
Apocalipticos e Integrados
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recurso ao estile- ma culto é feito com moder�ção. O resultado é um produto de consumo, destinado a agradar sem excitar , a estimular um certo nível de participação crítica sem polarizar completamente a atonção sôbre a estrutura da mensagem. O trecho, evidentemente, não exaure o li- vre (que requer um juízo mais articulado e complexo) 121 # E poderá permitir-nos individuar, na própria es- trutura da mensagem, a mola do Kitsch (sua possibi- lidade de funcionar como Kitsch), em têrmos tais que o Kitsch possa ser definido como uma forma de falta de medida, de falsa organicidade contextual - e por- tanto, também como mentira, trapaça perpetrada não no nível dos conteúdos mas da forma mesma da comuni- cação. Estrutura da mensagem poética Provocação de ef eitos e. divulgação de f orwcas con- sumidas: êsses parecem ser os dois pólos fundamen- tais entre os quais oscila uma definição do Midcult ou do Kitsch. Mas é fácil perceber que, no primeiro caso, se indica uma característica formal da mensagem, e no segundo, seu "destino" histórico, sua dimensâo sociolágica. É verdade que existe um modo de sintetizar os dais pontos vendo-os como manifestações acessórias de uma única situação bem mais grave: quando Adorno fala da redução do produto musical a "fetiche"'z - e quan- do sublinha que sorte semelhante envolve não apenas a ignóbil cançoneta de consumo, mas também o produ- to artístico de nobres origens, tão logo é introduzido no circuito do consumo de massa - quer dizer-nos, exa- tamente, que não se trata de saber se ouvindo uma composição o consumidor frui uma mensagem dirigida à pura estimulação de efeitos, ou se aceita como expe- riência estética original a percepção de formas consu- midas e gastas: adverte-nos que em ambos os casos a relação típica entre homem massificado e produto artístico mercantilizado configura-se como irreflexa e não analisável adoração de um objeto-fetiche, a mú- sica, boa ou má, não é mais percebida analìticamente, mas aceita em bloco como algo bom de consumir por imposição do mercado, que de antemão nos adverte que ela é boa, eximindo-nos de todo juízo. Essa, porém, é a atitude que anteriormente criti- camos como improdutiva. Pois na verdade erige o ho- mem-massa consumidor em fetiche genérico, e o ob- jeto consumável em outro fetiche inanalisável. Observe- (12) Cf. ensaio citado. 88 #mos áue, no nível do consumo de massa, as atitudes são mais diferenciadas do que sustenta uma critica tão radicalmente negativa. E estamos procurando deslo- car o discurso para um plano de diferenciações pro- gressivas, de modo a obter algum instrumento de análi- se. Pxacuraremos, portanto, estal�elecer o que acon- tece a um produto indiscutìvelmente válido (a Quirlta Sinfonia de Beethoven, a Gioconda), uma vez colo- cado num circuito de consumo de massa; e qual seja, pelo contrário, o mecanismo com que funciona um pro- duto inserido no mesmo circuito, mas construído uti- lizando elementos elaborados em outros níveis e outros contextos. Pode constituir um ponto de partida a assunção da obra de arte como estrutura - entendendo-se êsse têrmo como sinônimo de f orma, e dando-se-Ihe pre- ferência não só porque permite aliarmo-nos com outras pesquisas sôbre a estrutura da comunicação, mas tam- bém porque "forma" poderia sugerir a noção de um organismo de tipo quase biológica, tão estreitamente conexo em cada uma de suas partes que resulta in- decomponível; ao passo que à noção de estrutura se as- socia, principalmente, a idéia de uma relação entre elementos e, assim se pode considerar a situação de elementos que, pertencentes a uma estrutura, são dela prelevados para se inserirem em outros contextos es- truturais. Uma obra de arte como estrutura constitui um sis- tema de relações entre múltiplos elementos ( o� ele- mentos materiais constitutivos da estrutura-objeto, o sis- tema de referências a que a obra recorre, o sistema de