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RESENHA CRÍTICA BRASIL. Lei Ordinária nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Vanessa Paulino Batista Atualmente, o Brasil adota o modelo proibicionista no combate às drogas, em sintonia com modelo internacional, desenvolvendo, desta forma, ações de combate e punição para a repreensão ao tráfico. Em outubro de 2006 entrou em vigor a Lei nº 11.343/06, também denominada de Lei de Drogas, a qual instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, definindo políticas de repressão à produção e ao tráfico ilícito de drogas bem como aos crimes relacionados a essas atividades. Umas das inovações trazidas por esta lei é justamente a abolição da possibilidade de aplicação de pena de prisão ao porte para consumo. Verifica-se, ademais, que a lei estabelece dois objetivos opostos, buscando, de um lado, prevenir o uso de drogas e reintegrar socialmente os usuários e dependentes, e de outro reprimir o tráfico prescrevendo crimes com elevada pena de reclusão. O tráfico de drogas, previsto no artigo 33, caput, é caracterizado pelas seguintes condutas: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Por outro lado, o artigo 28, da Lei 11.343/2006, que considera usuário aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Diante destes aspectos, faz-se necessário elaborar uma crítica ao problema que vem se instalando na sociedade brasileira em razão da redação do artigo 28, § 2º da Lei de Drogas. O referido dispositivo não estabelece critérios claros e objetivos de determinação de quem é considerado usuário e de quem é considerado traficante. Desta forma, o dispositivo legal prevê que, para se determinar se a droga se destinava ao consumo pessoal, o juiz deve atender à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. Entretanto, tal identificação e diferenciação acaba sendo realizada pela polícia quando da prisão do agente, e do Delegado de Polícia, uma vez que este conduzirá o Inquérito. Ocorre que, o estereótipo criado ao longo dos anos, direciona as circunstâncias elencadas àquelas pessoas pertencentes às classes sociais mais baixas, sobretudo a população negra. Frequentemente, vemos nos jornais a apreensão de pessoas negras e pobres que foram encontradas portando uma pequena quantidade de droga, mas que por estarem em uma situação “suspeita” acabam sendo presas pelo crime de tráfico. Em contrapartida, raramente vemos na televisão a mesma notícia em relação à jovens que pertencem à uma classe social superior. Corroborando com esta exposição, cumpre destacar que cerca de 63% da população carcerária é negra. Além disso, em relação ao tráfico, a quantidade de maconha apreendida com pessoas brancas é, em média, maior que a quantidade encontrada com pessoas negras (1,15kg contra 145 gramas). Analisando aos parâmetros legais, podemos verificar os seguintes problemas: em relação ao local e as circunstâncias em que se desenvolveu a ação (prevista no art. 28 da Lei de Drogas), verificamos que pode contribuir com a criminalização dos sujeitos que pertencem às comunidades periféricas onde a venda de droga se concentra, o que, todavia, não pode servir como motivo de estigma para as pessoas que nestes locais residem. Já em relação às circunstâncias sociais e pessoais, é possível observar que poderiam ser beneficiados neste aspecto aquele que possui um trabalho formal, por exemplo, o que faz com que o fato do indivíduo ser útil ao sistema produtivo econômico influência no seu processo de criminalização. Por fim, no que se refere à conduta e aos antecedentes do agente, observa-se uma carga elevada de estigma que pode ser carregada pelo indivíduo que possui passagens pela polícia, mesmo que não seja reincidente. Diante de todas as considerações tecidas, infere-se que a lei propicia interpretações subjetivas ao deixar de definir objetivamente as características que diferenciam o traficante de drogas do usuário, perpetuando a criminalização dos indivíduos pobres e negros, sobretudo jovens que moram em comunidades e favelas. REFERÊNCIAS ANDRADE, Paula. O encarceramento tem cor: diz especialista. Conselho Nacional de Justiça. Brasília, 9 jul. 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/o-encarceramento-tem-cor-diz-especialista/. Acesso em: 26 jun. 2021. DORNELES, Tiago Felipe Bernardes Dorneles. Usuário ou traficante? Crítica criminológica à lei de drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4747, 30 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50171. Acesso em: 26 jun. 2021. MACHADO, Nara Borgo Cypriano. Usuário ou traficante? A seletividade penal na nova lei de drogas. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, Direitos Fundamentais e Transdisciplinariedade, Fortaleza, 9 a 12 de junho de 2010, pp.1098-1111.
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