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Distúrbios do Fígado O fígado é considerado o órgão central do metabolismo. É a maior glândula do corpo, irrigado com sangue de duas fontes: a artéria hepática, que supre cerca de um terço do sangue proveniente da aorta, e a veia porta do fígado, que supre os outros dois terços e coleta o sangue drenado do trato digestório. A unidade funcional do fígado é o lóbulo hepático. Funções: metabolismo dos carboidratos, das proteínas e dos lipídeos; armazenamento e a ativação das vitaminas e minerais; formação e a excreção da bile; conversão da amônia em ureia; metabolismo dos esteroides; destoxificação de substâncias, como fármacos, álcool e compostos orgânicos; ação como câmara de filtro e irrigação. CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA HEPÁTICA DE ACORDO COM SUA DURAÇÃO Doença hepática fulminante Síndrome em que a disfunção hepática grave é acompanhada de encefalopatia hepática. É definida pela ausência de doença hepática preexistente e pelo desenvolvimento de encefalopatia hepática dentro de duas a oito semanas após o início da doença. Causas Hepatite viral (75% dos casos) Toxicidade química (p. ex., paracetamol, reações medicamentosas, cogumelos venenosos, venenos industriais) Outras causas (p. ex., doença de Wilson, esteatose hepática da gestação, síndrome de Reye, isquemia hepática, obstrução da veia hepática e neoplasia maligna disseminada). Complicações Edema cerebral, coagulopatia e sangramento, anormalidades cardiovasculares, insuficiência renal, complicações pulmonares, distúrbios acidobásicos, desequilíbrio eletrolítico, sepse e pancreatite. Doença hepática aguda Presença de disfunção hepática de menos de seis meses de duração. Espera-se uma recuperação na maioria dos pacientes que desenvolvem doença hepática aguda. Doença Hepática Crônica (DHC) O paciente deve apresentar pelo menos um curso de seis meses de hepatite ou sinais bioquímicos e clínicos de doença hepática, com achados de biópsia que confirmam a presença de inflamação hepática não resolvida. Causas Pode ter causas autoimunes, virais e metabólicas, ou pode ser causada por substâncias ou toxinas. As causas mais comuns são hepatite B, hepatite C e hepatite autoimune. Características clínicas Os sintomas são habitualmente inespecíficos, ocorrem de modo intermitente e são discretos. Os sintomas comuns consistem em fadiga, transtorno do sono, dificuldade de concentração e dor leve no quadrante superior direito. A doença avançada grave pode levar à icterícia, perda da massa muscular, urina cor de chá, ascite, edema, encefalopatia hepática, varizes gastrointestinais (veias aumentadas anormais frequentemente causadas por hipertensão portal), com consequente sangramento gastrointestinal, esplenomegalia, eritema palmar e angiomas aracneiformes. Em alguns casos, a hepatite crônica leva à cirrose e doença hepática terminal. A cirrose apresenta muitas manifestações clínicas. Várias complicações importantes da cirrose e da doença hepática terminal (DHT), como desnutrição, ascite, hiponatremia, encefalopatia hepática, alterações da glicose, má absorção de gordura, síndrome hepatorrenal e osteopenia, apresentam implicações nutricionais. Alterações metabólicas na DHC O gasto energético de repouso (GER) é bastante variável. Quando relacionado à massa corporal magra, o GER desses pacientes apresenta-se superior ao normal. A contribuição do tecido adiposo para produção de energia durante jejum de curta duração é de 70% (30% a mais em relação aos indivíduos normais). Esses pacientes possuem baixa adaptabilidade ao jejum graças à redução das vias glicogenolíticas para produção de energia imediata. Deficiências de vitaminas e minerais prevalecem nas disfunções hepáticas, sobretudo quando a etiologia for de origem alcoólica. Entre os fatores causais predisponentes, incluem-se anormalidades nos processos metabólicos dos macronutrientes, efeito negativo do etanol na ativação e biodisponibilidade de micronutrientes, ingestão dietética inadequada e até