reações psicológicas áue a obra suscita e coordena etc.) 4_ue se constí;ui em diversos níveis (o nível dos ritmos visivos ou son.oros, o nível do enrêdo, o nível dos eonteúdos ideológicos coordenados etc. ) 13. O caráter de unidade dessa estrutura, o que cons- titui a sua qualidade estética, é o fato de ela aparecer, em cada um de seus níveis, oxganizada segundo um processo sempre reconhecível, aquêle modo de f ormar (t3) Para uma noção de obra dc arte como "sístema de estratos", cf. RnNé Wa��eK e Aosrcrr WaeRrrr, Teoria della letteratura e metodo- logia dello studio letterario, Bolonha, I1 Mulino, 1959, em particular o cap XIl, expl3citamente da la�ra de Wellek; o quat, a seguir, se inspíra notòriamente nas experiências do círculo ling�ístico de Praga. Anotação imnortante. dado que, mals adiante, retomaremos a investigação justa- mente nas posiçáes de Roman lakobson. 89 # que constitui o estilo, e em que se manifestam a perso- nalidade do autor, as características do período histó- rico, do contexto cultural, da escola a que a obra per- tence'4. Portanto, uma vez encarada como obra or- gânica, a estrutura permite que nela se identifiquem elementos daquele modo de formar que indicaremos como estilemas. Graças ao caráter unitário da estru- tura, cada estilema apresenta características que o re- associam aos outros estilemas e à estrutura originária, de tal modo que de um estilema se pode inferir a estru- tura da obra completa, ou, na obra mutilada, se pode reintegrar a parte destruída. Na medida do êxito que alcança, uma obra de arte faz escola e gera uma escola de imitadares. No entanto, pode ela fazer escola de duas maneiras: a primeira consiste em propor-se como exemplo concre- to de um modo de formar, inspirado no gual outr� artista pode também elaborar modos operativos pró- prios e originais; a segunda consiste em oferecer a tôda uma tradição de desfrutadores estilemas também usáveis separadamente do contexto original, e todavia sempre capazes de evocar, embora isolados, as características dêsse contexto (quando mais não seja, a título de estí- mulo mnemônico, de forma que quem ilìdividua um estilema gualificado em qualquer outro contexto, é instintivamente levado a evacar-Ihe a origem - carre- gando, sem perceber, o nôvo cantexto de nma parte da i j aprovação tributada ao contexto original) . Nessa série de definições, introduzimas, contuda, I,,.j uma série de noções que nos impedem de considerar uma estrutura artística como um conjunto de relações internas auto-suficientes. Dissemos que a obra coor- � I dena um sistema de referências externas (os significados das palavras significantes de um poema; as referências naturalistas das imagens de um quadro etc. ) ; que co- ordena um canjunto de reações psicológicas dos pró- prios intérpretes; gue conduz, através do seu modo de formar próprio, à persanalidade do autor e às carac- terísticas culturais de um dado contexto; e assim por (14) Para a noção de "modo de formar" valemo-nos da Estetica de Luigi Pareyson. Para as observações seguintes recorremos, em par· ticular, à rica fenomenologia que Pareyson desenvolve (no capitulo Acabamento da obra de arte) sõbre as relações entre as partes de uma obra e o todo' e no capítulo Exemplaridade da obra de arte, no que concerne à possibilidade, típica da obra de arte, de gerar imitação, escolas, normas e modos operativos. 90 #diante. Uma obra é, portanto, um sistema de sistemas, alguns dos quais não dizem respeito às relações formais internas na obra, mas às relações da obra com os pró- prios fruidores e às relações da obra com o contexto histórico cultural de gue se origina. Nesse sentido, uma obra de arte tem algumas características em co- mum com todo tipo de mensagem que se dirija de um autor a um receptor (e que, portanto, não é apenas con- siderada como um fato auto-suficiente, mas deve ser inserida num conjunto de relações). Examinemos, por- tanto, as características da mensagem comunicativa em geral, para depois