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Caso Clínico de Neurologia Indira Odete Amorim Um paciente do sexo masculino, 62 anos, negro, apresentou, às 9 horas e 30 minutos, diminuição de força no hemicorpo direito e dificuldade para falar. Chegou à emergência às 10h30min, e o exame físico evidenciou pressão arterial de 170/100 mmHg, sopro carotídeo esquerdo +2/+6, ausculta cardíaca com ritmo regular. A partir do exame neurológico, verificaram-se hemiparesia direita de predomínio braquiofacial e afasia predominantemente expressiva (escore NIHSS: 12). Caso clínico Os antecedentes médicos foram hipertensão arterial não tratada, tabagismo, dislipidemia, obesidade e sedentarismo. Os resultados dos exames laboratoriais evidenciaram: glicemia de 147 mg/dL, hemograma normal (incluindo plaquetas), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) de 30 s (referência de 35 s), tempo de protrombina (TP) 14s (INR: 1,12). Por meio da tomografia computadorizada (TC) de crânio, realizada às 11h10min, não foi observada lesão cerebral aguda Caso clínico Qual é a hipótese diagnóstica? AVC isquêmico A doença cerebrovascular é uma das causas mais comuns de morte no Brasil, perdendo apenas para a doença isquêmica cardíaca O AVE isquêmico é o principal representante da doença cerebrovascular, sendo responsável por até 80-85% dos casos de acidente vascular encefálico no mundo (os 15-20% restantes são eventos hemorrágicos EPIDEMIOLOGIA 1 a cada 4 pessoas terá AVC Das pessoas acometidas, 20 a 30% sofrem perda gradual de cognição e atingem demência em 1 ano EPIDEMIOLOGIA AVE isquêmico se manifesta pela súbita instalação de um deficit neurológico focal persistente. Ocorre redução do fluxo sanguíneo para determinada área do encéfalo, gerando isquemia com necrose e perda do tecido cerebral. PATOGENIA Quando uma artéria cerebral é ocluída ou subocluída, imediatamente surge isquemia (desequilíbrio entre oferta/demanda de O2). Disfunção neuronal quando o fluxo cerebral cai abaixo de 20 ml/100 mg/min (normal: > 50 ml/100 mg/min). PATOGENIA ETIOLOGIA ATEROSCLEROSE DE GRANDES ARTÉRIAS Artérias de grande calibre extracranianas e intracranianas. A principal artéria acometida é a A. carótida interna EMBOLIA CARDÍACA Decorrentes de oclusão de vaso cerebral por êmbolos provenientes do coração. CAUSAS: fibrilação atrial, lesões estruturais, valvulopatias graves, trombos intracavitários OUTRAS ETIOLOGIAS OCLUSÃO DE PEQUENAS ARTÉRIAS Síndrome lacunar (deficit neurológico sem comprometimento cortical) . TC ou RM demonstram lesões pequenas (lacunas) no território de artérias perfurantes(núcleos da base, tálamo, tronco cerebral, coroa radiada e cápsulas interna e externa) <1,5cm de diâmetro. CAUSAS: degeneração dos pequenos vasos e de arteríolas perfurantes, por ação direta da HAS, associada ou não ao DM. CLASSIFICAÇÃO DE TOAST INDETERMINADO Vasculopatias não ateroscleróticas (Moyamoya, dissecção arterial), desordens hematológicas (anemia falciforme), coagulopatias (deficiência de fatores fibrinolíticos), vasculites (varicela, lúpus, meningite) ETIOLOGIA Arterioembólico AVE isquêmico típico dos pacientes hipertensos. A fonte emboligênica geralmente é uma placa aterosclerótica instável (com trombo) na carótida comum ou bifurcação carotídea ou na artéria vertebral UMA BREVE REVISÃO DE NEUROANATOMIA CIRCULAÇÃO ANTERIOR ARTÉRIAS