o uso de dietas muito restritivas de baixa palatabilidade. Ver Anexos HEPATITE A hepatite viral é uma inflamação disseminada do fígado, que é causada por diversos vírus da hepatite, incluindo A, B, C, D e E. Agentes menores, como o vírus Epstein-Barr, o citomegalovírus e o herpes simples, também podem causar hepatite aguda. Vírus Transmissão Comentários Hepatite A (HAV) Tem vacina Via fecal-oral; contraída por meio de água potável, alimento e água de esgoto contaminados. Baixa infectividade. Sintomas incluem anorexia, náuseas, vômitos, icterícia, fraqueza, dor abdominal, urina escura. A recuperação é habitualmente completa, e as consequências em longo prazo são raras. Hepatite B (HBV) Tem vacina Sangue ou fluidos corporais. Sintomas semelhantes a HAV. Com processo maligno, 20-30% dos casos evoluem para cirrose e insuficiência hepática. Hepatite C (HCV) Não tem vacina Sangue ou fluidos corporais. Com processo maligno. Também pode levar a cirrose e insuficiência hepática (50% dos casos). Geralmente sem sintomas; quando o vírus é descoberto, já é irreversível. Hepatite D (HDV) Depende da presença do HBV para sua sobrevida e propagação. O HDV pode ser uma coinfecção (que ocorre ao mesmo tempo que o HBV) ou uma superinfecção Não tem vacina (que se sobrepõe ao estado de portador do HBV). Em geral, esse tipo de hepatite torna-se crônico. Hepatite E (HEV) Não tem vacina Transmitido por via orofecal. Mais agudo do que crônico. Hepatite G (HGV/GBV -C) Transfusões sanguíneas. NÃO TEM VACINA Dietoterapia Objetivos: promover regeneração do fígado e prevenir lesões; corrigir perda de peso; poupar proteínas; aumentar líquidos para prevenir desidratação; prevenir transmissão do vírus. Energia – 30 a 45 Kcal/kg Proteínas – 1 a 1,2g/kg Lipídeos – depende da tolerância Suplementar – vit. complexo B, K, C, Zn ✓ NE ou NPT apenas se for necessário. À medida que o paciente progredir, usar dieta líquida e em seguida, dieta com pequenas refeições frequentes, com alimentos moles. ✓ Evitar glutamina ✓ Pacientes com hepatite ativa crônica podem ingerir menores quantidades de proteína ✓ Incentivar a ingestão de líquidos extras. DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA) É um espectro de doença hepática, que varia desde esteatose até esteato-hepatite e cirrose. Envolve o acúmulo de gotículas lipídicas nos hepatócitos e pode levar à fibrose, cirrose e até mesmo carcinoma hepatocelular. Causas Fármacos Erros inatos do metabolismo Distúrbios metabólicos adquiridos (diabetes mellitus tipo 2, lipodistrofia, derivação jejunoileal, obesidade e desnutrição). Está associada, com mais frequência, a obesidade, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia e síndrome metabólica. Fisiopatologia O estágio inicial da DHGNA é a esteatose não alcoólica (ENA), que se caracteriza pelo acúmulo simples de gordura no fígado. A esteatohepatite não alcoólica (EHNA ou NASH) está associada à lesão dos hepatócitos, com ou sem tecido fibroso no fígado. A EHNA pode evoluir para a doença hepática crônica e cirrose por EHNA. A progressão para cirrose é variável, dependendo da idade e da presença de comorbidades, que contribuem para o agravamento do prognóstico. A DHGNA está associada com desordens metabólicas, incluindo obesidade central, desequilíbrio no metabolismo da insulina, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia e síndrome metabólica. No entanto, indivíduos com peso adequado, mas cursando com resistência à insulina, também são mais suscetíveis a DHGNA. As vias metabólicas que levam ao desenvolvimento da DHGNA são múltiplas, incluindo incremento da liberação de ácidos graxos não esterificados do tecido adiposo (lipólise), aumento da síntesede novo de ácidos graxos (lipogênese), associados ao decréscimo da betaoxidação. Esteatose hepática não alcoólica (EHNA/NASH) A EHNA é caracterizada por infiltração gordurosa difusa no fígado, degeneração em balão e inflamação nos hepatócitos. É responsável por cerca de 60 a 80% dos casos de níveis plasmáticos elevados de aminotransferases e