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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA PROFESSOR Dr. Carlos Herold Junior HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 2 Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Ana Claudia Salvadego, Qualidade Textual Hellyery Agda, Revisão Textual Danielle Loddi, Pedro Afons Barth Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; JUNIOR, Carlos Herold. História da Educação Física. Carlos Herold Junior. Reimpresso em 2019. Maringá - PR.:UniCesumar, 2018. 192 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Educação Física. 2. Corpo na História. 3. Práticas Corporais. 4.EaD. I. Título. CDD - 22ª Ed. 701.1 CIP - NBR 12899 - AACR/2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 ISBN 978-85-459-0523-3 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Jorge Luiz Vargas Prudencio de Barros Pires, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Giovana Costa Alfredo, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo, Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard. Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada. Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência Professor Doutor Carlos Herold Junior Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/2011). Pós-Doutorado em Educação pela UniversidadeFederal do Paraná (UFPR/2009). Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR/2006). Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2000). Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/1995). Profissionalmente, atua como professor universitário desde o ano de 1999, quando ingressou no Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO, Guarapuava). Em 2013, passou a trabalhar no Departamento de Educação Física da Uni- versidade Estadual de Maringá (UEM) e hoje leciona as disciplinas de Didática em Educação Física, Lutas e Análise dos Dados Qualitativos em Educação Física. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse seu currículo, disponível no endereço a seguir: <http://lattes.cnpq.br/9723444517016722>. apresentação do material História da Educação Física Carlos Herold Junior Caro(a) aluno(a), ao escolhermos determinada profissão tomamos uma importante decisão. Tal decisão gera muitas consequências, dizendo muito do que já somos e, sobretudo, muito daquilo que seremos em muitas dimensões de nossa vida, para além da dimensão profissional. Ao folhear este livro sobre a “História da Educação Física”, você indica a escolha por conhecer de um modo mais aprofundado um universo ligado ao ensino das variadas práticas corporais e de seu ensino. Digo mais aprofundado pois, para muitos de nós, não faltam recordações nem “conhecimentos” sobre a natureza do envolvimento com essas práticas: nas escolas e fora delas, nós brincamos, joga- mos, treinamos. Adultos, preocupamo-nos com nossa saúde, com nossa aparência ou apenas nos divertimos com essas atividades. Enfim, é muito improvável que alguém, na condição de iniciar qualquer curso universitário, não possua algum conhecimento sobre as atividades associadas ao universo das práticas corporais. É a história delas que estudaremos. Antes de entrarmos na reflexão sobre essa história, é importante você ter claro que as diferentes disciplinas do curso proporcionam variados olhares sobre o conjunto de atividades citadas anteriormente e as perspectivas de trabalho com elas. Sabemos que quando olhamos algo de um lugar, vemos algumas coisas mais claramente, enquanto outras são totalmente negligenciadas ou têm sua visão atrapalhada por alguma coisa que se interpõe entre nosso olhar e aquilo que queremos ver. Quando optamos por estudar o universo das práticas corporais e sua presença na escola por meio de um viés histórico, é importante reconhecer que isso nos trará a condição de olhar a escola, as práticas corporais, os professores e os alunos nas aulas de aula de educação física de um modo mais complexo. Enxergaremos coisas que não eram percebidas antes. Com este estudo, espero que você passe a verificar que, nas milhares de aulas de educação física - nas quais professores e alunos se relacionam, todos os dias, país afora, em uma sucessão de fatos, problemas e expectativas do dia a dia escolar - há uma história a ser estudada, conhecida e produzida. Uma história percebida como lupa, como um telescópio, a capacitar seu olhar para enxergar, atentamente, tanto as nuances quanto os horizontes mais amplos. Com essas lentes, que você saiba da existência de um caminho percorrido por profes- sores e alunos de outras épocas, que levou até o contexto em que vivemos, o qual merece ser alvo da atenção daqueles que darão vida a essa história, daqui para frente. Demonstrar as vantagens de se conhecer a histó- ria da educação física não deve secundarizar o re- conhecimento de que esse olhar não consegue ver tudo, e muito do que se vê na reconstrução desse caminho não tem a clareza que gostaríamos. Talvez você experimente, durante a rica gama de disciplinas que serão oferecidas em seu curso, que conhecer as coisas de uma forma mais clara também produz “escuridões”. No caso da história da educação física, será mostrado que, embora ela tenha ajudado todo um campo do conhecimento a se conhecer melhor e propor alternativas a alguns de seus problemas, ela, constantemente, tem suas observações refeitas, da mesma maneira que tem a importância de seu olhar questionada. Espero mostrar que o valor do estudo da história da educação física também acontece por evidenciar que as competências, as experiências e a sabedoria acumuladas com o passar do tempo de- vem ser, sempre, regradas, limitadas, continuamente postas em dúvida. Dúvidas que aumentam na mesma proporção de uma curiosa avidez, e, certamente, cul- tivá-las nos dará a capacidade de encontrar não ape- nas soluções, mas novos problemas, novos desafios e limites. Sem esse cultivo intelectual, as aulas educação física continuarão apenas a ser aquilo que são para quem não estuda tal campo: crianças e jovens indo para a quadra e voltando para a sala de aula depois de “jogarem bola” ou “suarem a camisa”. Admirar belezas e se espantar com absurdos, insuspeitos para muitos olhos, é a condição à qual aspira este livro sobre a História da Educação Física. Essa intenção de estudar a história da educação física será composta de cinco unidades. Na primeira, explico algumas características da análise histórica e busco aprofundar as considerações sobre a importância desse estudo no curso. Na segunda unidade veremos que, em diferentes períodos, homens e mulheres entendiam e sentiam diferentemente seu corpo e o corpo dos outros. Na unidade III o foco é práticas corporais. A próxima unidade evidencia diferentes modos como muitas das práticas corporais ainda hoje existentes surgiram e eram avaliadas, sendo estudada, também, sua importância no lazer, na cultura e na educação. Na quarta unidade veremos que, embora a educação, o corpo e as práticas corporais tenham raízes profundas na história da humanidade, a escola e a disciplina de educação física são invenções mais recentes, e são elas, no processo de sua construção, que iremos entender. Focaremos esse processo também no contexto brasi- leiro, na última unidade. Acredito que, com o apoio dessa trajetória, você perceberá e entenderá muito daquilo que experimentou como aluno da educação básica e aquilo que poderá fazer como professor(a) de educação física. Ótimos estudos! sumário UNIDADE I O CONHECIMENTO HISTÓRICO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA 16 Tem história em um curso de educação física? 19 A importância do conhecimento histórico para o professor de educação física 28 O que se estuda na história da educação física? 33 Como se produz o conhecimento histórico sobre a educação física? 38 A história da educação física também tem uma história 43 Considerações Finais 46 Referências 49 Gabarito UNIDADE II PENSANDO O CORPO NA HISTÓRIA 54 O corpo não é apenas sua anatomia 61 A filosofia começa e continua...no corpo 67 Eu tenho um corpo ou sou um corpo? Os muitos eus e os muitos corpos que existiram na história 73 Os ódios e os amores devotados ao corpo na história 78 Prazeres e deveres no cuidado com o corpo 82 Considerações Finais 87 Referências 88 Gabarito sumário UNIDADE III OLHANDO HISTORICAMENTE AS PRÁTICAS CORPORAIS 94 As muitas práticas corporais 98 A ginástica 102 Os jogos 106 O esporte 110 As lutas e as artes marciais 115 Considerações Finais 119 Referências 121 Gabarito UNIDADE IV EDUCAR É EDUCAR O CORPO: A ESCOLA E A EDUCAÇÃO FÍSICA 126 Educação corporal e educação física escolar 131 Educar o corpo na escola, para quê? 135 A educação física escolar tornar-se... escolar 139 As ciências da educação, o corpo e a educação física: o longo século XX 142 O corpo tem lugar na escola? 146 Considerações Finais 150 Referências 151 Gabarito sumário UNIDADE V A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA ESCOLA BRASILEIRA 156 Escola e educação física na passagem ao século XX: muitos pensamen- tos e uma realidade 162 Discutindo a presença das práticas corporais na escola brasileira: plurali- dade de modelos 168 Formando professores de educaçãofísica: o que fica dessa história? 