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CLÍNICA INTEGRADA- CASO 11- ABDOME AGUDO INTRODUÇÃO O abdome agudo é uma condição clínica que necessita de atendimento imediato (cirúrgica ou não), caracterizada quase sempre por dor na região abdominal, não traumática, de aparecimento súbito e de intensidade variável associada ou não a outros sintomas. Geralmente com duração de horas até quatro dias, não ultrapassando sete dias. OBS: A dor abdominal é uma das queixas mais frequentes nas emergências: representa cerca de 6,5% dos atendimentos. Diante de um paciente com esse sintoma, há grande necessidade de se investigar a existência de um quadro de abdome agudo. OBS: O diagnóstico sindrômico e etiológico do quadro de abdome agudo é essencial e deve ser realizado com rapidez, uma vez que norteará o tratamento. Atraso no diagnóstico e consequentemente no tratamento pode ser fatal. Tamanha diversidade transforma o abdome em uma autêntica “caixa de surpresas”. Com isso, pode existir casos de pacientes com exame de imagem normal, porém com alterações na laparoscopia explanatória, como também pacientes com toda sintomatologia de dor abdominal. Pode-se afirmar que a incidência deste quadro clínico nas unidades de pronto atendimento é grande, e todos os profissionais de saúde devem ter treinamento adequado para atuar corretamente diante destes casos. Estudos recentes em Salvador, verificou-se a predominância de causas inflamatórias de abdome agudo, seguido por obstrutivo, perfurativo, hemorrágico e vascular. Destes, 95% necessitou de intervenção cirúrgica, e 17% de óbito. Uma grande série de doenças musculares, gastrointestinais, ginecológicas, urológicas, vasculares, psicossomáticas, cardíacas, parasitárias, pulmonares e intoxicações exógenas, podem causar dor abdominal e simular abdome agudo. É classificado de acordo com o processo determinante do abdome agudo em: Inflamatório: apendicite, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite, doença inflamatória pélvica, abscessos intra-abdominais, peritonites primárias e secundárias, dentre outros. Perfurativo: úlcera péptica, neoplasia gastrointestinal perfurada, amebíase, febre tifóide, divertículos do cólon, dentre outros. Obstrutivo: aderências intestinais, hérnia estrangulada, fecaloma, obstrução pilórica, volvo, intussuscepção, cálculo biliar, corpo estranho, bolo de áscaris, dentre outros. Vascular: isquemia intestinal, trombose mesentérica, torção do omento, torção de pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico, dentre outros. Hemorrágico: gravidez ectópica rota, ruptura do baço, ruptura de aneurisma de aorta abdominal, cisto ovariano hemorrágico, necrose tumoral, endometriose, dentre outros. Avaliação clínica É desejável que o paciente seja avaliado pelo mesmo médico durante a evolução inicial de sua afecção, visto que uma das principais causas de erro diagnóstico é o rodízio de médicos nos serviços de urgência. Na abordagem inicial, o médico deve dispensar algum tempo na identificação do paciente, pois essa conduta pode encaminhar o raciocínio para determinadas doenças. Elementos como idade, sexo, raça, profissão, naturalidade, procedência e condição social podem nos dar muitas informações. A neoplasia do cólon e a doença diverticular, por exemplo, aumentam de frequência com a idade, já a apendicite predomina na adolescência e no adulto jovem, sendo mais comum em brancos que em negros. OBS: Gestação tubária e doença inflamatória pélvica (DIP) são específicas do sexo feminino e a úlcera perfurada é bem mais frequente no sexo masculino. - Dor abdominal Representa o principal sintoma comum as diferentes síndromes de abdome agudo, devendo ser minuciosamente caracterizado para direcionar a avaliação adicional e intervenção terapêutica. A história de um paciente com dor abdominal inclui determinar se a dor é aguda ou crônica e uma descrição detalhada da dor e dos sintomas associados, que devem ser interpretados com outros aspectos da história médica. A dicotomia entre a dor crônica e aguda nesses casos, perpassa pelo julgamento clínico que considere se este é um processo acelerado, que atingiu um platô ou um que é antigo, mas intermitente. Pacientes com dor abdominal crônica podem apresentar uma exacerbação aguda de um problema crônico ou um problema novo e não relacionado. A dor deve ser caracterizada de acordo com a localização, cronologia, gravidade, fatores agravantes e atenuantes e sintomas associados. Também é importante observar se o paciente tem episódios recorrentes de dor semelhante, pois isso pode estreitar o diferencial. Ex: a dor que envolve o fígado ou árvore biliar geralmente está localizada no quadrante superior direito, mas pode irradiar para as costas ou epigástrio. A radiação da dor também é importante: a dor da pancreatite classicamente perfura as costas, enquanto a cólica renal irradia para a virilha. Dor visceral: O peritônio visceral e os órgãos abdominais revestidos por ele são inervados por fibras tipo C, não mielinizadas, que caminham pelo sistema nervoso autônomo a uma velocidade de 0,5 a 2,0 m/s. Essas fibras são sensíveis a distensão, isquemia, tração, compressão e torção e conduzem uma dor difusa, de início lento e duração longa, com um componente emocional marcante e capaz de produzir manifestações sistêmicas, tais como náuseas, sudorese, diminuição da pressão arterial e da frequência cardíaca. Esta dor é percebida na projeção da linha média e é denominada de visceral. Dor somática: O peritônio parietal e a raiz do mesentério apresentam maior quantidade de nociceptores e são inervados por fibras tipo A delta, mielinizadas (via da dor rápida- aguda). Essas terminações nervosas são estimuladas por diversos agentes irritantes (conteúdo gastrintestinal, urina, bile, suco pancreático, sangue, pus) e por substâncias (bradicinina, serotonina, histamina, prostaglandina e enzimas proteolíticas) e conduzem a uma dor aguda, bem localizada, de curta duração e com componente emocional fraco. Piora com movimentos e tosse. Um exemplo clássico são as manobras de McBurney (apendicite) na região inguinal e o sinal de Muphy (colecistite). Dor referida: é percebida em local diferente do estímulo que a gerou. Dessa forma, um estímulo gerado em um nociceptor da serosa abdominal pode provocar contratura reflexa da musculatura do dermátomo correspondente. - Náuseas e vômitos São sintomas equivalentes que são inespecíficos para as desordens sistêmicas, presentes também nas diferentes etiologias do abdome agudo. As náuseas geralmente precedem o vômito, e é o seu equivalente. As principais causas para o aparecimento desses sintomas são: obstrução dos órgãos de musculatura lisa, irritação intensa dos nervos do peritônio e a toxemia. Exs: Na apendicite e na colecistite agudas típicas, o vômito surge após o início da dor. Na pancreatite aguda, o vômito é frequente, intenso e persistente, surgindo com o início da dor. - Febre Uma temperatura axilar superior a 37,5°C pode estar presente em quase