gamaglutamiltransferases (gama-GT) de pacientes atendidos ambulatorialmente e ocorre mais frequentemente entre obesos, sobretudo naqueles com hipertensão arterial, hiperglicemia, resistência à insulina, hipertrigliceridemia superior a 150 mg/dL e com valores de lipoproteínas de alta densidade (HDL) abaixo de 40 e de 50 mg/dL, respectivamente, para homens e mulheres. Os mecanismos envolvidos na patogênese da EHNA são complexos, multifatoriais e instalam-se em consequência da redução de oxidação mitocondrial de triglicérides, da baixa exportação hepática de ácidos graxos e lipídios, da maior síntese hepática de fosfolípides, ésteres de colesterol. Nessa condição, os pacientes evoluem com acentuada produção de radicais livres de O2, hipersecreção de leptina e grelina ampliadores da ingestão e pelo hiperestímulo exercido sobre células estelares do fígado e da matriz extracelular. Como consequência, desenvolve-se entre indivíduos não alcoólicos portadores de fibrose hepática, cirrose que pode evoluir para carcinoma hepatocelular (CHC). A instalação da lesão hepatocelular e EHNA está associada à teoria da dupla causa (two hits), descrita como a necessidade de uma lesão inicial (first hit), como o surgimento da esteatose hepática por mecanismo adaptativo de defesa ou predisposição genética. A esteatose deixa os hepatócitos sensibilizados para ação de radicais livres que são capazes de induzir o estresse oxidativo no parênquima hepático, que é considerado a segunda causa (second hit), da lesão tecidual que evolui para a EHNA. Tratamento Perda de massa corporal, uso de insulinossensibilizantes, (tiazolidinedionas) e vitamina E. Uma perda de massa corporal de 3% a 5% pode melhorar a esteatose, porém pode ser necessária uma perda de massa corporal de até 10% para melhorar a necrose e inflamação. A pioglitazona (um medicamento anti- hiperglicêmico oral utilizado no tratamento do diabetes mellitus) pode ser considerada para o tratamento da NASH, embora a sua segurança e eficácia em longo prazo não sejam conhecidas. A vitamina E (800 UI/dia de alfatocoferol) é considerada como tratamento de primeira linha para a NASH em pacientes sem diabetes. Dados emergentes sugeriram que o consumo de café é protetor contra a DHGNA. Classificação da EHNA segundo fatores desencadeantes Categorias Caract. histopatológicas Tipo 1 Apenas gordura Tipo 2 Gordura + inflamação Tipo 3 Gordura + degeneração em balão DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA O acetaldeído é um subproduto tóxico do metabolismo do álcool, que provoca dano à estrutura e função das membranas mitocondriais. O acetaldeído é produzido por múltiplas vias metabólicas, uma das quais envolve a álcool desidrogenase. Diversas variáveis predispõem alguns indivíduos à doença hepática alcoólica. Incluem polimorfismos genéticos das enzimas envolvidas no metabolismo do álcool, gênero (as mulheres mais do que os homens), exposição simultânea a outras substâncias, infecções por vírus hepatotrópicos, fatores imunológicos, obesidade e estado nutricional precário. A patogenia da doença hepática alcoólica evolui em três estágios: esteatose hepática, hepatite alcoólica e, por fim, cirrose. A infiltração gordurosa, conhecida como esteatose hepática ou fígado gorduroso, é causada pela culminação desses distúrbios metabólicos: aumento na mobilização de ácidos graxos a partir do tecido adiposo; aumento na síntese hepática de ácidos graxos; diminuição da oxidação dos ácidos graxos; aumento na produção de triglicerídeos; retenção de triglicerídeos no fígado. A esteatose hepática é reversível com a abstinência de álcool. Por outro lado, se o abuso de álcool continuar, poderá haver desenvolvimento de cirrose. Os pacientes com doença hepática gordurosa alcoólica são habitualmente assintomáticos, mas podem apresentar sintomas, como fadiga, falta de apetite, desconforto no quadrante superior direito ou hepatomegalia. A esteatose hepática está significativamente correlacionada com a superprodução de glicose, VLDL, proteína-C reativa (PCR), fatores