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Curso de Filosofia Africana 2013

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Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 1 
 
 
 
 
 
 
CADEIRA DE FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (2013) 
Prof. Doutor P. Ezio Lorenzo Bono (também textos de Ricardo Pita) 
 
1. TÍTULO DO CURSO: 
FILOSOFIA AFRICANA CONTEMPORÂNEA 
 
2. OBJECTIVO: Este Curso de Filosofia Contemporânea tem como objectivo a 
introdução do estudante no estudo do pensamento africano, particularmente na análise 
de alguns autores contemporâneos mais significativos. 
Durante o curso, depois de uma introdução geral sobre a história (ou pré-história) da 
filosofia africana, analisar-se-á criticamente a obra de P. Tempels “Filosofia Bantu” 
para passar depois à apresentação do pensamento de dois filósofos africanos da área 
lusófona como Filomeno Lopes, Severino Elias Ngoenha e José Paulino Castiano. 
Uma atenção especial será reservada à análise crítica da obra clássica de Fabien 
Eboussi Boulaga: La crise du Muntu. Authenticité africaine et philosophie. 
 
3. PROGRAMA: - Apresentação do Programa 
1- O debate sobre a existência da Filosofia Africana 
2- Breve história (e ―pré-história‖) da Filosofia Africana 
 3- P. Tempels (Filosofia Bantu) 
 4- F.Lopes 
 5- S.E. Ngoenha 
 6- P. J. Castiano 
 7- F.Eboussi Boulaga 
 8- A metodologia da Sage Philosophy (Odera Oruka) 
 -Anexo (de Ricardo Pita) 
- Paulin Hountondji, Steve Biko, etc 
 - Conclusão 
4. BIBLIOGRAFIA: 
TEMPELS P., Filosofia Bantu, Ed. Medusa, Milano, 2005 
LOPES F., Terzomondialitá. Riflessioni sulla comunicazione interperiferica, Ed. 
L‘Harmattan, Torino, 1997 
- Filosofia intorno al fuoco. Il pensiero africano contenporâneo tra memoria e 
futuro, Ed.EMI, Bologna, 2001 
- Filosofia senza feticci. Risposte interdisciplinari al dramma umano del XXI 
secolo, Edizioni Associate, Roma, 2004 
NGOENHA S., Das independências às liberdades. Filosofia Africana, Edições 
Paulistas, Maputo, 1993 
- Por uma dimensão Moçambicana da Consciência Histórica, Edições 
Salesianas, Porto, 1992 
Universidade Pedagógica/Sagrada Família 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 2 
 - O Retorno do Bom Selvagem, Edições Salesianas, Porto, 1994 
 - Mukhatchanadas, Ed. Escritor, Lisboa, 1995 
 - Identidade Moçambicana: já e ainda não, em Identidade Moçambicanidade 
Moçambizanização, Livraria Universitária Eduardo Mondlane, Maputo, 1998 
- Os tempos da filosofia. Filosofia e democracia moçambicana. Maputo: 
Imprensa Universitária. 2004 
CASTIANO J.P., Referenciais da Filosofia Africana. Em busca da intersubjectivação, 
Ndjira, Maputo, 2010. 
- As Ciências Sociais na Luta contra a Pobreza, Maputo, 2006; 
- con NGOENHA S.E., Pensamento Engajado. Ensaios sobre Filosofia Africana, 
Educação e Cultura Política, Editora Educar, Maputo, 2010 
BOULAGA F.E., Autenticitá africana e filosofia. La crisi del Muntu: intelligenza 
responsabilitá, liberazione, Ed. Marinotti, Milano, 2007 
- Le Bantou Problematique, em SMET, A.J. (ed), Philosophie africaine. Kinshasa, 
1975, I, pp.349-380. 
ORUKA H.O., Sage Philosophy. Indigenous Thinkers and Modern Debate on 
African Philosophy, E.J.Brill, Leiden, 1990, pp.278 
 
 
 
5. DIDÁCTICA: 
As aulas serão dadas em regime de conferência. Possibilidade de seminário em grupo, 
com trabalhos escritos. 
 
6. AVALIAÇÃO: 
Uma avaliação sobre o texto escolhido pelo estudante, entre os propostos na bibliografia. 
Exame final sobre a matéria dada durante o curso. 
 
7. OBSERVAÇÕES. 
Outras informações serão dadas ao longo do curso. 
A frequência é obrigatória pelo menos ao 75% das aulas, pena a impossibilidade de fazer 
o exame. A carga horária é de 4 h/aulas por semana no 1º Semestre, por um total de 64 
h/aulas. O Curso vale 4 CFU (Créditos Formativos Universitários). 
O Prof. atende os estudantes na Terça-feira e Quinta-feira das 11:00 às 12:00, na Direcção 
da Universidade. 
 
 
 
 O DEBATE SOBRE A EXISTÊNCIA DA FILOSOFIA AFRICANA 
 
(Veja apontamentos no fim das apostilas) 
 
 
 BREVE HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA DA FILOSOFIA AFRICANA 
 
(Veja apontamentos no fim das apostilas) 
 
 
 
 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 3 
 
 A “FILOSOFIA BANTU” DE PLACIDE TEMPELS 
 
Placide Tempels foi um missionário franciscano da Bélgica que 
trabalhou vários anos numa missão no Congo belga Dilolo em 
Katanga. Ele foi o primeiro que tentou elaborar uma filosofia africana 
e a sua obra foi o ponto de partida para o desenvolvimento de um 
debate sobre este tema. 
Passamos aqui a analisar a sua obra escrita em 1945 ―Filosofia Bantu” 
(nossa referência será a edição em italiano: Filosofia Bantu, Ed. 
Medusa, Milano, 2005) 
 
1. NA BUSCA DA FILOSOFIA BANTU 
 
Tempels começa o seu livro com uma consideração sobre o facto de que como os europeus, 
nos momentos de dificuldade voltam sempre às suas raízes cristãs, assim os Bantu, nos 
mesmos momentos críticos, mesmo que sejam civilizados e cristãos, voltam às suas raízes 
tradicionais. Isso porque os seus antepassados deixaram soluções práticas aos grandes 
problemas humanos como sobre a vida e a morte, salvação e destruição: ―Nos Bantu e 
verosimilmente em todos os povos primitivos, o sofrimento e a morte são os grandes 
apóstolos da fidelidade à concepção ‗mágica‘ e do recurso às práticas ‗mágicas‘ tradicionais‖ 
(p.35) 
Todo comportamento humano, contínua Tempels, baseia-se sobre princípios e conceitos. Nos 
Bantu também, podemos encontrar um sistema ontológico coerente. Esta ontologia existe, 
mesmo se o Bantu não tem plena consciência e não a consegue explanar. Por isso é 
necessário (por parte do ocidental), ajudar o Bantu a sistematizar a sua ontologia. Negar aos 
Bantu de ter uma ontologia, é negar-lhes de à classe humana. 
Tempels dirige este estudo especialmente aos estudiosos, administradores coloniais, 
―civilizadores‖, e mais ainda aos missionários. Exorta-os a conhecer os Bantu para pode-los 
orientar e não criar dos desenraizados: ―é somente falando dos verdadeiros, bons e sólidos 
costumes indígenas que nós podemos conduzir os Bantu rumo à única e verdadeira 
civilização bantu‖ (p.40) 
Tempels pergunta porque os negros não mudam, porque o negro pagão é estável e muitos 
negros evoluídos e cristãos não? Porque o pagão vive da sua ontologia e teodicéia que resolve 
todos os problemas da sua vida. Abandonar a sua ―filosofia‖ para o Bantu, seria como 
suicidar-se. Nada e ninguém os libertou da sua filosofia: ―Quantos civilizados, ou negros 
verdadeiramente evoluídos, poderíamos contar entre os Bantu?‖. (p.41) A maioria ficou 
Muntu, apesar a tentativa de esconder-se imitando os brancos. De quem é a culpa, pergunta 
Tempels? Nossa (missionários, administradores, etc.) que nunca penetramos profundamente 
na alma dos negros. Quando ridiculizamos os seus costumes, matamos o ―homem‖ nos 
Bantu. Aquilo que nós consideramos incompreensível, para os Bantu é deduzido logicamente 
da sua ontologia (por ex. não adianta tentar convencer os Bantu que a morte de uma doença é 
devida á tal doença, pois eles já têm a sua explicação). 
Mas estes princípios primeiros entram no campo da filosofia? O conceito primeiro intelectual 
do ser, da existência e daquilo que existe verdadeiramente não é ontologia ou ciência do ser? 
Podemos falar de uma filosofia bantu? 
Tempels responde que os Bantu não são primitivos puros, pois já têm uma evolução (por ex. 
eles têm o culto para com um ser supremo). O nosso autor afirma que não os negros, mas os 
brancos devem aprender a pensar mais filosoficamente: ―Sem penetração filosófica a 
etnologia não é que folclore‖ (p.47) 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 4 
Depois destaspremissas, Tempels passa a expor a filosofia bantu‖que talvez é a filosofia 
comum a todos os primitivos, a todos os povos clânicos‖ (p. 49). 
 