ENCEFÁLICAS SISTEMA CAROTÍDEO ARTÉRIA CARÓTIDA INTERNA ARTÉRIA CEREBRAL ANTERIOR ARTÉRIA CEREBRAL MÉDIA CIRCULAÇÃO POSTERIOR ARTÉRIAS ENCEFÁLICAS SISTEMA VÉRTEBRO-BASILAR ARTÉRIAS VERTEBRAIS ARTÉRIA BASILAR ARTÉRIA CEREBRAL POSTERIOR ARTÉRIAS CEREBELARES ARTÉRIAS ENCEFÁLICAS ARTÉRIAS ENCEFÁLICAS ARTÉRIA CEREBRAL ANTERIOR ARTÉRIA CEREBRAL MÉDIA ARTÉRIA CEREBRAL POSTERIOR Ramos lenticuloestriados (artérias perfurantes que irrigam o tálamo, os gânglios da base e a cápsula interna AVE lacunar Ramo superior irriga o córtex e a substância subcortical do lobo frontal (córtex motor piramidal, pré-motor, área do olhar conjugado, área de Broca), todo o lobo paritetal (área somatossensorial primária e associativa, área associativa geral dos giros supramarginal e angular) e parte superior do lobo temporal (área de Wernicke). Irriga porção anterior, medial e orbitária do lobo frontal. Segmento proximal emite ramos perfurantes para nutrir a porção anterior da cápsula interna, corpo amigdaloide, hipotálamo anterior e uma parte da cabeça do núcleo caudado. Ramos perfurantes irrigam o mesencéfalo, o tálamo e os pedúnculos cerebelares superiores Irrigam o lobo occiptal ARTÉRIAS ENCEFÁLICAS ARTÉRIA CEREBRAL ANTERIOR ARTÉRIA CEREBRAL MÉDIA ARTÉRIA CEREBRAL POSTERIOR SÍNDROME BRAQUIAL fraqueza da mão ou do braço e mão Fraqueza facial com afasia motora (área de Broca ) hemisfério dominante Síndrome opercular frontal Afasia de expressão ( Wernicke) hemisfério dominante Déficit motor clássico hemiparesia/plegia completa desproporcionada com predomínio braquifacial Monoparesia crural; Hemiparesia, plegia Apraxia contralateral Hemi/ hipoanestesia do membro inferior contralateral Hemianopsia e amaurose . Lesão de artérias do sistema vértebro-basilar manifesta-se com disfunção cerebelar (ataxia, dismetria, disdiadococinesia), disfunção de nervos cranianos, alteração do nível da consciência, além de déficit motores e sensitivos. Sugere território carotídeo (cerebral média, anterior): afasia, síndromes cerebrais clássicas (Gerstmann, amusia, agnosias, síndrome do lobofrontal etc.); Sugere território vertebrobasilar (cerebral posterior, tronco): hemianopsia, agnosia visual, síndrome de Balint, síndrome de Anton. Diplopia sugere AVE de tronco. Vertigem e nistagmoAVE pontino ou cerebelar. Ataxia cerebelar AVE de cerebelo, mesencéfalo (núcleo rubro) ou tálamo; MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Síndromes típicas de infartos lacunares: hemiplegia fasciobraquiocrural (cápsula interna); afasia de Broca ± hemiparesia; hemianestesia (tálamo ventrolateral); disartria com apraxia da mão e braço; Hemiparesia atáxica. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Síndromes típicas de infartos lacunares: hemiplegia fasciobraquiocrural (cápsula interna); afasia de Broca ± hemiparesia; hemianestesia (tálamo ventrolateral); disartria com apraxia da mão e braço; Hemiparesia atáxica. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS FATORES DE RISCO HAS Aterosclerose nas aa. Carótidas e Vertebrais História familiar de Dç Cerebrovascular, DM, tabagismo, hipercolesterolemia e idade > 60 anos AVE cardioembólico FA, IAM de parede anterior e cardiomiopatia dilatada FATORES DE RISCO FATORES DE RISCO EM DESTAQUE NO CASO CLÍNICO SEXO MASCULINO HAS NÃO TRATADA TABAGISMO 62 ANOS DISLIPIDEMIA OBESIDADE SEDENTARISMO DIAGNÓSTICO CLÍNICA + IMAGEM TODO paciente com déficit neurológico focal súbito > 15-20 minutos deve ser encarado como AVE (isquêmico ou hemorrágico) TC de crânio – ESSENCIAL para descartar AVE hemorrágico! Nas primeiras 12-24h do evento isquêmico, pode estar NORMAL! No caso em questão, TC foi realizada com menos de 2h do evento Isquemia só tem expressão radiológica na TC após 24-72h do evento Área hipodensa acompanhada de edema RNM – maior acurácia que a TC Custo, disponibilidade, demora e impossibilidade de ser realizada em alguns pcts DIAGNÓSTICO EXAMES SOLICITADOS EXAMES SOLICITADOS Glicose 147 mg/dL – afastar causa tóxico-metabólica e guiar terapêutica HEMOGRAMA NORMAL Inclusive plaquetas TTPa = 30 s (Ref. = 35 s) TP 14s INR :1,12 TC REALIZADA ÀS 11:10(MENOS DE 2H DO EVENTO) Normal ECG – Fibrilação atrial ECO Doppler de carótidase vertebrais Angio-TC – no caso, confirmou uma estenose grave (80%) na porção cervical da carótida interna esquerda Angio-RNM PARA O DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO TC de crânio normal TC de crânio realizada 72h depois Déficit neurológico focal reversível, transitório, cuja definição formal prevê uma duração máxima de 24h (antigo) Atual = reverte dentro de 1 hora (a maioria = 15-20min) Causa = pequenas embolias arterioarteriais a partir das carótidas ou vertebrais Menos incomum = trombose em evolução ou situações de baixo DC em pacientes com placas de ateroma bilaterais nas carótidas obstruindo mais de 50% do lúmen. Mesmas manifestações do AVE só que transitórias AIT – Ataque Isquêmico Transitório Pode preceder o AVEi em 9-25 % dos casos Fatores que sinalizam maior risco de fazer AVEi: Idade avançada, AIT “em crescendo” Estenose significativa de carótida Doença cardíaca associada, fibrilação atrial de início recente Fonte cardioembólica definida e AIT hemisférico AIT – Ataque Isquêmico Transitório TRATAMENTO Fase aguda: primeiros 3 dias do evento. Avaliar SSVV Se torporoso ou comatoso, deve ser intubado. Hipotenção deve ser tratada agressivamento com SF 0,9%. Cabeceira elevada entre 0-30° nas primeiras 24h. Dieta iniciada nas primeiras 48h. TRATAMENTO DA FASE AGUDA Controle da PA -Pct: 170x100mmHg Controle da glicemia -Pct: 147mg/dl Controle da temperatura < 37,8° Manutenção da PaO2 - SatO2 de inferior a 92% devem receber 2 a 4 L/min3 de suplementação de O2. Controlar os eletrólitos. MEDIDAS DE SUPORTE Não baixa a PA nas primeira 24h, com exceção as PA acima de 220x120mmhg. Se estiver acima usar anti-hipertensivo venoso, visando reduzir apenas 15% o valor inicial nas primeira 24h. Nipride 5mcg/kg/min se a diastólica tiver maior que 140mmHg. Labetalol nos demais casos. Trombolítico só se PA ≤ 185 x 110 mmHg. Após administração, a PA deve ser mantida abaixo de 180 x 105 mmHg nas primeiras 24h. CONTROLE DA PA Critérios pra trombolise a) AVCi em qualquer território vascular cerebral; b) possibilidade de se estabelecer precisamente o horário de início dos sintomas; c) Possibilidade de se iniciar a infusão do rt-PA dentro de três horas do início dos sintomas. d) TC de crânio sem evidência de hemorragia ou outra doença de risco; e) idade > 18 anos; f) paciente ou familiar responsável capacitado a assinar termo de consentimento informado. MEDIDAS ESPECÍFICAS Critérios de exclusão a) Uso de anticoagulantes orais ou TP > 15 segundos (INR > 1,7); b) uso de heparina nas últimas 