175 Os caminhos até nós: como a educação física escolar se tornou o que é? 179 Educação física e escola: pensando futuros ao pensarmos passados 184 Considerações Finais 189 Referências 191 Gabarito Professor Dr. Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Tem história em um curso de educação física? • A importância do conhecimento histórico para o professor de educação física • O que se estuda na história da educação física? • Como se produz o conhecimento histórico sobre a educação física? • A história da educação física também tem uma história Objetivos de Aprendizagem • Sublinhar que a formação profissional em educação física possui uma história. • Evidenciar a importância de se estudar história em um curso de educação física. • Estudar os principais assuntos abordados quando se estuda a história da educação física. • Ponderar as possibilidades e as dificuldades na produção do conhecimento histórico em educação física. • Analisar a história da produção do conhecimento histórico em educação física. O CONHECIMENTO HISTÓRICO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA I unidade INTRODUÇÃO Assim como conhecemos pela prática muitas das atividades corporais e muito de seu ensino na escola por termos sido alunos, também temos alguma familiaridade com o ato de começar estudando algum assunto abordando sua história. O hábito tem o seu valor, afinal, como ocorre em todos os hábitos que possuímos, ele caracteriza-se por ser um automatismo que nos liberta para pensarmos em coisas mais interessantes. O que faremos nesta unidade, todavia, é nos preocuparmos menos com o que compraremos no mercado e mais com a caminhada que até lá nos leva. Ou seja, o alvo das reflexões nos próximos tópicos é a “caminhada” histórica que realizaremos nas próximas unidades, pensando na sucessão de seus pas- sos, na velocidade desses passos e nos cuidados que devemos ter para chegar onde queremos, sem muitos tropeços e desvios no caminho. Nosso destino final é “enchermos a nossa sacola” com tudo aquilo que precisamos para pensar nas práticas corporais e na educação física escolar historicamente. Realizar essa postura intelectual de pensar os passos de um tipo de reflexão antes de se abordar o conteúdo da própria reflexão é algo bastan- te importante, embora demande algum zelo e esforço. Do mesmo modo que a caminhada fica um pouco mais lenta quando deliberamos a su- cessão dos gestos que nos levam à frente, analisar a “análise histórica” demandará algumas voltas, alguns passos para trás, algumas paradas que podem gerar impaciência aos mais apressados. Entretanto, depois de fei- ta a reflexão sobre o até então “automático” gesto de “saber o aconteceu”, iniciaremos o estudo da história em melhores condições para se apreciar a beleza, os detalhes e as lacunas da história que será analisada, coisas que não víamos devido à pressa com que caminhávamos. Realizar a promessa de pensar as características de uma determinada forma e de encarar os assuntos educacionais passa pela busca de algumas respostas: quais as ra- zões e as maneiras de se estudar história em um curso de educação física? Bons estudos! HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 16 Caro(a) aluno(a), quando vemos as diferentes ins- tituições de ensino superior divulgarem seus cur- sos de educação física, comumente essa divulgação é associada a imagens de acadêmicos jogando ou praticando algum tipo de atividade corporal sob a supervisão de um professor. É compreensível que assim seja, pois, de fato, durante um curso de educação física, são momentos bastante relevantes aqueles em que executamos e passamos a conhe- cer diferentes formas de movimentação corporal. Mesmo que não seja essa a intenção desses atos pu- blicitários, é corriqueiro o espanto de alguns aca- dêmicos quando se deparam com outra rotina. Em alguns, gera-se alguma surpresa o fato de que, ao lado da tão divulgada e apreciada prática de ativi- dades, os cursos de educação física possuam, tam- bém, uma grande quantidade de disciplinas cujo empenho manifesta-se na forma de leitura e reda- ção de textos, na participação de aulas expositivas e discussões sobre variados temas. Para alguns acadêmicos, todavia, isso não é uma surpresa. Afinal, muitos procuram os cursos de edu- cação física devido à grande experiência prática que possuem nos variados campos das atividades cor- porais e, por isso, ansiosamente aguardam e, cor- retamente, cobram um curso com uma boa carga horária de conteúdos científicos e culturais que in- crementem sua formação. Na atualidade, de forma geral, os cursos atendem a essa demanda, colocando em suas matrizes curriculares disciplinas de dife- rentes áreas do conhecimento. Entretanto, apesar da variedade de áreas de conhecimento presentes nas matrizes curriculares dos cursos de educação físi- ca, é comum se caracterizarem por uma maior vi- sibilidade e presença de disciplinas cuja vinculação acadêmica encontra-se nas ciências biológicas e da TEM HISTÓRIA EM UM CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA? EDUCAÇÃO FÍSICA 17 saúde. Fisiologia, anatomia, bioquímica, nutrição, biomecânica, entre outros, são importantes campos de estudo que, historicamente, têm marcado o ramo de educação física. Há boas e justas razões para isso, e elas poderão ser entendidas mais a frente nes- te livro. Por ora, essa constatação deve apenas nos ajudar a marcar que, ladeando essas disciplinas de cunho biológico, as disciplinas vinculadas aos cam- pos da pedagogia e das ciências humanas e sociais, da filosofia e da história também se fazem presentes, embora não sejam por elas que um curso de educa- ção física seja reconhecido. Sublinho que a presença dessas últimas disciplinas nas matrizes curriculares não é algo que passou a acontecer apenas nos últi- mos anos. Desde o início dos processos sistemáticos de formação profissional no campo da educação fí- sica no Brasil, a partir de 1920, é possível verificar a presença de disciplinas que abordavam a história. Porém a história “ocupava um lugar menor e gozava de um prestígio intermediário, já que embora fosse teórica era não-médica” (MELO, 1999, p. 22). Temos, então uma situação bastante curiosa: ao ingressarmos em um curso de educação física tomamos contato com algumas tradições. Mencio- nei duas: a que o reduz às práticas corporais e uma outra que enxerga o curso de educação física como relacionado ao campo das ciências biológicas. Digo curiosa, pois, nenhuma dessas tradições é equivo- cada por elas mesmas. Elas têm sua importância na formação dos professores de educação física e não precisam ser assumidas como erradas ou até men- tirosas. A tentativa daqueles que têm pesquisado a formação profissional de educação física e daqueles que nela ingressam é refletir sobre as razões dessa realidade se manifestar com tais tradições, visando encontrar espaços para que essa formação se apri- more, incorporando outras matrizes disciplinares para serem estudadas e conhecidas por todos. Essa tentativa vem sendo feita de modo mais in- tenso nos últimos 30 ou 40 anos no campo da educa- ção física e, entre outras coisas, redundou na publi- cação de um documento que direciona ou que guia as instituições de ensino superior quando elas criam cursos de educação física. Trata-se da Resolução n.º 07 do Conselho Nacional de Educação, de 2004. Ela institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de educação física (BRASIL, 2004). Impor- tante para a reflexão desse tópico é o que lemos no artigo 4 do documento e que nos ajuda a entender o fato de você estar folheando as primeiras páginas de um livro sobre história da educação física: O curso de graduação em Educação Física de- verá assegurar uma formação generalista, hu- manista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no ri- gor científico, na reflexão filosófica e na condu- ta ética (BRASIL, 2004, p.1). Tão importante quanto o parágrafo que acabo de citar é o primeiro inciso desse mesmo parágrafo. Nele, se endossa a necessidade das duas tradições menciona- das anteriormente se conjugarem a um outro conjun- to de reflexões, pautadas em conhecimentos advindos das ciência humanas, da filosofia e da história: O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a reali- dade social, para nela intervir acadêmica e pro- fissionalmente por meio das diferentes mani- festações e expressões do movimento humano, visando a formação, a ampliação e o enrique- cimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fi- sicamente ativo e saudável (BRASIL, 2004, p. 1). HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 18 Interessante verificarmos que esse “dever ser” de um curso de educação física, ao lado de enfatizar o rigor científico, prioriza, também, uma formação “gene- ralista, humanista e crítica”, sustentada na “reflexão filosófica e na conduta ética” (BRASIL, 2004, p. 1). Caminhando para o mesmo sentido, vemos no ar- tigo 6 das mesmas diretrizes serem