todos os quadros abdominais agudos; porém, a ausência de febre não descarta o diagnóstico de abdome agudo, principalmente em idosos e imunocomprometidos. A temperatura discretamente elevada é vista na fase inicial do abdome agudo inflamatório, perfurativo e hemorrágico. Quando a dor abdominal é precedida de temperatura muito elevada, deve-se suspeitar de processo infeccioso renal ou pulmonar. - Anorexia O relato de anorexia precedendo o início da dor é comum em quadros de abdome agudo inflamatório, porém quando precede quadros crônicos é indicativo de malignidade. - Função intestinal Durante a anamnese, é importante interrogar sobre a presença de constipação intestinal, diarreia, melena e enterorragia. Um longo período de constipação intestinalé achado frequente na obstrução por fecaloma ou vólvulo do sigmoide. A constipação intestinal com parada completa da eliminação de gases e fezes associada à dor abdominal em cólica e vômito caracteriza a tríade da obstrução intestinal. OBS: A diarreia é frequente em vários tipos de abdome agudo inflamatório, como: apendicite (principalmente em crianças), abscessos paracecais e DIP. Eliminação de sangue, misturado ou não nas fezes, pode estar presente em quadros de invaginação intestinal (crianças) e na neoplasia de cólon. - Ciclo Menstrual Deve-se interrogar sobre irregularidades nos três últimos ciclos, data da última menstruação (solicitar beta-HCG), presença de dispareunia (dor durante o ato sexual), características do corrimento vaginal, contato sexual e sangramentos, diferenciando se o sangue é coagulável, ou não. Várias doenças, como gravidez ectópica, ovulação dolorosa, endometriose e as anexites agudas. - Micção É importante investigar a presença de transtorno da micção, como algúria, disúria, polaciúria e retenção urinária, bem como alteração no aspecto da urina. Várias afecções primitivas dos órgãos urogenitais, entre elas, cólica nefrética, pielonefrite aguda, cistite e retenção urinária aguda, podem ser causa de abdome agudo. - Exame físico No exame físico os sinais vitais devem ser observados e, caso alterados, devem servir de alerta para provável gravidade do quadro. O exame abdominal deve seguir a sequência inspeção, ausculta, percussão e palpação, devendo ser realizado preferencialmente com o paciente em decúbito dorsal próximo a fonte de luz (pode-se iniciar com o paciente sentado). Possui 4 objetivos principais: Identificar os sinais clínicos específicos que irão nortear a adoção das medidas de suporte; Identificar alterações objetivas e avaliar sua localização, extensão e correlação com as queixas do paciente, na tentativa de definir um diagnóstico etiológico; Colher subsídios quanto à indicação e à urgência do tratamento cirúrgico; Desvendar doenças não diretamente relacionadas com o abdome agudo, mas que podem contraindicar possível tratamento cirúrgico ou exigir precauções adicionais antes e durante a operação. OBS: A alteração mais expressiva da pressão arterial e do pulso é o choque, que pode estar presente nos casos de hipovolemia, sepse e de falso abdome agudo, como nos casos de infarto do miocárdio. Além disso, a mensuração da PA deve ser realizada nos dois braços, pois diferença da pressão sistólica pode sugerir dissecção aguda da aorta. Na inspeção devem ser observadas a forma do abdome: brevilíneo, normolíneo, longilíneo [normais], globoso (obesidade, ascite), retraído (caquético, desidratação), batráquio (dilatação dos flancos, presente na ascite) e pendular; como também presença de abaulamentos. Além disso, vale ressaltar a pesquisa de alterações cutâneas, vasculares (presença de circulação colateral, turgência venosa) e presença de cicatrizes (cirúrgicas podem indicar presença de aderências intestinais). Exs dos achados da inspeção: mucosas hipocoradas podem ser sinais de perda sanguínea, mucosas secas e olhos encovados são indicativos de desidratação, e a icterícia pode denotar colestase. Presença de equimoses nos flancos (Sinal de Gray- Turnner) ou na região umbilical (Sinal de Cullen) é indicativo de pancreatite. OBS: o meteorismo localizado (achado da inspeção complementado pela percussão) indica distensão de um segmento do tubo gastrointestinal devido ao obstáculo que deverá estar situado abaixo da porção dilatada. A ausculta dos ruídos hidroaéreos fornece um importante dado sobre o peristaltismo abdominal com atenção na distribuição, frequência e timbre. Nas situações em que o trânsito intestinal encontra-se aumentado, os ruídos apresentam-se também aumentados, porém com timbre normal. Havendo dificuldade ao trânsito (obstrução ou suboclusão intestinal), os ruídos apresentam-se com o timbre metálico (semelhante ao ruído de moedas batendo umas nas outras). OBS: A principal informação oferecida pela ausculta é a característica do peristaltismo e, para tal, recomenda-se sua realização por tempo mínimo de 3 min. O peristaltismo se encontra aumentado nos quadros iniciais de obstrução intestinal mecânica e na hemorragia digestiva e pode estar reduzido ou abolido nos quadros de hemoperitônio, íleo reflexo e abdome agudo inflamatório. O silêncio abdominal em um paciente que evoluía com peristaltismo de luta e suspeita de obstrução intestinal vai apontar para sofrimento de alça. A percussão (melhor tolerada do que a palpação) fornece dados sobre densidade do conteúdo abdominal, ou seja, timpânico (gasoso) ou maciço (denso). À percussão do abdome obtém-se som timpânico em toda a extensão. A percussão do fígado pode ser realizada para delimitação de dois tipos de áreas de submacicez. OBS: O encontro de timpanismo ao nível da linha axilar média sobre a área hepática é sugestivo de pneumoperitônio e recebe o nome de sinal de Jobert. A presença de macicez móvel é sugestiva de ascite. A punho-percussão lombar – sinal de Giordano – sugere processo inflamatório retroperitoneal, sendo muito comum nos casos de pielonefrite. A palpação abdominal constitui o tempo mais importante do exame físico do paciente com abdome agudo, pois, além de fornecer orientações quanto a um possível diagnóstico etiológico, fornece elementos objetivos para a indicação cirúrgica, inclusive orientando quanto a maior ou menor urgência desta intervenção. A palpação deve ser realizada com o paciente em decúbito dorsal e com a bexiga vazia, iniciando pelas áreas indolores até as áreas álgicas. A palpação superficial fornece dados sobre regiões de dor, massas superficiais (consistência, mobilidade, diâmetro, forma, mobilidade e fenômenos acústicos) e possíveis defeitos de parede abdominal. A palpação profunda fornece dados sobre irritação peritoneal, distribuição e tamanho dos órgãos e estimativa do conteúdo das alças intestinais. O sinal do obturador refere-se à rotação interna da coxa previamente fletida até o seu limite externo (rotação interna), determinando dor referida no hipogástrio, e está presente em foco inflamatório pélvico como a apendicite pélvica e a pelvi-peritonite. Para avaliar o sinal do psoas direito, coloca-se o