 
2. A ONTOLOGIA DOS BANTU 
 
Tempels adverte que necessariamente no seu discurso deve recorrer à terminologia filosófica 
ocidental. Mas afirma também que ―o presente estudo não pretende ser mais do que uma 
hipótese, uma primeira tentativa de desenvolvimento sistemático de uma filosofia bantu‖ 
(p.51). 
Sobre o método pergunta: como justificar a objectividade da exposição da filosofia bantu? O 
método que seguiu foi da confrontação das linguagens, comportamentos, instituições e 
costumes bantu, para analisá-los, isolar as ideias fundamentais e construir assim um sistema 
de pensamento bantu. Primariamente Tempels apresenta a sua hipóteses completa que depois 
quer provar através dos factos levantados. Ciente das suas limitações, Tempels convida 
outros estudiosos a prosseguir os estudos, porém pede antes de poder explanar as suas teses 
(convida a fazer como os negros, que numa disputa nunca interrompem que está a falar). 
A concepção da vida dos Bantu é centrada num só valor: o vigor da vida. O valor supremo é a 
Vida. Todas os cultos e magias dos Bantu visam a afirmação da Vida, os remédios é para 
recuperar a força; Deus é o vigoroso; todos os seres possuem uma força vital que é dada por 
Deus, felicidade suprema é ser vigoroso e a pior desgraça é perder este vigor. Os negros não 
se convertem nem abandonam as práticas mágicas porque significaria afastar-se da força 
natural que dá vigor à vida. 
Noção fundamental do conceito do ser é o conceito de ―força vital‖. O conceito de ser da 
metafísica ocidental é algo de estático, não inclui a noção de força, pois ela é vista como um 
acidente do ser. Ao contrário, o pensamento primitivo acentua o aspecto dinâmico do ser. O 
que é o ser para os Bantu? É o que possui força, ou melhor, o ser é força. A força não é um 
atributo que vem de fora, não é um acidente. Para os ocidentais o ser ´‖aquilo que é‖, para os 
Bantu ―a força que é‖. Onde os primeiros pensam no conceito ―ser‖ os segundos se servem 
do conceito ―força‖.(p.60) 
Para os Bantu existem muitas forças, diferentes entre elas, visíveis (materiais) e invisíveis 
(natura intrínseca do ser). A Muntu é excelência do ser; Deus é o grande Muntu; as coisas são 
forças inferiores. A força (o ser) ode crescer ou diminuir (Tempels vê aqui um nexo com 
aquilo que a teologia católica diz a respeito da ―graça‖). As forças podem interagir entre elas. 
Esta inteiração das forças é dita Magia. Estas forças são dadas por Deus ao homem através da 
natureza. Existe uma hierarquia das forças: Deus que cria; o homem (antepassados dos 
diferentes clã; outros defuntos); terra (homens, animais, plantas). Dentro cada classe de 
forças há uma ulterior hierarquia. Todas as forças estão relacionadas aos homens viventes, 
que são o centro de toda humanidade, inclusive do mundo dos defuntos. Existem depois leis 
que regulam estas forças: um ser inferior nunca pode influenciar um ser superior. (Os Bantu 
contestavam quando os administradores nomeavam chefes não aceites por eles) 
 
3. A SABEDORIA E A DOUTRINA DOS BANTU. 
 
O que é a sabedoria bantu? ―A sabedoria é a visão mais profunda na natureza dos seres e das 
forças. A verdadeira sabedoria é o conhecimento ontológico‖ (p.73). Deus é o sábio por 
excelência porque conhece todos os seres, possui a força e é criador de todas as forças. 
Depois vêm os antepassados. Os primogénitos, os anciãos. Os jovens não sabem nada. ―A 
sabedoria dos anciãos ultrapassa aquela dos outros homens‖ (p.74). Os jovens podem até 
Agostinho
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Agostinho
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Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
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aprender muitas coisas mas isso não é sabedoria, ou seja inteligência acerca da natureza dos 
seres. 
A doutrina dos seres é conhecida universalmente nos Bantu. Cada Bantu conhece a sua 
filosofia das forças. Esta filosofia é aceite por todos e nunca questionada. 
Esta filosofia se fundamenta sobre a evidência externa e interna. Os antepassados sempre 
tiveram esta filosofia conseguiram conservar a comunidade dos Bantu até agora. Além disso, 
esta filosofia responde a todas as questões da vida. Quando não há solução é porque a força 
empobreceu-se ou foi-se embora. 
Os Bantu distinguem os conhecimentos filosóficos das ciências naturais. A diferença que 
existe na filosofia ocidental entre as ideias fundamentais/transcendentais e conhecimento 
concreto dos seres naturais existe também na filosofia bantu. Se os princípios da filosofia 
Bantu são comum a todos os Bantu, a sua aplicação difere de tribo em tribo (Tempels 
individua em seguida três princípios que regram a busca e conhecimento das forças 
concretas). 
A filosofia bantu tem princípios ontológicos imutáveis. Mesmo que passa a agir 
concretamente, os Bantu o fazem segundo a sua filosofia das forças: tudo aquilo que realizam 
ou conseguem é graças às forças vitais. ―Não há neles um campo reservado à filosofia das 
forças ao lado de um campo onde jogam os conhecimentos críticos‖ (p.87) 
Aquilo que se chama magia é conhecimento das forças. 
Um sistema filosófico pode ser ―crítico‖ mesmo que se prova que é falso. Se não, haveria 
uma só filosofia e as outras não poderiam serem chamadas assim. 
Não há algo que dá resultado diferente do esperado: os Bantu justificam isso segundo os 
próprios princípios ontológicos (por ex. Quando um remédio não é eficaz, é porque perdeu a 
sua força!). 
 
4. A DOUTRINA DO MUNTU E A PSICOLOGIA DOS BANTU. 
 
Tempels passa a estudar a psicologia Bantu ―que existe no espírito bantu, e não aquela que 
resultaria da observação dos Bantu por parte dos europeus‖(p.91). 
Não se deve procurar vocábulos correspondentes aos nossos, pois seria pensar que os bantu 
dividem o homem como fazemos nós, em corpo e alma. Precisa partir fazendo uma tábua rasa 
para chegar talvez a uma diferente concepção de homem. A psicologia bantu é consequente à 
filosofia bantu. Muntu = força vivente, força pessoa, superior a outros seres. Tempels diz que 
como os ocidentais não podem dizer muita coisa sobre o que é a alma, o espírito, etc., assim 
não podemos exigir que os Bantu expliquem o que é muntu. Como a filosofia ocidental é 
aproximativa (por ex. sobre o que é o ser?), assim também a dos Bantu. 
O homem é a força mais vigorosa entre as forças criadas, e ―regula‖ as outras forças viventes. 
Isso porém só diz algo respeito à sua relação mas não à sua natureza. 
A força vigorosa do muntu pode aumentar ou diminuir até desaparecer (por ex. os defuntos 
que não têm mais nenhuma força de relação entre os vivos). 
O nome ou o indivíduo. Depois de ter visto o ser humano em geral, Tempels analisa como os 
Bantu compreendem o homem concreto, o indivíduo determinado. 
Cada indivíduo é um desconhecido para o outro, mesmo para o amigo mais íntimo. Só os 
adivinhos podem ver! 
Um indivíduo pode ser conhecido pelo nome, que exprime a natureza do ser. O nome 
indígena designa de facto o que ele é, e não como é chamado. Pode ter mais nomes: 1. o 
nome vital (que nunca se pode mudar); 2. nome dado ou adoptado (por ex. devido a cargos 
assumidos); 3. nome que cada um se atribui (e que se pode mudar). 
No indivíduo que nasce, ―renasce‖ um dos antepassados (xará). 
 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 6 
5. ÉTICA DOS BANTU. 
 
