Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Urie Bronfenbrenner foi um psicólogo nascido em Moscou, na antiga União Soviética, em 1917 e radicado nos Estados Unidos. Filho de médico, foi praticamente criado nas instalações da instituição estadual para portadores de sofrimento psíquico na qual seu pai trabalhava (Narvaz & Koller, 2004). De acordo com o próprio Bronfenbrenner, frequentar esse ambiente e receber os conhecimentos do pai foram questões essenciais para possibilitar a construção do seu modelo do desenvolvimento humano, já que isso fez com que ele se atentasse para a interdependência entre o ser humano e seu ambiente de vivência, percebendo que o social influencia o individual e vice-versa (Narvaz & Koller, 2004). Bronfenbrenner estudou na Universidade de Cornell e foi influenciado por diversos outros estudiosos da época, como Kurt Lewin e Lev Vygotsky. Contudo, ele tinha objetivos mais ambiciosos para sua pesquisa, visando não apenas entender o desenvolvimento humano, mas também tornar esse conhecimento útil, de forma que, a partir dos seus estudos, políticas públicas para melhorar a qualidade de vida da população pudessem ser criadas (Shelton, 2018). Nesse sentido, Bronfenbrenner criticava a maneira fragmentada e positivista que a ciência da época estudava o desenvolvimento humano, afirmando que os experimentos colocavam as crianças em situações desconhecidas e que não refletiam a realidade (Benetti, Vieira, Crepaldi & Schneider, 2013). Sendo assim, para ele, era impossível obter resultados verídicos dos comportamentos das crianças em um laboratório rígido e artificial, pois, para que os produtos dos experimentos representassem de fato a realidade, a criança deveria ser estudada juntamente com sua família e contexto. A partir dessa insatisfação, Urie formulou a teoria bioecológica do desenvolvimento humano, que, ao longo da vida do psicólogo, sofreu várias alterações até chegar ao modelo atual. Dessa forma, é possível dizer que a teoria de Bronfenbrenner evoluiu junto com ele e, didaticamente, pode ser dividida em três fases (Carvalho-Barreto, 2016). A primeira trata-se da juventude do teórico, quando aprofundava seu conhecimento sobre personalidade e realizava pesquisas transculturais, escrevendo o livro Two worlds of a childhood: US and USSR (Carvalho-Barreto, 2016). A segunda fase envolve a vida adulta de Bronfenbrenner e foi neste período que ele publicou o livro A Ecologia do Desenvolvimento Humano: experimentos naturais e planejados, que se tornou uma grande referência para os cientistas do desenvolvimento e para o estudo de modelos adeptos ao paradigma sistêmico (Carvalho-Barreto, 2016). Já na terceira fase, o psicólogo amadurece e modifica algumas ideias presentes na teoria proposta por ele, mudando, inclusive, a denominação da teoria de ecológica para bioecológica. Em seu modelo e teoria bioecológica, Urie Bronfenbrenner propõe que o desenvolvimento humano deve ser estudado a partir da interação de quatro dimensões inter-relacionadas: Processo, Pessoa, Contexto e Tempo. Para ele, conjunto desses elementos é o que compõe verdadeiramente a forma como o ser humano se desenvolve e, sendo assim, o estudo do desenvolvimento deveria ser feito através desse modelo, a fim de conseguir resultados mais realistas acerca do assunto. Isto posto, é necessário entendermos cada um desses aspectos e suas influências no desenvolvimento humano. O Processo, para Bronfenbrenner, é o constructo fundamental da teoria bioecológica, tendo destaque a ênfase nos processos proximais (Narvaz & Koller, 2004), que se referem à forma particular com que o organismo interage com o ambiente imediato e com os outros indivíduos ao seu redor, envolvendo também as interações cada vez mais complexas da pessoa com objetos e símbolos. Para ele, os processos proximais são “os principais motores do desenvolvimento” (Bronfenbrenner & Morris, 1998, p. 996). Nesse sentido, os processos proximais são definidos a partir de cinco aspectos principais que os tornam efetivos (Narvaz & Koller, 2004): 1. A pessoa em desenvolvimento deve estar engajada em uma atividade; 2. A interação deve acontecer regularmente e por um tempo prologado; 3. A complexidade das atividades deve ser aumentada gradativamente; 4. Deve haver reciprocidade nas relações interpessoais; 5. E o ambiente imediato deve estimular a pessoa em desenvolvimento. Esses cinco tópicos dos processos são essenciais para que, a partir disso, a pessoa em desenvolvimento seja capaz de entender e modificar o seu mundo (Benetti et al., 2013). Diante disso, percebe-se que os processos ocorrem de formas diferentes em cada um, gerando resultados diversos sobre o desenvolvimento dos organismos, visto que eles dependem de características biopsicológicas da pessoa, do ambiente e das questões sociais vivenciadas por cada indivíduo em um determinado contexto e tempo, além das questões genéticas, que são interdependentes dos outros fatores (Narvaz e Koller, 2004). Dessa forma, os podem produzir efeitos de competência ou de disfunção. O primeiro resulta em um desenvolvimento positivo, com a aquisição de habilidades e de capacidades que tornam possível um maior controle sobre o próprio comportamento. Ao passo que o segundo, produz no indivíduo uma dificuldade em conduzir e direcionar sua maneira de se comportar. O segundo componente da teoria bioecológica é a , que envolve as características genéticas e biopsicológicas. Para Bronfenbrenner, esses atributos são intrínsecos ao processo de desenvolvimento, e o psicólogo dá maior destaque para as questões do indivíduo que são aplicadas em situações sociais. Dessa forma, considerando a pessoa, ao mesmo tempo, como produtora e produto do