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Doenças inflamatórias intestinais É o termo usado para designar a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa. São doenças crônicas de etiologia desconhecida. Ocorre um distúrbio na regulação da imunidade da mucosa, gerando um processo inflamatório espontâneo contra os germes da microbiota fisiológica. O principal fator de risco é história familiar positiva. Aparentemente a RCU acomete mais homens, enquanto a DC acomete mais mulheres. Além disso, são doenças mais prevalentes em países desenvolvidos (relação com dieta ocidental), na população branca (+ nos judeus), com dois picos de incidência entre os 15-40 anos e entre os 50-80 anos. Em 10-20% dos casos, não se consegue diferenciar entre as duas patologias, sendo, então, designado de colite indeterminada. O tabagismo é fator de risco para DC e protetivo na RCU (apesar de fumantes apresentarem evolução pior). O uso de AINES está frequentemente associado ao surgimento de agudizações. Apendicectomia prévia parece ser fator de risco para as DII. Assim como, aparentemente, há uma relação entre história de gastroenterite aguda e o surgimento de DII. É uma doença exclusivamente do cólon e da mucosa. Tem caráter ascendente e uniforme. 30-40% dos pacientes apresentam proctite ou proctossigmoidite, 30- 40% possuem colite esquerda e 20-30% possuem pancolite (pode acometer o delgado distal, por ileíte de refluxo). A mucosa, de maneira macroscópica, pode estar normal ou completamente desnudada. Quando apresenta alguma alteração, entre elas, não existem áreas onde a mucosa esteja normal (aspecto uniforme), assim como o tratamento que inicia pelas porções distais até atingir o reto. Fases: desaparecimento do padrão vascular do cólon; hiperemia, edema, mucosa friável, erosões, ulcerações e exsudato mucoso, pus, sangue; pseudopólipos (15-30%); mucosa pálida, atrófica, tubular. Alterações radiológicas incluem: perda de haustrações intestinais; espessamento de musculatura lisa (aspecto de cano de chumbo no RX). Na doença de longa duração, pode ter displasia epitelial. Pode acontecer em qualquer parte do tubo digestório. Se o acometimento for apenas do intestino delgado, pode ser chamada de enterite regional. Possui um acometimento de caráter heterogêneo, podendo acometer vários locais simultaneamente e possuir áreas onde o acometimento é apenas microscópico. Geralmente se inicia com úlceras aftoides sobre as Placas de Peyer do intestino delgado ou sobre aglomerados linfoides no cólon. As alterações patológicas inflamatórias são transmurais, podendo gerar estreitamento luminal, espessamento de parede e fístulas. Pode apresentar lesões com aspecto de pedras de calçamento, com uma extensão lateral, linear e retilínea, com várias úlceras progredindo até se encontrar, com áreas de mucosa normal. Pode se aprofundar pelas camadas do intestino, gerando fistulização. São comuns aglomerados linfoides em todas as camadas do intestino, com histiócitos (em 50% dos pacientes). Granulomas não caseosos podem ocorrer em 30% dos casos, podendo ser útil na diferenciação de DC e RCU. Macroscopicamente, acomete mais a porção ileal distal e o cólon ascendente (ileocolite), em 70-75%. Já em 10-20% há um acometimento apenas do cólon (colite de Crohn ou granulomatosa). Por fim, 5% tem comprometimento da boca, com úlceras aftoides ou da mucosa gastroduodenal, com síndrome da obstrução pilórica. Além disso, é muito comum o fat wrapping, que é a invasão da serosa por tecido adiposo, somado a nódulos esbranquiçados na parede externa das alças intestinais. ANATOMOPATOLOGIA RCU DC Local acometido (difuso, colônico, limitado). Padrão de acometimento (contínuo ou salteado). Envolvimento extramucoso ou não. Presença de granulomas não caseosos. Presença de fístulas. Diarreia mucopiossanguinolenta, com períodos assintomáticos, de intensidade e duração variável. Acompanha dor abdominal e, em alguns casos, febre. O início geralmente é insidioso, o que atrasa o diagnóstico. Normalmente, o paciente procura o médico com uma urgência progressiva para defecar (menor complacência do reto inflamado); cólicas abdominais baixas; sangue e muco nas fezes. Em casos mais raros, o início pode ser súbito, com diarreia volumosa, síndrome febril e toxemia. Se estiver ainda no