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SP 3 - Hepatopatias e Cirrose

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Módulo 3 > Dor Abdominal, Diarreia Vômitos e Icterícia
SP 3 - “Excesso...”
OBJ. 1: Caracterizar a hepatopatia crônica, suas etiologias com ênfase na cirrose hepática alcoólica, relacionando com HVD.
As doenças crônicas do fígado resultam da agressão hepatocelular persistente, mesmo diante da regeneração hepatocitária. Esse processo dinâmico de agressão e regeneração resulta em modificações que culminam em deposição progressiva de tecido de reparação (fibrose), em substituição ao parênquima funcionante. A continuidade desse processo causa desorganização arquitetônica e vascular dos lóbulos hepáticos. O termo “insuficiência hepática crônica”, por sua vez, é utilizado para descrever as complicações sistêmicas decorrentes de uma queda lenta e progressiva da função dos hepatócitos.
A hepatite crônica foi definida, então, como síndrome clínico-patológica decorrente de múltiplas etiologias, caracterizada por diferentes estágios de inflamação e necrose hepatocelular. Por sua vez, conceituou-se que a cronicidade se associa à persistência de atividade inflamatória, com manifestações de agressão hepatocelular traduzidas, sobretudo, por elevação de níveis séricos de aminotransferases por mais de 6 meses, conduzindo assim, ao diagnóstico de hepatite crônica.
As principais causas de hepatite crônica são: viral (B, D, C, G); idiopática (hepatite autoimune); metabólica (doença de Wilson, deficiência de a1-antitripsina); induzida por fármacos; ingesta alcoólica excessiva; genética.
HEPATITE VIRAL CRÔNICA
· Hepatite B
A infecção crônica induzida pelo vírus da hepatite B atinge 400 milhões de pessoas em todo o mundo, predominando, sobretudo, entre habitantes da Ásia e África, onde a transmissão se processa mais frequentemente por via vertical (materno-fetal), mas, também, horizontal, comportamento observado entre crianças, adolescentes e adultos.
Entre os fatores predisponentes à evolução para a cronicidade estão: idade do início da infecção (recém-nascidos não imunizados); sexo (homens); idade mais avançada ao diagnóstico; estado imunológico; ingesta alcoólica excessiva; fumo; fatores relacionados ao vírus (coinfecção com VHD, VHC e HIV); etc.
Aproximadamente, 500.000 desses pacientes morrerão ao ano em consequência da instalação de cirrose e carcinoma hepatocelular, e outros 40.000 de hepatite aguda fulminante em todo o mundo.
As vias clássicas de infecção pelo VHB relacionam-se ao contato com sangue infectado ou secreções corpóreas. Nessas condições, o agente penetra o corpo via mucosas ou soluções de continuidade cutâneas, vias abertas, como consequência do uso de agulhas, ou de seringas contaminadas, ou via oral. A transmissão sexual se mostra prevalente, predominando entre homossexuais masculinos, mas, também, identificada entre heterossexuais. Por sua vez, a via perinatal mostra-se responsável por 90% dos casos de mães que são AgHBe positivos, mas essa via de contaminação pode se dar durante o parto, ou no período pós-natal, pelo contato estreito matemo-recém nato.
Classicamente, 60-70% dos infectados pelo VHB não manifestam quadro clínico agudo bem definido, evoluindo de forma subclínica. Cerca de 5-10% destes desenvolvem infecção crônica, traduzida pela persistência sérica do AgHBs, bem como de outros marcadores virais, tais como o AgHBc e AgHBe, ou DNA VHB identificados no sangue e também no fígado. Nesses pacientes, persistem no soro, pelo menos por 6 meses, esses produtos virais.
Nessa fase crônica, são comuns níveis séricos elevados de alanina-aminotransferase (ALT) e gamaglutamiltransferase (GGT). Na maioria das vezes, os pacientes referem sintomas inespecíficos, tais como dor abdominal, digestão lenta, flatulência, anorexia, náuseas e fadiga fácil. Não se identificam sinais físicos, tais como aranhas vasculares, palma hepática, icterícia ou ginecomastia, e, excepcionalmente, exibem hepato e/ou esplenomegalia. Pode, no entanto, haver manifestações extra-hepáticas da doença, como artralgia, glomerulonefrite, derrame pleural, pericardite, edema angioneurótico e anemia aplástica. Cerca de 10% apresentam cura sorológica espontânea, permanecendo alguns com o AgHBs, tornando-se anti-AgHBe e anti-AgHBc IgG positivos.
· Hepatite C
Estima-se que no mundo existam cerca de 180 milhões de indivíduos cronicamente infectados pelo VHC, constituindo problema significativo de saúde pública, sobretudo para habitantes dos países ocidentais.
A infecção aguda pelo VHC, na maioria das vezes, cursa assintomática, 80% dos pacientes se apresentam anictéricos, apenas 20% desenvolvem icterícia. Cerca de 50-80% desses pacientes, no entanto, evoluem para hepatite crônica, metade dos quais não manifesta sintomas, enquanto os outros apresentam sintomas inespecíficos, tais como astenia, mal-estar geral ou náuseas. Esses terão um curso clínico e história natural típicos, com fatores influentes sobre índice de progressão para cirrose e carcinoma hepatocelular como: etnicidade, idade ao diagnóstico, fatores genéticos, sobrecarga de ferro, esteatose hepática, coinfecções com HIV ou Hep. B, obesidade e resistência à insulina, etc.
A doença revela-se bioquimicamente por elevação persistente e flutuante dos níveis séricos de ALT e AST. Diante da suspeita clínica, se pesquisa no sangue a presença do anti-VHC. Positiva implica a busca de identificação do RNA VHC (técnica PCR), seguida da determinação da carga viral e do genótipo, sobretudo quando se busca iniciar o tratamento específico para tais pacientes. Complementa-se esse início se valendo da biópsia hepática com finalidade de: 1. avaliar o grau das lesões necroinflamatórias (A0-3); 2. estadiar a fibrose (F0-4); 3. Identificar cofatores que contribuem para evolução crônica, tais como, sinais de doença hepática alcoólica ou de esteato-hepatite não alcoólica e sobrecarga de ferro.
· Hepatite Delta
Este agente se comporta como um vírus defeituoso que requer a função auxiliadora do VHB, ou de outro hepadnavírus, atuando como auxiliador, uma exigência para que se processe sua secreção e disponibilidade.
Mostra-se prevalente em algumas regiões da América do Sul, como no Brasil. Nessas regiões subtropicais, permanece e se comporta como um reservatório importante, comportamento relacionado com ausência de programas de vacinação anti-VHB, com a principal rota de transmissão ocorrendo por via inaparente, ou percutânea. Esse comportamento leva a que 5% daqueles portadores do VHB o sejam também do VHD, chegando a cerca de 15 milhões de pessoas no mundo portadores desses dois agentes.
Varia desde o estágio de portador crônico assintomático até aquele em que cursa para doença progressiva. Em outros, pode se manifestar sob forma aguda benigna ou assumir um aspecto avassalador de hepatite fulminante. Com a associação VHB/VHD, o espectro da doença estende-se desde portadores assintomáticos até doentes que apresentam forma grave de hepatite, cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC). Na maioria das vezes, cursa de forma aguda benigna e autolimitada.
Importante ressaltar que, nos indivíduos que fazem uso de drogas injetáveis, a infecção pode ter curso bifásico, dependente do estado de coinfecção, estes com risco maior de evolução para doença crônica, ocorrendo inexorável e progressiva insuficiência hepatocitária.
HEPATITE AUTOIMUNE (HAI)
Representa uma doença inflamatória crônica hepatocelular, relacionada com a ruptura dos fenômenos da autotolerância, desregulados entre jovens, afetando, em geral, pacientes do sexo feminino, que cursam com hepatite agressiva de interface, identificada em crianças ou adultos jovens, com 20% dos casos acometendo indivíduos com mais de 60 anos de idade.
A HAI relaciona-se com a resposta exacerbada exercida pelos linfócitos B, gerando elevação acentuada dos níveis séricos de IgG e intensa infiltração de plasmócitos em espaços portais, com indução de fibrose, cirrose hepática e até carcinoma hepatocelular.
Essa tendência pode ter sua evolução mais lenta com o uso de imunossupressores, como prednisona ou azatioprina, mas, também, pode assumir, ao longo dos anos, inexorável evolução,apenas abortada naqueles pacientes submetidos ao transplante de fígado.
Alguns autores acham que o gatilho do desarranjo imunológico é acionado a partir da participação de vários fármacos (estatinas, anticorpos monoclonais, interferona B), toxinas e agente infecciosos ou pré-disposição genética. Como consequência, instala-se resposta exacerbada contra antígenos expressos no fígado, suficiente para induzir uma agressão de natureza autoimune, a qual pode ocorrer sem existência de prévia lesão hepatocelular.
DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA (DHA)
Ingesta alcoólica excessiva se constitui em uma das principais causas de doença hepática crônica em todo o globo. Mostra- se mais frequente em grupos socioeconômicos mais baixos, mas presente também naqueles em classes afluentes. A DHA compreende um espectro clínico-histológico que inclui três tipos de lesões, dificilmente existindo lesão em uma forma única, sendo elas: esteatose hepática (EH), hepatite alcoólica (HA) e cirrose com suas complicações.
A esteatose hepática alcoólica está presente em > 90% dos etilistas crônicos e compulsivos, sendo o primeiro estágio da doença hepática alcoólica, caracterizado pelo acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos. A interrupção do consumo de álcool resulta em normalização da arquitetura hepática e do conteúdo de gordura dentro do fígado. Assim, a esteatose hepática alcoólica tem sido encarada, tradicionalmente, como inteiramente benigna. Entretanto, pode levar ao desenvolvimento de lesões mais graves, como esteato-hepatite alcoólica (EHA) e cirrose alcoólica (presentes em 10 a 20% dos bebedores crônicos).