de coagulação, acúmulo de gordura intra-abdominal e perfil inflamatório com excesso de fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucinas 1 e 6 (IL-1 e IL- 6). Em geral, a hepatite alcoólica caracteriza-se por hepatomegalia, elevação modesta das concentrações séricas de transaminase, concentrações séricas elevadas de bilirrubina, concentrações normais ou diminuídas de albumina sérica ou anemia. Os pacientes também podem apresentar dor abdominal, anorexia, náusea, vômitos, fraqueza, diarreia, perda de massa corporal ou febre. Alguns pacientes podem desenvolver icterícia, coagulopatia, ascite ou encefalopatia. Se o paciente interromper o consumo de álcool, poderá ocorrer resolução da hepatite; entretanto, a condição frequentemente evolui para o terceiro estágio. As manifestações clínicas da cirrose alcoólica, o terceiro estágio, variam. Os sintomas podem simular os da hepatite alcoólica, ou os pacientes podem desenvolver complicações da cirrose como sangramento gastrointestinal, encefalopatia hepática ou hipertensão portal (pressão arterial elevada no sistema venoso portal, causada pela obstrução do fluxo sanguíneo através do fígado). Com frequência, os pacientes com cirrose alcoólica desenvolvem ascite, que consiste no acúmulo de líquido, proteínas séricas e eletrólitos dentro da cavidade peritoneal, causado pela pressão elevada da hipertensão portal e produção diminuída de albumina (que mantém a pressão coloidosmótica do soro). Em geral, a biópsia de fígado revela cirrose micronodular, embora possa ser macronodular ou mista. O prognóstico depende da abstinência de álcool e do grau de complicações já desenvolvidas. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA (EH) É uma das manifestações clínicas da insuficiência hepática aguda ou crônica. A causa da EH é multifatorial e depende da ruptura da barreira hematoencefálica, junções rígidas entre as células endoteliais que compõem os capilares cerebrais. Tais junções podem sofrer ações de substâncias tóxicas do sangue para o cérebro ou deste para o sangue. Apesar de a patogênese da EH ainda não estar completamente elucidada, atualmente se sabe que o excesso de amônia (NH3) exerce papel fundamental na ocorrência dos distúrbios associados a essa complicação. Nos pacientes com DHC e função de detoxificação comprometida, a hiperamonemia ocorre geralmente em decorrência da deficiência funcional hepatocelular e da hipertensão portal, que ocasiona sobrecarga da circulação colateral, promovendo grande desvio de sangue a partir da circulação venosa portal diretamente para a circulação sistêmica, caracterizando os shunts portossistêmicos. No sistema nervoso central, as principais células afetadas pela elevada concentração de amônia são os astrócitos. Os astrócitos são células gliais que têm como função mais importante a regulação das concentrações de compostos iônicos e de neurotransmissores no líquido cefalorraquidiano (LCR), contribuindo de modo significativo para a permeabilidade seletiva da barreira hematoencefálica. A amônia apresenta grande facilidade de se difundir por meio da barreira hematoencefálica e está relacionada à disfunção neutrofílica, o que promove maior risco de inflamação sistêmica e induz diretamente neuroinflamação, presente até mesmo em pacientes com encefalopatia hepática mínima (EHM), sem sintomatologia clássica. O desenvolvimento da EH também pode estar associado a outros eventos, como elevação da concentração plasmática de manganês,carência de zinco, desequilíbrio plasmático entre aminoácidos aromáticos e aminoácidos de cadeia ramificada (AACR), aumento da atividade GABAérgica, processos inflamatórios e estresse oxidativo. O grave quadro de falência hepática fulminante é descrito quando EH se desenvolve dentro de oito semanas após o início da doença hepática, com grave comprometimento da função hepática, alta mortalidade e rápido aparecimento de desnutrição, mesmo quando as necessidades nutricionais são supridas adequadamente. A EHM é um estágio subclínico da EH, no qual