desenvolvimento, o teórico avalia três propriedades desse elemento que influenciam os processos proximais, definidas como Força/Disposição, Recurso e Demanda (Narvaz & Koller, 2004). As características de força são os elementos do indivíduo que impulsionam ou não os processos proximais, como a presença ou ausência de persistência, motivação e engajamento nas atividades. Essas características, que são influenciadas pelo ambiente, são chamadas de geradoras, quando colocam os processos proximais em movimento e os sustenta, ou de desorganizadoras, quando colocam obstáculos ou impedem que os processos ocorram (Narvaz & Koller, 2004). As características de recurso dizem respeito às experiências, habilidade e conhecimentos que possibilitam o engajamento nos processos proximais ativos, envolvendo deficiências e competências para efetivar os processos (Benetti et al., 2013). As características de demanda são os aspectos que estimulam ou desencorajam as reações do ambiente social, fortalecendo ou não os processos proximais. São as características da pessoas que vão influenciar na forma como os outros indivíduos se relacionarão com ela (Narvaz & Koller, 2004). Um exemplo de característica de demanda é o temperamento do bebê, visto que um bebê de temperamento fácil estimulará as pessoas ao seu redor a interagirem com ele mais do que um bebê de temperamento difícil, otimizando, assim, os processos proximais. A dimensão do é referente às questões externas ao organismo que podem interferir no seu desenvolvimento, compreendendo quatro níveis ambientais denominados Microssistema, Mesossistema, Exossistema e Macrossistema (Benetti et al., 2013): O Microssistema é composto pelos ambientes nos quais as pessoas em desenvolvimento experimentam as interações de maneira direita, dando um significado ao que vivencia naquele meio (Benetti et al., 2013). As atuação no microssistema ocorrem em aspectos físicos, sociais e simbólicos do meio, e perpassam pelas características de força, recurso e demanda da pessoa. Além disso,os outros significativos, denominação de Bronfenbrenner para se referir às outras pessoas presentes no contexto, atuam como forças ambientais positivas ou negativas para o desenvolvimento (Narvaz & Koller, 2004). O Mesossistema foi definido como a junção dos microssistemas e a maneira como eles se inter-relacionam, já que as vivências em diferentes meios se influenciam mutualmente (Oliveira, 2019). O mesossistema é ampliado sempre que a pessoa passa a frequentar um novo ambiente e, além disso, é importante ressaltar que as interações podem ser promotoras ou inibidoras. O Exossistema consiste nos ambientes que têm influência sobre o desenvolvimento do indivíduo indiretamente, ou seja, são os meios que a pessoa não frequenta, mas interferem de alguma forma em sua evolução. Bronfenbrenner destaca três exossistemas fundamentais para o desenvolvimento de um indivíduo: o trabalho dos pais, a rede de apoio social e a comunidade em que a família está inserida (Narvaz & Koller, 2004). O Macrossistema é um contexto mais amplo e engloba o conjunto de culturas, religiões, ideologias, formas de governo e sistemas sociais, ou seja, questões mais abrangentes que estão presentes no cotidiano e que influenciam no desenvolvimento pessoal (Narvaz & Koller, 2004). Para fins didáticos, Bronfenbrenner compara os quatro níveis do contexto com as matrioscas, bonecas russas que se encaixam uma dentro da outra. O teórico explica que cada boneca representa um sistema e que, apesar de possuírem especificidades individuais, os quatro sistema se englobam e interagem entre si, sendo o mais interno o microssistema e o mais externo o macrossistema. O , quarto e último componente do modelo bioecológico, compõe o que Bronfenbrenner chamou de cronossistema, permitindo fazer uma análise temporal no desenvolvimento humano, observando suas estabilidades e mudanças ao longo de todo o ciclo vital. Dentro desse componente, o psicólogo separa três níveis: o microtempo, o mesotempo e o macrotempo. O primeiro trata de questões observadas em um curto período dos processos proximais. O segundo engloba intervalos maiores como dias e semana, referindo-se à periodicidade dos processos proximais. Já o terceiro, o macrotempo, constitui os eventos de mudança em uma sociedade, atravessando gerações e afetando o desenvolvimento (Narvaz & Koller, 2004). O elemento tempo é fundamental para analisar as mudanças de relação da pessoa com os acontecimentos ao seu redor, já que o curso de vida de um indivíduo é fortemente influenciado por eventos que ocorrem durante sua vida, sejam eles mais pessoais, como o divórcio dos pais, ou eventos históricos, como a pandemia de COVID- 19. É importante salientar também que há dois tipos de transições influenciadas pelo tempo, sendo o primeiro tipo chamado de transições normativas, que abarcam os eventos comuns para a grande maioria da população, e o segundo tipo denominado transições não-normativas, que se referem a eventos não tão comuns e que influenciam fortemente a vida da pessoa em desenvolvimento (Narvaz & Koller, 2004). Como é possível constatar a partir dos conceitos supracitados, o modelo bioecológico de Bronfenbrenner é complexo e foi capaz de impactar fortemente a maneira como os cientistas do desenvolvimento estudavam esse fenômeno. A teoria bioecológica se destacou principalmente por tratar de vários elementos e propor a interação entre eles. Embora receba algumas críticas, como por exemplo, a falta de experimentos empíricos que comprovem a teoria (Carvalho-Barreto, 2016), os estudos de Bronfenbrenner são extremamente relevantes e influenciaram muitos pesquisadores ao redor do mundo, propondo um modelo bastante completo.
Compartilhar