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INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL Direito penal x Direito criminal Desde que se tornou independente, o Brasil utilizou a expressão “direito criminal” apenas uma vez, no Código Criminal do Império, em 1830. Para além de tal Código, passou a utilizar a denominação Código Penal. A expressão Direito Penal é criticada por parcela da doutrina, por vezes em razão de não abranger um dos grupos de combate à criminalidade - o das medidas de segurança, dando ênfase somente à pena. O que se cria nesse cenário é a ideia de punição, e não de tratamento do agente que cometeu um injusto típico. Para Basileu Garcia, o termo “direito criminal” seria mais adequado, ao mencionar as medidas que visam evitar os crimes, e pressupõe que o destinatário tenha praticado algum. Ainda assim, a denominação “direito penal” é adotada pela doutrina majoritária, não apenas no Brasil, mas também em outros países. De maneira análoga, a expressão direito penal é referida na Constituição Federal e no próprio código da matéria. Os defensores da denominação direito penal compreendem que a pena é a condição de existência jurídica do crime, sendo assim, a pena não é apenas o conceito central da disciplina, mas também é o limite daquilo que a ela pertence. No que diz respeito às medidas de segurança, entende-se que elas constituem juridicamente sanções com caráter retributivo, e portanto com indiscutível matiz penal. Embora o estudo seja dedicado ao “direito penal”, o vocábulo criminal se mantém presente no sistema jurídico, a exemplo da “Vara Criminal”. Direito penal Direito penal é um fenômeno jurídico. É o campo do direito público que se ocupa de estudar os valores fundamentais (bens jurídicos) sobre os quais se assentam as bases da convivência e da paz social; o conjunto de normas jurídicas (princípios e regras) destinadas a proteger esses valores , e os fatos que ofendem esses valores . Assim como na teoria tridimensional do direito de Miguel Reale “fato, valor e norma”, o direito penal também se encontra nesses pilares. Sob proteção do direito penal se encontram os valores mais importantes de uma sociedade, uma vez que os outros ramos do direito não são capazes de sozinhos proteger alguns bens, cabe ao direito penal desempenhar essa função. O direito penal pode ser definido sob três aspectos: formal, material e sociológico. De acordo com o aspecto formal , que também pode ser chamado de aspecto estático, o direito penal é um conjunto de normas que qualifica certos comportamentos humanos como infrações penais, define os seus agentes e fixa as sanções a serem-lhes aplicadas. FERNANDA CAUS PRADO DIREITO PENAL I 2 Sob o aspecto material , o direito penal faz referência aos comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando os bens jurídicos necessários à sua própria conservação e progresso. Conforme o aspecto sociológico , ou dinâmico, o direito penal é um instrumento de controle social de comportamentos desviados, que objetiva assegurar a necessária disciplina social e a convivência harmônica. Finalidade do direito penal O direito penal está vinculado à manutenção da paz social. A regulação da convivência humana demanda a existência de normas que, quando violadas, são sancionadas pelo Estado. Diversos ramos do direito atuam nesse sentido, contudo, a diferença existente no direito penal é que a norma penal carrega uma espécie distinta de consequência jurídica. A finalidade do direito penal é proteger os bens importantes e necessários para a sobrevivência da sociedade . Nilo Batista afirma que o mecanismo pelo qual o direito penal atinge tal objetivo é a cominação, aplicação e execução da pena. A pena é o instrumento de coerção utilizado pelo direito penal. O critério que define os bens a serem tutelados pelo direito penal é político , visto que a sociedade evolui dia após dia. A importância de determinados bens varia com o tempo. Quando esta tutela não mais se faz necessária, o direito penal se afasta e os demais ramos do direito assumem o encargo de protegê-los. Princípio da intervenção mínima O princípio da intervenção mínima vigora no direito penal, orientando e limitando o poder incriminador do Estado. A base que fundamenta tal princípio é a ideia de que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Direito penal no Brasil: desigualdade e punição Em um sistema social com a lógica da desigualdade, a punição torna-se criminalizatória. A essência punitiva do direito penal precisa ser limitada constitucionalmente, no aspecto de lei