paciente em decúbito lateral esquerdo (e vice-versa) e realiza-se a hiperextensão da coxa. Isso provocará intensa dor nos casos de afecções retroperitoneais, como apendicite retrocecal, pielonefrite e abscesso perinefrético. A manobra de Blumberg é utilizada para avaliar irritação peritoneal de qualquer origem, e não apenas decorrente de apendicite aguda, e consiste em comprimir a parede abdominal até o máximo tolerado, descomprimindo-a rapidamente, o que ocasionará súbito aumento da dor. O sinal de Rovsing é a percepção da dor no quadrante inferior direito quando palpamos o quadrante inferior esquerdo, devido ao deslocamento de gases retrogradamente em direção ao ceco, que, distendido, provoca dor. A intensa dor provocada pela inspiração profunda, quando se palpa o ponto cístico de pacientes com colecistite, também conhecida como sinal de Murphy. Durante a palpação abdominal, consiste em um erro grosseiro deixar de examinar os pontos de fragilidade do abdome à procura de hérnias. Sinal de descompressão brusca: Dor a descompressão brusca do abdome, relacionado com peritonite no local da dor. Sinal de Torres-Homem: percussão dolorosa em região hepática, relacionado com abscesso hepático. ATENÇÃO: Os toques retal e vaginal devem ser realizados, sempre que possível, e fornecem importantes informações, como irritação peritoneal na pelve, presença de sangramentos, amolecimentouterino (indicativo de gravidez), tumoração anexial, neoplasia de reto e fecaloma. Duas manobras importantes podem ser utilizadas para palpar o fígado na busca de hepatomegalia: Manobra de Torres-Lemos: consiste na palpação hepática com uma das mãos na região lombar deslocar o fígado anteriormente e com a outra mão espalmada, iniciando da região inguinal direita em ascensão ao hipocôndrio direito. Cabe destacar que nessa manobra a penetração da mão sobre o abdome ocorre durante a inspiração. Manobra de Mathieu: compreende a palpação com a mão em garra, iniciando da região inguinal direita em direção ao hipocôndrio direito. Também realiza-se a penetração durante a inspiração. Manobra de Schuster: é utilizada para palpar o baço, para tanto solicita ao paciente para ficar em decúbito lateral de direito, enquanto o examinador com uma das mãos do examinador fica na região lombar a outra comprime o hipocôndrio esquerdo a fim de palpar o fígado. OBS: Na presença de ascite, demarca-se o semicírculo de Skoda (transição do timpanismo para maciço) e a teste de macicez móvel. Diagnóstico Os achados do exame clinico são fundamentais para direcionar a escolha dos exames complementares. A avaliação inicial deve consistir em hemograma completo, beta-hcg (caso seja mulher em idade fértil), amilase e sumário de urina. Após esta primeira avaliação, se não foi possível a confirmação diagnóstica, devemos iniciar uma avaliação radiológica, partindo da radiografia abdominal em decúbito dorsal e ortostático. Avançando-se para a ultrassonografia de abdômen, tomografia computadorizada (TC), e em alguns casos arteriografia e ressonância magnética. A videolaparoscopia e a laparotomia exploradora constituem-se nos meios diagnósticos definitivos, para aqueles casos onde toda a sequência de exames anteriores não foi suficiente, ou como meio terapêutico, para os casos onde os exames definiram uma patologia cirúrgica como causa da dor abdominal. O hemograma pode traduzir um processo inflamatório agudo por meio da leucocitose, desvio para a esquerda e/ou presença de granulações tóxicas em neutrófilos. Pode também evidenciar sangramento por avaliação do hematócrito. O exame de urina pode revelar hematúria, piúria e cilindros, sugerindo afecções urogenitais. No entanto, em alguns casos de abdome agudo inflamatório, como apendicite, o processo pode estar próximo ao ureter e ocasionar alterações semelhantes. OBS: A depender das suspeitas pode ser necessário dosar os eletrólitos como potássio, nos casos de diarreia e obstrução intestinal; e cálcio na suspeita de pancreatite aguda. O VHS e proteína C reativa podem estar alterados nos casos inflamatórios. As enzimas hepatobiliares e as bilirrubinas devem ser solicitadas nos casos de icterícia e de dor no hipocôndrio direito, para diferenciar colestase e hepatopatias agudas. O estudo radiológico deve constar de uma radiografia do tórax em ortostatismo e duas do abdome, anteroposteriores, em decúbito dorsal e ortostatismo. As principais alterações encontradas são: pneumoperitônio, elevação da cúpula frênica, pneumonia de base, distensão de alças e presença de níveis hidroaéreos, aerobilia, opacidade, coleções, abscessos e a presença de corpos estranhos. OBS: O uso da radiografia contrastada nos casos de abdome agudo fica reservado para situações bem selecionadas. Os principais exames utilizados são o trânsito intestinal (contraste iodo) e o enema opaco (contraste baritado). A sua principal indicação é diferenciar uma obstrução mecânica da funcional e, também, determinar o nível e a possível causa da obstrução. A USG o exame de escolha no diagnóstico da colecistite aguda, além de apresentar grande valor na avaliação da dor pélvica nas mulheres, auxiliando no diagnóstico entre apendicite e afecção ginecológica. OBS: Entre as limitações do método, pode-se citar o fato de ser equipamento e operador-dependentes, avaliar mal o retroperitônio, e apresentar dificuldade e diagnóstica na presença de obesidade, íleo funcional e distensão gasosa. A TC apresenta especificidade diagnóstica de 95% sendo o principal exame de imagem utilizado para os casos de dificuldade de diagnóstico etiológico. As principais indicações do exame são no diagnóstico e esta- diamento da pancreatite aguda e da diverticulite. Além disso, é indispensável no diagnóstico e acompanhamento do abscesso pancreático. A laparoscopia está indicada nos casos de abdome agudo em que não se consegue estabelecer um diagnóstico, mesmo depois de esgotados os recursos propedêuticos não invasivos. Ela é capaz de evitar laparotomia desnecessária, otimizando o tempo do diagnóstico e reduzindo a morbidade, e permite a possibilidade de tratamento sequencial. A acurácia diagnóstica em paciente com abdome agudo não traumático é de 93 a 98%. Abdome agudo inflamatório O abdome agudo inflamatório pode ser definido como um quadro de dor abdominal com menos de oito horas de evolução. Seu diagnóstico precoce assume vital importância na conduta e na evolução desses pacientes. Existem diversas causas de abdome agudo inflamatório, sendo as mais frequentes a apendicite aguda, a colecistite aguda, a pancreatite aguda e a diverticulite por doença diverticular dos colos. Os dados fisiopatológicos no abdome agudo inflamatório estão relacionados com a reação do peritônio e as modificações do funcionamento no trânsito intestinal. A cavidade peritoneal é revestida pelo peritônio, uma membrana serosa derivada do mesênquima que possui uma extensa rede capilar sanguínea e linfática. Dessa forma, quando o quadro começa a acometer o componente parietal a dor passa a ser