A hepatite alcoólica (HA) se caracteriza por hepatócitos lesionados devido à degeneração. É conhecida como um precursor da cirrose. Já esta última é caracterizada por estabelecimento de fibrose que leva à formação de nódulos de regeneração, quando já há distorção arquitetônica do fígado. À semelhança da esteatose hepática, a hepatite alcoólica é reversível com abstenção de álcool, porém, quanto a cirrose, essa regressão é duvidosa. A medida que a lesão e inflamação do fígado persistem ao longo dos anos de ingestão crônica de etanol, o fígado perde lentamente a capacidade de se regenerar.
Um grande problema relacionado a DHA é que a maioria dos pacientes são diagnosticados em fases avançadas, procurando o serviço médico depois de desenvolver icterícia ou complicações da cirrose, sendo muitas vezes irreversíveis. Por isso, a identificação da DHA no ambiente primário, em um estágio inicial, e intervenções comportamentais devem ser encorajadas.
O sexo feminino mostra-se mais propenso em relação à ingesta, com a evolução para a doença hepática crônica geralmente sendo observada entre homens quando a dose ultrapassa 40 a 80 g/dia por mais de 5 anos. Esses números são bem mais inferiores para as mulheres, 20-30 g/dia; elas caminham para as complicações graves em tempo mais curto de etilismo e com menor quantidade de álcool. Fatores predisponentes a essa evolução nefasta são de ordem genética, nutrição deficiente, obesidade, tabagismo e associação com vírus das hepatites B ou C.
As manifestações da doença hepática alcoólica vão depender da gravidade da doença. Assim, pacientes com esteatose simples são, frequentemente, assintomáticos ou se apresentam com hepatomegalia discreta como único achado clínico. Ocasionalmente, os pacientes com esteatose hepática podem apresentar desconforto no quadrante superior direito, náuseas e, raramente, icterícia. É muito difícil diferenciar a esteatose hepática alcoólica de uma causa não alcoólica, a não ser quando se apura uma história relacionada com a bebida. Já pacientes com hepatite alcoólica, geralmente, apresentam icterícia e pacientes que desenvolvem cirrose podem ter sinais e sintomas inespecíficos ou específicos de doença hepática.
· Sinais inespecíficos: fadiga, anorexia, fraqueza, perda de peso.
· Sinais específicos: icterícia, prurido, eritema palmar, aranhas vasculares, ginecomastia, hemorragia digestiva, distensão abdominal por ascite, confusão por encefalopatia hepática.
Na hepatite crônica do alcoólatra, os exames bioquímicos não diferem muito dos das outras hepatopatias, porém com algumas peculiaridades, predominando o nível sérico de AST sobre as taxas de ALT. Aumento de valores de gamaglutamiltransferase se observa em 90% dos casos, sempre acompanhado de macrocitose. À biópsia hepática, observam-se, dependendo do estádio, algumas peculiaridades, como infiltrado inflamatório constituído por polimorfonucleares, corpúsculos de Mallory, esteatose, podendo apresentar esclerose da veia centrolobular, com ou sem nódulos de regeneração. O tratamento se baseia na interrupção da ingesta do álcool e boa nutrição, além de medidas de suporte. Em casos mais avançados, já cirrotizados, tem sido indicado transplante hepático, devendo ser realizado apenas para aqueles com, no mínimo, 6 meses de abstinência, e amplo apoio psiquiátrico associado.
DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA)
Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é uma entidade clínica patológica na qual ocorre excessivo acúmulo de triglicerídeos no fígado. Esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) representa a forma inflamatória que pode levar à fibrose avançada, cirrose e hepatocarcinoma.
A grande importância da DHGNA é o seu potencial evolutivo para formas inflamatórias fibrosantes, e potencialmente para cirrose hepática e até mesmo carcinoma hepatocelular (CHC). Enquanto uma esteatose isolada é benigna na imensa maioria dos casos, a EHNA pode evoluir em duas décadas para cirrose em até 20% dos pacientes. DHGNA é considerada uma manifestação da doença metabólica, e sua prevalência eleva-se substancialmente com o aumento do índice de massa corporal (IMC) e a presença de diabetes mellitus. Assim, IMC > 35 e diabetes mellitus são considerados fatores de risco da evolução de esteato-hepatite para a cirrose.
O risco de desenvolver CHC foi maior em homens com idade avançada e diabetes mellitus. Em resumo, trata-se de doença silenciosa, bastante prevalente, associada a fatores metabólicos e com um crescente número de casos de cirrose e CHC sendo relatados.
INDUZIDA POR FÁRMACOS
O fígado desempenha papel fundamental no metabolismo de fármacos e se constitui alvo frequente de lesões decorrentes da ação lesiva exercida por eles e seus metabólitos, que haviam sido ministrados com intenção terapêutica. Essa evolução se traduz desde a instalação de discretas manifestações de colestase e necrose hepática até formas mais graves, tais como hepatite aguda, insuficiência hepática fulminante e até doença hepática crônica.
A evolução para hepatite crônica pode também ser observada entre pacientes em uso crônico de sulfonamidas, clometacina, halotano, paracetamol e aspirina, drogas que merecem ser lembradas como causadoras de lesão hepatocelular prolongada. São mais suscetíveis as crianças ou os idosos, as mulheres, os portadores de doença renal ou hepática, os infectados pelo HIV, bem como os obesos ou desnutridos, os alcoolistas ou aqueles que exibem um polimorfismo genético.
CIRROSE HEPÁTICA
Cirrose hepática resulta da inter-relação entre diversos fatores etiológicos, que atuam ao longo dos anos, tais como, morte e regeneração celular, degradação e formação anormal da matriz extracelular. Trata-se de um processo que se caracteriza por formações de fibrose hepática difusa, além de micro e macronódulos, estabelecendo perversão da arquitetura normal do parênquima.
Várias etiologias estão relacionadas com o surgimento da cirrose, como alcoolismo, infecções virais crônicas, esteato-hepatite alcoólica e não alcoólica (NASH), toxinas e doenças autoimunes sendo que todas elas confluem para doença hepática crônica (DHC). Independente da causa, todas as etiologias culminam com a mesma via final de lesão hepática e estímulo a deposição de colágeno. Acredita-se que a cirrose esteja entre as dez principais causas de morte no mundo.
Estima-se que cerca de 40% dos pacientes com cirrose são assintomáticos. Porém quando os sintomas aparecem ocorre piorasignificativa do prognóstico da doença. A principal consequência da cirrose é o surgimento de insuficiência hepatocelular e hipertensão portal. Mesmo com a remoção do agente etiológico relacionado ao surgimento da cirrose, o processo cirrótico pode continuar progredindo, aumentando as complicações dessa doença. A insuficiência hepática e o sangramento de varizes esofágicas, são as principais causas de morte relacionadas a cirrose hepática.
· Fisiopatologia 
No fígado normal, só existe matriz extracelular (MEC) na cápsula hepática e ao redor das veias centrais. Na presença de fatores inflamatórios, como espécies reativas de oxigênio, fatores de crescimento e citocinas, as células estreladas podem ser ativadas e transformadas em miofibroblastos que produzem MEC, sobretudo com colágenos tipos I e III. Acredita-se que são as células de Kupffer ativadas (tipo de macrófago fígado), hepatócitos lesionados e células endoteliais sinusoidais que produzem esses fatores ativadores das células estreladas. Além disso, células estreladas possuem a capacidade de se auto estimular através de citocinas e quimiocinas produzidas por ela mesma, como o fator de transformação do crescimento b (TGF-b).
Com a deposição de colágeno no espaço de Disse, ocorre a perda de fenestrações dos sinusoides, levando ao espessamento da membrana basal e ao surgimento de alta pressão sinusoidal, além de reduzir a troca natural de solutos por esses espaços. Com o aumento da pressão intra-sinusoidal, ocorre o desenvolvimento de shunts vasculares entre veia porta-veia hepática e artéria hepática-veia porta. Isso gera uma pressão anormal dentro do fígado e contribui para a disfunção hepática e a hipertensão portal.
No decorrer da lesão hepática, ocorre síntese, deposição e reabsorção de componentes da MEC e com isso, é possível até a restauração da função hepática. No entanto, quando ocorre um remodelamento significativo e progressivo, o fígado perde sua capacidade regenerativa, levando a um quadro irreversível. Com isso, os hepatócitos normais, são substituídos por nódulos parenquimatosos derivados de hepatócitos sobreviventes e de novos hepatócitos gerados, além de septos fibrosos ao redor dos nódulos. O sangue que circula dentro dos sinusoides não consegue entrar em contato com os hepatócitos e ter seus componentes metabolizados de forma eficiente.
Macroscopicamente o fígado cirrótico possui um aspecto nodular e endurecido e em casos avançados, encontra-se atrófico. Com isso, podemos resumir que a cirrose hepática é um processo resultante da deposição de matriz extracelular, morte dos hepatócitos e reorganização vascular e hepatocitária.
· Quadro clínico 
A cirrose hepática pode ser assintomática. Quando apresentam sintomas, estes podem ser inespecíficos. De um modo geral, geralmente os sintomas da cirrose hepática estão relacionados as complicações associadas como hipertensão portal, insuficiência hepática e a causa de base que originou a cirrose. Desse modo, podem surgir anorexia, perda de peso, fraqueza, icterícia, ascite, circulação colateral, edema de membros inferiores, diminuição da pressão arterial, teleangiectasias, ginecomastia e atrofia testicular nos homens, eritema palmar, baqueteamento digital, osteoartropatia hipertrófica, distrofia ungueal, flapping, entre outras.
Como dito, alguns sintomas podem ser específicos da síndrome clínica consequente da cirrose hepática. Por exemplo, diante do desenvolvimento de hipertensão portal, sinais e sintomas como ascite, edema, hiperesplenismo, hemorroida e varizes esofágicas podem surgir. Além disso, em estágios mais avançados da cirrose, quando ocorre insuficiência hepática, o paciente pode desenvolver icterícia, encefalopatia hepática, coagulopatia, hipoalbuminemia, desnutrição e até Síndromes hepatorrenal e hepatopulmonar.