As normas do bem e do mal, ou a ética objectiva. 
Como todos os primitivos (ou semi-primitivos), os Bantu apelas à sua ontologia, filosofia e 
teodicéia, para elaborar princípios e normas do bem e do mal. 
Tempels pergunta: os Bantu têm noção do bem e do mal? (p.106) 
Há quem diz que não! O furto não é considerado mal, basta somente não ser preso! A mentira 
ou engano é sinal de fineza de espírito;o adultério não é imoral: se for apanhado tem que 
pagar a ―indemnização‖. 
Tempels porém não concorda com esta análise pois todos os males acima referidos, são 
condenados pelos Bantu. Eles condenam a poligamia, o matrimónio entre adolescentes, 
abusos sexuais. ―Em suma conhecem e reconhecem a lei natural, formulada no Decálogo‖ 
(p.107). 
Tempels conclui que sem dúvida os Bantu têm noção de bem e de mal (por ex. se os anciãos 
se queixam de que os bons e velhos princípios se perdem, é porque têm noção de bem). 
A moral objectiva para os negros é uma moral ontológica, imanente e intrínseca: ―a moral 
bantu depende da natureza dos seres, é fundada sobre a ontologia‖ (p.109). 
Reconhecem uma ordem natural: os actos que a respeitam são bons, os que a negam são 
maus. Tudo o que ―obscurece ou diminui a força vital ou a hierarquia vital do muntu é mau‖ 
(ibidem). 
Também o direito ou a política são bons ou maus na medida que é a favor ou contra à ordem 
ontológica e à moral ontológica. 
O homem bom e o homem mau, ou a ética subjectiva. 
Depois das normas objectivas, Tempels passa a analisar o comportamento moral do muntu 
como indivíduo. 
Para os Bantu há homens perversos, com uma maldade sem atenuantes, total, absoluta. Neste 
caso se diz deste indivíduo que a maldade apossou-se dele. Estes perversos podem influenciar 
outros em modo nefasto. 
Há depois homens que fazem o mal por instigação ou porque provocados: trata-se de homens 
que cometem erros, não de homens perversos. Neste caso não se diz que a maldade apossou-
se dele. A cólera que se sente deve ser passageira e depois voltar ao normal. Se ele continuar 
na cólera então neste caso a maldade apossou-se dele, e não pode mais ser desculpado. 
Há erros inconscientes: alguém que se ter consciência provocou a morte ou doença de 
alguém, e vem condenado por isso. Mesmo sem ter feito nada este indivíduo condenado 
aceita a pena com resignação (Tempels sublinha que isso é inexplicável para um europeu). 
Para os Bantu é possível ser causa de algo, mesmo sem ter consciência disso. 
Em conclusão: os Bantu têm clara consciência moral; sabem quais são os deveres em relação 
ao clã e aos estrangeiros. Estes deveres mudam conforme o papel que cada um exerce na 
comunidade. 
 
6. A RESTAURAÇÃO DA VIDA. 
 
Diante do mal os Bantu apelam-se a Deus para a reparação final. 
Os anciãos mantêm a ordem usando a arma do anátema, ou o retiro da influência vital 
proveniente da paternidade. Apesar do mal, a força vital tem os meios para restaurar a vida e 
o direito. 
Em que consiste o mal? O mal é o atentado contra a força vital. É mal quando um membro 
menor da família toma decisões autónomas ou recorre à justiça dos estrangeiros. 
Cada atentado à vida humana é um mal infinito. Não pode ser reparado somente com a lei do 
talião. O direito primitivo é mais um direito das pessoas que dos bens. Quando um Bantu 
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Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 7 
recebe uma ajuda ele afirma que foi salvado ou liberto. Ser salvo implica então restituir 10 
vezes tanto quanto foi dado (Tempels interrogando os ancião a propósito disto que 
considerava uma exploração ou usura, recebeu como resposta: ―Mas ele não foi salvo?‖). 
Tempels cita mais um exemplo de alguém que tinha em custódia um cabrito de dono, e pelo 
facto que o cabrito foi morto por outros animais, teve que devolver 3 cabritos e mais 100 
francos ao dono, para reparar à dor provocada. Deve-se reparar o torto dado e não tanto o 
dano económico. E quem determina o valor da reparação não é o juiz mas o lesado. O juiz só 
pode confirmar quanto o lesado determinou. 
Os tortos contra as forças superiores (Deus, antepassados, progenitores) são desordem 
ontológica, um atentado contra a hierarquia da vida. 
Os antepassados nunca podem prejudicar a sua descendência. Mas os primogénitos e chefes 
dos clãs podem colocar em perigo a força vital do clã. 
Entre Deus e o homem não há nenhum contrato (aliança), pois a criança (o homem diante de 
Deus) não pode fazer um contrato com o pai. A reparação é reconhecer (através de ofertas ou 
outro) o nível superior dos antepassados. 
Um ―superior‖ (ex. o pai) pode prejudicar um ―inferior‖ (ex. o filho) diminuindo a força vital 
dele e expondo-o assim a influências nefastas. Para restaurar a ordem precisa revogar a 
maldição (depois da confissão do erro do inferior) através da bênção. 
Os antepassados não podem ser desprezados. Os defuntos ―ordinários‖ são esquecidos. Há 
defuntos maus, ou seja os que atentaram à vida do clã. Um defunto mau é injuriado e a sua 
força vital neutralizada para sempre, e nunca mais poderá comunicar com alguém. Deste 
modo a ordem e a vida são restaurados. Há outros defuntos que fazem ―contratos‖ com os 
vivos: a observância deste contrato rompe-se quando um dos dois contratantes não observa o 
contrato. 
As perturbações ontológicas ou vitais que danificam a vida, podem ser reparados com a 
eliminação da maldade intrínseca, através qualquer meio (morte, cremação do corpo, etc.). 
Eis em sínteses as ―reparações‖: maldição> revoga através da bênção; feitiço> sua 
neutralização; desgraça lançada> retratação da intenção maligna. Há influências negativas 
inconscientes. Os Bantu podem perturbar a ordem ontológica sem saber. O torto deve ser 
reparado através uma série de ritos e abluções, pena a chegada de uma desgraça. 
 
7. A FILOSOFIA BANTU E NÓS, OS CIVILIZADORES. 
 
Tempels diz que se esta filosofia for confirmada, precisa rever toda a atitude dos brancos em 
relação aos negros. Estes últimos eram considerados selvagens, animais. Os negros são 
homens, que se erguem sobre os europeus ―ingénuos‖, pois os negros já possuíam uma 
concepção mais pura e elevada de um Deus único. Os educadores (brancos) consideravam 
ingénuos os costumes dos negros, tidas como crianças. Na realidade trata-se de uma 
humanidade adulta. 
Mas como civilizar estes negros adultos? Antes de mais nada os negros devem construir a 
sua civilização sobre a sua sabedoria, onde existe necessariamente um núcleo de verdade. 
Nunca mais minar os seus fundamentos; amá-los assim como eles são; valorizar o que é 
válido. 
Mas em que consiste a civilização? Será em melhorar as condições económicas? Não. È 
necessário visar o homem, é ter uma concepção inteligente do mundo e da vida, ter um 
sentido. (―Como pretender imaginar uma civilização sem filosofia, ideais e aspirações 
superiores?‖ p.147). 
Como deve comportar-se o civilizador branco? Não pode privar as raças primitivas das suas 
verdades, pois seria atacar a sua humanidade. Aliás precisa aprofundar a sua filosofia (os 
negros ―evoluídos‖ são desenraizados). 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 8 
Sobre esta sabedoria se pode implantar a civilização dos Bantus? Nem todos os ritos e 
costumes são autênticos: por ex. alguns remédios ao longo do tempo não eram mais remédios 
naturais (ervas médicas), mas foram transformados em poções mágicas artificiais. Os 
mesmos Bantu reconhecem que muitas vezes há abusos. 
Tempels conta que Os Bantu olham os brancos partindo da própria ontologia, e os vêem 
como ―seres dotados de grande força vital‖, e querem tomar parte desta. 
O cristianismo fracassou na sua evangelização dos Bantu? Isso depende de algo inerente ao 
cristianismo? Ou do método de evangelização? Ou dos Bantu que não são aptos a serem 
civilizados? (Quem pensa neste último caso, Tempels o aconselha de voltar para a Europa). 
Para Tempels o cristianismo coincide perfeitamente com as aspirações dos Bantu. A doutrina 
cristã da graça é reforço à vida (há aqui uma analogia surpreendente com a ontologia dos 
Bantu). Tempels afirma que ―o cristianismo, especialmentena sua forma mais alta, mais 
espiritualizada, constitui a única realização possível do ideal bantu. ... A civilização bantu ou 
será cristã ou não será‖ (p.156). 
A força vital dos Bantu é algo somente de terrestre? Para Tempels os Bantu aspiram a um 
―reforço vital infinito‖: os Bantu reconhecem uma ―saudade‖ indefinida, uma melancolia, 
uma insatisfação no coração. 
 