localizada. O tipo de dor, em cólica, contínua, pontada, queimação etc., pode mudar no curso da doença, permitindo orientação diagnóstica. A intensidade e a duração da dor, tão importantes nos doentes com abdome agudo inflamatório, nem sempre são proporcionais à gravidade, nem tampouco sugerem conduta cirúrgica, como na pancreatite aguda. Alterações no hábito intestinal no abdome agudo inflamatório, especialmente a constipação, acontecem nas fases avançadas da doença devido à peritonite. Por outro lado, podem ser observados episódios de diarreia secundários a abscesso de localização pélvica, particularmente nos casos de apendicite ou diverticulite complicada. - Apendicite A apendicite constitui a causa mais comum de abdome agudo cirúrgico. A fase inicial apresenta dor epigástrica ou periumbilical, tipo visceral, piora com movimento e seguida por anorexia, náuseas e vômito (menos comuns), e posterior localização da dor em quadrante inferior direito, tipo somática. A constipação intestinal e a parada de eliminação de flatos é comum, mas ocasionalmente pode haver diarreia. A febre é baixa e a leucocitose moderada (até 15.000), com desvio para a esquerda. Incide mais frequentemente entre a segunda e terceira décadas, e reconhece na obstrução do lume apendicular, por corpo estranho (fecalito) ou processo inflamatório. OBS: As variações anatômicas do apêndice podem cursar com manifestações semelhantes a colecistite, especialmente a localização da dor. Entre as variações, a mais comum é o apêndice retrocecal e ascendente. Os sinais sugestivos de apendicite são: Blumberg, Rosinvig, Lapsiky (dor na fossa ilíaca direita desencadeada pela palpação profunda no ponto de McBurney com o membro inferior direito hiperestendido) e elevado. A auscultação do abdome costuma evidenciar diminuição dos ruídos hidroaéreos, mais evidente quanto mais avançada a fase em que se encontra a apendicite aguda. CURIOSIDADE: os raios X simples mostram achados inespecíficos, mas recentemente descreveu-se um novo sinal radiológico, constituído por imagem de acúmulo de fezesno ceco, identificado em cerca de 90% dos casos de apendicite. A ultrassonografia apresenta uma sensibilidade de 94%, confirmando o diagnóstico clínico, especialmente ao demonstrar o apêndice inflamado, visto como uma estrutura tubular aperistáltica, não compressível, com paredes espessadas, ou a imagem “em alvo” no corte transversal. Quando a ultrassonografia não é conclusiva, a tomografia pode ser necessária, avaliando diretamente o apêndice inflamado, e, principalmente, dando informações sobre diagnósticos alternativos naqueles casos atípicos, o que pode reduzir o número de cirurgias não terapêuticas. OBS: O tratamento é cirúrgico, recomendando-se antibioticoterapia profilática até a cirurgia, com manutenção do antibiótico de amplo espectro caso haja perfuração, abscesso ou peritonite. OBS: Outras doenças podem levar à inflamação e ao abscesso na fossa ilíaca direita e mimetizar achados radiológicos de apendicite aguda, como, por exemplo, diverticulite, doença de Crohn e apendicite epiplóica. Existem alguns escore que podem ser utilizados para o diagnóstico, entre eles o de Alvarado, que é baseado em três sintomas, três sinais e dois achados laboratoriais. De acordo com Alvarado, um valor no escore maior que cinco ou seis pontos é compatível com apendicite e o paciente deve permanecer em observação. Quando o valor é maior que sete ou oito pontos indica maior probabilidade de apendicite e valor de nove ou dez pontos é compatível com alta probabilidade da doença. Nos dois últimos casos a laparotomia pode ser indicada. - Colecistite Está associada à litíase biliar em 95% dos casos, embora haja controvérsias se a lama biliar pode causar a doença. A diferença em relação à cólica biliar simples é a presença de resposta inflamatória na parede da vesícula. A dor inicialmente é epigástrica, visceral, acompanhada de náuseas e vômito, e posteriormente mais intensa e localizada no quadrante superior direito, podendo irradiar-se para as regiões lombar direita e escapular direita. A colecistite aguda acomete preferencialmente pessoas de sexo feminino, adultos jovens e idosos, sendo, freqüentemente, a primeira manifestação da doença litiásica. A presença de icterícia intensa no início do quadro faz pensar em colangite. O método de imagem de escolha para o diagnóstico é a ultrassonografia abdominal. Sinal de Murphy ecográfico associado à litíase biliar e ao espessamento da parede vesicular indica colecistite em 95% dos casos. OBS: Na ausência de cálculos, o espessamento da parede da vesícula acima de 3,5 mm, associado a sintomas, faz o diagnóstico de colecistite alitiásica. O tratamento da colecistite é cirúrgico, com realização de colecistectomia precoce. Segundo o Consenso de Tóquio, deve-se iniciar o uso de antibiótico no momento do diagnóstico, e ele deve ser suspenso após a cirurgia, nos casos leves. A manutenção da antibioticoterapia é necessária nos casos graves (empiema, gangrena, perfuração, sepse, disfunção de órgãos associada), nos casos diagnosticados tardiamente, nos pacientes diabéticos e naqueles com risco cirúrgico aumentado. ATENÇÃO: A colecistectomia, preferencialmente, deve ser realizada nos primeiros 3 dias de evolução da doença, por ser tecnicamente mais fácil, ou, então, depois de 4 semanas, ou mais, da crise, após regressão do processo inflamatório. Considera-se diagnósticos diferenciais pneumonia de base direita, hepatites, pielonefrite, e mesmo isquemia ou infarto do miocárdio. Outras doenças do trato digestório devem ser lembradas, como apendicite aguda de localização sub-hepática, úlcera péptica complicada e pancreatite aguda. OBS: A videolaparoscopia trouxe grande contribuição e hoje é a primeira opção para a realização da colecistectomia, com índices de conversão inferiores a 5%. - Pancreatite Aguda É uma doença que tem como substrato um processo inflamatório da glândula pancreática, decorrente da ação de enzimas inadequadamente ativadas, que se traduz por edema, hemorragia e até necrose pancreática e peripancreática. Este quadro é acompanhado de repercussão sistêmica que vai da hipovolemia ao comprometimento de múltiplos órgãos e sistemas e, finalmente, ao óbito. Baseando-se em evidências epidemiológicas, admite-se, na atualidade, que aproximadamente 80% das pancreatites agudas estão relacionadas à doença biliar litiásica ou ao álcool. O quadro clínico é polimorfo, sendo a dor de início súbito, contínua, localizada em epigástrio, hipocôndrios ou região umbilical. A dor tipicamente é em faixa, com irradiação dorsal, acompanhada de náuseas e vômito frequentes, além de distensão abdominal. OBS: Nas formas graves, é possível observar as alterações vasculares expressa por púrpuras na região periumbilical (Sinal de Cuellen) e nos flancos (Sinal de Gray-Turner). Na avaliação laboratorial, observa-se elevação da amilase e da lipase. Além disso, leucograma, hematócrito, ionograma, glicemia, cálcio, gasometria arterial e principalmente