Além disso, a cirrose pode ser classificada em compensada ou descompensada, de acordo com sua manifestação clínica. 
· Compensada: ocorre na fase inicial da doença. Geralmente o paciente encontra-se assintomático ou apresenta sintomas inespecíficos como fadiga, perda de peso, fraqueza e anorexia.
· Descompensada: paciente pode apresentar icterícia, prurido, ascite (manifestação mais comum de descompensação), edema de membros inferiores, diarreia, sangramento gastrointestinal (hematêmese, hematoquezia, melena), confusão mental, entre outros.
OBJ. 2: Caracterizar as complicações da hepatopatia crônica.
De modo geral, nas fases iniciais das doenças hepáticas crônicas, o exame clínico é absolutamente normal. Mesmo em pacientes cirróticos, estima-se que até 40% deles sejam assintomáticos. Entretanto, nas formas mais avançadas, os chamados estigmas de hepatopatia crônica, bem como as complicações sistêmicas da insuficiência hepática, aparecem de forma paulatina. Distúrbios endócrinos e hemodinâmicos predominam nas primeiras fases da hepatopatia, ao passo que encefalopatia hepática, ascite e distúrbios da coagulação aparecem em uma fase mais avançada da doença. Os distúrbios endócrinos são caracterizados por hiperestrogenismo e hipoandrogenismo, que resultam em vários achados semiológicos da cirrose, como eritema palmar, telangiectasias, ginecomastia, rarefação de pelos e atrofia testicular. Habitualmente, esses sinais são mais intensos e precoces na doença crônica do fígado de etiologia alcoólica; todavia, ocorrem também em outras etiologias.
As alterações hemodinâmicas da cirrose são um tanto complexas, pois apresentam um estado hiperdinâmico de alto débito cardíaco e retenção hidrossalina concomitantemente a uma “hipovolemia relativa”, na qual o volume circulante efetivo e, portanto, o fluxo sanguíneo para os órgãos, estão reduzidos. Esse aspecto é particularmente importante na função renal do paciente cirrótico.
Exame físico geral
As doenças hepáticas comprometem o estado geral, ocasionando quadro de desnutrição com redução de massa muscular. Ambas resultam em déficit de síntese de albumina, ocasionando edema subcutâneo e a ascite. Nas ascites volumosas, o seu reconhecimento ao exame físico torna-se fácil pela simples inspeção ou pelo sinal de piparote. Entretanto, nas ascites moderadas, a sua percepção se dá somente pela identificação de círculo de Skoda ou macicez móvel. Pequenas ascites, principalmente em pacientes obesos, com volume inferior a dois litros, habitualmente requerem métodos de imagem para o seu diagnóstico. O derrame de líquido por transudação na cavidade peritoneal é uma complicação usual no decurso de várias hepatopatias.
Observam-se, ainda, sinais de deficiências vitamínicas, como: glossite, queilite e descamação cutânea. O paciente apresenta tendência à hipotensão arterial, com pulso arterial rápido, em decorrência de vasodilatação periférica e circulação hiperdinâmica. A hipocromia de mucosas é outro achado comum nos portadores de doenças crônicas do fígado, mesmo na ausência de hemorragia digestiva. Trata-se de anemia crônica que pode decorrer de hemodiluição, alteração no metabolismo da vitamina B12 e do ácido fólico, hemólise, hiperesplenismo, perda gastrointestinal oculta e supressão da eritropoiese pelo álcool. As alterações hormonais são responsáveis por queixas de perda da libido e disfunção erétil. Dores em membros inferiores, sobretudo à palpação, é uma queixa relativamente comum.
Em 70% dos casos há hepatomegalia de consistência elástica ou elástico-resistente. A borda hepática costuma ser romba ou semirromba. Frequentemente, pode-se palpar a irregularidade da superfície hepática, fruto da fibrose avançada. A esplenomegalia pode ser percebida no exame clínico em 35 a 50% dos casos.
Achados periféricos
Por mecanismos pouco conhecidos, a cirrose hepática altera a homeostase dos hormônios sexuais. Pode-se dizer que o achado característico da cirrose hepática é a associação de hiperestrogenismo com hipoandrogenismo. Assim, nas fases iniciais, pode-se detectar aumento dos níveis séricos de estrona, em virtude de maior conversão periférica de androgênios em estrogênios no tecido adiposo. O aumento dos níveis de globulina ligadora de hormôniosexual (SHBG) também é característico da cirrose e pode contribuir para a detecção de níveis altos de estrógenos nesses pacientes. Com o avançar da hepatopatia, caem os níveis séricos de testosterona pela diminuição da síntese desse hormônio nas gônadas. O hiperestrogenismo é o responsável pelas alterações vasculares cutâneas da cirrose, representadas pelo eritema palmar e pelas telangiectasias do tipo “aranha vascular”. Sabe-se que os níveis altos de estrogênios causam proliferação e vasodilatação de vasos cutâneos, especialmente em algumas áreas da porção superior do corpo.
O hipoandrogenismo é responsável por queda da libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução da massa muscular (atrofia interóssea) e rarefação de pelos (a distribuição dos pelos passa a respeitar o padrão feminino). A ginecomastia pode ser uni ou bilateral. Também decorre do hipoandrogenismo associado ao hiperestrogenismo.
Outro sinal comum na doença hepática crônica avançada é o hipocratismo digital, ou “dedos em baqueta de tambor”. Trata-se do aumento volumétrico do tecido subcutâneo vascularizado da extremidade digital, por mecanismos ainda desconhecidos. Muitas vezes, a causa do hipocratismo digital pode encontrar explicação em doenças concomitantes, como doenças intratorácicas e pulmonares, doenças cardíacas e gastrointestinais.
Osteoartropatia hipertrófica é uma periostite proliferativa crônica de ossos longos que, por vezes, causa dor. Não raramente, essa é a causa de dor à palpação e manipulação dos membros inferiores desses pacientes.
No paciente cirrótico, a capacidade renal de excretar sódio está diminuída, resultando em retenção hidrossalina e acúmulo de fluido no organismo. Em associação com a hipoalbuminemia, gera extravasamento de líquido para o interstício, causando edema de membros inferiores. Além disso, a vasodilatação esplâncnica desloca boa parte da volemia para esse território vascular, consequentemente, reduzindo o volume sanguíneo que perfunde os outros órgãos e tecidos − o chamado “volume arterial efetivo”. A queda desse volume estimula os barorreceptores renais e carotídeos, e o resultado consiste na ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, no sistema nervoso simpático e na liberação de hormônio antidiurético (ADH). Esses sistemas neuro-hormonais promovem retenção hidrossalina pelos rins, na tentativa de restaurar o “volume arterial efetivo. A retenção hidrossalina, na verdade, aumenta a volemia total, porém, esse volume sanguíneo extra está quase todo preenchendo os vasos esplâncnicos dilatados e, portanto, não corrige o déficit de “volume arterial efetivo”. A retenção hidrossalina continua e progride contribuindo para a formação e a acentuação da ascite e para o edema periférico.
A eliminação de produtos nitrogenados voláteis pela respiração, provoca odor característico, semelhante ao de “maçã deteriorada”, denominada fetor hepaticus, sinal de insuficiência hepática. A colestase intra-hepática por falha na excreção biliar pode causar prurido, que, algumas vezes, se torna de difícil controle.
Alterações neuropsíquicas
A encefalopatia hepática (EH) é síndrome neuropsiquiátrica metabólica potencialmente reversível que pode surgir em pacientes portadores de hepatopatia crônica avançada ou na insuficiência hepática fulminante. A disfunção hepatocelular grave é elemento primordial para o desenvolvimento da síndrome; porém, na cirrose hepática avançada, outros fatores devem ser considerados, como a hipertensão portal, que desvia o sangue mesentérico para a circulação sistêmica, causando um verdadeiro bypass da circulação portal para a sistêmica. Por isso, a expressão frequentemente empregada para essa síndrome é “encefalopatia portossistêmica”.
De acordo com a causa subjacente, ela é, atualmente, classificada em três tipos:
A. Associada à insuficiência hepática aguda.
B. Secundária a shunts.
C. Secundária à cirrose.
A EH tipo C é subclassificada em:
· Episódica: precipitada (por sangramento gastrointestinal, infecções, medicamentos, distúrbios hidreletrolíticos, disfunção renal, hipoxemia e transgressão dietética), espontânea (sem fatores precipitantes identificados) ou recorrente (frequência superior a dois episódios ao ano).
· Persistente: leve, acentuada ou dependente de tratamento.
· Mínima (detectável apenas por déficits em testes neuropsicológicos ou neurofisiológicos).
Os achados clínicos da EH variam desde mudanças sutis no comportamento e no humor até coma. Alterações no padrão do sono (inversão do ritmo do sono, insônia ou sonolência excessiva), alteração do estado de consciência (desorientação no tempo e espaço, confusão mental), manifestações psíquicas (apatia, euforia, comportamento inadequado, agressividade), além de achados neurológicos (asterixis ou flapping, hiper-reflexia e, menos comumente, postura de descerebração) determinam a gravidade do quadro.
Hipertensão portal
Na cirrose hepática, assim como na hipertensão portal não cirrótica, é o aumento da resistência vascular ao fluxo portal que provoca o aumento da pressão portal. Na tentativa de descomprimir o sistema portal, ocorre comunicação entre a circulação portal e a sistêmica. Os locais mais comuns de aparecimento de colaterais portossistêmicas são: submucosa do esôfago e estômago (varizes esofagogástricas); submucosa do reto (varizes retais); parede abdominal anterior (circulação colateral); veia renal esquerda (shunt esplenorrenal).
Com o desenvolvimento de hipertensão portal, a veia umbilical, normalmente ocluída na idade precoce, torna-se permeável. O sangue do sistema venoso portal é, então, drenado através das veias periumbilicais até a veia umbilical, e até as veias da parede abdominal, tornando-as proeminentes (“cabeça de Medusa”). A circulação colateral superficial pode ser do tipo porta (a partir da região umbilical) ou do tipo cava inferior (direção cranial).