mencionadas “com- petências de natureza político-social” e “ético-moral” em igual pé de igualdade com as “competências técnico- -profissionais e científicas”. Nessa análise, elas formam a “concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em educação física” (BRASIL, 2004, p. 2). Tudo isso deve ser mantido a sua frente, sobre- tudo, se for considerado que você está iniciando sua informação. Durante sua trajetória no curso, é im- portante não perder de vista que o rigor científico é um dos componentes que se materializam no veio fortemente biologizante das matrizes curriculares dos cursos de educação física. Sendo ele um traço muito valioso desses cursos, o fomento de uma formação crítica, que capacite aos acadêmicos refletirem filo- soficamente e eticamente suas problemáticas forma- tivas, também o é. Isso demanda a presença de outras formas de reflexão. Nesse caso, as que se vinculam às ciências humanas, sociais e históricas. No documen- to que está servindo de base a estas reflexões, essas outras formas de reflexão realizam-se na matriz cur- ricular quando ela aborda a “dimensão do conheci- mento” que trata a “relação ser-humano e sociedade” (BRASIL, 2004, p. 3). Essas considerações evidenciam que você escolheu um campo profissional que está se submetendo a um processo de ampliação de suas práticas formativas. Apesar de algumas antigas práti- cas ainda estarem presentes, muitas delas por terem, ainda, seu valor, a elas agregam-se outras concepções. Por meio delas realiza-se a defesa de que os futuros professores de educação física devem ser formados com um olhar mais matizado e mais competente para visualizar coisas que antes não eram tomadas como importantes. Um olhar que dê condições de pensar a relação ser-humano e sociedade para além das for- mas usuais ou cotidianas que temos feito por estar- mos vivos e sermos inteligentes, e que continuarão a ser feitas quando pensarmos em outras dimensões da vida social para a qual não somos, sistematicamente, formados. Por esse motivo o estudo atento, também em um curso de educação física, de disciplinas que possuam relação com a sociologia, antropologia, filo- sofia e história. Por esse motivo, a resposta à pergunta que intitula este item é: sim, tem história no curso de educação física! E você aprenderá um pouco mais so- bre as características deste estudo nos itens seguintes. EDUCAÇÃO FÍSICA 19 Na atualidade, o vocábulo “conhecimento” tem sido alvo de grande atenção. Quando falamos “conheci- mento”, dificilmente a ele associamos ideias negati- vas, problemas ou perda de tempo. É o contrário que ocorre: é muito corrente o raciocínio que atribui ao conhecimento a possibilidade de solução de todos os nossos problemas sociais. Essa crença, geralmen- te, associa, unilateralmente, o conhecimento a “co- nhecimento científico” Do mesmo modo como ocorre com muitos as- suntos, não podemos, simplesmente, descartar a as- sertiva, atribuindo a ela o resultado de um delírio. O que há algum tempo se concorda é a necessidade de relativizarmos o peso dessa defesa da ciência como condição única de superação de muitas limitações sociais, verificando outras variáveis - as políticas e as éticas, por exemplo -, igualmente importantes para a análise e superação de desafios sociais, econômicos e morais. A quem defende esse tipo de posicionamen- to, uma justificativa para tanto é o fato de que uma postura menos ufanista em relação à produção e di- fusão do conhecimento científico possibilitaria uma postura intelectual mais atenta à complexidade não apenas sobre os assuntos que se quer conhecidos, mas sobre a nossa capacidade e limites de conhecer essas mesmas coisas. A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO HISTÓRICO PARA O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 20 A quem se dedica à produção e difusão do conhe- cimento histórico, essas questões são de fundamental importância. Em primeiro lugar, atribuir à produção e à difusão do conhecimento científico a possibilida- de de uma evolução social caracteriza como impor- tante apenas o conhecimento diretamente útil. Em segundo lugar, essa utilidade é, constantemente, en- tendida como mensurável, captada matematicamen- te, deixando de lado contradições valorativas, sociais e políticas, tomadas, assim, como subjetivas, não relevantes e até geradoras de dificuldades ao conhe- cimento exato daquilo que nos aflige. Aos historia- dores e aos estudiosos da história da educação física, tratam-se de posicionamentos que geram muita difi- culdade, sobretudo pelo fato de essa ótica deixar bas- tante difícil a resposta às seguintes indagações: para que serve a história? Qual a utilidade da história para o enfrentamento dos problemas atuais? Qual o valor da história para quem trabalhará como professor de educação física? Historiadores de um modo geral e pesquisadores e professores de história da educação física têm se ocupado dessas questões. Vamos, então, analisar algumas tentativas de respondê-las. Para pensarmos de forma mais atenta na ques- tão da utilidade e da objetividade do conhecimento histórico, um caminho interessante é voltar nossa atenção para uma obra de grande valor no campo da história: “Apologia da História”, de March Bloch (2001). Quando fazemos uma apologia, fazemos não apenas a defesa ou o elogio de algo, mas fazemos isso de uma forma apaixonada, intensa. March Bloch fez isso enquanto estava preso pelo exército alemão, no contexto da II Guerra Mundial. O livro se inicia de um modo bastante ilustrativo para o começo de um curso de graduação que tem sua atenção voltada para um campo de atuação relativamente distante das inquietações de um historiador. Inicia Bloch: ‘Papai, então me explica para que serve a his- tória’. Assim um garoto, de quem gosto muito, interrogava há poucos anos um pai historiador. [...] Alguns, provavelmente, julgarão sua formu- lação ingênua. Parece-me, ao contrário, mais que pertinente. O problema que ela coloca, com a incisiva objetividade dessa idade implacável, não é nada menos do que a da legitimidade da história. Eis portanto o historiador chamado a prestar contas (BLOCH, 2001, p. 41). Bloch, então, passa a construir algumas reflexões, iniciando-as pela constatação de que a história exer- ce uma atração muito forte nas pessoas. Com efeito, para além dos esforços acadêmicos feitos nas uni- versidades, mas muito relacionadas ao que nelas é produzido, há uma enormidade de livros sobre fa- tos, personalidades, curiosidades extraídas dos mais diferentes tempos. Mas o historiador francês não perde a paciência e reconhece que “uma ciência nos parecerá sempre ter algo de incompleto se não nos ajudar, cedo ou tarde, a viver melhor” (BLOCH, 2001, p. 45). Essa ajuda é proporcionada pelo conhe- cimento produzido pelo historiador, considerando- -o como uma possibilidade,como um “esforço para conhecer melhor” (BLOCH, 2001, p. 46). Nesse esforço, porém, Bloch não desconsidera que a história é uma “ciência na infância” (BLOCH, 2001, p. 47). Essa advertência não deve ser tomada como um reconhecimento de que quando a vida adulta chegar, ela poderá conhecer todas as problemáticas que hoje (ou ainda nos anos em que escreveu Bloch) são “desespe- radamente refratárias a um conhecimento racional” (BLOCH, 2001, p. 47). Dito de outro modo, é impor- tante reconhecer que a possibilidade de pensarmos melhor a nós mesmos e, por isso, assumir a utilidade da história, não leva à necessidade de os historiadores tomarem seu conhecimento como um conhecimento menor ou menos “científico”. Afinal, se “toda ciência, to- EDUCAÇÃO FÍSICA 21 mada isoladamente, não significa senão um fragmento do universal rumo ao conhecimento” (BLOCH, 2001, p. 50), o conhecimento histórico é importante, é útil, justa- mente por produzir um conhecimento que, assim como a criança, questiona todos os assuntos concernentes aos seres humanos em sociedade, com a mesma postura “implacável”, com a mesma “curiosidade de um rapazo- la” (BLOCH, 2001, p. 43). Por isso, Bloch faz sua Apolo- gia, que pode ser sintetizada na passagem a seguir: Não sentimos mais a obrigação de buscar impor a todos os objetos do conhecimento um mode- lo intelectual uniforme, inspirado nas ciências da natureza física, uma vez que até nelas esse gabarito deixou de ser integralmente aplicado. Não sabemos ainda muito bem o que um dia serão as ciências do homem. Sabemos que para existirem - mesmo continuando, evidentemen- te, a obedecer às regras fundamentais da razão - não precisarão renunciar à sua originalidade, nem ter vergonha dela (BLOCH, 2001, p. 49). Vamos nos atentar para a relevância dessa afirmação para se pensar nas possibilidades do conhecimento histórico em um curso de educação física. Em primei- ro lugar, Bloch (2001) nos evidencia que, aos estudar- mos dimensões da vida societária, a precisão comu- mente associada à ciência não é nem possível e nem desejável. Ele afirma, inclusive, que nem nos limites das ciências que se aproximam do tradicional cânone das ciências exatas e das ciências biológicas, isso já não vinha acontecendo em sua época. Ao