a PCR são exames importantes para avaliação do quadro e indicação prognóstica. A tomografia é o método ideal para avaliação do parênquima pancreático, determinando a gravidade da doença e fornecendo critérios prognósticos (critérios de Balthazar). O tratamento é essencialmente clínico, com hidratação venosa vigorosa, jejum e analgesia, sendo a cirurgia reservada aos casos complicados (necrose infectada, abscesso). Após a regressão da sintomatologia da pancreatite biliar, o que ocorre em média após 5 dias, indica-se a colecistectomia, preferencialmente na mesma internação, especialmente se houver colecistite associada. Entre os diagnósticos diferenciais da pancreatite, destacam-se: a doença ulcerosa péptica complicada, a colecistite aguda, a obstrução intestinal e o infarto mesentérico. - Diverticulite Caracteriza-se pelo processo inflamatório de um ou mais divertículos (provavelmente por conta das forças abrasivas com fecalito), podendo estender-se às estruturas vizinhas e causar uma série de complicações. A localização mais comum da diverticulite é no sigmoide, onde, associados ao cólon descendente, encontram-se 90% dos divertículos do cólon. Doença comum em idosos manifesta-se clinicamente por dor em quadrante inferior esquerdo, febre e constipação intestinal. Pode haver disúria e polaciúria devido à proximidade com a bexiga. Leucocitose é comum. A palpação evidenciará sinais de irritação peritoneal (descompressão brusca positiva, percussão dolorosa) localizados em fossa ilíaca esquerda, região suprapúbica ou, às vezes, generalizada. Em muitas situações, é possível palpar uma massa dolorosa na fossa ilíaca esquerda. O toque retal frequentemente evidenciará dor em fundo-de-saco. ATENÇÃO: Esse quadro pode evoluir para abdome perfurativo ou obstrutivo. O método de imagem de escolha na fase aguda é a tomografia, sendo um exame seguro. Deve-se evitar a realização da colonoscopia na fase aguda, devido ao risco de perfuração. O tratamento é clínico, observando-se melhora após 48 a 72 h de antibiótico, com cobertura para flora anaeróbica e aeróbica gram-negativa, reservando-se a cirurgia para os casos de complicação (peritonite, perfuração, obstrução). ATENÇÃO: Após 6-8 semanas de recuperação do paciente, pode ser realizado a colonoscopia para descartar a presença de neoplasia. O carcinoma colônico perfurado é o principal diagnóstico diferencial em pacientes com suspeita de diverticulite. - Tratamento do abdome agudo inflamatório O tratamento do abdome agudo inflamatório obedece a dois critérios: um deles genérico, aplicável a praticamente todos os casos, e um específico, aplicável, de forma distinta, a cada tipo de abdome agudo. O tratamento genérico inclui: analgesia (inicialmentecom dipirona, parecetamol, opiodes), reposição volêmica para os casos hipovolemia (falta de ingesta, vômitos e íleo adinâmico, transudação peritoneal, desidratação); correção dos distúrbios hidroeletrolítico; antibioticoterapia. OBS: Acreditando-se que a infecção seja um fenômeno quase sempre presente no abdome agudo inflamatório, entende-se a necessidade de antibioticoprofilaxia ou antibioticoterapia precoce. Utiliza-se antibióticos de amplo espectro, voltados para germes Gram-positivos e Gram-negativos, assim como anaeróbios. A antibioticoterapia por via endovenosa, em doses efetivas, iniciada logo nos primeiros momentos do atendimento, deverá ser revista e mesmo modificada, no curso da doença, por ocasião da confirmação cirúrgica do processo ou após exame bacteriológico, cultura e antibiograma do material colhido durante a laparotomia. OBS: Uma vez iniciado o tratamento com antibiótico, este deve persistir, em média, por 5-7 dias. Abdome Perfurativo É uma das síndromes mais frequentes entre as urgências abdominais não-traumáticas. A perfuração de vísceras ocas pode ocorrer devido a processos inflamatórios (úlceras pépticas, doenças inflamatórias intestinais), neoplásicos e infecciosos do aparelho digestivo (Salmonella tiphy, citomegalovírus, tuberculose intestinal etc.) ou a uso de medicamentos (antiinflamatórios). Pode ainda ser decorrente da ingestão de corpos estranhos, traumatismos e iatrogenias (procedimentos diagnósticos e terapêuticos). Ainda hoje, a mortalidade da perfuração visceral se encontra entre 8 e 10%. A dor tem início súbito, geralmente dramático, já começando de forma intensa, rapidamente atingindo seu pico (intervalo curto entre o início e a procura aos serviços médicos). Os pacientes costumam precisar a hora exata do início do sintoma. O problema advém do extravasamento de secreção contida no trato gastrintestinal para a cavidade peritoneal, o que é traduzido por peritonite. A dor tipo somática vem da irritação química do peritônio, e, quanto menor o pH, maior a irritação. OBS: Em relação ao intestino grosso, a peritonite é séptica desde o início. O exame clínico demonstra silêncio abdominal e rigidez muscular, detectada como “abdome em tábua”. A temperatura é normal, e náuseas e vômito podem estar presentes. A radiografia simples revela pneumoperitônio (ao exame físico revelado pelo sinal de Jobert). Uma série de parâmetros devem ser levados em consideração no diagnóstico e na avaliação do doente portador de abdome agudo perfurativo: Peritonite química ou bacteriana; Nível da perfuração; Tempo de evolução da perfuração; Manifestações sistêmicas ou abdominais exclusivas; Perfuração bloqueada ou em peritônio livre; Etiologia da perfuração. OBS: Em 12 h de evolução do quadro, a peritonite química torna-se bacteriana, aparecendo os sinais de infecção. As perfurações costumam ser divididas em altas (gastroduodenal e delgado proximal) e baixas (delgado distal e cólon). Nas perfurações mais baixas de delgado, a dor abdominal é mais discreta, e os sinais de irritação peritoneal são menos exuberantes. Se a perfuração ocorrer a nível do intestino grosso irritação peritoneal fecal. A causa mais comum de perfuração é a úlcera péptica, e a perfuração é a primeira manifestação da doença ulcerosa em 30 a 40% dos casos. - Diagnóstico Os pacientes idosos são os mais afetados, devido ao uso crônico de AINEs e ácido acetilsalicílico. Inicialmente, a dor se localiza no epigástrio, seguida de dor abdominal difusa. A dor pode simular apendicite aguda à medida que migra para o quadrante inferior direito. O exame endoscópico pode contribuir para o diagnóstico das perfurações do trato digestivo alto (estômago e duodeno). A gastroduodenoscopia permite identificar a lesão ulcerada e, por vezes, até mesmo a sua perfuração. Não é incomum o aparecimento do pneumoperitônio numa nova radiografia, realizada após o exame endoscópico. OBS: Atualmente, a videolaparoscopia representa a principal ferramenta utilizada para melhor diagnóstico do abdome agudo com menor risco ao paciente em relação a laparoscopia explorada. Porém, nem todos os centros disponibilizam desse aparelho. A característica radiológica (decúbito dorsal, anteroposterior, decúbito lateral) de perfuração de víscera oca é a presença