retossigmoide, as fezes podem estar normais ou endurecidas, com constipação (alentecimento na peristalse do cólon direito). Em situações mais extensas, podem aparecer fezes amolecidas, com diarreia, cólicas e tenesmo. Manifestações extraintestinais são mais comuns em doenças extensas (além da flexura esquerda). Anormalidades laboratoriais incluem anemia ferropriva (perda de sangue nas fezes), hipoalbuminemia (em casos extensos, perda proteica por exsudação), leucocitose com desvio. Ileocolite - diarreia crônica, invasiva, com dor abdominal; febre, anorexia e perda de peso; massa palpável no QID (edema de alça intestinal ou abcesso); doença perianal. Os sintomas variam de acordo com a localização: a colite de Crohn tem sintomas muito parecidos com a RCU; o acometimento extenso e prolongado do delgado pode gerar uma síndrome disabsortiva grave, com desnutrição e debilidade; a gastroduodenal é muito parecida com doença ulcerosa. Articular: desde atralgia até artrite aguda, com dor e edema. É mais comum em pacientes com acometimento do cólon do que de delgado. Cutaneomucosa: também é mais comum em doença de cólon. Eritema nodoso ou paniculite - relaciona-se com a intensidade e é mais comum em mulheres. Pioderma gangrenoso - úlceras indolores, que cicatrizam. É mais comum na RCU e se relaciona com a atividade. Lesões labiais e úlceras aftosas orais. Ocular: uveíte, conjuntivite e episclerite. Se relacionam com a atividade da doença e se associam ao HLA-B27. Hepática e biliar: hepatite focal; esteatose; pericolangite; colangite esclerosante; cirrose e câncer. Renais: cálculos de oxalato de cálcio, de ácido úrico e uropatia obstrutiva. Ósseas: osteoporose e osteomalácia, em decorrência do uso crônico de corticoides, má absorção intestinal de vitamina D e de cálcio. Nutricional e metabólico: perda de peso, retardo no crescimento, enteropatia perdedora de proteínas, desnutrição, hipoalbuminemia, deficiência de vitaminas (+ na DC). Tromboembólicas: hipercoagulabilidade, TVP e AVC. CRITÉRIOS DE DIFERENCIAÇÃO: 1. 2. 3. 4. 5. MANIFESTAÇÕES RCU: DC MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: Sangramento: pesquisa de SOF normalmente é positiva em pacientes com DC, ao passo que sangramentos macroscópicos são mais comuns na RCU. Sangramentos visíveis na DC são mais comuns na colite de Crohn que na ileocolite, sendo raros nos casos extensos. Megacólon tóxico, perfuração e peritonite: o megacólon tóxico ocorre quando há inflamação até a camada muscular, gerando perda de tônus e afinamento da parede, corroborando com a dilatação (sobretudo no transverso e no cólon direito). Mesmo sem dilatação, sintomas de dor à descompressão, febre alta e leucocitose contínua, são caracterizados como colite grave e geram risco de perfuração e peritonite. Diagnóstico de megacólon - dilatação > 6 cm no RX de abdome + dor abdominal + febre alta + diminuição da peristalse. Os agentes antimotilidade (usados na colite) devem ser evitados, podem ser precipitadores. O tratamento deve ser intensivo, a ausência de resposta em até 24 h indica colectomia para evitar perfuração. Estenose: pelo dano repetitivo das camadas profundas da parede intestinal. Os sintomas condizem com obstrução parcial (cólicas, distensão pós-prandial, constipação/diarreia e massa palpável). Fístulas: transmurais são típicas da DC, podendo gerar massas de inflamação e abcesso. É comum um paciente com DC não diagnosticado submetido à apendicectomia que evolui para fístula enterocutânea pela manipulação da região na operação. Câncer: é comum ser uma complicação da RCU, dependente da extensão do acometimento na mucosa e da duração da doença (+ de 8 anos). O risco aumenta mais quando associado à CEP. A lesão inicial é uma displasia da mucosa, identificadapor biópsia na colonoscopia. Quando confirmada, indica colectomia. O seguimento colonoscópico deve ser feito em todo paciente com RCU de longa data. A displasia pode ocorrer na mucosa plana, ulcerada, nas estenoses ou nos pólipos. A DC pode aumentar a incidência de adenocarcinoma intestinal. Devem ser realizadas colonoscopias anuais após 8 anos de doença. Pacientes em remissão que apresentam sintomas de obstrução devem ser avaliados. Pode ocorrer aumento do risco de leucemia, linfoma e carcinoma de vias biliares. Retossigmoideoscopia com