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Raça e História - Levy Strauss

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ser tratadas como 
sociedades distintas. Inversamente, sociedades que muito recentemente 
estabeleceram um contato muito intimo, parecem oferecer a imagem de 
uma e mesma civilização, ainda que a tenham atingido por caminhos 
diferentes, que não temos o direito de negligenciar. Operam 
simultaneamente, nas sociedades humanas, forças que atuam em 
direções opostas, umas tendendo para a manutenção e mesmo para a 
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acentuação dos particularismos, outras agindo no sentido da 
convergência e da afinidade. O estudo da linguagem oferece exemplos 
surpreendentes de tais fenômenos. Assim, ao mesmo tempo que as 
línguas da mesma origem têm tendência para se diferenciarem umas 
das outras (tais como o russo, o francês e o inglês), línguas de origens 
diversas, mas faladas em territórios contíguos, desenvolvem 
características comuns; por exemplo, o russo diferenciou-se, sob 
determinados aspectos, de outras línguas eslavas para se aproximar, 
pelo menos por determinados traços fonéticos, das línguas ugro-
finlandesas e turcas faladas na sua imediata vizinhança geográfica. 
 Quando estudamos tais fatos - e outros domínios da civilização, 
tais como as instituições sociais, a arte, a religião que forneceriam 
facilmente exemplos semelhantes - acabamos por perguntar-nos se as 
sociedades humanas não se definem, face às suas relações mútuas, por 
um determinado optimum de diversidade para além do qual elas não 
poderiam ir, mas abaixo do qual também não podem descer sem perigo. 
Este optimum variaria em função do número das sociedades, da sua 
importância numérica, do seu afastamento geográfico e dos meios de 
comunicação (materiais e intelectuais) de que dispõem. Com efeito, o 
problema da diversidade não se põe apenas a propósito das culturas 
encaradas nas suas relações recíprocas, existe no seio de cada 
sociedade, em todos os grupos que a constituem: classes, meios 
profissionais ou confessionais, etc., desenvolvem determinadas 
diferenças às quais cada uma delas atribui uma extrema importância. 
Podemos perguntar-nos se esta diversificação interna não tende a 
aumentar quando a sociedade se torna, sob outras relações, mais 
volumosa e mais homogênea; esse foi talvez o caso da Índia antiga, 
com o seu sistema de castas a desenvolver-se após o estabelecimento da 
hegemonia ariana. 
 Vemos, pois, que a noção da diversidade das culturas humanas 
não deve ser concebida de uma maneira estática. Esta diversidade não é 
a mesma que é dada por um corte de amostras inerte ou por um 
catálogo dissecado. É indubitável que os homens elaboraram culturas 
diferentes em virtude do seu afastamento geográfico, das propriedades 
particulares do meio e da ignorância em que se encontravam em relação 
ao resto da humanidade, mas isso só seria rigorosamente verdadeiro se 
cada cultura ou cada sociedade estivesse ligada e se tivesse 
desenvolvido no isolamento de todas as outras. Ora, isso nunca 
aconteceu, salvo talvez em casos excepcionais como o dos 
Tasmanianos (e ainda aí para um período limitado). As sociedades 
humanas nunca se encontram isoladas; quando parecem mais separadas, 
é ainda sob a forma de grupos ou de feixes. Assim não é exagero supor 
que as culturas norte-americanas e as sul-americanas tenham 
permanecido separadas de quase todo o contato com o resto do mundo 
durante um período cuja duração se situa entre dez mil e vinte e cinco 
mil anos. Mas este grande fragmento da humanidade separado consistia 
numa multidão de sociedades grandes e pequenas, que mantinham entre 
si contatos muito estreitos. E ao lado das diferenças devidas ao 
isolamento, existem aquelas, também importantes, devidas à 
proximidade: desejo de oposição, de se distinguirem, de serem elas 
próprias. Muitos costumes nasceram, não de qualquer necessidade 
interna ou acidente favorável, mas apenas da vontade de não 
permanecerem atrasados em relação a um grupo vizinho que submetia a 
um uso preciso um domínio em que nem sequer se havia sonhado 
estabelecer leis. Por conseguinte, a diversidade das culturas humanas 
não nos deve induzir a uma observação fragmentária ou fragmentada. 
Ela é menos função do isolamento dos grupos que das relações que os 
unem. 
 