As principais complicações da cirrose estão relacionadas com a redução da função hepática, hipertensão portal e aumento do risco de desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, além de outras complicações resultantes. 
· Hipertensão portal: Essa complicação ocorre devido a formação de fibrose, nódulos e capilarização dos sinusoides, pela cirrose, resultando no aumento da resistência vascular. Além disso, outros fatores como alterações da função renal, alterações de sistemas neuro-humorais e anormalidades da microcirculação hepática estão associados. A Hipertensão portal é responsável pela maioria das suas complicações da cirrose, podendo levar a formação de varizes no esôfago, ascite e outras sintomatologias. 
· Insuficiência hepática: Com o evoluir da cirrose e da perda de hepatócitos funcionantes, algumas funções do fígado podem ficar comprometidas, gerando redução na formação de algumas proteínas, neutralização de toxinas e a destruição de bactérias e produtos bacterianos provenientes dos intestinos. Com isso, pode surgir eritema palmar, telangiectasias, ginecomastia, atrofia testicular, desnutrição com perda de massa muscular, coagulopatia e maior predisposição a infecções decorrentes da redução dos hepatócitos funcionantes, com consequente distúrbio no metabolismo de carboidratos e lipídios; alterações no catabolismo e biotransformação de aminoácidos, hormônios, drogas e xenobióticos e redução na neutralização e destruição de micro-organismos. Além disso, pode ocorrer encefalopatia hepática, decorrentes da ação no sistema nervoso central de toxinas não adequadamente metabolizadas pelo fígado. 
· Encefalopatia hepática: é uma complicação neurológica que ocorre em pacientes portadores de disfunção hepática grave. Está relacionada à falha de detoxificação de metabólitos, principalmente a amônia, provenientes do intestino, atribuídos à presença de insuficiência hepática e de shunts portossistêmicos. É mais frequentemente desencadeada por hemorragia digestiva alta, infecções agudas, distúrbios hidroeletrolíticos, grande ingestão de proteínas, deterioração da função hepática e após derivações cirúrgicas portossistêmicas.
· Peritonite bacterianaespontânea (PBE): A PBE é uma infecção frequente em pacientes com cirrose hepática. Acredita-se que um paciente imunodebilitado, com alterações da motilidade gástrica, associado ao supercrescimento bacteriano intestinal, tem maior risco de translocação bacteriana, que levam ao desenvolvimento da infecção peritoneal.
· Hemorragia digestiva alta (HDA): A HDA é um sangramento que se origina de um ponto localizado entre a boca e o ângulo de Treitz, podendo se manifestar como hematêmese, vômitos, melena e enterorragia. A HDA por hipertensão portal pode ser decorrente de sangramento por varizes esofágicas, gástricas e ectópicas e gastropatia da HP. A HDA está associada à alta mortalidade e pode precipitar outras complicações da cirrose hepática, como encefalopatia hepática, infecções, lesão renal aguda (AKI) e síndrome hepatorrenal.
· Síndrome hepatorrenal: Essa doença é definida como o surgimento de insuficiência renal em pacientes com doença hepática, sem que haja evidências clínicas, laboratoriais ou anatômicas de causa conhecida que justifique o seu desenvolvimento. Essa síndrome ocorre devido a uma constrição intensa da vasculatura cortical renal devido a alterações hemodinâmicas em pacientes com hipertensão portal, resultando em oligúria e retenção de sódio. Pode ser de 2 tipos, a síndrome hepatorrenal tipo 1 que se caracteriza por rápida e progressiva insuficiência renal com concentração de creatinina 2 vezes maior que a inicial em menos de duas semanas. Já a tipo 2, tem moderada insuficiência renal e seu curso é lentamente progressivo. 
· Carcinoma hepatocelular (CHC): O CHC é o tumor maligno primário mais comum do fígado. E possui associação com doenças hepáticas, como hepatite B e C e cirrose. Apesar disso, a relação entre o CHC e a cirrose não é obrigatória, ocorrendo CHC sem cirrose e cirrose sem CHC. Além disso, o carcinoma hepatocelular pode ser identificado por exames de imagem. Por isso, a USG é utilizada no rastreamento semestral de CHC em pacientes sabidamente cirróticos, juntamente com a dosagem sérica da alfafetoproteína.
OBJ. 3: Elucidar o diagnóstico clínico e laboratorial da hepatopatia crônica relacionada à cirrose.
O diagnóstico confirma-se por meio de dados clínicos, laboratoriais, anatomopatológicos, ou valendo-se de métodos de imagens como ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética, videolaparoscopia ou até pela cintigrafia.
No caso da anamnese, alguns fatores de risco para doenças que levam a cirrose hepática podem ser questionados: história familiar (hemocromatose, doença de Wilson, fibrose cística), etilismo (hepatite alcoólica), hiperlipidemia, diabetes e obesidade (esteatose hepática), transfusão sanguínea (hepatite B e C), doenças autoimunes (hepatite autoimune, cirrose biliar primária), medicações e toxinas (hepatite induzida por drogas).
Já no exame físico se suspeita do diagnóstico de cirrose diante de um paciente com hemorragia digestiva, ascite, hepato e/ou esplenomegalia, sinais de insuficiência hepática ou mesmo pacientes assintomáticos, mas com evidencia de alterações laboratoriais ou de imagem.
Quanto aos exames laboratoriais, podemos solicitar testes de função hepática, incluindo: transaminases, bilirrubina, fosfatase alcalina, GGT, hemograma, albumina sérica, tempo de protrombina. Pacientes com ascite também deve ser submetidos a paracentese para confirmar que a ascite é decorrente de hipertensão portal (albumina sérica ≥ 1,1 g/dL). Além de testes sorológicos, como hepatites B e C, para identificar outras causas de lesão hepática crônica.
Nos exames de imagem podemos encontrar alterações morfológicas, além de identificar hipertensão portal e Carcinoma hepatocelular (CHC). Os exames mais utilizados são a Ultrassonografia de abdome (USG), USG com Doppler, tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Nesses exames podem ser identificado nódulos hepáticos, heterogeneidade do parênquima hepático, redução do fígado em fases tardias ou hepatomegalia em fases iniciais ou sinais de hipertensão portal. A cirrose em estágios iniciais pode ter exames de imagem normais. Por isso, os exames só nos ajudam em estágios mais avançados e/ou diante da suspeita clínica.
A esteatose hepática é prontamente detectada por TC abdominal. Na TC os achados de um paciente com cirrose incluem atrofia do lobo direito do fígado, hipertrofia do lobo caudado, hipertrofia do segmento lateral do lobo esquerdo, modularidade do parênquima, atenuação da vasculatura hepática, esplenomegalia, colaterais venosos e ascite. Em alguns casos, o fígado pode estar difusamente atrófico ou pode ser observado hepatomegalia. Quanto a RM, as sequências de pulso são sensíveis para detectar esteatose hepática, sendo a água e a gordura fotografadas dentro e fora de fase.
Outro exame muito utilizado para nos orientar no diagnóstico de cirrose hepática é a elastografia hepática transitória, também, conhecido como Fibroscan. Esse é um método não invasivo para a medição da fibrose hepática. Nesse caso, coloca-se um aparelho sobre a pele do paciente na topografia do fígado. O aparelho transmite ondas sonoras através da pele e os dados transitórios de elastografia são coletados para estimar o grau de rigidez do fígado. A rigidez hepática se correlaciona com a quantidade de fibrose ou cicatrização do fígado.
A biópsia hepática, apesar de ser o padrão ouro, não deve ser realizada de rotina. Esse procedimento, acarreta alguns riscos de morbimortalidade ao paciente, inclusive de sangramento. Por isso, só deve ser realizada quando o diagnóstico não for estabelecido após avaliação clínica, laboratorial e imagiológica e quando há discordância entre a clínica e resultados de métodos não invasivos.
Uma biópsia de fígado pode ser necessária se o diagnóstico permanecer incerto após uma avaliação não invasiva. Além disso, pode estabelecer a gravidade da doença hepática. A decisão de realizar uma biópsia deve levar em consideração a confiança do diagnóstico clínico e o papel que os achados de biópsia teriam na orientação das opções terapêuticas. Como regra geral, uma biópsia pode ser indicada em: 
· Qualquer paciente com elevação das transaminases séricas que persistirem por mais de 6 meses sem uma explicação clara, mesmo em paciente assintomático; 
· Pacientes com transaminases elevadas e evidência de disfunção hepática clinicamente significativa; 
· Pacientes nos quais o diagnóstico de doença hepática alcoólica é incerto com base em achados clínicos e laboratoriais; 
· Pacientes que podem ter mais de um tipo de doença hepática (como álcool e hepatite C) nos quais uma biópsia de fígado pode ajudar a determinar a contribuição relativa desses fatores; 
· Pacientes nos quais se deseja uma compreensão mais detalhada do prognóstico. 
OBJ. 4: Citar o tratamento da hepatopatia crônica relacionada à cirrose (sem aprofundar!).
O tratamento da cirrose hepática visa tratar ou suspender a causa base que originou a doença, realizar o manejo adequado das complicações, impedir a descompensação da doença e melhorar a qualidade de vida do paciente. Sendo assim, é fundamental o rastreamento de varizes (para evitar hemorragia varicosa) e do carcinoma hepatocelular (para que o tratamento seja realizado no estágio inicial do tumor).
Dessa forma, mais recentemente tem se usado e estudado medicações que poderiam ser capazes de parar ou reduzir o surgimento de fibrose hepática. Um exemplo dessas medicações é a colchicina. Esse medicamento atua melhorando a bioquímica hepática. Além dessas, outras drogas como propiltiouracil e interferon têm sido estudadas.
Além disso, em relação as varizes pode-se fazer uso de Betabloqueadores que atuam reduzindo a pressão portal e, por isso, diminuem o risco de desenvolvimento de varizes, hemorragia varicosa e ascite. A profilaxia primária com betabloqueadores não seletivos deve ser oferecida a pacientes com varizes de fino calibre, mas que apresentam elevado risco de sangramento e para varizes de médio e grosso calibres, enquanto a ligadura elástica fica reservada àqueles que apresentamintolerância ou contraindicação aos betabloqueadores.