de ar e/ou líquido na cavidade peritoneal, no retroperitônio e, com menor frequência, nas paredes de órgãos e outras estruturas. A perfuração de uma víscera oca leva à formação de pneumoperitônio em 75% a 80% dos casos. A perfuração de uma víscera oca associada à presença de pneumoperitônio pode ser ocasionalmente diagnosticada com a ultra-sonografia. Nesses casos, o gás livre surge como linhas hiperecogênicas com acentuada reverberação posterior, entre a parede abdominal anterior e a superfície anterior hepática. A TC, como a radiologia convencional, é excelente para a detecção de gás livre na cavidade abdominal. A localização precisa e a distribuição de gás e líquido livre fornecem chaves da natureza do processo patológico de base, podendo também ser possível estabelecer a localização da perfuração em até 80% dos casos. - Tratamento Para as perfurações esofágicas, a opção terapêutica é pela esofagectomia com ou sem toracotomia. Já nas gástricas, quando se confirma o agente etiológico conduta operatória se impõe. Nas lesões agudas, consiste em sutura da perfuração com ou sem epiploplastia (cirurgia de Graham-Steele) e limpeza da cavidade. Nas úlceras duodenais crônicas, o cirurgião deve optar pelo tratamento definitivo. Nos casos crônicos admite- se a gastroctemia. Na perfuração do delgado, tendo em vista a riqueza microbiana do órgão e a atividade das enzimas componentes de sua secreção, as perfurações intestinais apresentam diferenças conforme sua topografia. OBS: O tratamento operatório depende da causa da perfuração e das condições locais da cavidade e gerais do doente. Pode ser uma simples ressecção com anastomose primária ou então ressecção com estomia (Rasslan, Masslon). Abdome agudo vascular Constitui doença grave, às vezes pouco lembrada no momento do exame clínico, com mortalidade atingindo 80% na maioria dos estudos. Tal fato se deve ao diagnóstico quase sempre tardio, e pelo fato de acometer principalmente pacientes idosos, que já apresentam várias doenças crônicas. Isso ocorre pela complexidade da circulação intestinal. O intestino como um todo é um dos órgãos que apresenta, provavelmente, um dos sistemas de circulação colateral mais completos do organismo. As três artérias principais ou axiais contam com uma intrincada e extensa rede de ramos arteriais que se intercomunicam. A falta de sangue devido à oclusão da artéria mesentérica superior (AMS) em seu óstio pode ser suprida pelo fluxo do tronco celíaco (TC) via artéria hepática comum, artéria gastroduodenal e artérias pancreatoduonenal superior e inferior. Na ocorrência de estenose ou oclusão do TC, o fluxo percorre o mesmo caminho, porém de forma inversa. OBS: No caso de a obstrução envolver a artéria mesentérica inferior (AMI), a circulação colateral segue fluxo pela arcada de Riolan (ramo ascendente da cólica esquerda) que, por meio de anastomoses com a cólica média, alcança o território normalmente irrigado pela AMS e pelo TC. A fisiopatologia envolve uma lesão isquêmica inicial, decorrente da redução do fluxo arterial ou venoso (o que leva a lesões precoces na mucosa, tornando-se posteriormente transmurais), perpetuada pelo vasospasmo reflexo da circulação mesentérica e completada pela lesão de reperfusão. A dor abdominal é o sintoma inicial, geralmente muito intensa, fora de proporções com os achados clínicos, que são inespecíficos. A chave para o diagnóstico precoce é valorizar os sinais, ainda que inespecíficos, em pacientescom fatores de risco para isquemia mesentérica aguda (maiores de 60 anos, portadores de doença aterosclerótica, infarto agudo do miocárdio recente, arritmias cardíacas, em especial a fibrilação atrial, passado de eventos tromboembólicos, insuficiência cardíaca, má perfusão periférica. OBS: Além da dor, vômitos, alteração nas características das fezes e distensão abdominal são sintomas frequentes. A ausculta abdominal pode ser aumentada ou diminuída, não agregando muito valor prático. ATENÇÃO: O toque retal, eventualmente, traz como dado adicional sugestivo de necrose a presença de fezes com aspecto de “geléia de amoras”, consequência da necrose de regiões da mucosa intestinal. Passada a fase inicial de dor abdominal, vem a fase intermediária, caracterizada por peritonite, que frequentemente confunde o quadro clínico com outras causas de abdome agudo inflamatório. Na terceira fase, acentuam-se os sinais abdominais, surgindo a instabilidade hemodinâmica, o choque refratário e o óbito. É possível dividir as etiologias isquêmicas em causas oclusivas e não oclusivas. Das oclusivas podemos citar como mais frequentes a embolia (origem cardíaca, aórtica, tumoral ou por cristais de colesterol) e a trombose aguda (secundária geralmente à aterosclerose prévia) dos principais ramos arteriais viscerais. Já entre as não-oclusivas, destacam-se à diminuição importante do débito cardíaco (ICC), intoxicação por drogas, choque, traumas, entre outros, que podem ou não cursar com vasoespasmo. A embolia da artéria mesentérica superior é o tipo mais frequente, correspondendo a 50% dos casos. A maioria dos êmbolos tem origem cardíaca, derivados de trombo mural associado a fibrilação atrial ou infarto agudo do miocárdio. Nesses casos, o quadro clínico consiste em dor de início súbito, intensa, na região periumbilical, associada a vômito e diarreia sanguinolenta. O tratamento é a embolectomia, sendo possível o uso de agentes fibrinolíticos (estreptoquinase, 5.000- 10.000 U/h) em casos selecionados (dor com menos de 12 h de evolução, oclusões parciais da artéria mesentérica, ausência de peritonite, ausência de acidose metabólica grave, ausência de insuficiência orgânica grave). OBS: Na trombose da artéria mesentérica superior, que corresponde de 10 a 25% dos casos, o quadro clínico tem início mais insidioso, podendo durar dias. Habitualmente, o paciente apresenta angina intestinal crônica, com dor pós-alimentar, perda de peso e alteração do hábito intestinal. O tratamento é a tromboendarterectomia ou bypass. Já a isquemia mesentérica aguda não oclusiva, corresponde a 20-30% dos casos de abdome agudo vascular, caracterizada por acometer os pacientes no estado de choque, hipovolemia, redução do DC, uso de vasoconstritores ou agentes inotrópicos, e pelo uso de cocaína. ATENÇÃO: Neste caso, o quadro clínico pode cursar sem dor em até 25% dos casos, mas há distensão abdominal importante e sangramento intestinal. É comum cianose periférica (síndrome dos pés azuis). O tratamento é essencialmente clínico visando a restabelecer o fluxo esplâncnico, além da suspensão das drogas envolvidas. - Diagnóstico Os exames laboratoriais também são inespecíficos, não existindo marcadores de isquemia ou necrose intestinal, mas hemoconcentração, leucocitose e acidose metabólica, associados aos achados clínicos de distensão, defesa e ausência de peristaltismo sugerem doença avançada. A radiologia convencional afasta outras causas de abdome agudo e pode mostrar espessamento da parede das alças intestinais, alças