pacientes não apresentam anormalidades neurológicas evidentes. É caracterizada pela presença de déficits neurológicos bastante sutis, relacionados à capacidade de concentração, memória de trabalho, habilidade visual, espacial e à coordenação motora fina, o que pode comprometer a qualidade de vida dos pacientes com cirrose e limitar a habilidade para a condução de veículos. Apesar de não ser facilmente identificada no exame clínico, uma anamnese mais minuciosa pode revelar possíveis sinais de déficits neuropsiquiátricos, como quedas de rendimento no trabalho, dificuldade em relações interpessoais, violações recentes a leis de trânsito ou até mesmo envolvimento em acidentes automobilísticos. A EH pode ser precipitada por vários fatores, entre os quais se destacam: administração de drogas; hemorragias digestivas; inflamação; infecções; paracenteses sem reposição plasmática; intervenção anestésica e/ou cirúrgica; hiponatremia; distúrbios hidroeletrolíticos; obstipação. DOENÇAS HEPÁTICAS COLESTÁTICAS Condições que afetam os ductos biliares. Cirrose biliar primária (CBP) É uma doença colestática crônica, causada pela destruição progressiva dos ductos biliares intra- hepáticos pequenos e de tamanho intermediário. A árvore biliar extra-hepática e os ductos intra- hepáticos maiores são normais. A doença evolui lentamente, resultando, por fim, em cirrose, hipertensão portal, transplante de fígado ou morte. A CBP é um distúrbio autoimune. Nos casos típicos, a CBP manifesta-se na forma de elevação discreta das enzimas hepáticas, com sintomas físicos de prurido e fadiga. Na CBP, podem ocorrer várias complicações nutricionais devido à colestase, incluindo osteopenia, hipercolesterolemia e deficiência de vitaminas lipossolúveis. Colangite esclerosante primária (CEP) Caracteriza-se por inflamação fibrosante de segmentos dos ductos biliares extra-hepáticos, com ou sem comprometimento dos ductos intra- hepáticos. A doença progressiva pode se caracterizar por três síndromes: colestase com cirrose biliar, seguida de colangite recorrente com estenoses dos grandes ductos biliares e, por fim, colangiocarcinoma. À semelhança da CBP, a CEP é considerada um distúrbio imune. Entre os pacientes com CEP, 70% a 90% também apresentam doença inflamatória intestinal (sobretudo colite ulcerativa), e os homens têm maior tendência do que as mulheres (2,3:1) a apresentar CEP. Os pacientes com CEP também correm risco aumentado de deficiências de vitaminas lipossolúveis em consequência da esteatorreia associada a essa doença. Pode ocorrer osteodistrofia hepática devido à má absorção de vitamina D e cálcio, resultando em hiperparatireoidismo secundário, osteomalácia ou raquitismo. Tratamento Não há nenhum tratamento que possa retardar a progressão da doença ou melhorar a sobrevida. O ácido ursodesoxicólico pode melhorar os valores laboratoriais (concentrações séricas de bilirrubina, fosfatase alcalina e albumina), porém não possui nenhum efeito na sobrevida. DISTÚRBIOS HEREDITÁRIOS Hemocromatose Doença hereditária de sobrecarga do ferro, habitualmente associada ao gene HFE. Os pacientes com hemocromatose hereditária absorvem ferro em excesso a partir do intestino e podem armazenar 20 a 40 g de ferro, em comparação com 0,3 a 0,8 g nos indivíduos normais. Características clínicas O aumento na saturação da transferrina (pelo menos 45%) e da ferritina (mais de duas vezes o normal) sugere hemocromatose. Pode haver desenvolvimento de hepatomegalia, sangramento esofágico, ascite, comprometimento da função de síntese hepática, pigmentação anormal da pele, intolerância à glicose, comprometimento cardíaco, hipogonadismo, artropatia e carcinoma hepatocelular. Diagnóstico O diagnóstico precoce inclui exames clínicos, laboratoriais e patológicos, como concentrações séricas elevadas de transferrina. A expectativa de vida é normal se a flebotomia for iniciada antes do desenvolvimento de cirrose ou diabetes mellitus. Doença de Wilson Distúrbio autossômico recessivo associado a um comprometimento na excreção biliar de