 
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O Etnocentrismo 
 
 
 E, no entanto, parece que a diversidade das culturas raramente 
surgiu aos homens tal como é: um fenômeno natural, resultante das 
relações diretas ou indiretas entre as sociedades; sempre se viu nela, 
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pelo contrário, uma espécie de monstruosidade ou de escândalo; nestas 
matérias, o progresso do conhecimento não consistiu tanto em dissipar 
esta ilusão em proveito de uma visão mais exata como em aceitá-la ou 
em encontrar o meio de a ela se resignar. 
 A atitude mais antiga e que repousa, sem dúvida, sobre 
fundamentos psicológicos sólidos, pois que tende a reaparecer em cada 
um de nós quando somos colocados numa situação inesperada, consiste 
em repudiar pura e simplesmente as formas culturais, morais, 
religiosas, sociais e estéticas mais afastadas daquelas com que nos 
identificamos. "Costumes de selvagem", "isso não é nosso", "não 
deveríamos permitir isso", etc., um sem número de reações grosseiras 
que traduzem este mesmo calafrio, esta mesma repulsa, em presença de 
maneiras de viver, de crer ou de pensar que nos são estranhas. Deste 
modo a Antiguidade confundia tudo que não participava da cultura 
grega (depois greco-romana) sob o nome de bárbaro; em seguida, a 
civilização ocidental utilizou o termo de selvagem no mesmo sentido. 
Ora, por detrás destes epítetos dissimula-se um mesmo juízo: é 
provável que a palavra bárbaro se refira etimologicamente à confusão e 
à desarticulação do canto das aves, opostas ao valor significante da 
linguagem humana; e selvagem, que significa "da floresta", evoca 
também um gênero de vida animal, por oposição à cultura humana. 
Recusa-se, tanto num como noutro caso, a admitir a própria diversidade 
cultural, preferindo repetir da cultura tudo o que esteja conforme à 
norma sob a qual se vive. 
 Este ponto de vista ingênuo, mas profundamente enraizado na 
maioria dos homens, não necessita ser discutido uma vez que esta 
brochura é precisamente a sua refutação. Bastará observar aqui que ele 
encobre um paradoxo bastante significativo. Esta atitude do 
pensamento, em nome da qual se expulsam os "selvagens" (ou todos 
aqueles que escolhemos considerar como tais) para fora da 
humanidade, é justamente a atitude mais marcante e a mais distintiva 
destes mesmos selvagens. Sabemos, na verdade, que a noção de 
humanidade, englobando, sem distinção de raça ou de civilização, todas 
as formas da espécie humana teve um aparecimento muito tardio e uma 
expansão limitada. Mesmo onde ela parece ter atingido o seu mais alto 
grau de desenvolvimento, não existe qualquer certeza - tal como a 
história recente o prova - de se ter estabelecido ao abrigo de equívocos 
ou de regressões. Mas para vastas frações da espécie humana e durante 
dezenas de milênios, esta noção parece estar totalmente ausente. A 
humanidade acaba nas fronteiras da tribo, do grupo lingüístico, por 
vezes mesmo, da aldeia; a tal ponto que um grande número de 
populações ditas primitivas se designam por um nome que significa os 
"homens" (ou por vezes - digamos com mais discrição -, os "bons", os 
"excelentes", os "perfeitos"), implicando assim que as outras tribos, 
grupos ou aldeias não participem das virtudes - ou mesmo da natureza - 
humanas, mas são, quando muito, compostos por "maus", "perversos", 
"macacos terrestres"; ou "ovos de piolho". Chegando-se mesmo, a 
maior parte das vezes, a privar o estrangeiro deste último grau de 
realidade fazendo dele um "fantasma" ou uma "aparição". Assim 
acontecem curiosas situações onde os interlocutores se dão cruelmente 
réplica. Nas Grandes Antilhas, alguns anos após a descoberta da 
América, enquanto os espanhóis
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