observar isso para o campo da história e com isso justificar sua importância intelectual para se evitar o “horror das responsabilidades” (BLOCH, 2001, p. 46), ou seja, para se querer impactar positivamente a vida que se vive, Bloch gera outro impacto para quem pensa na formação em educação física: mais um estímulo para se reconhecer que as já citadas tradições formativas no campo da educação física, aproximadas às tais ciências exatas e biológicas, podem ser entendidas e superadas naquilo em que elas são limitadas. Trazer para a educação física os “perpétuos arrependimen- tos” do conhecimento histórico e dos historiadores será um passo gigantesco para todos aqueles, cien- tistas, historiadores e professores de educação física, possam de “maneira mais segura”, “orientar racional- mente seus esforços” (BLOCH, 2001, p. 49). Perpetuamente arrepender-se do conhecimento que produz, ou seja, justificar, renovadamente, a rele- vância e o limite da reflexão histórica, é uma postura muito rica, necessária e recorrente nos pesquisadores da história da educação física. Em muitas oportuni- dades eles se voltam a essa questão, estimulando-nos e, com certeza, buscando estímulos para eles mesmos, na tarefa de “orientar racionalmente seus esforços” (BLOCH, 2001, p. 49). Melo (1999), ao introduzir um livro ao qual recorreremos com frequência no desen- volvimento de nossas reflexões, endossa o valor da reflexão sobre a importância da história, quando pen- sada em curso de formação inicial em educação física: Por que temos que estudar história em um cur- so de graduação em Educação Física? É possível que esta pergunta já tenha sido diversas vezes pronunciada entre alguns estudantes e profes- sores dos diversos cursos superiores ligados à formação do professor de Educação Física es- palhados pelo Brasil. Afinal, em que o estudo da história estaria a contribuir na formação do futuro professor? Haveria realmente espaço e necessidade de uma disciplina específica para estudos dessa natureza? (MELO, 1999, p. 19). Treze anos depois que foram publicadas essas dú- vidas, outra pesquisadora que será bastante citada neste livro, Goellner (2012) redigiu um texto com a mesma característica: argumentar a importância HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 22 sobre a história da educação física na formação dos futuros professores deste campo. Compreensível é que o mesmo tom problematizador que lemos no texto de Melo (1999) também marque o artigo de Goellner (2012) já no seu início: Por que estudar História no curso de formação em Educação Física? Que aplicabilidade o co- nhecimento histórico tem na atuação cotidiana dos seus professores e professoras? Com tantas informações disponibilizadas pelas novas tec- nologias de informação, porque é necessário ler autores clássicos da área? Se a Educação Física é uma área voltada para a saúde, a performance e a educação corporal de crianças, jovens e adul- tos, o que interessa o conhecimento histórico? (GOELLNER, 2012, p. 37) A estratégia que adoto para evidenciar a importân- cia de estudarmos história da educação física nas páginas que se seguem é inspirada nesses pesquisa- dores. Ao compreendermos a razão das perguntas que os alunos, na sua implacável objetividade, nos colocam, damos a ela sua importância. As perguntas são repetidas, é posto em evidência que elas são jus- tas, mas, igualmente, a dúvida colocada explicita um desconhecimento a ser encarado, qual seja: as carac- terísticas e a importância de estudarmos história. Em primeiro lugar, vale sinalizar essas hesita- ções de todos aqueles que começam a estudar a “his- tória de alguma coisa” quando têm mais interesse no “alguma coisa” e não no “história”, explica-se pela persistência de uma concepção de história bastante simplificada. Essa simplificação, na maioria dos ca- sos, persiste no avanço dos anos escolares e, talvez, justamente por esse avanço, essa concepção simplis- ta tenha lançado raízes tão profundas no entendi- mento de muitos. Lee (2006), ao estudar a maneira como alunos da educação básica e do ensino médio entendem o passado, enxerga algumas característi- cas que, acredito, nos ajudam a entender a recorrên- cia dos questionamentos apresentados anteriormen- te pelos pesquisadores da história da educação física. Em primeiro lugar, Lee (2006) nota que é comum a compreensão de que “o passado é como uma pai- sagem distante, atrás de nós, simplesmente fora do alcance, fixa e eterna” (LEE, 2000, p. 137). Por isso, o único conhecimento possível desse tempo distante só se alcança via testemunhas. Isso acaba por levar à concepção de que estudar e aprender história redu- zir-se-ia à absorção de testemunhos fidedignos, tra- zidos pelo professor e pelos livros utilizados por ele. Muitos estudantes, então, operam com um con- junto de ideias que funcionam bem na vida co- tidiana, mas que tornam a história impossível. Porque há um passado permanente, somente uma consideração verdadeira pode ser feita. O passado consiste de eventos testemunháveis, então as afirmações dos historiadores sobre “o que aconteceu” são como depoimentos de tes- temunhos de segunda mão (LEE, 2006, p. 139). Contrariamente a essas concepções, Lee (2006) evi- dencia que o passado não é imutável. Na realidade, as visões sobre ele são constantemente alteradas, ge- rando um processo contínuo de revisão, de questio- namento de verdades e reelaboração de explicações. Nesse sentido, o conhecimento histórico não deve- ria ser assumido como cópia do passado, como algo resolvido de uma vez por todas. Hobsbawn (2007) nos ajuda a entender como isso é possível. Mesmo que não possamos deixar de verificar que muitas das coisas hoje são como são devidoao passado que ti- veram, o raciocínio oposto também é verdadeiro: o conhecimento que temos do passado é dependente dos problemas e das condições que temos no pre- sente. Isso é dito pelo historiador da seguinte forma: EDUCAÇÃO FÍSICA 23 O “homem” era a chave para a anatomia do ma- caco. Claro que não se trata de um procedimen- to anti-histórico. Implica que o passado não pode ser entendido exclusiva ou primordial- mente em seus próprios termos: não só porque ele é parte de um processo histórico, mas tam- bém porque somente esse processo histórico nos capacitou a analisar e compreender coisas relativas a esse processo e ao passado (HOBS- BAWN, 2007, p. 173). Essas considerações evidenciam de modo bastante interessante que, ao estudarmos história, a todo mo- mento o modo como esse conhecimento é produzido é trazido à baila. Lee (2006), ao fazer o diagnóstico que apresentei anteriormente, também verifica que, naquelas concepções de passado que inviabilizam uma concepção de “literacia histórica”, “a pergun- ta ‘como sabemos?’ simplesmente não surge (LEE, 2006, p. 137). Ora, voltamos à característica que dá à história, no entender de Bloch (2001), ao mesmo tempo, seu limite e seu potencial. Não por acaso, essa relação entre conhecimento histórico e como esse conhecimento histórico é produzido é algo que também aparece nas justificativas dadas por Melo (1999) e Goellner (2012), quando justificam a his- tória da educação física como reflexão valiosa aos futuros professores. Para Melo (1999, p. 26), o estudo da história da educação possibilita a quem pensa no assunto a “possibilidade de aprender a compreender histo- ricamente um problema”. Mas o que isso significa? Significa muitas coisas, algumas delas enfatizadas de modo persuasivo pelo autor. Em primeiro lugar, ao estudarmos o passado de algum fenômeno, assunto ou campo profissional, podemos pensar no fato de aquelas pessoas terem feito escolhas - algumas difí- ceis - entre as possibilidades que para eles existiam. Além disso, podemos entender que muitas das pos- sibilidades a serem escolhidas existiam por serem resultantes, por serem consequências de escolhas anteriormente feitas. Dito de outro modo, compre- endemos que “o que temos atualmente foi construí- do e não fruto exclusivo do acaso, tampouco estava escrito em um ‘livro dos destinos’” (MELO, 1999, p. 24). Exemplificando essa “utilidade” da história da educação física, imagine pensar na seguinte proble- mática: a partir de quando as aulas de educação fí- sica na escola passaram a ser tão relacionadas com as quatro modalidades desportivas, como muitos de nós conhecemos? Pensar historicamente nessa ques- tão remete-nos a olhar para momentos em que isso não acontecia, para momentos em que as “obvie- dades” e os “erros” eram outros, com o objetivo de captar uma realidade deixando de existir em nome de outra. Nessa transformação, não apenas as esco- lhas dos professores são importantes, mas o valores sociais que passaram a vigorar, configurações polí- tico-ideológicas que ganharam espaço, incrementos tecnológicos, surgimento de novas práticas que fo- ram abraçadas por muitas pessoas. Para resumir, “pensar historicamente” é a ca- pacidade de pensar os assuntos que nos interessam como construções humanas no tempo. É a capacida- de de verificar que as pessoas que existiram antes de nós e que trabalharam com questões