tubuliformes, fixas e imutáveis, e pneumoperitônio, o que indica lesões em fase bem avançada. A ultrassonografia, principalmente associada ao recurso Doppler, pode identificar a obstrução vascular e estudar o fluxo dos vasos mesentéricos, especialmente dos segmentos proximais. O diagnóstico de certeza é dado pela arteriografia, que é considerada o padrão-ouro no estudo da isquemia mesentérica, por suas possibilidades diagnósticas e terapêuticas. A arteriografia só deve ser realizada no paciente hemodinamicamente estável. OBS: Se a arteriografia é normal, mas existem sinais de irritação peritoneal, está indicada a laparotomia, pois a causa do abdome agudo pode ser outra que não a vascular. - Tratamento O tratamento inicial visa à reanimação agressiva (com correção da volemia, dos distúrbios eletrolíticos e suporte ventilatório), revascularização do intestino (com reversão da isquemia, se possível), além da ressecção dos segmentos inviáveis, quando o infarto já foi estabelecido. Além disso, preconiza-se a antibioticoterapia de amplo espectro, justamente por conta da diversidade da microbiota intestinal. Vasodilatador (papaverina) deve ser usado em todos os casos de isquemia mesentérica aguda, podendo ser o único tratamento necessário nos casos de isquemia mesentérica não oclusiva, sendo usado como adjuvante no per e pós-operatório nos demais casos. A dose utilizada varia de 30-60 mg/h por 5 dias. A abordagem cirúrgica é feita por laparotomia, e visa a restabelecer o fluxo sanguíneo, avaliar a viabilidade do intestino (antes e depois da revascularização) e ressecar segmentos intestinais inviáveis. Abdome Agudo obstrutivo Consiste na síndrome decorrente de uma obstrução intestinal, uma afecção muito que engloba uma grande percentagem das internações causadas por dor abdominal (20%). É causado pela presença de um obstáculo mecânico ou de uma alteração da motilidade intestinal que impede a progressão normal do bolo fecal. A obstrução intestinal é causa mais comum do abdome agudo, e ocorre quando há o bloqueio do trânsito intestinal, tanto na porção delgada (80% dos casos), quanto grossa (20%). Além disso, é possível dividir o quadro de acordo com o local da obstrução em: luminais, extraluminais e murais, como também quanto a causa se mecânica ou distúrbios de motilidade intestinal. OBS: As causas mecânicas ocorrem pela presença de obstáculos intraluminares, como, por exemplo, cálculos biliares e bolo de áscaris, ou por fatores extraluminares, tais como as obstruções intrínsecas causadas por tumores, hematomas; ou pelas compressões intrínsecas, como aderências, bridas, hérnias, entre outras. O sintoma cardinal do abdome agudo obstrutivo é a cólica intestinal, demonstrando o esforço das alças para vencer o obstáculo que está impedindo o trânsito normal. A dor é visceral, localizada em região periumbilical, nas obstruções de delgado, e hipogástrica, nas obstruções de cólon, intercalada com períodos livres de dor no início da evolução. As obstruções intestinais podem acontecer desde a idade prematura até a nona década de vida, tendo seu pico máximo aos 50 anos. A idade do paciente torna-se importante, pois certas causas têm sua maior frequência em determinadas faixas etárias. Exs: no neonato suspeitar de causas intrínsecas como volvo, íleo meconial. Já em pacientes meia idade, considerar as aderências, hérnia e doença de Crohn, enquanto idosos, neoplasias. As principais alterações fisiológicas do intestino com obstrução mecânica, porém com suprimento de sangue intacto, são o acúmulo de líquido e gás acima do ponto de obstrução e a alteração da motilidade intestinal, que, somados, levam a alterações sistêmicas importantes. Do ponto de vista topográfico, divide-se abdome obstrutivo em alto e baixo e tem como ponto de referência a válvula íleo-cecal. Com isso, obstruções acima dessa estruturaobstrução alta, caracterizada por dor, náuseas, vômitos e constipação; abaixo desse pontoobstrução baixa, caracterizada por dor, distensão e vômitos fecaloides. Dessa forma, a retenção de liquido anterior ao ponto de obstrução provoca alterações sistemáticas entre o saldo de secreção e absorção desequilíbriodos eletrólitos (sódio e potássio) perda de volume para o lúmen edema, distensão, podendo até provocar irritação peritoneal (dor parietal) e comprometer a circulação. Além disso, a presença de vômito intensifica ainda mais esse desequilíbrio hidroeletrolítico hipovolemia IRA choqueóbito. OBS: Os episódios de vômito surgem após a crise de dor, inicialmente reflexos, e são progressivos, na tentativa de aliviar a distensão das alças obstruídas. Da mesma forma, há acumulo de gases na região da obstrução, condição esta que leva à distensão abdominal que provoca a elevação do peristaltismo intestinal, como resposta a fim de resolver a obstrução. Após algum tempo, o peristaltismo contínuo é substituído por períodos intermitentes de peristaltismo aumentado, intercalados com períodos de acalmia (peristaltismo em fuga). ATENÇÃO: Quando uma alça intestinal encontra-se obstruída simultaneamente nas extremidades proximal e distal, caracteriza-se uma obstrução em alça fechada. A obstrução em alça fechada pode progredir rapidamente para o estrangulamento. A pressão no interior da alça obstruída pode atingir níveis iguais ao do sistema venoso, interrompendo o fluxo de sangue nas veias e aumentado o edema intestinal. Quanto mais alta a obstrução, mais precoces, frequentes e intensos serão os vômitos, menor a distensão abdominal e mais tardia a parada de eliminação de gases e fezes. Quanto mais baixa a obstrução, maior distensão abdominal, mais precoce a parada de eliminação de flatos e fezes, e, devido ao supercrescimento bacteriano no segmento obstruído, os vômitos, que são tardios, adquirem aspecto fecaloide. OBS: Febre normalmente não está presente. A desidratação é acentuada pelas perdas provocadas pelo vômito, sendo pior nas obstruções mais altas. OBS: A presença de necrose triplica a mortalidade operatória e aumenta em 10 vezes o risco de complicações. Com isso, dor somática, contínua, e contratura da parede abdominal indicam sofrimento de alça. A presença de febre, leucocitose e acidose metabólica, também são sugestivos desse quadro. À ausculta, os ruídos hidroaéreos estão aumentados em número e com alteração do timbre (timbre metálico); com o evoluir do processo e, portanto, com a isquemia da alça intestinal envolvida, os ruídos tendem a diminuir e, até, se tornar ausentes. - Diagnóstico Os exames laboratoriais são inespecíficos, prestando-se mais para avaliar as condições clínicas do paciente, além de orientar a correção dos distúrbios hidreletrolíticos e metabólicos. Na abordagem inicial, mais importante do que diagnosticar a causa da obstrução, é responder a três questões: se a obstrução é parcial ou completa, se é alta ou baixa, e se há necrose ou não. Tais fatores irão nortear a decisão terapêutica. O método de imagem de eleição são raios X simples de abdome em três incidências (anteroposterior