cobre. Ocorre acúmulo de cobre em diversos tecidos, como fígado, cérebro, córnea e rins. Os anéis de Kayser- Fleischer apresentam pigmentação amarelo- esverdeado, que circundam a córnea exatamente dentro da margem corneoscleral, constituídos por depósitos de cobre. Características clínicas Os pacientes podem apresentar hepatite aguda, fulminante (que ocorre subitamente, com acentuada gravidade) ou ativa crônica e sintomas neuropsiquiátricos. Diagnóstico Feito por baixos níveis séricos de ceruloplasmina, concentração elevada de cobre em uma biópsia de fígado e excreção urinária elevada de cobre. Tratamento Feito com agentes quelantes do cobre (como D- penicilamina ou trientina) e suplementação com zinco para inibir a absorção intestinal do cobre e a sua ligação no fígado. É necessária uma quelação contínua do cobre para evitar a ocorrência de recidiva e insuficiência hepática; o transplante corrige o defeito metabólico. Uma dieta com baixo teor de cobre não é mais necessária, mas pode ser útil na fase inicial do tratamento. Se a doença não for diagnosticada até o início da insuficiência fulminante, a sobrevida não é possível sem a realização de transplante. Deficiência de α-1-antitripsina Distúrbio hereditário que pode causar doença hepática e pulmonar. A α-1-antitripsina é uma glicoproteína encontrada no soro e nos líquidos corporais; ela inibe as serinaproteinases. A colestase ou a cirrose são causadas por essa deficiência, e não se dispõe de nenhum tratamento, com exceção do transplante de fígado. CUIDADO NUTRICIONAL NAS HEPATOPATIAS Considerar manifestações clínicas da doença (hipertensão porta, varizes esofágicas, encefalopatia, ascite, hiperglicemia, má absorção de gorduras, etc) e estado nutricional do indivíduo (desnutrição é comum, e se relaciona com a gravidade da doença). Objetivos Promover substratos energéticos e proteicos suficientes para controlar o catabolismo proteico muscular e visceral Favorecer a aceitação da dieta e melhorar o aproveitamento dos nutrientes ofertados Controle do edema e da ascite. Em caso de retenção de líquido, ascite ou edema, deverá ser utilizado o peso ideal, a fim de se evitar cálculo subestimado do VET. Pode ser estimado o peso seco descontando o edema e a ascite para cálculo do VET, contudo na dúvida utilizar peso ideal. Nos casos que o uso IMC médio determine um valor de peso teórico distante do peso atual, pode-se utilizar como base para o cálculo uma variação de 10% desse IMC, considerando-se o gênero. EHNA/EHA/ – 25 a 30 Kcal/kg DHGNA 1,2 a 1,5 g PTN/kg Normoglicídica Normolipídica < 10% de saturada < 20% monoinsaturada < 10% polinsaturada Ômega 3: 1,2 a 2g/dia Fibras 20 a 30g Hepatite – 30 a 40Kcal/kg 1 a 1,5g PTN/kg 67-80% do VET em CHO 20 a 33% LIP Cirrose estável – 25 a 40 Kcal/kg 1 a 1,5g PTN/kg 50 a 60% CHO 25 a 30% LIP Cirrótico descompens. – 25 a 40 Kcal/kg 1,5 a 1,8g PTN/kg 72% CHO 28% LIP EH grau I e II – 25 a 40 kcal/kg 1,2 a 1,6 g PTN/kg 60a 75% CHO 25 a 30% LIP EH grau III e IV – 25 a 40 kcal/kg 0,6g PTN/kg + 0,25 AACR 60 a 75% CHO 25 a 30% LIP Cirrose ✓ Evitar longos períodos de jejum (o paciente cirrótico faz hipoglicemia mais precocemente devido à menor capacidade de armazenar glicogênio) ✓ Alimentos de alta densidade calórica e fácil digestibilidade ✓ Administrar suplementos energéticos a noite ✓ Terapia adjuvante deve ser dada se a ingestão < 30 Kcal/kg ✓ Pacientes desnutridos devem receber NE ou NPT precocemente ✓ A passagem de sonda está contraindicada somente nos pacientes com varizes esofágicas ativas ou com risco de sangramento importante ✓ Na presença de confusão mental deve-se posicionar a sonda em jejuno, para reduzir o risco de broncoaspiração ✓ Ostomias estão contra-indicadas nos pacientes com ascite volumosa pelo risco de peritonite ✓ Recomenda-se o uso de bomba infusora para melhorar a tolerância a dieta, especialmente nos pacientes com ascite volumosa. ✓ Não infundir grandes volumes ✓ As fórmulas devem ter densidade calórica > 1 cal ml, para favorecer o ganho de peso sem infundir grandes