8. PERORAÇÃO PARA A FILOSOFIA BANTU. 
 
A “filosofia bantu” é fiel aos pensamentos dos Bantu? Tempels apresenta quatro ―provas‖. 
1. A hipótese é fiel porque baseia-se sobre factos. Ele partiu de uma hipótese (que de facto é 
uma conclusão, depois de ter observado os factos) e depois deu factos como provas a 
fundamentar esta teoria. 
2. A teoria das forças vitais é aplicável aos factos. A hipótese pode ser sintetizada assim: a) a 
natureza do ser é considerada como força; b) o ser pode crescer e diminuir;) um ser pode 
influenciar outro ser: fortificá-lo ou diminui-lo; d) os seres são ordenados (hierarquia). Estas 
características podem ser encontradas não somente em todas as tribos dos Bantu, mas de 
todos os primitivos (os indianos de América comiam o coração dos brancos para apossar-se 
da sua força vital). 
3. O testemunho dos europeus. Tempels afirma que muitos europeus (etnólogos) partindo de 
tribos e lugares diferentes, chegaram a mesma conclusão, sem comunicarem entre si. 
4. Por fim Tempels cita as reacções dos mesmos Bantu que se reconheceram nestes discursos 
sobre a força vital. 
Finalmente Tempels indica como deve ser reformulada a evangelização a partir desta teoria 
da força vital: apresentar os dez mandamentos como protecção e fonte d vida; os Sacramentos 
como garantia de vida; etc. 
Entre as várias objecções à sua obra, Tempels considera digna de atenção somente aquela que 
questiona se os Bantu além da ideia de força vital (considerada como acidente pelos 
europeus) não têm uma ideia de ser? Responde que ―conhecer a força de um ser o conhecer o 
ser é a mesma coisa‖ não podem ser separadas as duas coisas (p.179-180). 
 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
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 A “COMUNICAÇÃO INTER-PERIFÉRICA” DE FILOMENO LOPES 
 
 
No nosso curso de Filosofia Africana 
Contemporânea quisemos dedicar atenção 
particular à área linguística lusófona, geralmente 
pouco presente no debate continental, no qual os 
colossos são os filósofos da área anglófona e 
francófona. O meu interesse por estes autores 
deve-se não apenas ao facto de viver e trabalhar 
num país lusófono há anos, o que me permite 
conhecer bem tal problemática, mas move-me, 
sobretudo, o desejo de fazer justiça aos seus 
pensamentos interessantíssimos e originais, muitas 
vezes pouco explorados. Se a filosofia africana em si sofre uma grande discriminação a nível 
internacional, os filósofos da área lusófona a sofrem duplamente, não apenas por serem 
africanos, mas também por pertencerem a um grupo linguístico minoritário. 
 
Filomeno Lopes é um filósofo da Guiné Bissau, que publicou vários livros na Itália. Entre os 
seus textos mais originais focalizamos a atenção em Terzomondialitá. Riflessioni sulla 
comunicazione interperiferica (Terceiromundialismo. Reflexões sobre a comunicação 
interperiferica).
1
 O estudo deste texto torna-se importante para o nosso tema pois, como diz 
Robert A. White na introdução, ―The question of how we can arrive at some public consensus 
is inevitably pusher back to the criteria of truth based on some epistemology and eventually 
back to a conception of the person and the conception of existence‖.
2
 
Lopes abre o seu livro com a proposta de superar a etnofilosofia, focalizando a reflexão 
africana no fenômeno da comunicação. 
O muntu – literalmente traduzido pelo autor como ―pessoa humana‖, ou ―il soggetto 
dell’africanità profonda, alla ricerca della sua storicità e della sua liberazione‖
 3
 - encontra-
se diante de dois problemas: por um lado, fazer sobreviver a tradição e, por outro, o conflito 
contra a modernidade ocidental que invade a África e a vida do muntu.
4
 A modernidade 
alterou os sistemas éticos em vários campos (familiar, sexual, político, comunicativo, etc.), a 
tal ponto que o muntu, ―sradicato dai ritmi della vita tradizionale […] ha necessariamente 
bisogno di reinventare i propri costumi, per riguadagnare la gioia di vivere e di sperare, nel 
pieno rispetto dei valori inalienabili della vita e quindi anche della possibilità di morire 
poveri dignitosamente. Ciò richiede una nuova prospettiva filosofica, orientata sulla 
comunicazione a livello continentale‖.
5
 O projeto de Lopes se materializa numa filosofia 
africana centrada na comunicação, em busca das condições de possibilidade para uma era da 
terceiramundialidade, de redescoberta do Outro e da indentidade e libertação da Periferia do 
jugo do Centro. Portanto, o problema fundamental é o da comunicação interperiférica. Uma 
tarefa da qual a África, ―berço da humanidade‖, não pode eximir-se, pois tem na 
comunicação um elemento fundamental. A África deve apresentar-se diante da ―totalidade‖ 
como um partner de igual dignidade, superando a lógica da prevaricação com a lógica 
 
1 LOPES F., Terzomondialità. Riflessioni sulla comunicazione interperiferica, Ed. Harmattan Italia, Torino, 1997. 
2 "A questão de como podemos chegar a algum consenso público é, inevitavelmente voltar para os critérios de 
verdade baseados em alguma epistemologia e, eventualmente, voltar a uma concepção da pessoa e a concepção 
da existência" (TdA), Ivi, p. 11 
3 Ivi, n.1, p.25 
4 Ivi, p. 19 
5 Ivi, pp. 24-25 
Agostinho
Highlight
Agostinho
Highlight
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 10 
comunicativa.
6
 Trata-se precisamente da questão ética.
7
 O respeito da alteridade insere a 
África num pós-modernismo mais aberto ao rosto do outro. Lopes lamenta o facto de as 
periferias do mundo se abrirem unidirecionalmente ao ocidente, sem relação entre si.
8
 Faz-se 
necessária uma pedagogia da libertação a nível da base, que possa favorecer uma 
comunicação interperiférica mais autêntica. Nem o sosicalimo (coletivismo), nem o 
captalismo (individualismo) favorece a comunicação, apenas uma ―democracia social, 
espiritual e cósmica‖ e uma humanidade que inclua a beleza e o fêminino. Não uma 
civilisation universelle, mas uma Civilisation de l’Universel (Senghor). Precisamente ―spetta 
al filosofo della Periferia del mondo ricercare le basi per una comunicazione interperiferica, 
condizione per costruire la terzomondialitá. Egli deve però essere un intellettuale organico, 
un militante impegnato in prima linea, sensibile ai problemi della quotidianità e capace di 
proporre un’alternativa concreta attraverso il suo modo di pensare, di scrivere, di parlare‖.
9
 
O filósofo, escreve Lopes, deverá levar a cabo esta tarefa interdisciplinarmente, também em 
colaboração com as religiões e com a teologia. Cabe à filosofia africana repropor um discurso 
filosófico sobre a comunicação interperiférica, sobre a identidade histórica da libertação, 
sobre a necessidade de uma cultura da terceiramundialidade como um espaço de encontro 
entre as periferias e o Centro. 
Lopes questiona-se sobre a possibilidade de uma comunicação autêntica entre as periferias 
paralizadas por problemas económicos e sócio-políticos. Avista uma possível solução 
referindo-se à ética da comunciação cristã, para a qual comunicar não é apenas a transmissão 
de informações, mas libertar o outro, sem discriminação, favorecendo uma comunhão que 
―educa alla capacità di sguardi incrociati, dalla quale nasce finalmente l’amore foriero di 
una verità che ci rende liberi e di una libertà capace di verità, quindi credibile‖.
10
 Deve 
tratar-se de uma liberdade passível de materialização, concreta.Para Lopes, o cristianismo 
possui esta cocnreteza porque crê em Deus que se fez carne: o bem não deve ser invetado ou 
programado, apenas concretizado, porque já se encontra escrito no envagelho. Dos olharess 
cruzados deve-se passar à vivência encruzilhada: o rosto do outro me interpela, a sua vida ou 
morte me interpela. Para o comunicador cristão, o outro não é objecto da informação, mas 
alguém que espera uma palavra de vida. 
Lopes considera fundamental o estudo das religiões em África. Propõe uma releitura da 
história da igreja, na qual a igreja da África não pode mais ser encarada como um simples 
apêndice colonial. Esta igreja pobre encontra-se num lugar privilegiado (Bem aventurados os 
pobres...) e junto a outras religiões (que no passado contibuiram para a divisão do mundo e da 
periferia) deve procurar uma nova ―espiritualidade comunicativa‖ (nova relação com Deus) 
que coloque todos os homens em comunicação entre si. É necessário, antes de mais, um 
esvaziamento, para tornarem-se vasos capazes de receber sem discriminação. 
Lopes retoma a ideia africana de muntu, introduzida na filosofia africana por Tempels. O 
Muntu é ―l’essere della personalità africana nel suo rapporto con Dio e il mondo e 
soprattutto nell’interazione delle forze vitali‖.
11
 Com Eboussi–Boulaga o termo muntu deixa 
o contexto linguístico-etnológico e torna-se um protagonista histórico em busca da sua 
dimensão e libertação, ―diventa un soggetto storico alla ricerca di uno sviluppo equilibrato 
ed armonioso, attraverso il dialogo tra l’eredità tradizionale e la modernità coloniale e post-
 