sobre lei. A violência estrutural reflete na violência institucional e o Estado possui o monopólio da violência. A sanção penal tem como função oculta dar continuidade à questão de exclusão. O crime é na sua essência uma violência, contudo, a sanção penal também representa uma violência institucional. Sendo assim, faz-se necessário pensar em uma política que pense na existência dos indivíduos. A política penal deve ser direcionada a macrocriminalidade, recuperando ativos de modo a asfixiar a mesma. As motivações são variáveis de acordo com os aspectos sociais e culturais, fato que influencia no princípio da culpabilidade , responsável por fazer a “dosagem” da pena. FERNANDA CAUS PRADO DIREITO PENAL I 3 Dos delitos e das penas - Marquês de Beccaria Beccaria entende que é melhor prevenir o crime do que castigá-lo. Há uma forte conexão entre pena e crime. Beccaria entende que o enfrentamento do crime se dá pela prevenção, a prevenção é a melhor política criminal. Seu grande mérito é quebrar com as concepções cruéis e terroristas do direito penal de sua época, detonando costumes e tradições do século XVIII. Ele aspirava a reforma do direito penal de sua época, que se encontrava em profundo atraso. É preciso considerar que na época, reinava a ideia do contrato social entre cidadãos, e o direito penal se justificava nessa base: a existência do direito penal decorre da existênciado contrato, a aplicação da sanção penal era justificada pelo contrato social. Se aceitarmos os termos do contrato, ao rompê-los, tornamo-nos inimigos da sociedade. Beccaria menciona, nos dois capítulos iniciais, a existência do contrato social. Um direito penal construído por meio do contrato social legitima formas modernas de tirania. Beccaria não concebia o direito penal como instrumento de vingança, sua concepção era utilitarista: o direito penal deveria ser útil, com objetivos preventivos. Prevenção geral: a intimidação da sociedade consiste na certeza da punição, capacidade de dissuasão. Prevenção especial: a busca pela recuperação do infrator pela sociedade. Ius puniendi estatal e os princípios penais constitucionais Ius puniendi é o poder de punir do Estado. Esse poder deve ser controlado, para que não haja arbítrio. Quem faz esse controle são os princípios, que trazem carga valorativa, apresentados a seguir. Princípio da legalidade Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Nullum crimen, nulla poena sine previa lege. ➔ Princípio da legalidade: toda e qualquer proibição precisa estar prevista em lei. Está explicitamente descrito. Encontra-se no artigo 1º do CP e artigo 5º inciso XXXIX da Constituição Federal. A legalidade representa a expressão da democracia, o Estado democrático de direito. A lei não pode ser meramente formal, deve carregar a descrição clara da proibição. O princípio da legalidade protege a todos os indivíduos. A lei penal deve valer para todos. tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades. FERNANDA CAUS PRADO DIREITO PENAL I 4 “O estado democrático de direito jamais poderia consolidar-se em matéria penal sem a expressa previsão e aplicação do princípio da legalidade.” NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Em seu aspecto político , o princípio de legalidade confere segurança jurídica para que cidadãos só sejam punidos com base em lei escrita, lei de conteúdo determinado e lei anterior ao fato. Alguns são os princípios que decorrem da legalidade, sendo eles: Princípio de taxatividade : o fato deve ter seu conteúdo determinado, claro, com descrição completa. Princípio da anterioridade penal : a lei deve ser anterior ao fato, não se pode aplicar uma lei a um fato que ocorreu antes de sua criação, a lei é feita para atos futuros. Princípio da irretroatividade da lei penal mais severa : as leis penais não podem retroagir; as leis caminham para frente, não podem voltar ao passado. A exceção se encontra no princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Princípio da retroatividade da lei mais benéfica : a lei pode retroagir em caso de ser mais benéfica para o réu. Encontra-se no artigo 5º, XI da CF. As leis penais não retroagirão, salvo para beneficiar o réu. No aspecto jurídico , a conduta que não estiver prevista na lei penal ficará livre de sanção penal. Chamamos de subsunção a exigência de que a conduta concreta realizada pelo sujeito ativo tenha correspondência na conduta abstrata contida na lei penal. ★ Exemplificando: jurisprudência penal do STF Interceptação não autorizada de sinal de TV a cabo não caracteriza furto, portanto, inexiste