semelhantes às nossas encontraram soluções para os mesmos pro- blemas, viram problemas onde hoje vemos soluções. Ou que viram problemas onde hoje não vemos nada que indique a existência de algo que, inacreditavel- mente, deu muita dor de cabeça em outros momen- tos. De algum modo, estudar história se torna uma espécie de laboratório onde se ponderam as possi- bilidades e os limites humanos em fazer seus gestos e pensamentos produzirem os resultados esperados. “Como eles lidaram com isso?”, “Como eu lido com HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 24 isso?”, “Por que eles se ocupavam com aquilo?”, ou “Por que eles não perdiam tempo com que algo que nos ocupa?”, tratam-se de questões que fazemos a todo tempo quando estudamos história. Goellner (2012, p. 37) segue um caminho se- melhante quando afirma que “[...] a História contri- bui para conhecer o presente e a nós mesmos”. Ela aprofunda alguns dos pontos que elenquei quando apresentei as justificativas de Melo (1999) sobre as razões de estudarmos a história da educação física. Goellner (2012) lista uma série de questionamentos que você não dever perder de vista ao ler esta e as unidades subsequentes: Como, então, formar profissionais sem sensibi- lizá-los para a percepção de que tudo tem his- tória, inclusive o corpo e sua movimentação? Como qualificá-los a atuar no campo da saúde, do esporte, da educação e do lazer sem que te- nham condições de entender que os discursos e as práticas que circulam no entorno desses campos não foram sempre os mesmos e que são constantemente modificados e ressignificados? (GOELLNER, 2012, p. 37). Nas próprias perguntas já temos importantes in- dícios para que possamos “sensibilizar os alunos dos cursos de graduação a estudar história” (GO- ELLNER, 2012, p. 37), oferecendo respostas e, portanto, justificativas a esse estudo. A autora vai ao encontro do posicionamento de Melo (1999) quando defende que a grande “utilidade” e tam- bém a grande “beleza” de estudarmos história é o fato de abordarmos as intenções, os problemas e as ações das pessoas que viveram em outros tem- pos. Também concordam entre si os autores que, quando fazemos isso, ao mesmo tempo em que co- nhecemos um “outro contexto” damos um passo importantíssimo para conhecermos o contexto em que vivemos, e isso por outra razão que não ape- nas pelo fato de agirmos e pensarmos em circuns- tâncias, com valores e raciocínios que herdamos, como tradição, daqueles que nos antecederam. Conhecemos melhor o nosso contexto quando estudamos história, pois só a estudamos quando nos colocamos questões a serem respondidas. Es- sas questões surgem devido aos desafios que en- frentamos em nosso cotidiano. Elas surgem, pois percebemos nossa hesitação no modo de abordar problemas importantes que atrapalham as ações que tínhamos planejado, levando-nos ao esforço de entender melhor a situação. Esse melhor entendimento, é necessário su- blinhar, não se refere apenas ao entendimento que devemos ter na hora de tomarmos nossas decisões profissionais na escola, por exemplo. Pensar histori- camente impacta o entendimento da nossa própria forma de pensar nossas problemáticas, gerando con- sequências muito valiosas ao campo da pesquisa que existe, prioritariamente no Brasil, na universidade. Taborda de Oliveira (2015), ao criticar a forma im- ponente com que a tradição do olhar biologizante existe na educação física e moldar um modo corren- te e único de se pensar em nossas questões, aponta a reflexão histórica como fundamental para superar esse limite. Vamos ler uma das passagens onde o au- tor faz isso, veementemente: Parece claro que reconhecer a dimensão histó- rica desse processo poderia significar um abalo nas estruturas autorreferentes que sustentam a partilha do conhecimento do campo da educa- ção física, o que redundaria no reconhecimento da legitimidade dos outros para auferir recur- sos, poder e lugares de profissionalização. Ou seja, abriria-se uma fratura na corporação, que seria obrigada a admitir a multiplicidade de EDUCAÇÃO FÍSICA 25 possibilidades de produção do conhecimento, os múltiplos regimes de verdade que convivem na ambiência acadêmica e a necessidade de es- tabelecimento de uma atitude dialógica menos prepotente e mais colaborativa no plano das investigações em e sobre a educação física no Brasil. Ora, as regularidades históricas, venham de onde vier, não são atemporais e invariáveis e são pautadas em disputas por status, recursos e poder profissional, algo subliminarmente, mas nunca publicamente, reconhecido (TABORDADE OLIVEIRA, 2015, p. 213). Desejo que você note, caro(a) aluno(a), que estu- dar os assuntos da educação física historicamente impacta, ao mesmo tempo em que resulta, na ne- cessidade de entendermos nossos hábitos intelec- tuais. Muitos desses hábitos podem seguir em fren- te. Outros deverão ser deixados para trás. Temos aqui um exemplo da situação mais comum quando estudamos história: aprende-se que as coisas nem sempre foram do jeito que são. Elas foram constru- ídas e, por isso, podem ser mudadas, aperfeiçoadas ou abandonadas. Se essa percepção do modo como o estudo do passado traz resultados ao presente é fundamental, igualmente importante é o raciocínio inverso: che- gamos a um ponto em que poderíamos afirmar que é o presente que explica o passado. Se a afirmação não inviabiliza o entendimento mais corriqueiro, mas ainda válido, de que estudamos história para conhe- cer os caminhos que nos trouxeram até aquilo que hoje somos, a assertiva acrescenta, mais uma vez, a problemática da produção do conhecimento históri- co em nosso estudo: muito do que vemos no passado explica-se por aquilo que vivemos no presente. Nesse ponto, três exemplos ajudarão você a en- tender melhor tal ideia. Nos dias de hoje, um cam- po de estudo histórico muito interessante e impor- tante é o campo que se detém na investigação sobre a história das mulheres. Interessante notar que esse campo de estudos desenvolve-se de modo parale- lo às mudanças sociais, econômicas e políticas que deram existência ao processo e à luta das mulheres pela vida em um mundo mais igualitário em todos os aspectos. Até então, eram comuns os estudos históricos que afirmavam que, em muitas dimen- sões da vida social, ou em quase todas, a presença feminina tinha sido desprezível, ou que muitos dos valores e práticas atribuídos a homens e a mulheres eram uma herança longínqua da história. O incô- modo gerado pelas lutas, a necessidade de melhor se aparelhar a elas, entendendo contra o que se lu- tava e como poder-se-ia, afinal, ser construído um mundo em que as mulheres, por exemplo, pudes- sem sentir mais ambição pela carreira profissional e menos pelo destino da maternidade, fez com que muitas análises históricas surgissem, mostrando que muitas das coisas que assumimos como natu- rais no que diz respeito aos lugares até então ocu- pados pelas mulheres, longe de serem uma obra do acaso ou da natureza, foram uma construção histó- rica. Emblemático dessa consequência é o livro de Elisabeth Badinter, cujo título já explicita o modo como uma determinada parte do passado da his- tória feminina passou a ser vista de outro modo: “Um amor conquistado: o mito do amor materno” (BADINTER, 1985). Um segundo exemplo pode ser encontrado quando pensamos no surgimento de toda uma es- pecialidade do estudo histórico voltada à educação. A história da educação passou a agregar uma maior quantidade de pessoas interessadas nela, justamente no momento em que a sociedade, durante o século XIX e início do século XX, assistiu ao fenômeno co- nhecido como “escolarização da sociedade”. Ou seja, HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 26 por motivos que você entenderá mais a frente, na- quele período a escola passou a ser o espaço educa- cional preponderante em termos sociais e culturais. De início, trata-se aí de algo bastante complicado de entender, haja vista que, para nós, é difícil imaginar um momento em que a escola não fosse obrigatória, que não fosse pensada para todos os membros da sociedade e que até mesmo não fosse voltada igual- mente aos meninos e às meninas. Todavia, o que nos interessa agora é verificar que os esforços para fazer a escola ser frequentada por todas as crianças en- contraram muitos problemas e muitas resistências. Não foi fácil, igualmente, gerar um ambiente peda- gógico propício ao aprendizado em um contexto em que muitas crianças da mesma idade estivessem reu- nidas em torno de um único professor. Justamente quando esses problemas afligiam as sociedades na realização de seus planejamentos educacionais, mui- tas pessoas buscaram entender o contexto educa- cional historicamente. Compreenda que, apesar de ser algo contraintuitivo, buscar entender o passado quando o presente se mostra pleno em desafios não é tergiversar o que deve ser feito. Ou seja, se se tra- tar de um problema que nos garanta algum tempo, nessa ótica um bom modo de atacá-lo seria olhá-lo indiretamente, voltando os olhos para outro lugar, mas mantendo o pensamento e o coração naquilo que devo e quero