6 Ivi, p.27 
7 Lopes retoma as ideia de “alteridade” e “identidade” de Dussel. 
8 Segundo Lopes, a União Africana é algo impontente; a união dos tólogos do terceiro mundo (EATTW) é algo 
de vago e intelectual. Subsiste ainda a desconfiança dos países africanos uns contra os outros, quando, por 
exemplo, nos aeroportos africanos o controlo é mais severo no confronto dos africanos e não dos estrangeiros 
de outros continentes. 
9 Ivi, pp. 32-33 
10 Ivi, p. 36 
11 Ivi, p. 43. 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 11 
coloniale‖.
12
 O muntu deve ser contextualizado na sociedade onde partecipa na contrução de 
um nós-juntos (a sociedade tradicional) que se espelha no agir comunicativo do muntiu no 
seio da modernidade. Partindo do muntu se busca a definição do outro, na encruzilhada do 
―cara a cara‖ do ―nós-juntos‖ histórico.
13
 Sem comunicação não existe vida vivida: é o único 
modo, defende Lopes, que temos para realizarmo-nos como seres humanos. Percebendo 
provavelmente o carácter retórico do seu discurso, Lopes conclui que ―bisogna passare alla 
ricerca delle condizioni per la fondazione di un discorso sulla comunicatività e sulla 
relazionalità, che possa attingere all‘oceano chiaro e immenso del concetto di muntu‖.
14
 
O muntu é sempre relação: um muntu solitário é um louco ou bruxo, e em todo o caso é um 
perigo. A solidão é a-graça (falta de graça). Em África a hospitalidade é algo de sacro, é 
abertura ao outro, algo que cria harmonia e paz.
15
 
O muntu é autónomo mas sempre em relação com o outro, com Deus, etc., em comunicação, 
porque sem comunicação não há vida humana. No centro da palavra muntu reside 
exactamente a relação e a comunicação. Por isso, em tal palavra se deve procurar o 
fundamento de um discurso sobre a comunicação e a relação.
16
 O valor da relação, o nós-
juntos, mantém a reciprocidade, sem dissolução de um no outro, mantendo a própria 
autonomia. É reconhecr o outro igual a mim, é respeito pelo outro. Uma pequena falta de 
respeito pode comprometer toda uma série de relações. Receber o outro como pessoa humana 
igual a mim -acolhida- doar ao outro -hospitalidade-. A hospitalidade é uma obrigação, e se 
não se cumpre podem existir perigos de vingança da parte da família, da região ou etnia. 
O primeiro espaço de comunicação do muntu é a família, no seio da qual aprende a amar e 
comunicar, a reconhecer a vida dos outros e a ser reconhecido. ―Il tu che scopre l‘amore e il 
rispetto è il luogo dove l‘ in-sé, la trascendenza e il valore dell‘essere sono originariamente 
percepiti. L‘io sono si scopre nella sua densità a partire dal tu sei, non tanto a partire da te che 
io amo e rispetto, quanto da te che mi ami e rispetti‖.
17
 Eu, tu, formamos o nós-juntos que é o 
lugar da manifestação e da verdade libertadora. Por isso apenas na comunciação temos o 
único modo de realização humana autêntica. 
 
O tema do feminino é central: a integração da Periferia na era do terceiromundismo passa 
necessariamente pela integração do feminino na história, até então construida sobre o 
machismo. Quem pretende ganhar, emergir (seja homem ou mulher) deve fazê-lo 
desenvolvendo sempre características masculinas, ser forte, calculista, ―monstro‖. Se a 
mulher pretende impor-se deve ambandonar a sua feminilidade. A força vital foi 
erroneamente indetificada com a masculinidade. Na verdade, reconhecer os próprios limites, 
a capacidade de ternura, etc., não são sinais de fraqueza, mas de grande força vital. Lopes 
propõe o modelo dos ―monges-guerrilheiros‖, uma fusão entre masculinidade e 
feminilidade.
18
 
Segundo Lopes, a tradição africana pode dizer algo acerca do feminino. A África foi criticada 
e agitada por feministas ocidentais que pretendem exportar o seu modelo de virilidade no 
mundo, em nome da emancipação e da liberdade. Lopes continua afirmando que ―la 
 
12 Ivi, p. 44. 
13 Cfr. Ibidem. 
14 Ivi, p. 45 
15 Como é que isto se concilia com as guerras tribais que ensaguentam a África? As guerras devem-se, no 
parecer de Lopes, à perda dos valores tradicionais. 
16 Lopes critica Tempels por ter reduzido a relação do muntu com “força vital” apenas ao aspecto activo. 
17 Ivi, p. 50 
18 Lopes propõe como modelo a figura de Jesus Cristo e critica a Igreja porque muitas vezes na educação 
obrigou a eliminar o feminino que existe em cada pessoa. Cfr. Ivi, p.57 
Agostinho
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Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 12 
liberazione della donna è la liberazione dell‘uomo stesso come persona‖. 
19
 O homem sem a 
mulher reduz-se a nada e vice-versa. 
A África – berço da humanidade – deve oferecer à terceiromundialidade a sua vocação para a 
feminilidade, obolindo os costumes tradicionais contrários a esta vocação. Quanto à 
poligamia, Lopes afirma que nunca foi institucionalizada
20
, trata-se de um acordo entre o 
marido e a sua primeira esposa. De facto, a única cerimónia de matrimónio é com a primeira 
esposa, com as demais apenas consuma-se um pequeno rito do qual toma parte um pequeno 
grupo de pessoas. A poligamia surge na África num período de decadência, e não faz sentido 
algum, insite Lopes, pretender institucionalizá-la agora, pois ―fa parte di quei costumi che 
l‘Africa deve avere il coraggio di seppellire‖.
21
 
O lobolo (dote) deve ser algo por redecobrir a manter, como ―unidade sacramental‖. O 
comércio actual das mulheres ―loboladas‖ não tem algum fundamento histórico e sociológico 
na tradição africana. Perante a hodierna ―despersonnalisation‖ da mulher afriana (E. Mveng) 
urge uma ―repersonnalisation‖ do muntu. Uma reeducação do muntu para redescobir a sua 
dimênsão de feminilidade será de grande ajuda na aceleração do processo de libertação da 
mulher. Insistir na paridade é ainda uma consequência do machismo: é necessário educarar o 
homem como sojeito de masculinidade e feminilidade. A filosofia africana deve ajudar a 
mulher a viver a sua feminilidade. 
Lopes passa a tratar o tema da ―filosofia da recepção‖ que parte da maravilha perante o 
mundo e não de pressupostos racionalistascomo o cogito ergo sum da ―filosofia da 
aquisição‖. No diálogo com a filosofia europeia, Lopes pivilegia a filosofia de Kierkegaard, 
que se inspira na maravilha socrática, na qual a ―liberdade-libertação‖ apenas pode ser 
provada, mas não conhecida. A África deve libertar-se do ―monstro‖ ocidental, diante do qual 
se vende a si mesma para parecer um país ―ok‖.
22
 A África deve simplesmente ser ela mesma, 
sem depender de ninguém e sem procurar continuamente a aprovação da parte do Centro. 
Quando a África é ela mesma impõe-se mundialmente, tal como aconteceu com a música, 
arte, etc. 
 
Na segunda parte do seu livro, Lopes trada do Sínodo Africano partindo da reflexão filosófica 
africana. Lamenta que o Sínodo não tenha tratado de teologia africana e, pior ainda, de 
filosofia africana. O tema da comunicação foi reduzido à questão dos meis de comunicação 
social. Ainda assim, o Sínodo resultou numa experiência de comunicabilidade eclesial. Lopes 
exorta a igreja a operar a passagem da Babel à Pentencostes, através do ecumenismo e do 
diálogo inter-religioso. O Sínodo foi um exemplo de comunicação para a 
terceiramundialidade. Todavia, a igreja deve favorecer os encontros com as outras periferias 
do mundo. Lopes propõe um Sínodo dos bispos de todas as Periferias. No epílogo fala 
igualmente de uma filosofia da libertação que saia da América Latina e envolva toda a 
Periferia. O primeiro tema a tratar será o da comunicação interperiférica. Os interlocutores 
deste diálogo devem ser filósofos africanos e não norte-americanos ou europeus. Os filósofos 
ainda trabalham isoladamente, enquanto os teólogos já formaram a Associação Ecuménica 
dos Teólogos do Terceiro Mundo. Do mesmo modo, faz-se necessária uma Associação dos 
Filósofos da Periferia que trabalhe pela Autonomia cultural dos respectivos povos e educar à 
consciência de ser verdadeiros sujeitos históricos. O filósofo deve ser um militante, ajudar o 
 
19 Ivi, p. 59. 
20 Salvo o caso dos reis muçulmanos. 
21 Ivi, p. 63. 
22 Cfr. P. 72. 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 13 
povo no seu processo de libertação. É prcisamente nesta linha, conclui Lopes, que deve 
orientar-se o discurso da filosofia da comunicação em África, partindo da tradição.
23
 