ortostase, anteroposterior decúbito dorsal, perfil), que revelam níveis hidroaéreos, edema e distensão das alças, além de localizar o nível e o grau de obstru- ção, possibilitando também a identificação de corpos estranhos. Além disso, pode revelar dilatação das alças intestinais, padrão de empilhamento em moedas do jejuno ou em moldura no cólon. OBS: Na suspeita de obstrução colônica, o enema opaco permite não somente identificar rapidamente e com precisão o ponto de obstrução como também diferenciar as três principais causas de oclusão baixa: câncer colorretal, volvo e diverticulite complicada. A ultrassonografia não é de uso rotineiro. A tomografia é útil em distinguir as obstruções simples das em alça fechada (hérnia, volvo). - Tratamento O tratamento inicialmente é clínico, com descompressão gástrica e do intestino proximal através de sonda nasogástrica, hidratação venosa vigorosa e antibiótico de largo espectro. Nos casos de obstrução parcial, ocorre melhora de 75% dos casos em 24 h apenas com o tratamento clínico, indicando-se cirurgia se não ocorrer melhora após 48 h. Nos casos de obstrução completa, o tratamento clínico prepara o paciente para a cirurgia, que deve ser imediata, principalmente se há sinais de estrangulamento de alças. - Causas A principal causa de obstrução intestinal no adulto são as bridas e aderências, sendo também a principal causa de obstrução mecânica do delgado (75% dos casos), e a laparotomia constitui a maior causa de formação das aderências peritoneais. As hérnias parietais vêm em seguida como causadoras de obstrução intestinal. O tratamento da hérnia é sempre cirúrgico, assim como nos casos de obstrução completa por bridas e nas obstruções parciais recorrentes. O íleo paralítico pode apresentar-se sob três formas: o íleo adinâmico, o íleo espástico e o íleo da oclusão vascular. O íleo adinâmico é o mais comum e costuma ocorrer após cirurgias abdominais. Drogas como a morfina, a propantelina, os antiácidos, os anticoagulantes, as fenotiazinas e os agentes bloqueadores ganglionares também podem provocar íleo adinâmico. O íleo espástico não é comum, porém surge em consequência de uma hiper-reatividade do intestino. Pode ocorrer na intoxicação por metais pesados, na porfiria e, às vezes, quando existe uremia. Já o íleo da oclusão vascular é secundário a algum evento isquêmicoresposta reflexa de vasoconstrição morte celular incapacidade de contração. CURIOSIDADE: Após cirurgias, o intestino delgado recupera sua motilidade em aproximadamente 24 horas, o estômago, em 48 horas e o intestino grosso, em três a cinco dias. O tratamento é clínico, baseado na correção dos distúrbios hidreletrolíticos e metabólicos. A síndrome de Olgivie (pseudo-obstrução isolada do cólon) é comum nos pacientes idosos cronicamente doentes e pode, nos casos iniciais, ser tratada com colonoscopia descompressiva. Abdome agudo Hemorrágico A hemorragia intra-abdominal espontânea é rara. De acordo com alguns autores, estaria presente em 2% dos pacientes adultos que procuram o departamento de emergência com dor abdominal. Apesar de incomum, entretanto, pode ser fatal. Há relatos que assinalam taxas de mortalidade de 40% nos pacientes não-operados e de 100% nos operados sem identificação do foco hemorrágico. As causas da hemorragia intra-abdominal são numerosas e incluem doenças as mais variadas, como o traumatismo abdominal, a ruptura de aneurisma da aorta ou de alguma artéria visceral, as neoplasias malignas de vísceras sólidas, os processos inflamatórios erosivos (pancreatite e pseudocisto, por exemplo) e, nas mulheres, além dessas mencionadas, as afecções ginecológicas e obstétricas. A incidência é maior nos homens, na proporção de 2:1. A etiologia difere de acordo com o sexo e a idade. Enquanto no idoso a ruptura de tumores, de veias varicosas e de aneurismas da aorta abdominal são as causas mais frequentes, no jovem são comuns as rupturas de aneurismas das artérias viscerais e, nas mulheres, sangramentos de origem ginecológica e obstétrica. Nos quadros de abdome agudo hemorrágico, além da dor súbita, chama a atenção o rápido comprometimento hemodinâmico, com palidez intensa e hipovolemia acentuada. Apesar da forte dor, não se encontra contratura muscular no hemoperitônio, visto que o sangue não é tão irritante para a serosa peritoneal, como as substâncias GI no abdome perfurativo. Dessa forma, o sintoma mais importante é a manifestação de choque hipovolêmico. A ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas e a ruptura vascular não são situações comuns, e o abdome agudo hemorrágico é mais frequentemente associado ao trauma, ao pós-operatório e a complicações pós-procedimentos. OBS: Um sinal que pode estar presente é o de Kehr: dor irradiada no ombro esquerdo, causada pela irritação diafragmática do lado esquerdo, provocadaprincipalmente pela rotura esplênica. É intensificada quando o paciente está em decúbito dorsal. O quadro hemodinâmico do AAHE reflete a perda aguda de sangue. Em sua forma mais exuberante, traduz-se pelo choque hemorrágico, definido pela perfusão tecidual deficiente. No adulto a perda de 750 mL, considera-se choque de classe I, onde não altera a pressão nem FC, embora possa provocar hipotensão postural. No choque classe II, com perda de sangue entre 750ml e 1.500ml, o doente apresenta taquicardia acima de 100 batimentos por minuto, mas a pressão arterial mantém-se normal. Sangramento entre 1.500ml e 2.000ml provoca hipotensão arterial e aumento da frequência cardíaca, características do choque classe III, e caracteriza instabilidade hemodinâmica. No choque classe IV, o volume de sangramento é acima de 2.000ml e a situação é de extrema gravidade. A presença de instabilidade hemodinâmica pode implicar risco de vida e é necessário o controle cirúrgico imediato da hemorragia para prevenir maiores perdas sanguíneas. OBS: Os outros achados são hipotensão arterial, intensa taquicardia, redução da amplitude do pulso periférico, palidez, taquipnéia, redução do débito urinário e agitação são achados característicos. OBS: O que determina se o paciente com suspeita de abdome hemorrágico irá receber ou não hemoderivados é a classe do choque e não os índices hematimétricos. O tratamento é a cirurgia imediata, mas a arteriografia pode ser terapêutica em alguns casos. Nos casos de hematomas pós-operatórios estáveis, a conduta é expectante. Nos pacientes em uso de anticoagulantes, com formação de hematomas abdominais, a conduta também é expectante a princípio, com suspensão da anticoagulação. O diagnóstico é confirmado por ultrassonografia. Na suspeita clínica, não é necessário realizar exames, indicando-se laparotomia imediata, sendo a reanimação feita no bloco cirúrgico. “Nenhum paciente com aneurisma roto pode sobreviver se não for operado.” A mortalidade pós-operatória atinge 50%, e complicações pós-operatórias comuns são insuficiência renal aguda, isquemia colônica e isquemia de membros inferiores.
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