fazer, imediatamente. O terceiro exemplo ilustra de forma bastante clara o modo como problemas imediatos estão na cabeça do historiador. A década de 1980 foi o período em que o cam- po da educação física iniciou uma reflexão sobre sua estrutura acadêmica e, sobretudo, sobre as justifica- tivas que explicavam sua presença na escola. Em um processo conhecido na área como “Crise da Educa- ção Física” (MEDINA, 1983), professores de educa- ção física e pesquisadores buscaram entender e pro- por novos objetivos para guiar a ação pedagógica do professor de educação física na escola. A efervescência foi grande, materializada na pu- blicação de livros e de artigos, bem como no surgi- mento de numerosos eventos em que se discutiam a questão. De um modo geral, havia um sentimento de grande insatisfação por parte de muitos professo- res de educação física ao constatarem que, na esco- la, a disciplina tinha se transformado no ensino e na prática de esportes, sobretudo as já citadas quatro modalidades coletivas. A insatisfação sustentava-se na incapacidade deste cenário em fornecer justifica- tivas pedagógicas afinadas à estrutura escolar, para que a sociedade passasse a perceber de forma clara que a educação física, assim como os outros compo- nentes curriculares, tinha “autonomia pedagógica” (BRACHT, 1992). Valter Bracht (1992) foi um dos principais interlocutores nesse debate. Essa impor- tância podemos perceber na veemência com que ele se expressava ao diagnosticar um dos fundamentos da “crise da educação física”: Mais uma vez a Educação Física assume os códigos de uma outra instituição, e de tal for- ma que temos então, não o esporte da esco- la e sim o esporte na escola, o que indica sua subordinação aos códigos/sentido da institui- ção esportiva. O esporte na escola é um braço prolongado da própria instituição esportiva. Os códigos da instituição esportiva podem ser resumidos em: princípio do rendimento atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso esportivo e sinônimo de vitó- ria, racionalização de meios e técnicas. O que pode ser observado é a transplantação reflexa destes códigos do esporte para a Educação Fí- sica (BRACHT, 1992, p. 22). EDUCAÇÃO FÍSICA 27 A citação, em sua integralidade, é muito importante para tudo o que aconteceu no campo da educação física escolar desde então. Mas para a discussão que estamos fazendo sobre a importância da história da educação física, sugiro que você preste especial aten- ção às palavras “Mais uma vez…”. Note que elas in- dicam um processo de continuidade, de repetição de algo que já vinha acontecendo há um bom tempo. A expressão denota que o autor está clamando a neces- sidade de uma mudança, de uma ruptura com uma situação avaliada como indesejável, a ser superada. Essas primeiras palavras são sinais bastante eviden- tes da forma como aqueles professores pensavam as urgências que enfrentavam na hora de explicar a importância da educação física escolar: eles busca- vam no passado, na história da ação pedagógica dos professores de educação física que tinham vivido as décadas anteriores, fundamentos para se explicar o conjunto de problemas contra os quais lutavam. No texto de Bracht (1992) que estamos analisando, em muitas passagens explicita-se essa postura de des- crever um presente a ser mudado por aquilo que ele carrega das tradições herdadas. Na citação a seguir, quandoo autor fala sobre a educação física na histó- ria, salta aos olhos o fato de ele buscar exprimir uma realidade que se empenhava em mudar: Mas não somente os métodos ginásticos de ins- piração militar foram, principalmente nas qua- tro primeiras décadas de nosso século, levados à escola, como também os próprios instrutores ou ‘aplicadores’ dos métodos. Ora, a prepara- ção militar inclui historicamente a exercitação corporal com o objetivo do desenvolvimento da aptidão física e do que se convencionou cha- mar de ‘formação do caráter’ – auto-disciplina, hábitos higiênicos, capacidade de suportar a dor, coragem, respeito à hierarquia (BRACHT, 1992, p. 20). Dizendo de outra maneira, é muito interessante para as reflexões deste livro que, justamente em um momento em que se buscava respostas a de- safios do tempo em que se vivia, os professores de educação física lançaram seus olhares ao passado, buscando condições privilegiadas para pensarem em suas questões. Tratava-se, com certeza, de uma estratégia intelectual que não visava, apenas, bus- car algo a ser refutado no presente, tomada como plena de vícios e erros. Buscava-se com essa postu- ra perspectivar uma presença acadêmica e escolar que possibilitasse a condição de evidenciar que a ação profissional e pedagógica dos professores de educação física era consciente de suas possibilida- des e de suas limitações. De forma resumida, esse esforço, ao mesmo tempo, foi causa e resultado do importante conjunto de estudos históricos no campo da educação física, do esporte e do lazer que começaram a surgir. Esses estudos foram tão importantes que vamos nos debruçar sobre eles daqui a algumas páginas. Graças a esse conjunto de estudos, você lê este livro sobre a história da educação física. Entendida a importância de se estudar a história de forma geral e da educação física de modo par- ticular, sugiro que pensemos em uma questão pri- mordial nisso tudo: o que estudamos, quando estu- damos história da educação física? HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 28 Se os professores de história, a exemplo de Bloch (2001), sentem-se um pouco embaraçados na hora responderem “Para que serve a história?”, uma questão cuja mistura de obviedade de complexi- dade causa algum espanto nos estudantes, quando começam a construir uma reflexão de matiz histó- rico: “O que estudar quando estudamos história?” ou, no caso deste livro, “O que se estuda na história da educação física?” Assim como foi feito no item anterior, antes de responder a questão em sua totalidade, sugiro que olhemos para o modo como os historiadores pen- sam nessa problemática a partir dos desafios que enfrentam na hora de responderem dúvidas tão importantes como esta. Do mesmo modo, também, Bloch (2001) nos apoiará nessa reflexão. Para res- pondermos a pergunta sobre o conteúdo que se es- tuda/aprende nos cursos de história, leiamos alguns O QUE SE ESTUDA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA? EDUCAÇÃO FÍSICA 29 momentos de “Apologia da História” em que o his- toriador francês nos mostra o “objeto da história”: [...] o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singu- lar, favorável à abstração, o plural, que é modo gramatical da relatividade, convém a uma ciên- cia da diversidade. Por trás do grandes vestígios sensíveis da paisagem, (artefatos ou máquinas), por trás dos escritos aparentemente mais insípi- dos e as instituições aparentemente mais desliga- das daqueles que a criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudi- ção. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça (BLOCH, 2001, p. 54). Não satisfeito com essa definição, mais à frente o au- tor complementa a definição, afirmando que a histó- ria se trata de uma “ciência dos homens, no tempo” (BLOCH, 2001, p. 55). HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 30 Há algumas coisas a serem bem entendidas na reflexão anterior. Acredito que você tenha notado que Bloch (2001) usa o plural de homem, “homens”, pois ele afirma que estudar história é, necessidade, estudar a diversidade. Quando ele nos mostra que o olhar do historiador quer ver “por trás” dos objetos, dos escritos, das instituições, enfim, para onde se di- rige o olhar, entende-se a presença humana nesses “artefatos”. Além disso, Bloch (2001) cuida de adver- tir que essa busca pelas intenções, realizações, pro- blemas, hesitações e belezas da humanidade dos ho- mens se dá atrelada à ideia de que tudo isso existe no tempo, ou seja, foram artefatos construídos em um determinado momento e que em outros momentos foram transformados, extintos ou abandonados. Ao pensar em um gesto, nobre ou maléfico, importante ou banal para o historiador, ele só “julgará ter pres- tado conta disso depois de ter fixado, com precisão, seu momento na curva dos destinos tanto do homem que foi seu herói como da civilização que teve como atmosfera” (BLOCH, 2001, p. 55). Se assim como o “ogro” o historiador vai atrás da “carne humana” que lhe interessa, diferentemente do assombroso animal, ele tenta avaliar as razões que levaram as “vítimas” a estarem onde estão. Sem buscar esse conhecimento relativo aos motivos que podem explicar a presen- ça ou a ausência humana nessa “floresta do tempo”, aquele que se aventura a estudar história torna-se, apenas, um “serviçal da erudição” (BLOCH, 2001, p. 54), um “útil antiquário” (BLOCH, 2001, p. 66). Em- bora mantenha alguma utilidade, esse serviçal, esse antiquário apaixonado por datas e eventos come- morativos, esquece que “o frêmito da vida humana, que exige um duríssimo esforço de imaginação para ser restituído aos velhos textos, é (aqui) diretamente perceptível a nossos sentidos (BLOCH, 2001, p. 66). Ao