Para prevenir a PBE, pode-se lançar mão do uso de antibioticoterapia empírica com cefotaxima 2g, de 12/12 horas, via intravenosa ou ceftriaxona 1 a 2g, de 24/24 horas, via intravenosa ou ácido amoxicilina-clavulanato 1g, de 8/8 horas, via intravenosa. Nos casos de ascite, além da paracentese de alívio quando há grande acúmulo de líquido, podemos usar os diuréticos como furosemida e/ou espironolactona nos casos em que a perda de peso for inadequada ou se houver desenvolvimento de hipercalemia. Para evitar a encefalopatia hepática, podemos utilizar a lactulose 15 a 30mL, via oral, 2x/dia, ajustada para obter duas evacuações/dia. Ademais, pacientes cirróticos tendem a ser desnutridos, por isso é essencial uma abordagem nutricional eficaz, assim como a correção de deficiência de vitaminas.
Como a cirrose é até então considerada como uma doença irreversível, o transplante hepático é o único tratamento definitivo, para isso é necessário que os pacientes preencham os critérios para transplante. Em alguns pacientes com hipertensão portal e candidatos ao transplante hepático, pode-se realizar a anastomose porto-cava intra-hepática por via radiológica (TIPS). Esse procedimento, reduz a hipertensão portal e com isso diminui o risco de algumas complicações da cirrose, como a ruptura de varizes esofágicas. O TIPS não é um tratamento definitivo, é apenas uma “ponte” para realização do transplante hepático.
OBJ. 5: Entender a hipertensão portal, sua fisiopatologia e manifestações clínicas.
A hipertensão portal é uma síndrome definida pelo aumento da resistência ou obstrução do fluxo sanguíneo no sistema porta, associada principalmente a disfunções hepáticas e a alterações nos vasos associados ao sistema porta. Teoricamente, a hipertensão portal é definida por uma pressão na veia porta maior ou igual a 6 mmHg, porém a hipertensão portal se torna clinicamente significativa apenas quando este valor está maior ou igual a 10 mmHg, sendo este o valor diagnóstico usado por muitas literaturas. Porém, como a mensuração direta da pressão nesta veia é de difícil obtenção, a definição usada habitualmente é feita pelo gradiente de pressão venosa hepática (HVPG), que quando maior que 5 mmHg, identifica a existência da hipertensão portal. Este gradiente é aferido pela cateterização da veia hepática por punção da veia jugular interna. 
A classificação da hipertensão portal é feita de acordo com o local da etiologia dessa síndrome, assim, pode ser pré-hepática, intra-hepática (hepática) ou pós-hepática. A hipertensão portal pré-hepática é gerada por todas as condições que aumentam a resistência ao fluxo sanguíneo até chegar à veia porta, como trombose da veia esplênica; a intra-hepática é gerada pelas condições que aumentam a congestão dentro do sistema porta, como a cirrose hepática; e a pós-hepática está relacionada com a congestão no sistema da veia cava inferior, principalmente a insuficiência cardíaca direita. 
A hipertensão portal intra-hepática se divide ainda em pré-sinusoidal, sinusoidal e pós-sinusoidal, de acordo com o local acometido dentro do fígado (sinusoides, hepatócitos, espaços de Disse, etc). Cada uma dessas condições possui etiologias e manifestações clínicas próprias. Determinar a etiologia dessa síndrome é essencial para orientar a conduta que deve ser realizada para cada paciente.
ETIOLOGIAS E FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO PORTAL 
Como já mencionado, a hipertensão portal se baseia no aumento da resistência ao fluxo sanguíneo, que pode ter origem pré-hepática, hepática ou pós-hepática. Todos esses processos levam à congestão no sistema porta, o que provoca a dilatação do sistema venoso como um todo. Por isso, os pacientes com hipertensão portal são classificados como hemodinamicamente compensados, mas não estáveis, pois há uma situação hiperdinâmica do fluxo sanguíneo.
As principais condições pré-hepáticas são a trombose obstrutiva, o estreitamento da veia porta antes de sua ramificação no interior do fígado ou a esplenomegalia maciça, com aumento do fluxo sanguíneo venoso esplênico. A esplenomegalia pode ser consequência da hipertensão portal, porém também pode ser sua causa, quando gerada primariamente por condições como leucemia mieloide crônica, linfomas, doença de Gaucher, e outras situações que geram hiperesplenismo.
As principais causas pós-hepáticas são a insuficiência cardíaca direita, a pericardite constritiva, a obstrução da veia cava inferior e a síndrome de Budd-Chiari. Por último, a principal causa intra-hepática é a cirrose, que representa a maioria dos casos de hipertensão portal.
Além disso, entre as causas intra-hepáticas estão a esquistossomose, a alteração gordurosa maciça, doenças granulomatosas fibrosantes difusas, como a sarcoidose, e doenças que acometem a microcirculação portal, como hiperplasia nodular regenerativa, sendo que todas essas condições geram cirrose. A classificação da hipertensão portal intra-hepática depende do local de acometimento em relação ao espaço porta, assim, as doenças que geram fibrose da veia porta hepática geram hipertensão portal pré-sinusoidal, cuja principal causa é a esquistossomose; as doenças que geram fibrose nos hepatócitos, ou seja, após o espaço porta, restringindo o fluxo aos sinusoides, são classificadas como sinusoidais (hipertensão portal intra-hepática sinusoidal), sendo a principal delas a cirrose alcoólica; enquanto as doenças que geram fibrose na veia centrolobular e suas ramificações antes de chegarem à veia hepática são classificadas como pós-sinusoidais, sendo a causa mais comum dessa forma de hipertensão portal, a doença veno-oclusiva.
O aumento da resistência do fluxo portal ao nível dos sinusoides é gerado pela obstrução do fluxo sanguíneo por deposição de tecido fibroso (cicatrização) e subsequente compressão dos nódulos parenquimatosos – componente fixo. Além disso, ocorre vasoconstrição ativa, com diminuição da produção de óxido nítrico (vasodilatador) pelas células endoteliais sinusoides, e liberação de mediadores vasoconstritores, como angiotensinogênio – componente funcional. Com isso, ocorre contração das células musculares lisas dos vasos hepáticos.
Além disso, os vasos que normalmente drenam para o sistema portal, como a veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo para veias colaterais, e como essas veias colaterais são insuficientes para receber esse fluxo sanguíneo, é gerada uma resistência adicional ao sistema portal. Essa circulação hiperdinâmica é causada pela vasodilatação arterial, primariamente na circulação esplâncnica, gerada por vários mediadores vasodilatadores, especialmente o óxido nítrico, cuja produção parece ser estimulada pela diminuição da eliminação de DNA bacteriano absorvido dos intestinos, provocada pela redução da função do sistema mononuclear fagocítico e desvio do sangue da circulação portal para a sistêmica, que faz com que a circulação esplâncnica evite as células de Kupffer no fígado (auxilia na eliminação bacteriana). 
Assim, o paradoxo na hipertensão portal é que a deficiência de óxido nítrico (NO) na vasculatura intra-hepática leva à vasoconstrição e resistência aumentada dos vasos hepáticos, enquanto a superprodução de NO na circulação extra-hepática leva à vasodilatação esplâncnica e consequente fluxo portal aumentado. Essa vasodilatação esplâncnica tende a reduzir a pressão arterial, e seu agravamento leva a um quadro em que a frequência cardíaca e o débito cardíaco não conseguem manter a pressão sanguínea, causando a ativação compensatória de vasoconstritores, especialmente do sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumentando a secreção de hormônio antidiurético, o que leva à ascite, ou seja, aumenta-se a congestão (vasodilatação sistêmica) e gera as varizes características da hipertensão portal. 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 
As principais consequências clínicas associadas à hipertensão portal incluem ascite, formação de shunts venosos portossistêmicos, esplenomegalia congestiva e encefalopatia hepática. 
A ascite consiste no acúmulo delíquido na cavidade peritoneal sendo, na maioria dos casos, causada por cirrose. Isso ocorre porque a hipertensão sinusoidal, que altera as forças de Starling (equilíbrio entre as pressões hidrostática e oncótica), empurra o líquido para o espaço de Disse, de onde é removido pelos vasos linfáticos do fígado. Isso também pode ser gerado pela hipoalbuminemia, que pode estar presente nos quadros de insuficiência hepática, gerando redução da pressão oncótica e extravasamento do líquido para o terceiro espaço. Além disso, a cirrose hepática aumenta o fluxo linfático hepático, excedendo a capacidade do ducto torácico. 
A linfa hepática é rica em proteínas e pobre em triglicerídeos, por isso há presença de proteína no líquido ascítico. A ascite é agravada com a ativação do sistema RAA, que combinada à vasodilatação e hipertensão portal, gera o extravasamento de líquido para a cavidade abdominal.
O líquido ascítico geralmente é seroso, apresentando menos de 3g/dL de proteína, cuja maior parte é albumina (principal responsável pelo equilíbrio coloidosmótico), e com gradiente entre o soro e o líquido ascítico maior que 1,1g/dL. Quando o líquido apresenta células sanguíneas indica possível câncer intra-abdominal disseminado, enquanto a presença de neutrófilo sugere que há infecção secundária, denominada peritonite bacteriana espontânea (PBE), que é uma das complicações da ascite. A ascite também pode ser complicada pela insuficiência renal funcional, chamada de síndrome hepatorrenal (SHR). 
A peritonite bacteriana espontânea ocorre na ausência de perfuração de um órgão oco ou foco inflamatório abdominal, como pancreatite aguda ou colecistite. O mecanismo envolvido na PBE é a translocação bacteriana, com migração de bactérias do intestino para os linfonodos mesentéricos e outros locais no abdome, o que é propiciado pelo local atingido e as defesas imunes sistêmicas debilitadas pela ascite, além do desvio dos vasos sanguíneos que impede a ação das células de Kupffer. Outro fator que favorece a translocação bacteriana é o crescimento bacteriano excessivo atribuído principalmente à diminuição da motilidade intestinal e tempo de trânsito intestinal que ocorre na cirrose. 