biópsia - comprometimento uniforme e contínuo, perda do padrão vascular da mucosa, exsudatos, friabilidade, ulcerações, granulosidades e, em alguns casos, pseudopólipos. Colonoscopia com biópsia em casos de doença grave (+ de 6 evacuações ao dia ou sinais sistêmicos). Está contraindicada em suspeita de megacólon tóxico. Histopatológico - distorção de criptas, infiltrado linfoplasmocitário na lâmina própria ou abcesso de criptas com acúmulo de neutrófilos. Imagem - clister opaco contrastado com ar (ausência de haustros, granularidade difusa em áreas contíguas, ulcerações superficiais, pseudopólipos, cólon de aspecto tubular/cano de chumbo. Laboratorial - p-ANCA (60-70% dos pacientes), se relaciona com pancolite, cirurgia precoce e evolução para CEP. Ileocolonoscopia com biópsias - comprometimento salteado, com úlceras aftosas (aspecto de pedras de calçamento). Histopatológico semelhante à RCU, porém pode ter granulomas não caseosos. Imagem - clister opaco contrastado com ar (ulceração assimétrica e focal, fístulas, preservação do reto, íleo terminal comprometido com refluxo do Ba). Entero-TC/RNM. Laboratoriais - anticorpos ASCA (60-70% dos pacientes). COMPLICAÇÕES: 1. a. 2. a. b. c. 3. 4. a. 5. a. b. c. d. DIAGNÓSTICO: RCU: DC: Síndrome do intestino irritável; infecção entérica; apendicite; hemorroidas; carcinoma de cólon; linfoma intestinal; colite colágena. Leve - < de 4 evacuações por dia; sem sinais de inflamação sistêmica; VHS normal. Cólicas leves, tenesmo e constipação. Moderada - > de 4 evacuações por dia; anemia leve e dor moderada. Sinais discretos de inflamação, febre baixa, apetite preservado e peso mantido. Grave - > de 6 evacuações por dia. Dor intensa, inflamação sistêmica (febre > 37ºC e FC> 90 bpm); anemia moderada e grave; VHS aumentada; desnutrição e perda ponderal. Leve a moderada - dieta oral e sem desidratação; sem inflamação sistêmica, hipersensibilidade abdominal, massas, obstrução intestinal e perda de peso < de 10%. Moderada a grave - sinais de inflamação, náuseas, vômitos, dor, hipersensibilidade abdominal, perda ponderal > 10%, anemia. Podem ter casos leves que não responderam ao tratamento inicial. Grave a fulminante - paciente toxêmico (com febre alta e prostração), vômitos persistentes, obstrução, irritação peritoneal, caquexia, massa palpável (abcesso). Podem entrar pacientes que não respondem aos anti-TNF. Os mesmos medicamentos são usados para tratar as duas doenças e visam o controle da inflamação. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE: RCU DC TRATAMENTO: 1.Derivados do 5-ASA - é um anti-inflamatório tópico na mucosa intestinal. Podem ser usados na indução e manutenção da remissão. Podem estar ligados à sulfa (sulfassalazina) ou não (mesalazina). Os primeiros conseguem atravessar o intestino delgado sem serem metabolizados, fazendo que com só atuem no cólon. a. Ação - inibição da cascata do ácido araquidônico/inibição da produção dos radicais livres; inibição da função linfomonocitária e de imunoglobulinas; inibição da produção de IL-1. b. Efeitos colaterais - são incomuns e incluem náuseas, rash cutâneo, diarreia, pancreatite e nefrite aguda. c. É necessária repor ácido fólico. 2. Glicocorticoides - devem ser usados somente para indução de remissão em casos moderados e graves. Em períodos prolongados os riscos superam os benefícios. Pode ser EV (hidrocortisona, metilprednisolona), VO (budesonida) ou retal (hidrocortisona), de acordo com as condições do paciente. a. Efeitos colaterais - alterações do humor, insônia, disglicemia, HAS, acne, aumento de peso, edema, dispepsia e face cushingoide. 3. Imunomoduladores - tiopurinas (azatioprina [é uma pró-droga] e mercaptopurina). São usados em casos moderados e graves, combinados com um agente anti-TNF ou em pacientes que não conseguem reduzir a dose de corticoide. a. Efeitos colaterais - alergia, náuseas, vômitos, pancreatite, hepatite, mielotoxicidade, aumento do risco de câncer e infecções oportunistas. b. Metotrexate - consiste em um fármaco de segunda linha, em casos de intolerância às tiopurinas, é administrado via SC. 4. Agentes biológicos - anticorpos monoclonais quiméricos e humanizados, que atuam em moléculas da cascata inflamatória. a. Agentes anti-TNF - infliximab, adalimumab, golimumab, cetolizumab peguilado. Podem