virar as costas para o “frêmito da vida humana”, agir-se-á mais “sensatamente renunciando ao de his- toriador” (BLOCH, 2011, p. 66). Vou sublinhar o ponto que vejo como central neste momento: embora estejamos acostumados a encarar o estudo da história como sinônimo de da- tas, descrição de sequência de eventos, nomes de líderes políticos e religiosos, embora essas informa- ções sejam importantes para muitas coisas quando estudamos um determinado tempo, elas são ape- nas uma pequena parte daquilo que podemos saber quando nos debruçamos e consumimos esforços e tempo para estudar um determinado período. Bloch (2001) nos ajuda a entender que o objeto do estudo da história é a busca pela compreensão dos esforços envidados pela humanidade ao se fazer, com pode- res e fraquezas, na mesma medida com que eles nos constituem. Ou seja, são homens e mulheres que- rendo conhecer homens e mulheres, igualmente hu- manos, mas que manifestavam essa humanidade de formas diferentes por viverem em “outras florestas”, ou em outros tempos. E ainda mais importante que isso é o modo como essa questão de valor intelectual relaciona-se com o “aqui e agora” não apenas da so- ciedade na qual nos inserimos, mas no que você e eu somos, hoje. A beleza e a clareza com as quais Bloch (2001) registra esse pensamento é algo remarcável: Na verdade, conscientemente ou não, é sem- pre as nossas experiências cotidianas que, para nuançá-las onde se deve, atribuímos matizes novos, em última análise os elementos, que nos servem para reconstituir o passado: os pró- prios nomes que usamos a fim de caracterizar os estados de alma desaparecidos, as formas evanescidas, que sentido teriam para nós se não houvéssemos antes visto homens viverem? Vale mais (cem vezes) substituir essa impregna- ção instintiva por uma observação voluntária e controlada (BLOCH, 2001, p. 66). EDUCAÇÃO FÍSICA 31 É importante repetir que tanto a redação deste li- vro quando a sua leitura é uma tentativa de cola- borar na valorização dessa impregnação instintiva que nos leva a querer conhecer o passado desde que nos percebemos como seres humanos. Toda- via, trata-sede se buscar uma maneira que nos capacite a fazê-lo por meio de uma observação voluntária e controlada, ou seja, lendo e pesqui- sando sistematicamente historiadores que versam sobre dimensões da tal “humanidade do homem” que nos interessam. Em nosso caso, sabemos que o interesse está calcado em investigarmos a educação física, histo- ricamente. Então, conforme o que foi discutido an- teriormente, é importante que você tenha claro que, na imensidão de assuntos a serem estudados pelos historiadores, este livro e os estudos de história da educação física abarcam uma parcela bem específica da vida social e cultural. Antes de seguir em frente, uma lembrança deve ser feita. O título deste livro, história da edu- cação física, foi dado em razão de ser esse o título da disciplina na qual você irá estudá-lo. Porém, é crucial que não se perca de vista o termo “educa- ção física” tem uma acepção larga para englobar práticas que recebem outras denominações. Para ilustrarmos os assuntos que são estudados sobre a denominação “história da educação física”, lanço mão da existência de um evento específico, dedi- cado a esse estudo. Trata-se do Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física. No ano de 2016, sua décima quarta edição aconteceu em Campinas e teve como tema central “Esporte e a Educação na História”. Quando os eventos aca- dêmicos acontecem, eles reúnem pesquisadores de uma determinada área do conhecimento para debaterem temas, ao mesmo tempo, específicos, mas que possam interessar a todos os especialistas de algum modo. No caso da história da educação física, o tema “Esporte e Educação na História” norteia a preferência por determinados tipos de trabalhos e estudos que se aproximem daquilo que é o alvo da discussão do congresso. Para que a co- munidade de pesquisadores, professores e alunos tenha ciência do eixo reflexivo das discussões, é redigida uma apresentação, que oferece uma des- crição e explicação do assunto e de sua relevância para o avanço da pesquisa. Convido você a ler um trecho dessa apresentação para que possamos dis- cuti-la nos parágrafos seguintes: O tema eleito concebe a Educação como um conjunto de processos culturais amplos que implicam conhecimento e prática dos usos e costumes de uma sociedade, tendo como fi- nalidade introduzir indivíduos e grupos em distintas esferas da vida pública. Não se trata, aqui, exclusivamente, da educação realizada no interior da instituição escolar, com seus programas, atividades e procedimentos pró- prios; ritmos e tempos; arquiteturas, mobiliá- rio e tudo o que compõe sua rica cultura ma- terial, mesmo que tudo isso possa ser também objeto da delimitação temática deste evento. Trata-se aqui de problematizar e historicizar o lugar do Esporte, da Educação Física e do Lazer na configuração, constituição e efeti- va realização de distintos, amplos e extensos processos educativos (escolares ou não) que constituem as modernas sociedades. Nesta perspectiva poderíamos afirmar que o espor- te, a educação física e o lazer educam, pois, ao criarem regras e comportamentos comuns, usos comuns do corpo, induzindo indivíduos a cuidarem de si, e, nesse movimento, a prote- gerem-se de suas próprias forças e impulsos, contribuem para a assegurar a vida em socie- dade e as trocas entre as gerações (XVI CHE- LEF, 2016, on-line)1. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 32 Em primeiro lugar, observe que, ao proporem o tema “Esporte e Educação na História”, os organi- zadores veem essa temática como algo valioso tan- to na atualidade quando em diferentes momentos do passado. Nesse caso, espera-se receber estudos que focalizem essa relação em outros períodos que não o nosso, em diferentes lugares e com a atenção voltada a diferentes aspectos. Quais deles, segundo a apresentação do evento? É sublinhado que “edu- cação” não será entendida como algo que acontece apenas na escola, embora a educação que lá ocorre- ra não seja posta de lado. Essa advertência é impor- tante. Afinal, boa parte do estímulo que se oferece à prática dos esportes não se sustenta nos benefí- cios formativos que eles providenciam às crianças e aos jovens? Quais eram esses benefícios, em outras épocas? Quem divulgava esses benefícios e como essa divulgação ocorria? Quais consequências que essa busca gerava na forma como as pessoas se rela- cionavam com seu corpo e com o corpo dos outros? Nessa relação, nessa prática educativa e recreativa, quais eram os objetos, as roupas e lugares em que os grupos se reuniam para realizar essas atividades? De que modo os diferentes governos em diferentes níveis (federal, estadual e municipal) estimularam determinadas práticas e barraram outras tantas? No final das contas, poderíamos perguntar: de que forma pensar e praticar o esporte educacionalmen- te possibilitou condições fundamentais para que as diferentes sociedades, nas quais esses pensamentos e práticas existiram, reproduzam-se ou se transfor- mem? Acredito que esse rol de questões, constru- ído a partir de um importante evento na área de educação física, possa ter deixado alguma clareza sobre a grande variedade e importância dos temas que podem ser discutidos em um curso de história da educação física. Você verá que a estrutura das unidades seguintes a esta primeira foi construída com muitos desses questionamentos postos, como se fossem mapas para os caminhos que percorro. Se estudar aspectos históricos relativos aos esportes e ao lazer é um dos momentos marcantes no curso de formação inicial em educação física, o mesmo vale dizer para a educação física na educação básica. Em todas as regulamentações e diretrizes curriculares do componente curricular educação física, ensinar os alunos a pensarem historicamente os esportes, a ginástica, os jogos, as lutas, a dança e o lazer é defendido como uma das principais colaborações dos professores de educação física à educação das crianças e jovens. Esse é um aspecto muito interessante dos cursos de formação de professores: ao mesmo tempo em que você amplia seus ho- rizontes conhecendo dimensões da realidade até então desapercebidas, é necessário não esquecer que essa ampliação cultural deverá capacitar os licenciandos para processarem esse conhecimento, transformando-o em temas de ensino para o seu trabalho como professor nas escolas. Fonte: o autor, baseado em Unesp (DARIDO, [2016], on-line)2. SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 33 Caro(a) aluno(a), se temos muitos questionamen- tos, é justo almejar que se inicie a construção de res- postas para eles. Tudo aquilo que você lerá e pensará neste livro sobre a história da educação física é o re- sultado de pesquisas realizadas há algumas décadas. Essas pesquisas produziram e produzem a gama de conhecimentos e de novos questionamentos que, como vimos anteriormente, são responsáveis por nos proporcionar olhares renovados não apenas so- bre o passado de um campo profissional, mas para os desafios