A síndrome hepatorrenal é secundária à retenção de sódio, que ocorre devido à ativação do sistema RAA, um reflexo da vasodilatação gerada pela hiperprodução de NO. Com a progressão da hipertensão portal, a vasodilatação se torna mais grave, e com isso há ativação adicional do sistema RAA, resultando em maior retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água e vasoconstrição renal, caracterizando a síndrome hepatorrenal. 
Os shunts portossistêmicos são formados a partir do aumento da pressão portal, que gera um fluxo invertido da circulação portal. Com isso, o sangue passa a ser direcionado para a circulação sistêmica através do desenvolvimento de novos vasos e dilatação dos vasos colaterais. Esses circuitos venosos secundários podem se desenvolver em qualquer ponto onde as circulações sistêmica e portal compartilhem de leitos capilares comuns, sendo os principais pontos as veias retais, gerando hemorroidas; a junção gastroesofágica, gerando as varizes gastroesofágicas; o retroperitônio e o ligamento falciforme do fígado, gerando turgência das colaterais periumbilicais e da parede abdominal, quadro conhecido como cabeça de medusa, típico da hipertensão portal. Essa circulação colateral abdominal pode ser do tipo cava inferior, quando a congestão se concentra na veia cava inferior ou veias ilíacas; ou do tipo porta, quando há congestão das veias supra-hepáticas (síndrome de Budd-Chiari), da veia porta (tumores abdominais) e intra-hepática (cirrose). Há ainda a congestão da veia renal, principalmente da veia renal esquerda (síndrome hepatorrenal).
As varizes gastroesofágicas aparecem em grande parte dos pacientes com cirrose hepática avançada e cursam com hematêmese maciça, levando a óbito em metade dos casos. O surgimento de varizes normalmente ocorre quando a pressão no sistema porta é acima de 10 mmHg, o que leva à hemorragia digestiva alta (HDA) quando esta pressão se eleva acima de 12 mmHg.
A esplenomegalia aparece nos pacientes com hipertensão portal de longa duração, em 80% dos casos. Isso ocorre graças à congestão crônica, associada aos shunts portossistêmicos. A esplenomegalia maciça pode induzir anormalidades hematológicas, como trombocitopenia ou pancitopenia, visto que o baço é responsável pela degradação das hemácias velhas e defeituosas, além do armazenamento de linfócitos. Normalmente é indolor e não há relação entre o tamanho do baço e gravidade da doença. Se houver dor, é importante investigar trombose ou infarto da veia esplênica. Vale lembrar que o baço cresce em direção ao umbigo. 
A encefalopatia é uma disfunção cerebral, normalmente causada por insuficiência hepática, mas no contexto de hipertensão portal, o mecanismo envolvido são os shunts portossistêmicos. Na cirrose, a amônia se acumula na circulação sistêmica por conta do desvio de sangue gerado pelos vasos colaterais, ou seja, não é metabolizada pelo fígado para ser excretada. A presença de grandes quantidades de amônia no cérebro danifica os astrócitos, células cerebrais de suporte, levando a alterações características da encefalopatia hepática. Além da amônia, outras toxinas podem se acumular no cérebro, gerando disfunções motoras, confusão mental, perda de memória, mau humor e outras alterações neurológicas.
OBJ. 6: Compreender a ascite, sua fisiopatologia, diagnóstico e sua avaliação.
A ascite é definida como o acúmulo de líquido de origem patológica na cavidade abdominal, podendo se manifestar de forma aguda ou crônica. Existem várias doenças que cursam com ascite, como neoplasias, doenças cardíacas, infecciosas e hepáticas. Sendo assim, a ascite não é uma doença, mas sim uma manifestação de uma patologia. A principal etiologia da ascite é a hipertensão portal, principalmente decorrente da cirrose hepática. Acredita-se que cerca de 60% dos pacientes com cirrose hepática, cursem com ascite em algum momento da doença.
Achados do exame físico, como manobras semiológicas também ajudam fortemente no diagnóstico de ascite. Para o estabelecimento do diagnóstico diferencial da ascite, a análise do gradiente de albumina soro-ascite tem um papel importante no esclarecimento etiológico. Além disso, na avaliação diagnóstica da ascite, a paracentese é o principal método utilizado, independentemente da sua etiologia. A paracentese também pode ter a função de alívio nos pacientes muito sintomáticos devido a distensão abdominal provocada pelo acúmulo de líquido. Através desse método é possível verificar a quantidade de polimorfonucleares existentes no líquido ascítico e com isso, fornecer o diagnóstico de peritonite bacteriana espontânea (PBE). A PBE é a complicação mais comum na ascite de origem hepática, tendo alta mortalidade e requerendo antibioticoterapia e às vezes antibioticoprofilaxia.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DA ASCITE 
A ascite é consequência de várias alterações anatômicas, fisiopatológicas e bioquímicas que ocorrem em pacientes com cirrose hepática. Basicamente existem 3 grupos de etiologia para a ascite: Hipertensão portal, Doença peritoneal e outras causas de ascite, sendo que os mecanismos de cada grupo se convergem em vários pontos. 
Hipertensão portal (HP): É a principal causa de ascite. A HP pode estar presente em várias doenças. Porém sua principal causa é a cirrose hepática. Os processos patológicos que desencadeiam o aumento da pressão neste sistema pode ser localizados em três regiões: pré-hepática, intra-hepática e pós-hepática, sendo o intra-hepático ainda dividido em pré-sinusoidal, sinusoidal e pós-sinusoidal. Diversas moléculas, como fatores vasoconstrictores e vasodilatadores se associam ao fator obstrutivo mecânico. Entretanto, independente do local ou origem do insulto, para ocorrer hipertensão portal é necessário um aumento do fluxo sanguíneo portal ou aumento da resistência vascular ou de ambos. Quando ocorre o aumento da pressão no sistemaporta, começa a extravasar líquido dos sinusoides hepáticos para a cavidade peritoneal e com isso, forma-se a ascite. Com isso, formação de ascite alivia a pressão no sistema porta.
Sabendo que o líquido que forma a ascite vai para o abdome passando pelos sinusoides hepáticos, obstruções pré-sinusoidais, como as que ocorrem na esquistossomose, não costumam apresentar ascite. Apenas em casos incomuns hipoalbuminemia ou cirrose, ocorre a formação de líquido, mas não pela hipertensão portal em si. 
Além disso, outros fatores como alterações da função renal, alterações de sistemas neuro-humorais e anormalidades da microcirculação hepática estão associados. Sendo assim, na cirrose hepática ocorre desregulação hormonal, com aumento da aldosterona. Através da ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona há retenção de sódio devido a elevada reabsorção de sódio nos túbulos renais. Nós sabemos que o sódio retêm água, portanto, com o aumento do sódio plasmático também ocorre a retenção excessiva de água, que por sua vez, leva ao aumento do volume extracelular. Com isso, esse volume em excesso passará, em algum momento, para a cavidade peritoneal.
Esse mecanismo é tão importante que uma das bases terapêuticas da ascite, é a inserção de dieta hipossódica. Nos cirróticos o sistema nervoso simpático (SNS) apresenta níveis aumentados de norepinefrina que também estimula a reabsorção de sódio.
Na teoria underfill, nas fases iniciais da cirrose hepática haveria vasodilatação periférica e retenção renal de água e sódio. A seguir haveria “overflow” e escape de fluido para a cavidade peritoneal. Enquanto isso, após a piora da vasodilatação periférica, o “underfill” levaria a queda do volume efetivo circulante e estimulação permanente dos sistemas vasopressores. Note que a teoria da vasodilatação esplâncnica inclui as duas outras teorias.
Doenças Peritoneais: A ascite por doenças peritoneais, como neoplasias, infecções e inflamações ocorre por lesões na estrutura peritoneal. Essa estrutura é formada por capilares arteriais, venosos, linfáticos, tecido intersticial e mesotélio que regulam a troca de líquido intra e extracelular. Portanto, quando ocorre lesão dessas estruturas, há alteração do fluxo normal e acúmulo de líquido na cavidade peritonial. Devido ao aumento da permeabilidade, proteínas, colesterol, glicoses e outras moléculas vasculares, passam para o líquido ascítico, determinando portanto um exsudato. Mas lembre-se, quando as neoplasias vêm associadas à hipertensão portal (carcinoma hepatocelular, metástases hepáticas maciças), estas costumam se apresentar como transudato. Aliado a esse processo de aumento da permeabilidade vascular, ocorre produção de óxido nítrico, vasodilatação esplâncnica e ativação do sistema renina-angiotensina. 
Outras causas de ascite: Existem outras causas de ascite que são menos comuns. Geralmente cursam com ascite de pequeno volume, diagnosticada por meio ao acaso por meio de exames de imagem e não estão associadas ao desenvolvimento de sintomas clínicos. Ascite Pancreática: Ocorre raramente após um quadro de pancreatite, sendo formada a partir da formação de uma fístula pancreática com o peritônio. Geralmente é assintomática. Entretanto, a análise do líquido ascítico evidencia aumento de proteínas, leucócitos e amilase, associada com amilase sérica normal. O tratamento normalmente é conservador, com a introdução de dieta parenteral. 
Ascite Biliar: Ocorre com a lesão da vesícula ou ductos biliares, levando ao extravasamento de bile e formação de peritonite. Nesses casos, o líquido ascítico normalmente é esverdeado e tem altos níveis de bilirrubina. 
◊ Ascite Nefrogênica: se forma devido ao quadro de síndrome nefrótica que leva edema generalizado devido a retensão de sódio e hipoalbuminemia. Nesses casos, o líquido ascítico tem baixos níveis proteicos. 
◊ Hipotireoidismo: No hipotireoidismo pode ocorrer redução da velocidade de drenagem linfática, e aumento da permeabilidade vascular, ocasionando o acúmulo de líquido em vários locais, incluindo a formação de ascite. Nesses casos, proteína da ascite encontra-se elevada. 