48 horas e PTTa elevado; c) AVC ou TCE <3 meses. d) Antecedente de hemorragia cerebral; e) TC de crânio com evidências de hemorragia ou edema cerebral em desenvolvimento; f) PAS > 185 e PAD >110 mmHgg) sintomas melhorando rapidamente; h) deficits neurológicos leves, isolados; j) procedimento invasivo dentro das últimas duas semanas; k) hemorragia geniturinária ou gastrointestinal nas últimas três semanas; m) coagulopatia com TAP, PTTa elevados, ou plaquetas < 100.000/mm3; n) glicemia < 50 mg/dl ou > 400 mg/dl; o)crise convulsiva precedendo ou durante a instalação do AVC; p) Plaquetopenia <100.000 q)Gravidez, puerperio ou comorbidade grave. MEDIDAS ESPECÍFICAS A infusão do rt-PA deve ser realizada segundo alguns preceitos estabelecidos. Após checar os critérios de inclusão e exclusão, obter dois acessos venosos periféricos. Evitar: punção central, arterial antes e até 24 h após e sondagem vesical (30 min) e nasogástrica (24h). MEDIDAS ESPECÍFICAS Trombolítico É o ativador do plasminogênio tecidual recombinante (rt-PA), na dose de 0,9 mg/kg (dose máxima de 90 mg), sendo 10% em bólus, por 1 minuto, e o restante da dose em 60 minutos. Pct monitorado em UTI por 24h. Não se deve aplicar heparina ou antiagregantes plaquetários (AAS) nas primeiras 24 horas. Não se deve puncionar artérias ou realizar procedimentos invasivos nas primeiras 24 horas MEDIDAS ESPECÍFICAS A indicação atual é trombolisar até 4,5h após o início dos sintomas. Como o pct tinha apenas uma hora de evolução, Pa <170x100mmhg, plaquetas normais, TTPa 30s, TP 14, INR 1,12 ,Tc sem hiperdensidades, e cumpre os demais critérios foi realizado a trombolise MEDIDAS ESPECÍFICAS Antiagregante plaquetário -Iniciar aspirina 300mg dentro das primeiras 48h. Heparina profilática -Enoxiparina 40mg, SC 1x dia. MEDIDAS ESPECÍFICAS As principais são devido a imobilização no leito: (1) contraturas musculares; (2) broncoaspiração; (3) pneumonia; (4)infecção urinária; (5) desnutrição; (6) úlcera de decúbito; (7) TVP e embolia pulmonar. Complicações A piora do estado de consciência e/ou do deficit neurológico pode ocorrer por qualquer um dos fatores abaixo: - Edema da própria isquemia (mais intenso entre o terceiro e quinto dias). - Transformação hemorrágica (costuma ocorrer entre 12-48h), complicando cerca de 6% dos AVE isquêmicos; - Distúrbio metabólico (hiponatremia, distúrbios glicêmicos); - Pneumonia e outras infecções com repercussão sistêmica; - Crise convulsiva (ocorre em 4-10% dos casos, quase sempre na primeira semana e do tipo parcial ou parcial com generalização secundária). Complicações No AVE arterioembólico o paciente deve tomar AAS 100-300 mg/dia para o resto da vida. A hipertensão arterial deve ser controlada com anti-hipertensivos orais. A endarterectomia carotídea foi realizada pois reduz em 17% o risco absoluto de AVE nos dois anos seguintes, quando respeitados os dois pré-requisitos abaixo. 1- Isquemia cerebral sintomática (AIT ou AVE) compatível com a lesão carotídea encontrada. 2- Obstrução 70-99% unilateral. TRATAMENTO CRÔNICO Deve ser iniciada nas primeiras 24-48h. Fisioterapia motora, fonoterapia e terapia ocupacional. Quanto mais precoce, maior será a recuperação do deficit neurológico e menor será a chance de complicações decorrentes de imobilização no leito REABILITAÇÃO REFERÊNCIAS
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