 
Lopes escreveu numerosos outros textos nos quais se confronta com o pensamento dos vários 
filósofos africanos. Em vista do nosso objectivo, parece-nos mais útil uma alusão a um livro 
de título muito curioso: E se l’Africa scomparisse dal mappamondo? Una riflessione 
filosofica
24
 
É o último esforço literário de Lopes, sempre empenhado em colocar o pensamento filosófico 
africano a pleno direito no actual panorama cultural a nível mundial. A tese que se propõe 
ilustrar neste texto é o processo de renovamento e renascimento da áfrica como condição 
indispensável para o desenvolvimento do pensamento africano autónomo e de todo o 
pensamento filosófico contemporâneo. A análise sociológico-cultural delineada já na 
primeira parte do século XX por Cheikh Anta Diop no seu estudo sobre a história africana, 
justifica a novidade e a constância hodierna, seja de Lopes ou de todos quanto buscam, não 
sem dificuldade, reivindicar a plena participação do pensamento filosófico africano no 
desenvolvimento da filosofia. A obra de Lopes é uma análise cerrada do actual contexto 
cultural africano das três áreas lingúisticas principais, com o objectivo de formular um juízo 
explícito e claro acerca da natureza da consideração da Àfrica por parte do pensamento 
Norte-ocidental dominante. Lopes formula um juízo de valor histórico, político, moral e 
conómico que ele próprio descreveu na conclusão do estudo efectuado: ―l’Africa e l’umanitá 
odierna attraversano una crisi di comunicazione profonda che deve essere sanata pena 
l’annullamento di noi stessi come africani, come comunitá mondiale e come uomini‖.
25
 
Utilizzando as reflexões dos mais conhecidos intérpretes da cultura africana de Cheikh Anta 
Diop, passando pela análise das questões metodológicas de Jean-Mar Ela à nova e inovativa 
reflexão do filósofo moçambicano Severino Ngoenha acerca do ―ser‖ africano, Lopes 
apresenta muitas vezes uma forte e indiscutível denuncia acerca do direito jamais vivido a 
ainda hoje não adquirido de ser, ontologicamente falando, do Homem negro, isto é, de ser 
livre de decidir e de autodeterminar a própria vida. Lopes hipotiza uma eventual separação da 
África, melhor, dos africanos, como solução radical para a consciência dos países 
desenvolvidos, que têm fechado o Continente Negro num abismo sem saída, em nome do 
desenvolvimento económico em sentido único. Lopes denuncia a decisão unilateral destes 
países de declarar a África incapaz de exprimir-se aos níveis por eles considerados 
indispensáveis para o desenvolvimento até mesmo da própria cultura. Todo o mundo Norte-
ocidental, segundo Lopes, é responsável por uma leitura de sentido único de que é humano, 
desenvolvido e, por isso, culturalmente aceitável por todos e em todos os países. Lopes 
denuncia a arrogância político-económica e cultural daqueles, os brancos, que munidos de 
palavras, pensaram poder unilateralmente decidir quem e que coisa fosse o Ser enquanto 
pessoa. Os vencedores decidiram a posterior quem fosse, enquanto pessoa, sujeito de direitos 
e de deveres e quais fossem as sociedades que podiam gozar do direito de dizer-se 
desenvolvidos. De tal análise, a África e os africanos foram excluídos do diálogo cultural 
mundial assim como do direito de autodeterminação segundo a economia e a cultuara da sua 
gente.
26
 
Acompanhado pela nova reflexão etico-antropológica e pelo debate filosófico actual em 
África, Lopes retoma o tema - já antecipado no seu livro sobre a terceiromundialidade - da 
 
23 Cfr. Ivi, p. 104. É a mesma conclusão de J. P. Castiano e de Eboussi Boulaga (intersubjectividade e repartir 
da tradição). 
24 Lopes Filomeno, E se l’Africa scomparisse dal mappamondo? Una riflessione filosofica. Armando Editore, Roma, 
2009. 
25 Ivi, p. 421 
26 Cfr. Ivi, pp.118-119. 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 14 
necessidade de uma nova capacidade relacional e comunicativa entre o Norte e o Sul, entre a 
África e o resto do Mundo Ocidental que seja capaz de fazer justiça ao valor do Ser humano 
como tal, antes mesmo da sua localização. Isto significa que a Pessoa (muntu) é um sujeito de 
direitos e deveres que todos devem respeitar e defender, independentemente do lugar no qual 
a pessoa nasce e se desenvolve. O perigo que se eocntora quando se perde tal consciência é o 
enfraquecimento da dignidade da pessoa humana em todos os países da Terra e em todos os 
povos e culturas.
27
 
Lopes nota que as diferenças culturais e económicas não podem ser usadas para dividir e 
julgar alguns seres humanos inferiores aos outros, mas tais diferenças deviam ajudar todos a 
compreender que o Homem, como ser vivo, é cosntituido em relação com outros seres vivos 
iguais entre si, sujeitos da própria vida. Apenas o diálogo e a condivisão podem resolver os 
conflitos que nascem entre Homens diferentes entre si em termos de espaços e culturas, mas 
não de ser. Recorda ainda que todos os conflitos entre os seres humanos sempre foram 
alimentados por interesses de uns contra a maioria dos outros homens.
28
 
É urgente relançar a comunicação, o diálogo e a compreenção intra-humana, para adquirir um 
sentido de pertença ao género humano que habita a mesma terra, compreender a razão das 
dificuldades de certos Homens enfrentam, tecer novos caminhos condivisíveis para a 
humanidade do futuro.
29
 
O pensamento de Lopes ganha corpo da consciência do que é a filosofia em todos os tempos 
e paratodos os Homens, de como ela seja a melhor condição para afirmar o triunfo da vida 
sobre a morte, o principal objectivo do trabalho filosófico: scientia rei per ultimas rationes.
30
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 Cfr. Ivi, p.107. 
28 Cfr. Ivi, 227. 
29 Cfr. Pp.151-152. 
30 Cfr. Ivi, p.240. 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 15 
 SEVERINO ELIAS NGOENHA (Maputo, Moçambique 1962) 
 
 
 
 
Entre os filósofos mais significativos da área lusófona, emerge sem dúvida o filósofo 
moçambicano Severino Elias Ngoenha.
31
 As suas obras que mais interessam o nosso fim são: 
Filosofia Africana. Das independências às liberdades, de 1993 e Estatuto e axiologia da 
educação, de 2000. 
A preocupação de Ngoenha é em relação ao futuro do país e ao papel que o filósofo deve 
desenvolver na construção deste. Anteriormente, este papel era desempenhado por outros, 
pelos colonizadores. Mesmo com a revelação o povo não foi envolvido na programação do 
próprio futuro: participou apenas passivamente. O fio condutor da filosofia de Ngoenha será 
exactamente este, a construção do futuro, embora a reflexão africana pareça ser mais 
orientada ao passado, na defesa ou combate à etnofilosofia. Toda a reflexão que se pretenda 
universal deve partir do particular. A história (tempo) e a etnografia (espaço) permaneceram 
unidas até ao século XIX: com Darwin o mundo ―civilizado‖ foi separado do mundo 
―selvagem‖ e a história se diferencia da etnologia, a qual se torna sinónimo de história dos 
―bárbaros‖ ou dos ―sem história‖.
32
 A etnologia tornou-se uma disciplina da antropologia 
cultural que estuda as sociedades ―exóticas‖, mostrando assim as reticências do ocidente em 
aceitar a plena e total humanidade do outro. Ironicamente, Ngoenha afirma que para os 
africanos o estudo da antropologia é um meio para compreender a cultura ocidental e não a 
africana: ―As imagens que o ocidente fabrica da alteridade, por um efeito de retorno, 
reenviam-nos às imagens que o ocidente faz dele mesmo em relação às outras culturas‖.
33
 
Esta diferenciação encontra-se igualmente no cristianismo, o qual em si tem uma vocação 
universal de acolhida dos povos, mas de facto, ao longo da sua história excluiu os não 
cristãos. De igual modo, na descoberta do novo mundo não houve um reconhecimento do 
outro, mas um genocídio e etnocídio. O mesmo destino foi reservado ao negro que não foi 
reconhecido como outro, mas como ―maldito‖ e por isso ―escravizável‖. Em seguida, com o 
 