Dentro de cada grupo, estão presentes diversas etiologias (Quadro 1). Entretanto, cerca de 5% dos pacientes apresentam uma associação de causas para a ascite, como por exemplo, cirrose hepática e insuficiência cardíaca congestiva. Veja abaixo os principais grupos etiológicos da ascite, mas lembre-se que 85% das vezes, em um quadro de ascite, estaremos diante de um paciente com cirrose hepática e hipertensão portal.
DIAGNÓSTICO 
O diagnóstico da ascite se dá através de dados da anamnese, exame físico, paracentese e exames complementares. 
Anamnese e exame físico: Na anamnese o paciente informará sobre os sinais e sintomas que compõem o quadro clínico da ascite. Além disso, é provável que ele já saiba a doença de base que está gerando a ascite. Caso ainda não tenha sido investigado, deve ser abordado achados específicos que nos guie ao diagnostico da patologia de base. No exame físico é possível identificar a ascite por meio de manobras semiológicas. Através da manobra de macicez móvel, após delimitar as regiões de timpanismo e macicez, deve-se solicitar ao paciente que vire para um dos lados. Percuta e marque as margens novamente. O indivíduo sem ascite apresenta as margens entre timpanismo e macicez relativamente constantes (Figura 3). Já no teste da onda líquida ou teste do Piparote, deve-se solicitar ao paciente que comprima a linha média do abdome com firmeza, usando as bordas das mãos para ajudar a interromper a transmissão de ondas pelo tecido adiposo. Depois disso, deve-se percutir simultaneamente um dos flancos com a ponta dos dedos, e com a outra mão tente sentir no flanco oposto um impulso transmitido pelo líquido (Figura 4). Entretanto, apesar dessas manobras, a ascite só começa a ser detectada pelo exame físico quando o acúmulo de fluido excede 500 ml. Por isso, em caso de dúvida disgnóstica ou ascites pequenas, pode ser necessários exames complementares.
Paracentese abdominal: A paracentese é a melhor forma de confirmar a presença de ascite, além de ser terapêutica já que serve para retirar grandes quantidade de líquido. Através da paracentese podemos fazer a análise do líquido, determinando várias das suas características. Esse procedimento deve ser realizado de maneira estéril. O local mais adequado para realização da punção é o quadrante inferior esquerdo, visto que existe menor chance de perfuração de estruturas abdominais e ter parede mais fina. Esse procedimento é seguro e está associado a baixo risco de complicações. 
Exames complementares: Dentre os exames complementares, a ultrassonografia (USG) é o padrão ouro para o diagnóstico de ascite. Com esse método é possível fazer o diagnóstico de pequenos volumes de líquido ascítico (100ml). Na USG, a ascite é vista como coleções anecoicas (Figura 5). Além disso, ela pode ser usada para direcionar o local ideal para realização da paracentese. No caso de dúvida entre ascite e uma tumoral, pode-se utilizar a tomografia computadorizada que distingue melhor entre tumores, cistos ou coleções. 
DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO 
Segundo a literatura, mais que 80% dos casos de ascite terão como etiologia a cirrose hepática. No entanto, é importante entendermos como se dar o diagnóstico diferencial da ascite. 
Diagnóstico laboratorial: Além da anamnese e do exame físico, podemos fazer a análise do líquido ascítico. O aspecto do líquido ascítico já nos da pista sobre possíveis diagnósticos. Por exemplo, diante de um líquido hemático, devemos pensar em tuberculose peritoneal ou carcinomatose peritoneal. Na análise laboratorial, podemos fazer a contagem celular, GASA o gram e a cultura geral do líquido ascítico. Além disso, exames como proteína total, LDH (lactato desidrogenase), glicose e amilase, pesquisa de células neoplásicas, pesquisa e cultura para bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), triglicérides e bilirrubina podem ser solicitados diante de uma suspeita especifica. Na contagem de células podemos avaliara presença de várias doenças relacionadas com a ascite: na peritonite bacteriana espontânea (PBE) há aumento dos leucócitos com predomínio de PMN (> 250/ mm3); na tuberculose e na carcinomatose peritoneal aumentam os leucócitos na ascite com predomínio de linfócitos. 
Antigamente através do líquido ascítico obtido por meio da paracentese, podíamos classificar esse líquido em transudato quando o líquido tinha valores menores que 2,5 g/dl de proteínas ou exsudato quando tem valores maiores que 2,5 g/dl de proteínas. Essa classificação mudou, pois ao utilizar essa classificação em transudato e exsudato temos apenas a análise da quantidade de albumina no líquido, não levando em conta os níveis de proteína totais no plasma do indivíduo. O problema disso é que sabemos que algumas doenças levam a hipoalbuminemia, como as hepatopatias graves, não permitindo com isso distinguir se passou pouca proteína para o líquido pela baixa permeabilidade ou pela falta total de proteínas. Sendo por isso, importante associar a análise dos níveis totais de albumina sérica do individuo com os níveis de proteína do líquido ascítico. É nesse contexto que surge o GASA (Gradiente de albumina soro-ascite) que permite identificar a presença de hipertensão portal, ajudando na avaliação da etiologia da ascite. Ele é obtido subtraindo o valor da concentração de albumina no líquido ascítico do valor da concentração plasmática de albumina. Portanto, atualmente o conceito de exsudato e transudato não leva mais em conta apenas os níveis de proteínas, mas passou a ser definido com base do GASA. Sendo assim, se o valor do GASA for inferior a 1,1 g/dl, quer dizer que ele possui muitas proteínas no líquido ascítico, sendo portanto, classificado como exsudato. Mas se o valor for maior ou igual a 1,1 g/dl, podemos inferir que temos poucas proteínas no líquido ascítico, o classificando-o como transudato. Ou seja, quanto maior a concentração de albumina na ascite, menor o gradiente.
Com isso, espera-se que doenças que provoquem aumento da pressão vascular, como aquelas que geram somente hipertensão portal, promova pouca saída de proteínas para o espaço extravascular, pois apesar da saída de líquido, a permeabilidade do vaso às proteínas está preservada. Já nas doenças que cursam com lesão do tecido peritoneal, há alteração da permeabilidade dos pequenos vasos, originando um líquido rico em proteínas.
GASA: Como já vimos no tópico anterior, o GASA também é usado para o diagnóstico da etiologia da ascite. Sendo a principal importância do GASA definir se a ascite tem origem portal ou não portal. O GASA define a classificação de exsudato e transudato atualmente. Os sinusoides “capilarizados”, como na cirrose que gera hipertensão portal, são menos permeáveis às proteínas, e por isso o líquido ascítico na cirrose hepática tipicamente possui baixos níveis de proteína, gerando um GASA maior ou igual a 1,1g/dL. Ou seja, ao subtrair um valor baixo de proteína do líquido ascítico do valor de proteínas séricas totais, chegamos a um valor maior de GASA. O mesmo acontece com a ascite cardiogênica e etiologias de ascite onde a barreira sinusoidal encontra-se íntegra e pouco permeável (ex.:Síndrome de Budd-Chiari). Já em doenças que lesam o peritônio ou aumenta sua permeabilidade, como inflamações, ocorre maior passagem de proteínas para o líquido ascítico. Com isso, quando vamos calcular o GASA, ao subtrair altos valores de proteína do líquido ascítico das proteínas totais do plasma, encontramos um valor de GASA menor do que 1,1g/dL. Em resumo, um resultado de GASA menor que 1,1 g/dl é sugestivo de câncer ou tuberculose peritoneal. Já um GASA maior ou igual a 1,1 g/dl, deve ser associada a hipertensão porta, sendo que 80% dos casos de hipertensão porta serão por cirrose hepática.
Concentração total de proteína (CTP): Sabendo que o GASA distingue, com certeza, apenas a origem portal ou não portal da ascite, não permitindo diferenciar uma etiologia da outra. Porém com a concentração de proteína total podemos diferenciar ascite cirrótica de ascite cardíaca. Embora ambas tenham GASA maior ou igual a 1,1 g/dL, a proteína total nas ascites cardíacas é maior ou igual a 2,5g/ dL, enquanto na cirrose é menor que 2,5g/dL. Por fim, pacientes com ascite nefrótica apresentam GASA menor 1,1g/dL e proteína total menor 2,5g/dL (Quadro 3). Além disso, pacientes com nível de proteína na ascite menor 1 g/dl tem alto risco de desenvolver PBE. Sabe-se que pacientes com baixa taxa de proteína na ascite, portanto com uma ascite mais diluída, têm menor concentração de opsoninas no líquido ascítico. 
Glicose: a concentração de glicose no líquido ascítico é similar ao soro, a menos que esteja sendo consumida. Com isso, níveis baixos de glicose pode indicar a presença de células do sangue, bactérias ou células carcinomatosas que consumem a glicose. 
• LDH: A maior parte do LDH do líquido ascítico é proveniente da lise dos PMN. No líquido ascítico estéril de um paciente cirrótico, o LDH fica em torno de 43μm/ml. Diante de valores aumentados de LDH devemos pensar na produção na cavidade peritoneal, geralmente por infecção ou tumor. 
• Amilase: A pancreatite e perfuração intestinal podem causar líquido ascítico com alto valor de amilase. Qualquer segmento do intestino pode liberar amilase quando perfurado, com exceção da vesícula biliar. Na ascite pancreática, a amilase pode chegar a 2000 UI/L. 
Testes para tuberculose: a pesquisa direta de bacilo álcool ácido resistente (BAAR) no líquido ascítico ou a cultura pode ajudar no diagnóstico de tuberculoses peritoneal.. Além disso, a concentração de proteína do líquido ascítico > 3,0 mg/dl sugere peritonite tuberculosa. O diagnóstico de peritonite tuberculosa deve ser considerado em todos os pacientes que apresentam ascite linfocítica inexplicada, com o GASA < 1.1 g/dL. 