aumentar o risco de infecções oportunistas (tuberculose, micoses, ascardiose, listeriose e de alguns vírus. Além disso, podem gerar a indução de autoanticorpos FAN e anti-DNA; hepatopatia; aumento do risco de câncer (tumor de pele não melanoma e linfoma não Hodgkin); doença desmielinizante; descompensação cardíaca. b. Agentes anti-integrina - natalizumab e vedolizumab. Inibem o tráfego de leucócitos intravascular e reduz a inflamação. A proctocolectomia total pode aventar a possibilidade de cura. Porém, deve ser a exceção e não a regra. Em fase aguda, os antidiarreicos devem ser evitados, pelo risco de megacólon tóxico. Colite distal/doença leve - mesalazina via retal. Podem ser usados corticoides retal ou derivados do 5-ASA orais (porém são menos eficazes em monoterapia). Colite leve ou moderada - a primeira linha é um derivado do 5-ASA oral, geralmente sulfassalazina. Se após quatro semanas não houver resposta, podem ser associados glicocorticoides. Caso, ainda assim, não hajam respostas ou muitas recidivas durante o desmame do corticoide, podem ser associados imunomoduladores (azatioprina ou mercatopurina). O anti-TNF é prescrito em refratariedade ou intolerância as terapias anteriores, caso haja intolerância a estes, podem ser usados agentes anti-integrina. Colite grave ou fulminante - o paciente deve ser internado e instituída dieta zero por 24-48 h (instituir NPT, se necessário manter dieta zero por 7-10 dias). Suspender drogas que diminuem motilidade, instituir hidratação venosa e hemotransfusão, se necessário. Antibióticos de amplo espectro. Glicocorticoide EV (hidrocortisona 300 mg ou metilprednisolona 48-64 mg). Se não melhorar nos primeiros dias pode-se adicionar um anti-TNF, ciclosporina ou considerar cirurgia. Cirurgia - colectomia total em até 48-72 h. Manutenção - derivados do 5-ASA ou imunomoduladores (tiopurinas, em casos de > 2 recidivas em um ano ou em cortico-dependentes). Cirurgia - Indicação: colite fulminante; megacólon tóxico; hemorragia grave; perfuração; displasia de alto grau; câncer; refratariedade clínica; retardo no crescimento. Técnicas - proctocolectomia + ileostomia continente. Colectomia abdominal + proctectomia mucosa + anastomose ileal-anal. Colectomia abdominal + anastomose com bolsa ileal grampeada e reto distal. Objetiva o alcance e a manutenção da remissão em longo prazo. O início precoce do uso dos agentes biológicos deve ser considerado em pacientes com risco de desenvolvimento de doença agressiva (jovens, doença perianal, estenosante ou necessidade do uso de corticoides). Dieta - deve ser equilibrada, sem restrições (a não ser que seja necessário, em casos de intolerância à lactose, por exemplo). Em sintomas de suboclusão crônica, a dieta deve ser pobre em resíduos. Em ressecção ileal, dieta pobre em gorduras e suplementação de B12. Doença leve a moderada - step up, iniciando com um derivado do 5- ASA (ligado à sulfa ou não, dependendo do local da doença); antibióticos; glicocorticoides. Depois de alcançada a remissão, manter com 5-ASA, se não tolerados, podem ser usados imunomoduladores ou agentes biológicos. Doençaem regiões proximais possuem os corticoides como primeira linha de tratamento. Doença moderada a grave - a primeira coisa é alcançar a remissão, normalmente com agentes biológicos (sobretudo os anti-TNF), se necessário, associado com um imunomodulador (em pacientes com altos riscos de complicações, mantendo terapia por um ano). Doença grave a fulminante - se ocorrer perfuração, a conduta é cirúrgica; os abcessos devem ser drenados; obstrução intestinal deve ser tratada com dieta zero, drenagem nasogástrica e reposição hidroeletrolítica; fístulas indicam o uso de agentes biológicos, se refratárias, é preciso fazer cirurgia. Todos devem ser complementados com antibióticos de amplo espectro. Cirurgia - é indicada em casos de obstrução, abcessos, fístulas refratárias, hemorragias maciças, refratariedade clínica, displasia de alto grau e câncer. A ressecção deve ser feita quando inevitável, pela chance de o paciente desenvolver a síndrome do intestino curto, pela cronicidade da condição; por isso, na cirurgia, o paciente alarga o intestino sem remover pedaços. Para obstrução intestinal é feita uma estricturoplastia. RCU DC
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