31 Severino Elias Ngoenha estudou filosofia na Pontificia Università Urbaniana e doutorou-se em filosofia na 
Pontificia Università Gregoriana; ensinou durante anos na Universidade de Losanna e come visiting 
professor em várias universidades. Actualmente é Professor na Universidade Pedagógica de Moçambique e 
Universidade Eduardo Mondlane em Maputo. As suas obras principais são: Duas Interpretações Filosóficas da 
História do século XVII. Vico e Voltaire, Edições Salesianas, Porto, 1992; Por uma dimensão Moçambicana da 
Consciência Histórica, Edições Salesianas, Porto, 1992; Das Independências às Liberdades, Edições Paulistas, 
Maputo, 1993; O Retorno do Bom Selvagem, Edições Salesianas, Porto, 1994; Mukhatchanadas, Ed. Escritor, 
Lisboa, 1995; Identidade Moçambicana: já e ainda não, em Identidade Moçambicanidade Moçambizanização, 
Livraria Universitária Eduardo Mondlane, Maputo, 1998; Estatuto Axiológico da Educação, Livraria 
Universitária Eduardo Mondlane, Maputo, 2000; Os tempos da filosofia. Filosofia e democracia moçambicana. 
Maputo: Imprensa Universitária, 2004; Ngoenha S. e Bussotti L., La Guinea-Bissau contemporanea, 
L’Harmattan Italia, Torino, 2008; Ngoenha S., Castiano J.P.; Berthoud G., A longa marcha duma "educação 
para todos" em Moçambique, Imprensa Universitária, Maputo, 2005; Machel. Ícone da 1ª República?, Ndjira, 
Maputo, 200; con J.P.Castiano, Pensamento Engajado. Ensaio sobre Filosofia Africana, Educação e Cultura 
Política, Editora Educar/Cemec UP, Maputo, 2010. 
32 Cfr. NGOENHA, S.E., Das Independências às Liberdades, Edições Paulistas, Maputo, 1993, p. 17 
33 Idem, p. 20 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 16 
imperialismo europeu, os antropólogos foram ao campo para melhor estudar a realidade. 
Ngoenha se pergunta: a fim de colonizar e escravizar melhor? 
Após dois séculos de separação entre história e etnologia, como conciliar o ―eu‖ e o ―outro‖? 
Bastará simplesmente eliminar a etnologia e incluir todos os povos na história? Mas em qual 
história? Decerto não na europeia, onde o africano continuará sempre subalterno: ―Para nos 
fazermos reconhecer como sujeitos da história, devemos aceitar e valorizar a nossa diferença 
de posição em relação à história‖.
34
 
Do funcionalismo de Malinowsky emerge uma revolução do passado africano, pois se 
favorece um relativismo cultural e a irreduzibilidade das culturas a um denominador comum 
com o respeito para as diferenças, a tolerância e a aceitação da diversidade.
35
 Consegue-se o 
nascimento do movimento de protesto denominado ―negritude‖ (Senghor e Césaire). Senghor 
define a ―negritude‖ com as palavras de Césaire: ―simples reconhecimento do facto de ser 
negro, a aceitação deste facto, do nosso destino de negros, da nossa história e da nossa 
cultura‖.
36
 O seu papel é assumir os valores do mundo negro, atualizá-los, fecundá-los com 
contributos estrangeiros a fim de trazer o próprio contributo à civilização universal: ―A 
negritude é, portanto anterior à chegada dos brancos, pois ela constitui o espírito da 
civilização negro-africana‖.
37
 O movimento teve as suas raízes na América negra, com 
Edward William Burghardt Du Bois. O seu projecto de integração do negro no contexto 
americano contribuiu a criar o mito da África ancestral primogénita da civilização. Outra 
figura carismática afroamericana foi a de Marcus Garvey, o qual preconizava o retorno de 
todos os negros à terra mãe África, porque na América nunca teriam alcançado a igualdade 
com os brancos. Tanto Du Bois quanto Garvey pensavam numa África ideal e não real. 
Edward Wilmot Blyden, pai do pensamento político africano, na segunda metade de 1800 
encarava a personalidade africana como antítese da civilização europeia. O seu discípulo 
ganês, Josef Casely-Hayford, foi o primeiro teórico da unidade africana cuja civilização 
levaria a uma regeneração espiritual da humanidade. 
Na África seguiram-se numerosos intelectuais que valorizavam a cultura, mas sem cair nos 
mitos e mostravam que o africano é um ser racional, através de uma filosofia autenticamente 
africana. Um dos fundamentos da filosofia africana foi a reivindicação da soberania política 
continental. 
Ngoenha repercorre as etapas do nascimento da produção filosófica em África, partindo da 
Filosofia Bantu de Tempels e de Alexis Kagame, criticando ambos por terem aplicado a 
filosofia à etnologia como simples observadores, sem construir um pensamento original. Será 
a mesma crítica do filósofo costa-marfinense Paulin Hountondji, um dos fundadores da 
filosofia africana na segunda metade de 1900: ―o primeiro caminho que a filosofia africana 
deve percorrer, é um itinerário crítico, metódico e dialéctico em direcção a conquista de nós 
mesmo‖.
38
 
A crítica é dirigida não apenas à etnofilosofia, mas também ao etnocentrismo ocidental: trata-
se de uma crítica da crítica para todos quanto criticando justamente a etnofilosofia recorrem 
aos esquemas filosóficos europeus para formular o seu pensamento. O problema principal 
para Ngoenha não é saber se exista ou não uma filosofia africana, mas refletir acerca da 
possibilidade de pensar filosoficamente a nossa realidade africana.39
 
 
34 Idem, p. 50 
35 Maurice Delafosse contestava o preconceito sobre a inferioridade intelectual dos negros afirmando 
exactamente o contrário; George Hardy exaltava a profunda espiritualidade religiosa da alma negra; Leo 
Frobenius exaltava a civilização egípcia, etc. 
36 Idem, p. 65 
37 Idem, p.66 
38 Idem, p.99 
39 Cfr. Idem, p.110 
Agostinho
Squiggly
Agostinho
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Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 17 
Os vários movimentos africanos (pan-africanismo, negritude, socialismo africano, corrente 
hermenêutica) têm como objectivo a libertação do Homem africano come condição da sua 
historicidade, de modo que o negro não seja objecto, mas sujeito da sua história. A filosofia 
africana é de carácter existencial, mirando à emancipação sem a qual o africano jamais será 
um sujeito da sua história. Não se deverá mirar tanto aos mitos do passado, mas aos 
problemas da África de hoje, formar uma consciência civil, procurar o sentido da vida, o 
destino do Homem e a sua possibilidade de realizá-lo. A atenção desloca-se decididamente 
para o tema do futuro e, precisamente, sobre os temas da teologia negra, partindo da black 
theology of liberation (teologia negra da libertação) de James Cone, passando pela south 
african black theology (teologia negra sul-africana) de Desmond Tutu e pelos teólogos 
camaroneses Jean Marc Ela e Engelbert Mveng para chegar à etnologia, temas que tiveram 
um impacto decididamente prático do que teórico no percurso da reconciliação nos 
respectivos países: ―A Igreja não pode limitar-se simplesmente à tarefa, embora árdua, de 
reconciliar os homens, as etnias, as tribos; mas deve participar na educação no sentido da 
tolerância, da indulgência, da solidariedade que são prerrogativas indispensáveis para a 
edificação da democracia e dum futuro diferente‖.
40
 
O futuro em filosofia traduz-se com o termo utopia, mas não no sentido de Platão ou Thomas 
More, que conservavam um absolutismo latente. Os homens devem ser livres e iguais como 
pressuposto da democracia e organização social: ―O problema real consiste em dar ao povo a 
possibilidade real de escolher os próprios ideais, os próprios fins, não por intermédio de um 
partido, de um presidente, mas directamente. Do que os povos têm necessidade, é antes de 
mais, de apropriar-se do próprio destino, e de assumir e guiar a própria história‖.
41
 Isto é 
possível partindo das pequenas comunidades para passar aos distritos, províncias, nações, 
para chegar à União africana. Ngoenha defende que ―se o poder estivesse nas mãos dos 
povos, nunca teriam lutado entre nós, nunca teriam sacrificado o que têm de mais sagrado, as 
nossas vidas e as vidas dos nossos filhos, em nome do comunismo ou do anticomunismo‖.
42
 
O homem africano, conclui Ngoenha, não tem necessidade de novos mitos, mas de certezas, 
de uma sociedade talvez menos perfeita, mas muito mais livre. Todas as políticas de 
desenvolvimento do continente faliram porque desconheciam os pressupostos sociológicos do 
desenvolvimento. Parece que a única via do desenvolvimento seja o mercado que impõe uma 
transformação social e cultural à imagem dos ―patrões‖ do mercado. Dai a urgência para a 
filosofia africana de reflectir, diz Ngoenha, sobre o que nós somos e, sobretudo, sobre o que 
devemos ser. Trata-se de uma escolha que nós devemos fazer e não a técnica. Ciência e 
técnica serão apenas instrumentos usados para a nossa escolha. O futuro depende de nós e 
esta será uma decisão histórica, os nossos projectos deverão ser históricos e pessoais porque 
cada um de nós é responsável - e não os factos - da própria vida e da própria história. 
A educação é um factor fundamental para a realização do projecto do Homem africano na sua 
história. Sobre este tema, Ngoenha publica em 2000 Estatuto axiológico da educação.
43
 A 
questão fundamental diz respeito à possibilidade do saber de tornar-se instrumento de 
libertação para o homem africano que se encontra ainda num estado de escravidão. Seguem-
se outras questões relacionadas: a educação tem um valor soteriológico? De que tipo de 
educação precisamos? Educar para que sociedade? Sobre quais valores e pressupostos?
44
 