que ele enfrenta em sua atualidade. O que faremos neste tópico é refletir sobre al- gumas questões básicas relativas à produção do conhecimento histórico. Para mantermos o hábito analítico que adotei neste livro, inicialmente va- mos verificar como essa produção do conhecimento ocorre no campo mais amplo da história, pois é par- tir dele que boa parte da pesquisa histórica que hoje existe vem se pautando. Feito isso, volta-se a estudar a educação física e o conhecimento histórico que hoje é produzido nesse campo. COMO SE PRODUZ CONHECIMENTO HISTÓRICO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA? HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 34 Vimos, há alguns parágrafos, que os historia- dores reconhecem que a beleza e a importância do conhecimento que produzem são justificadas pelo fato de se reportarem à ação dos homens no tempo. Essa vinculação a uma determinada temporalidade lança como desafio as condições existentes para que um conjunto de ações, pensamentos ou eventos seja narrado de um modo a produzirum conhecimen- to que possibilite aos consumidores desse conheci- mento alguma segurança sobre aquilo que leem e ensinam, no caso dos professores. Paul Veyne é au- tor de um livro chamado “Como se escreve a histó- ria” (VEYNE, 1998). Embora ele fale que a história é uma “narrativa verídica”, é importante ter claro que entre essa narrativa e a experiência que se teve de um determinado ato ou evento há uma grande distância. Ou seja, a esperança de se ter uma nar- rativa totalmente fidedigna ao objeto da narração é algo já assumido como horizonte inalcançável por parte de quem escreve história. Veyne (1998) toma como exemplo a Batalha de Waterloo, para mostrar que no bojo desse evento as percepções sobre os in- contáveis gestos, sobre os momentos mais decisivos e relacionados ao desfecho da derrota ou da vitória, há um abismo compreensível entre a experiência e a reflexão sobre a experiência vivida por todos os envolvidos. Explicando esse ponto de outro modo, a experiência dos diferentes atores que deram vida à batalha em questão é dificilmente alcançada, em sua plenitude, por qualquer reflexão a ser feita so- bre ela, mesmo que essa reflexão ocorresse imedia- tamente após a batalha ter acontecido. Um soldado raso, um general, um civil, alguém que teve um ente querido morto ou um familiar que vê seu parente retornando para casa depois dos confrontos, cada uma dessas pessoas teria uma percepção, uma sen- sação diferente. Isso nos faz perceber que a “história pode ser narrada em primeira ou na terceira pessoa” (VEYNE, 1998, p. 18). Dito de outro modo, as expe- riências são diferentes e, obviamente, a reflexão so- bre elas será muito diversa, gerando assim narrativas díspares. Ainda assim, essa miríade de olhares é fun- damental para que possamos conceber a Batalha de Waterloo, ou qualquer outra coisa na história, como existente e cognoscível. Ora, ainda assim fica a dúvida: disso deve-se concluir que produzir uma “narrativa verídica” é algo impossível, levando-nos a ver nesses esforços de pesquisa dos historiadores um mero mosaico de opiniões? Mesmo que essa compreensão seja recor- rente, o que leva muitos a criticarem ainda mais a história como campo do conhecimento, produzir co- nhecimento histórico é um ato intelectual diferente da criação literária, embora seja a ela relacionada. A literatura, que assim como a história consegue fazer com que “um século caiba em uma página” (VEY- NE, 1998, p. 18), também lida com a dificuldade de retratar, interessantemente, um determinado tempo. Todavia, se na literatura a “defasagem que sempre separa a experiência vivida da reflexão sobre a narra- tiva” gera “experiências estéticas interessantes”; para o historiador a clareza desse distanciamento gera a salutar “descoberta de um limite” (VEYNE, 1998, p. 18). Em uma passagem bastante esclarecedora sobre o fato desse limite não ser um desqualificador desse conhecimento, lemos: O campo da história é, pois, inteiramente inde- terminado, com uma única exceção: é preciso que tudo o que nele se inclua tenha, realmente, acontecido. Quanto ao resto, que a textura do campo seja cerrada ou rala, completa ou lacu- nar, não importa; uma página da Revolução Francesa tem uma trama suficientemente cer- rada para que a lógica dos acontecimentos seja, quase completamente, compreensível e para EDUCAÇÃO FÍSICA 35 que um Maquiavel ou Trotsky tivesse podido tirar dela toda uma arte da política; no entan- to, uma página de história do Antigo Oriente, que se reduz a uns poucos dados cronológicos e contém tudo o que se sabe de um ou dois impé- rios, dos quais só restou o nome, ainda assim é história (VEYNE, 1998, p. 25). Essa insegurança, essa lida cotidiana com um pen- samento exposto ao seu “limite”, impede que o his- toriador conheça o passado diretamente, mas o co- nheça apenas por pequenas partes que lhe chegam do tempo estudado que ele tem acesso. Para narrar o passado o historiador depende de documentos produzidos no contexto estudado, a fornecer-lhe in- dícios que o permitam exercer sua reflexão apoiado na concretude disso que se chama de “fontes pri- márias”: “A história é, em essência, conhecimento por meio de documentos” (VEYNE, 1998, p. 18). Todavia, é importante que a produção desse conhe- cimento não trate apenas de encontrar uma grande quantidade de documentos sobre um determinado assunto: é necessário o historiador colocar esses do- cumentos para dialogarem entre si, exercendo sua capacidade de questioná-los, dando-lhes condições de tornar uma temática compreensível ao leitor. Você deve prestar atenção ao fato de que pro- duzir conhecimento histórico é um diálogo entre a capacidade do historiador em formular perguntas perspicazes e buscar documentos para construir respostas a partir dos documentos que encontrar. É essa capacidade que gera uma “superfície tranquili- zadora da narrativa” (VEYNE, 1998, p. 26), levando os leitores e verem nesse conhecimento de “natureza lacunar” um “verdadeiro reflexo”. No campo dos estudos históricos produzidos na educação física, Melo (1999, p. 42) identifica a ne- cessidade dos pesquisadores pautarem-se em pres- supostos que afastem as narrativas históricas “dos es- tudos excessivamente descritivos [...] e [da] carência de evidências documentais”. Como resultado, os ana- listas da história da educação física se preocuparam com o fato de muitos dos estudos produzidos até a década 1980 serem escritos de um modo distanciado dos procedimentos e cuidados metodológicos. Esses cuidados podem ser sumarizados nas ponderações feitas a partir da reflexão de Veyne (1998). Assume-se que advertências como as feitas por Melo (1999) levaram os estudos históricos do campo da educação física a experimentarem uma “renovação historiográfica” (TABORDA DE OLI- VEIRA, 2007, p. 117). Porém, Taborda de Oliveira (2007) não poupa críticas a esse movimento, notan- do que mesmo existindo em um contexto atento e com um olhar mais voltado à renovação dos modos de se abordar a história bem como de seus objetos de estudo, existe paralelamente “permanência dos marcos políticos, econômicos ou intelectuais da da- tação” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2007, p. 123). De qualquer modo, em que pese essas advertên- cias e críticas, sempre necessárias a todos que pro- duzem conhecimento, é importante reconhecer que hoje há uma produção historiográfica interessante, rica e variada no campo da educação física, supe- rando os tradicionais escritos que primavam apenas pela listagem de nomes, datas, eventos e/ou sua re- lação com os marcos políticos (império, república etc.) do mundo sócio-histórico que circunda os fe- nômenos estudados. Para termos uma ideia da riqueza da reflexão his- tórica atinente à educação física e às práticas corpo- rais, proponho que olhemos mais proximamente o conteúdo e o funcionamento dos Centros de Memó- ria voltados ao esporte e à educação física, existentes no país. Tratam-se de instituições que recebem, or- HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 36 ganizam, classificam e disponibilizam o acesso a do- cumentos relacionados a um determinado tema para pesquisadores. Nesse caso, tratam-se de documentos importantes para a construção de análises históricas sobre questões valiosas à educação física. Em 2013, o Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer (CEMEF) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), organizou uma coletânea (LINHA- LES; NASCIMENTO, 2013) onde se pode ter uma ideia dos tipos de documentos que lá estão e, conse- quentemente, do teor das pesquisas, tendo por base o conjunto documental sob a guarda da instituição. Os arquivos pessoais doados por professores que trabalharam na Escola de Educação Física da UFMG e também por ex-alunos da instituição é um con- junto documental bastante variado. Em primeiro lu- gar, registra-se que são documentos doados, muitas vezes, por familiares dos professores. Os itens que compõem esse acervo são variados: tratam-se de li- vros,
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