volumes. ✓ Na cirrose avançada a suplementação oral prolongada com AACR é útil para prevenir a progressão da falência hepática e melhora da evolução clínica ✓ Suplementação de vitamina A + zinco pode melhorar ganho de peso por melhorar paladar ✓ A vitamina K é administrada intravenosa por 3 dias para eliminar a deficiência ✓ Suplementação com vitamina E reduz a peroxidação de lipídios, um dos indutores de endotoxinas que contribuem para distúrbios hemorrágicos no cirrótico. Apesar disso, não modifica qualidade de vida nem mortalidade. ✓ Complexos vitamínicos são importantes especialmente para alcoolistas ✓ Pacientes em uso de diurético para tratar edema e ascite podem apresentar câimbras por depleção de potássio e magnésio ✓ Casos prolongados de colestase há disabsorção de vitaminas lipossolúveis e deve- se fazer esquema de reposição de vit A (2.500 Ul/dia); vit D (50,000 Ul/dia); vit E (400 Ul/dia) e vit K (sem recomendação) ✓ Suplementação com Zinco favorece a disponibilidade da Glicose, melhora a evolução clínica da cirrose, da encefalopatia hepática e sinais neurológicos da desnutrição. A recomendação é Sulfato de zinco 220mg para aqueles com zinco plasmático reduzido. ✓ cálcio pode estar + pela esteatorreia, pode ser necessária suplementação com cálcio efervescente ou carbonato de cálcio ✓ restrição de sódio é necessária apenas se houver retenção hídrica ✓ Apesar de populares na doença hepática, o cardo mariano (antifibrótico) e a S-adenosil-L- metionina (SAMe), que participa da síntese de glutationa, não se mostraram benéficos em pacientes com doença hepática alcoólica. A SAMe foi benéfica para NASH, por reduzir TNF-alfa Complicações da doença hepática Hipertensão portal Ocorre devido a compressão das suas ramificações intra-hepáticas pelo fígado fibrosado e de menor tamanho. Com a compressão, o sangue não consegue fluir adequadamente e fica retido na veia porta, aumentando sua pressão. ✓ dieta zero durante sanqramento ✓ caso via oral fique zerada por 5 dias, indicar nutrição parenteral ✓ as escleroterapias repetidas no esôfago podem prejudicar a deglutição ✓ os desvios podem aumentar a incidência de encefalopatia por desviar o sangue do fígado. Ascite A hipertensão portal + hipoalbuminemia + obstrução linfática + maior estímulo do sistema renina, angiotensina, aldosterona que promove maior retenção de água e sódio, contribuem para o aparecimento dela. Eleva o GEB em 10% por ser um compartimento metabolicamente ativo. ✓ Restrição de sódio (2 g/dia) ✓ Ingestão adequada de proteínas para reposição das perdas em consequência da paracentese frequente. Hiponatremia Ocorre devido à capacidade diminuída de excretar a água em consequência da liberação persistente de hormônio antidiurético, perda de sódio pela paracentese, uso excessivo de diuréticos ou restrição excessivamente agressiva de sódio. ✓ Restringir ingestão de líquidos para 1 a 1,5L/dia dependendo da gravidade do edema e da ascite ✓ Recomendações recentes indicam restrição hídrica apenas se a concentração de sódio for inferior a 125 mg/dL ✓ Ingestão de sódio de 2g/dia (ingestão excessiva resulta em agravamento da retenção hídrica e maior diluição das concentrações séricas de sódio). Alterações da glicose Ocorre intolerância à glicose em quase dois terços dos pacientes com cirrose, e até um terço dos pacientes desenvolve diabetes mellitus. A intolerância à glicose em pacientes com doença hepática ocorre devido à resistência à insulina dos tecidos periféricos. Além disso, ocorre hiperinsulinismo possivelmente pelo fato de que a produção de insulina está aumentada, a depuração hepática está diminuída, ocorre derivação portossistêmica e um defeito na ação de ligação da insulina no sítio receptor ou um defeito pós- receptor. A hipoglicemia de jejum ou baixa glicemia pode ocorrer devido à disponibilidade diminuída da glicose a partir do glicogênio, além do declínio da capacidade gliconeogênica do fígado quando o paciente apresenta DHT. A hipoglicemia é observada mais frequentemente na insuficiência hepática