (este é o nome da obra), no 
intuito de narrar as Guerras Médicas, que envolveram gregos e bárbaros. Diferentemente 
das epopeias homéricas, que colocavam deuses contracenando com homens para narrar o 
mesmo	conflito,	Heródoto	ainda	traz	a	figura	dos	deuses,	mas	com	certo	constrangimento.	
Já o eixo central da sua obra é explicar, do ponto de vista humano, como os homens bri-
gavam entre si e como se podia empreender uma investigação para analisar determinado 
fato (EYLER, 2012). 
Com Heródoto são evidenciados alguns valores da investigação histórica. Ele 
esforça-se para rememorar as possíveis causas das guerras, colhendo depoimentos de 
diferentes povos e reconhecendo as diferenças destes testemunhos por conta da cultura 
de cada. O pensador não se desfaz completamente do passado mítico grego, mas “lida de 
modo distinto com os mitos na medida em que a veracidade de sua História dependia da 
criação de um método humano através do qual ele pudesse controlar o valor das fontes que 
recolhia e colocava diante dos seus olhos” (EYLER, 2012, p. 16).
Em seus escritos encontra-se a preocupação em registrar grandes feitos, para que 
estes não fossem varridos da memória. Heródoto também trouxe novas perspectivas sobre 
o espaço e o tempo, categorias fundamentais para a história. Se para os antigos o tempo 
era algo objetivo e natural, pertencente à natureza, e o lugar dizia respeito às coisas que ali 
habitavam, para Heródoto, que andou por diversas culturas coletando relatos estranhos ao 
mundo grego, tempo e lugar adquiriam contornos plurais e estavam condicionados a cada 
sociedade (EYLER, 2012).
Heródoto concede espaço às questões humanas:
Pela primeira vez, aparece a necessidade de os homens lutarem com suas 
próprias armas contra o esquecimento (léthes). A história inaugura, de modo 
crítico e metódico, uma nova forma de garantir uma verdade (aletheia) que 
não mais depende da autoridade das Musas e dos poetas em sua transmis-
são (EYLER, 2012, p. 22). 
É possível dizer, portanto, que Heródoto inaugura um novo modo de pensar. Além 
de conceder espaço para o tempo humano em narrativa, ele empreende um novo método 
a	partir	de	pesquisas	cosmológicas,	geográficas	e	etnográficas.	Dessa	maneira,	a	escrita	
da	história	em	Heródoto	significa	“pesquisa”	e	“investigação”	e	isso	se	vê	quando	este	se	
propõe a analisar a guerra entre os gregos e os persas. Sua investigação está pautada em 
41UNIDADE II Economia Política e Finanças Públicas
eventos recentes, diferindo das narrativas mitológicas que atestam um tempo longínquo, 
ainda que o pensador precise regressar um pouco no tempo para buscar as causas daquilo 
que narra.
Assim, 
A escrita da história em Heródoto dispõe de um modo de conhecimento 
apropriado	que	combina	três	operações	intelectuais:	refletir	sobre	os	casos	
presentes, compará-los com os casos passados que oferecem circunstân-
cias análogas, tirar conclusões que permitam prever como algo vai evoluir 
(EYLER, 2012, p. 36-37).
Ainda assim, é importante salientar que, na sociedade helênica (grega), enxer-
gamos a passagem do mythos para o logos, ou seja, da explicação mítica pela razão, no 
contexto	do	nascimento	da	filosofia.	Heródoto,	apesar	de	se	pautar	pela	racionalidade,	não	
evitava totalmente a presença das crenças em sua narrativa como interventoras na ação 
humana,	mas	a	presença	divina	se	manifestava	apenas	ao	final	de	uma	longa	cadeia	de	
eventos geridas pelos seres humanos (EYLER, 2012). 
Por mais que por vezes haja esse diálogo com o mito, 
Nas Histórias de Heródoto, mythos aparece pouco, ele mesmo diz escrever 
logoi, ou seja, relatos que eram investigações em forma de pesquisa e ao 
mesmo tempo se nega a narrar logoi sagrados. Para ele, mythos não era uma 
verdade revelada a iniciados e sim uma opinião cujo dizer se dava em plena 
luz do dia, mas que era insensato ou absurdo simplesmente por ser incrível 
(EYLER, 2012, p. 25).

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