• Triglicérides: Os triglicérides devem ser solicitados quando o líquido ascítico for leitoso. Na ascite quilosa, o nível de triglicérides é maior que 200 mg/dl, podendo atingir valores maiores que 1000 mg/dl31. 
• Células neoplásicas: Diante da suspeita de carcinomatose peritoneal devemos solicitar a realização da contagem de células neoplásicas ou até a realização de bloco de parafina para a análise citológica das células tumorais.
OBJ. 7: Compreender o mecanismo da icterícia, diagnóstico e sua avaliação (diferenciar bilirrubina direta e indireta).
	
OBJ. 8: Estudar a encefalopatia, sua fisiologia, diagnóstico e sua avaliação.
A encefalopatia hepática (EH) compreende um amplo espectro de distúrbios neurológicos ou neuropsiquiátricos associados à insuficiência hepática aguda ou crônica, ocorrendo também em pacientes submetidos à derivação portossistêmica na ausência de doença hepatocelular.
As manifestações clínicas da EH podem ser de natureza extremamente heterogênea, com sintomas que variam desde um desempenho cognitivo próximo do normal (sendo as alterações geralmente só identificadas pelos familiares), até estados de confusão, estupor e coma. Entre esses extremos, os pacientes com EH podem apresentar sintomas e sinais como inversão do ciclo sono-vigília, desatenção, embotamento afetivo, comprometimento da memória, tremores, mioclonia e flapping. 
Em pacientes com cirrose hepática, a EH pode estar associada a outras complicações da doença crônica, como ascite, sangramento varicoso e síndrome hepatorrenal. A EH é também uma das complicações mais graves da insuficiência hepática aguda, sendo que a presença de EH nesses pacientes indica um pior prognóstico, com até um quarto dos casos desenvolvendo aumento da pressão intracraniana por edema cerebral.
FISIOPATOLOGIA 
O mecanismo fisiopatológico exato da EH ainda não foi completamente esclarecido, mas acredita-se que seja dependente de múltiplos fatores isolados ou combinados entre si. Acredita-se também que, na maioria dos casos, mais de um fator contribui para o desenvolvimento das alterações do sistema nervoso central (SNC). 
O fígado exerce um importante papel no clearance hepático de produtos tóxicos produzidos no intestino,e o comprometimento da função hepática ou a presença de shunts portossistêmicos permite que essas toxinas cheguem à circulação sistêmica. Essas toxinas agem inibindo a neurotransmissão e apresentam efeitos deletérios na função cerebral. 
A amônia é a neurotoxina mais bem caracterizada que precipita a EH. O trato gastrointestinal é a principal fonte de amônia que entra na circulação pela veia porta. A amônia é produzida pelos enterócitos da glutamina e pelo catabolismo bacteriano do cólon de fontes nitrogenadas, como as proteínas ingeridas e ureia secretada. Outra fonte de amônia pode ser a ureia digerida pelo Helicobacter pylori no estômago, embora o papel do H. pylori no EH não seja claro. O fígado intacto limpa quase toda a amônia da veia porta, convertendo-a em glutamina e impedindo a entrada na circulação sistêmica. No entanto, a glutamina é metabolizada nas mitocôndrias produzindo glutamato e amônia, e a amônia derivada da glutamina pode interferir na função mitocondrial, levando à disfunção dos astrócitos. 
O aumento da amônia no sangue na doença hepática avançada é uma consequência da função hepática prejudicada e do desvio de sangue ao redor do fígado. Assim, o metabolismo extra-hepático da amônia também é de grande importância: alterações renais e a perda muscular, uma condição comum nestes pacientes, associada à hepatopatia contribui para o aparecimento da EH, pois os músculos são uma das formas de remoção da amônia da circulação sistêmica. 
Estudos mostram que ocorre hiperamonemia arterial em mais de 90% dos pacientes com EH, embora seus níveis não sejam nem sensíveis, nem específicos para o diagnóstico de EH em pacientes cirróticos crônicos. Além disso, as discrepâncias de correlação direta entre concentração sérica de amônia e a gravidade da EH nesses pacientes sugere, que embora a amônia tenha um papel fundamental na patogênese da EH, ela parece não ser a única responsável pelas alterações neurocognitivas.
Outras alterações associadas com o aparecimento da EH incluem: 
· Deposição de magnésio nos gânglios da base, o que justifica parcialmente as manifestações extrapiramidais da EH. 
· Deficiência de zinco, que age como cofator no metabolismo da ureia e amônia e sua deficiência leva a aumento de amônia e falsos neurotransmissores. 
· Ação de mediadores inflamatórios são contribuintes para o aparecimento da EH. 
· Disfunção dos astrócitos catalisada pelo aumento de glutamato e amônia. 
· Aumento da permeabilidade da membrana hematoencefálica a produtos tóxicos. 
· Hiperatividade do sistema GABAérgico com ação endógena similar a benzodiazepínicos, com efeito negativo cerebral. 
· Outros fatores envolvidos na disfunção cerebral incluem serotonina, óxido nítrico, peptídeos opioides circulantes e radicais óxidos livres. 
· Fatores precipitantes de EH como infecções bacterianas ou hemorragia digestiva alta e constipação intestinal com sobrecarga resultante de aminoácidos no trato gastrointestinal com aumento da produção de falsos neurotransmissores (benzodiazepínicos endógenos).
QUADRO CLÍNICO
A EH produz um amplo espectro de manifestações neurológicas e psiquiátricas inespecíficas, que podem ser de difícil reconhecimento. Na sua expressão mais leve, as alterações são sutis, muitas vezes reconhecidas somente pelo círculo de convivência mais próximo do paciente. São identificadas apenas alterações de testes psicométricos voltados para a atenção, memória de trabalho, velocidade psicomotora e habilidade visual-espacial, bem como medidas funcionais eletrofisiológicas do cérebro.
Uma de suas manifestações características nesse estágio é a presença de micrografia. À medida que a EH progride, outras alterações podem ocorrer e incluem:
• Alterações do padrão do sono: muito comuns, podendo cursar com sonolência ou insônia. O ciclo sono-vigília é alterado com sonolência diurna excessiva e insônia noturna, embora uma completa inversão do ciclo sono-vigília seja infrequente.
• Alterações do estado de consciência: os pacientes apresentam desde desorientação progressiva temporoespacial, comportamento inapropriado e quadro confusional, estado de agitação ou sonolência, letargia, e até coma.
Manifestações psiquiátricas: incluem a mudança repentina ou gradativa da personalidade, como apatia, euforia, agressividade, excitação e comportamento inadequado. 
• Achados neurológicos: em pacientes não comatosos com EH, ocorrem principalmente anormalidades da motricidade, como hipertonia, hiperreflexia e positivação do sinal de Babinski. Hipocinesia, monotonia e lentidão da fala, tremor similar ao parkinsoniano e discinesia com movimentos voluntários diminuídos são achados comuns. 
• Flapping ou asterixis: pode ser descrito como um movimento involuntário das mãos, semelhante ao bater de asas. Pode aparecer nos estágios intermediários da EH, mas desaparece no estupor e coma. Embora seja ocasionalmente descrito como um tremor, o flapping é, na verdade, uma forma negativa de mioclonia que consiste em perda do tônus postural. Deve ser testado provocando a dorsiflexão dos punhos, com os dedos separados. A presença de Asterixis ou flapping não é patognomônico de EH, pois pode estar presente em outras encefalopatias metabólicas, como uremia e narcose por hipercapnia.
Achados relacionados aos fatores precipitantes: como ressaltado, a EH sempre é consequência de um fator precipitante. Assim, pacientes com EH devem apresentar os sintomas característicos da causa que levou à descompensação, como sintomas de infecção, sangramento ou obstipação.
DIAGNÓSTICO 
Avaliação clínica 
O diagnóstico de EH é clínico e de exclusão. Classificar a gravidade do paciente e as alterações descritas na classificação de West Haven é o padrão utilizado para determinar a presença de manifestações compatíveis com o diagnóstico de EH. 
Os pacientes podem ter alterações do estado mental por outros motivos, como o uso de medicamentos, abuso de álcool, uso de drogas, efeitos de hiponatremia e doença psiquiátrica. Assim, os exames complementares servem em grande parte para exclusão desses diagnósticos diferenciais. 
Portanto, conforme clinicamente indicado, existe indicação para a exclusão de outras etiologias por avaliação laboratorial e de imagem num doente com alteração do estado mental.
Exames complementares 
Os exames complementares têm como objetivo confirmar o diagnóstico de EH e afastar outros diferenciais, diagnosticar os fatores precipitantes e avaliar o estado geral do paciente. 
Exames específicos para avaliação da função do SNC na suspeita de EH não são rotineiramente solicitados, mas podem ser úteis em casos de dúvida diagnóstica ou terapêutica. A encefalopatia hepática mínima é definida como alteração em testes psicométricos ou disfunção cerebral em pacientes que não estão desorientados ou com flapping. O termo “mínimo” denota que não há nenhum sinal clínico, cognitivo ou outro de EH. 
Assim, o ideal é que para sua determinação sejam realizados, pelo menos, dois testes psicométricos. É importante descartar fatores de confusão, como distúrbios neuropsiquiátricos, medicamentos psicoativos ou uso de álcool. O eletroencefalograma (EEG) pode detectar alterações na atividade cerebral cortical em todo o espectro de EH sem a cooperação do paciente ou de um efeito de aprendizagem. 
O exame não é específico e pode ser influenciado por distúrbios metabólicos, como a hiponatremia, bem como drogas.
Testes psicométricos 
Os testes comumente realizados são insuficientemente sensíveis para detectar alterações sutis na função mental. Como resultado, vários testes psicométricos foram elaborados para quantificar o comprometimento da função mental em pacientes com estágios leves de encefalopatia hepática. Esses testes são mais sensíveis à detecção de déficits menores da função mental do que a avaliação clínica convencional ou um EEG. Vários testes psicométricos foram desenvolvidos, mas nenhum é utilizado rotineiramente na prática clínica. Nossa abordagem é usar o teste de conexão numérica se os sinais apontarem para a possível presença de encefalopatia hepática

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