aguda ou fulminante do que na doença hepática crônica. Ela também pode ocorrer após consumo de álcool em pacientes com depleção das reservas de glicogênio em consequência de inanição, devido ao bloqueio da gliconeogênese hepática pelo etanol. ✓ Pacientes com hipoglicemia devem alimentar- se com frequência ✓ Um lanche à noite pode ajudar a evitar a hipoglicemia pela manhã. Má absorção de gordura As possíveis causas incluem secreção diminuída de sais biliares (como na CBP, na colangite esclerosante e nas estenoses biliares), administração de medicamentos, como colestiramina, e insuficiência enzimática pancreática. As fezes podem ser gordurosas, flutuantes ou de coloração clara ou de argila, indicando má absorção, que pode ser verificada por um estudo de gordura fecal de 72 horas. ✓ Na presença de esteatorreia significativa, usar TCM (ver resumo de esteatorreia). ✓ perdas significativas de gordura nas fezes podem justificar uma prova de dieta com baixo teor de gordura ✓ Se não houver resolução da diarreia, a restrição de gordura deve ser interrompida, visto que ela diminui a palatabilidade da dieta e dificulta acentuadamente a oferta adequada de energia. ✓ evido ao grau de má absorção e esteatorreia, é importante suspeitar de deficiências de múltiplos micronutrientes, sobretudo vitaminas lipossolúveis. Síndrome hepatorrenal Insuficiência renal associada a doença hepática grave, sem anormalidades renais intrínsecas. A síndrome hepatorrenal é diagnosticada quando a concentração de sódio urinário é inferior a 10 mEq/L, e a oligúria persiste na ausência de depleção do volume intravascular. ✓ Se as terapias conservadoras, como interrupção dos fármacos nefrotóxicos, otimização do estado de volume intravascular, tratamento da infecção subjacente e monitoramento do balanço hídrico, fracassarem, a diálise pode ser necessária. ✓ Exige alteração na ingestão de líquidos, sódio, potássio e fósforo. Osteopenia Ocorre osteopenia em pacientes com CBP, colangite esclerosante e doença hepática alcoólica. Além disso, podem ocorrer diminuição da função osteoblástica e osteoporose em pacientes com hemocromatose, e a osteoporose é prevalente em pacientes submetidos a tratamento prolongado com corticosteroides. Os corticosteroides aumentam a reabsorção óssea, suprimem a função osteoblástica e afetam a secreção dos hormônios sexuais, a absorção intestinal de cálcio dietético, a excreção renal de cálcio e fósforo e o sistema da vitamina D. ✓ Manutenção da massa corporal, dieta balanceada, proteínas adequadas para manter a massa muscular ✓ Ofertar1500mg cálcio/dia ✓ Adequar vitamina D ✓ Abstinência de álcool ✓ Monitoramento da esteatorreia. Encefalopatia hepática ✓ Especialistas indicam fórmulas enriquecidas com AACR para pacientes intolerantes à proteína padrão e que não responderam ao tratamento com neomicina + lactulose. ✓ Prebióticos, probióticos e simbióticos estão indicados na prevenção e no tratamento da EH (podem melhorar alguns sintomas de disfunção Gl e reduzir conteúdo de amônia no sangue portal). O uso de simbióticos, inclusive, apresenta resultados mais consistentes ✓ Alto teor de fibras é benéfico por aumentar a excreção de compostos nitrogenados. DHGNA ✓ A única medida consensual de tratamento é a modificação de estilo de vida (MEV), ou seja, prática de atividade física + hábitos alimentares adequados ✓ O objetivo é a perda de 10% do peso inicial em 6 meses, pois pacientes que perdem peso rapidamente podem piorar a inflamação hepática pelo aumento do afluxo (chegada) de ácidos graxos livres para o fígado. ✓ Redução das gorduras saturadas e aumento das insaturadas poderá elevar a sensibilidade à insulina além delas reduzirem a inflamação e esteatose ✓ Se a dieta não for suficiente para controlar o dano hepático, deve-se suplementar com lecitina e fatores lipotrópicos (colina, inositol e L-metionina) ✓ Vitamina E, betaína e S-adenosilmetionina podem ser benéficas na redução da EHNA por reduzirem a atividade do TNF-alfa. ANEXOS
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