subsunção ao parágrafo 3º do artigo 155 do CP, porque o sinal de tv não é energia. (HC 97.261, Relator Min. Joaquim Barbosa, 2ª turma, julgado em 12.04.2011). Artigo 155 do CP: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: § 3º - equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. O Código Penal ➔ Código Penal: conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral, dirigidas não só aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda a legislação penal FERNANDA CAUS PRADO DIREITO PENAL I 5 extravagante, desde que esta não disponha expressamente de modo contrário. O código penal é dividido em duas partes, sendo elas a geral e a especial. Parte geral : estão princípios gerais indispensáveis para a interpretação e aplicação das normas incriminadoras (proibitivas). Parte especial : estão as normas incriminadoras que definem crimes e cominam penas e, os bens jurídicos protegidos. A norma penal A função da norma é delimitar o âmbito do proibido - separando o que é lícito e o que é ilícito. Do mesmo modo, as normas delimitam o âmbito do punível . Elas demarcam o âmbito da nossa liberdade. A norma se dirige a todas as pessoas. Ela não nos concede certas liberdades, pois há conteúdos descritivos proibitivos que delimitam nossa ação. A norma penal é uma construção política, bem como o crime é uma construção política. É necessária responsabilidade na formação de normas penais, pois trata-se de uma decisão de política penal: o que é proibido e de que modo punir. É pelo conteúdo da norma que se torna possível identificar o bem jurídico. Se não há um bem jurídico previsto, que justifique a punição, a norma se torna inconstitucional. Toda norma deve proteger um bem jurídico . Toda norma penal tem um conteúdo descritivo e também uma consequência jurídica . A descrição da conduta proibida e uma consequência jurídica por trás da conduta. ★ Exemplificando: homicídio Conteúdo: matar alguém; consequência: a própria sanção penal prevista (pena cominada). Direito Penal e Constituição O direito penal obrigatoriamente deve ser fundamentado pela Constituição, visto que sua função é defender valores. Estamos construindo um conceito de direito penal de cunho Constitucional, pois estamos partindo do pressuposto que a norma penal tem a finalidade de proteger bens jurídicos e valores. Esta é a conexão entre o direito penal e a Constituição. ★ Exemplificando: não matar. Justifica sua existência na proteção da vida humana,que é um direito assegurado pela Constituição Federal. FERNANDA CAUS PRADO DIREITO PENAL I 6 A conduta criminosa O conceito de crime está ligado à violação dos valores fundamentais protegidos na esfera do direito penal. O crime será sempre violação de direitos de outrem, violação do direito alheio. Para compreender a teoria do crime, é necessário entender a estrutura do direito penal (bens jurídicos, normas e fatos). A teoria do crime deve ser repensada à luz da ideia de que o direito penal deve defender bens jurídicos. A ideia do que é ou não é crime, requer dos intérpretes que verifiquem se a conduta praticada pelo sujeito ativo ofendeu bem jurídico alheio. Quem aplica o direito penal, a exemplo do juiz, deve avaliar se o sujeito que praticou a conduta (pela qual está sendo acusado) ofendeu o bem jurídico alheio. ➔ Conduta criminosa: aquela capaz de ofender o bem jurídico alheio. O sistema de proteção de bens jurídicos pela norma penal é bem elaborado, pois os bens jurídicos não são protegidos apenas por sofrerem lesão, mas também pela possibilidade efetiva de serem colocados em perigo. Desse modo, a ofensa pode se dar de duas formas: lesão ao direito alheio ou perigo concreto de lesão ao direito alheio . Fora dessas possibilidades, o sujeito não praticou o crime. ★ Exemplificando: lesão ou perigo de lesão. Homicídio consumado é uma lesão ao direito alheio, a tentativa de homicídio (não consumado) é um perigo concreto de lesão ao direito alheio. FERNANDA CAUS PRADO DIREITO PENAL I 7 -------------------------------________----- EXERCÍCIOS ---------------------------------------------------- 1. A definição legal da infração penal deve ser feita de forma clara e inteligível (taxativa), para não gerar leis penais abertas demais. VERDADEIRA 2. A preceituação genérica da lei penal fere o princípio da legalidade. VERDADEIRA 3. Não é obrigatória a prévia existência de lei penal incriminadora para que alguém possa ser por um fato condenado. FALSA, estabelece o art. 1º do CP “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
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