Educar é antes de mais transmitir valores. A educação tem duas bases: uma filosófica 
(teórica) e outra científica (prática). Não é possível educar ou fazer uma teoria da educação 
 
40 Idem, pp.146-147 
41 Idem, p.158 
42 Idem, p.164 
43 NGOENHA S.E., Estatuto Axiológico da Educação, Livraria Universitária Eduardo Mondlane, Maputo, 2000 
44 Ngoenha sublinha que em Moçambique foram traçadas políticas pedagógicas que não correspondiam às 
necessidades do país. 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 18 
sem uma ideia de homem, sociedade, história, cultura, vida. A maior preocupação não deve 
ser a respeito do aspecto formal (metodológica, didáctica, etc.), mas material e, isto é, os 
conteúdos axiológicos que se pretendem transmitir, os objectivos por atingir. 
Frequentemente, a pedagogia confunde os métodos com os objectivos.
45
 
O debate actual no campo da educação (e não apenas) diz respeito à relação que deve existir 
entre a identidade étnica e a modernidade. Na análise do estatuto do saber e do sistema 
educativo moçambicano, Ngoenha nota como por anos o país se tenha negado qualquer forma 
de filosofia na formação e educação, deixando de fazer da ―moçambicanidade‖ o valor basilar 
da educação nacional, deixando os conteúdos axiológicos ao arbítrio de cada instituto escolar. 
Mas quais são os valores constitutivos da ―Moçambicanidade‖? Na época colonial o fim da 
educação era a ―aportuguesação‖ dos indígenas e os planos de estudo eram produzidos pela 
escola portuguesa. O encontro com o ocidente é definido por Ngoenha uma ―aventura 
ambígua‖, um hibrido ou ―bastardo‖ cultural. A educação missionária-colonial também teve 
uma história controversa. Em 1800 Portugal expulsou os jesuítas (Marquês de Pombal) e 
fechou as congregações religiosas (Joaquim António de Aguiar, 1834). Este foi um dano 
enorme à educação, não apenas dos indígenas, mas também dos portugueses, pois o Estado 
nem cobria a escolarização de todos os portugueses. Uma solução adveio da Conferência de 
Berlim (art. 6 dell‘ ―Acto Geral‖) quando a Itália propôs a liberdade religiosa para a África, 
causando um enorme e imediata repercussão política.
46
 O governo português que era 
maçónico e anticlerical, foi obrigado a apoiar as missões católicas geridas principalmente por 
missionários portugueses para evitar o perigo de outros missionários não portugueses 
poderem roubar ―as suas terras‖: ―o dilema português era simples: ou continuava a sua guerra 
anti eclesiástica e perdia as colónias ou então, para poder continuar a sua aventura 
colonizadora, fazia um matrimónio de razão com a Igreja e suscitava missões portuguesas‖.
47
 
O Portugal saiu da Conferência de Berlim bastante redimensionado. Provavelmente, se 
Portugal não tivesse extinguido as missões religiosas, a repartição feita em Berlim teria sido 
diferente. Em 1887 surgiu a ―Junta Geral das Missões‖ e o governo começou a conceder 
subsídios a algumas missões. Às demais congregações estrangeiras (ou de jesuítas) que não 
eram ―maleáveis‖, o governo exigia a entrega dos seus estatutos para controlar se 
trabalhavam ou não para a ―aportuguesação‖ do país. O Vaticano ordenou aos religiosos para 
que não apresentassem os estatutos e tal contribui para aumentar o anticlericalismo. A partir 
de 1922, as missões religiosas, e católicas em particular, foram equiparadas às laicas. À igreja 
foi confiada a escolarização dos indígenas. A língua portuguesa tornou-se obrigatória nas 
escolas enquanto as línguas locais podiamser usadas apenas na igreja. Nivela-se o ensino em 
todo o império para facilitar as deslocações dos portugueses de um país ao outro, mas este 
ensino não tinha relação alguma com os problemas de Moçambique. Foram construídas 
escolas técnico-profissionais e em 1962 abriu a primeira universidade em Moçambique. 
Em 1975, com a independência, o estado nacionalizou todas as escolas, embora soubesse não 
ser capaz de gerir toda a educação do País. Foi uma escolha necessária para atingir os novos 
fins da educação do estado nascente que consistiam em: estender a rede escolar a um número 
maior de estudantes; veicular o novo sentido de pertença à nação moçambicana, combatendo 
desta feita o tribalismo; educar para afrontar os problemas reais do novo Moçambique. Mas 
se a qualidade da educação portuguesa era já fraca, última na Europa, piorou com a 
nacionalização e a consequente guerra civil. 
Ngoenha sublinha o papel desempenhado pela ―Missão Suíça‖ em Moçambique. Estes 
missionários iniciaram a sua actividade colocando-se como alunos dos indígenas para 
 
45 Isto nós notamos frequentemente nos encontros formativos ou de programação com os professores 
universitários. 
46 Cfr. NGOENHA S., Estatuto e axiologia da educação, Livraria Universitária UEM, Maputo. 2000, p.62 
47 Idem, p.63 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 19 
aprender a sua língua de modo a evangelizar e traduzir a bíblia nas línguas locais. 
Aprenderam uma língua que era apenas oral, recriando-a como nova língua escrita, 
transformando e manipulando a cultura local. Inventaram o nome da etnia tsonga, que 
significa ―pequenos servos‖, nome que os indígenas viram-se obrigados a aceitar, 
voluntariamente ou não. Henri Junod, o mais importante missionário desta Congregação, era 
contrário à assimilação dos Tsonga aos brancos, porque considerava os primeiros ―inocentes 
e puros‖ e os outros ateus e viciosos. Junod queria ―fechar‖ os Tsonga dentro da sua terra, 
como num gueto, falando apenas a sua língua ronga, e não enviá-los a estudar fora do país, 
temendo que se perdessem.
48
 Mas isto era contra os interesses de Portugal que não conseguia 
―assimilar‖ e ―aportuguesar‖ estes nativos. A África do Sul apoiava o projecto da Missão 
Suíça porque repisava a sua ideia de educação, baseada na separação dos indígenas dos 
brancos (apartheid). Para os bóeres da África do Sul, os negros eram ontologicamente 
inferiores; para Junod o eram por motivos históricos e culturais. Mas, conclui Ngoenha com 
uma ponta de ironia, a Missão Suíça não conseguiu os seus intentos porque muitos dos seus 
educandos abraçaram o marxismo-leninismo (ateísmo) e tornaram-se defensores do 
nacionalismo, contra o tribalismo, adoptando a língua portuguesa. 
Por fim, qual é a política educativa e quais são os pressupostos da educação em 
Moçambique? Ngoenha propõe uma educação baseada nas línguas maternas,
49
 educar para a 
responsabilidade, maior empenho para o desenvolvimento da nação. As universidades 
deverão jogar um papel fundamental tornando-se centros de pesquisa especializados. 
Severino Ngoenha interveio de modo prestigioso no debate nacional sobre a identidade do 
homem moçambicano. Consideramos importante uma alusão a algumas ideias-chave deste 
debate. 
Ngoenha defende que a questão da identidade é crucial para Moçambique porque se fez o 
Moçambique sem os moçambicanos. Afirma que os moçambicanos não foram sujeitos da 
própria história. Eduardo Mondlane, um dos pais carismáticos da revolução, defendia que 
Moçambique é uma invenção portuguesa.
50
Ngoenha ajunta que: ―Por mais chocante que 
possa aparecer, Moçambique é uma ideia de outros e não nossa. Foram esses outros que 
entenderam mal o nome árabe de Mussa-El-Bique que deu o nome de Moçambique que 
conservamos orgulhosamente; foram esses outros que delimitaram as fronteiras; foram esses 
outros que fizeram de nós uma economia de trânsito e um reservatório humano de mão-de-
obra barata‖.
51
 
Antes da independência as várias etnias encontravam-se todas unidas pela ―cola‖ portuguesa. 
Com a independência os novos governantes viram-se na urgência de encontrar uma nova 
―cola‖ que não podia ser uma língua local porque tal escolha suscitaria uma reacção dos 
demais grupos linguísticos; não podia sequer ser a religião, quer porque existiam muitas 
religiões, quer porque a mais difusa, a católica, esteve bastante ligada ao colonialismo e por 
isso devia ser superada. A nova ―cola‖ foi a escolha da ideologia marxista-leninista: era o 
preço a pagar para receber ajuda militar do bloco comunista e desencadear a revolução. Mas 
cedo esta ―cola‖ se revelou não aderente porque não foi fruto de uma escolha colectiva, mas 
apenas de uma pequena elite ―crioulizada‖, desenraizada e em busca de identidade.
52
 
 
48 Cfr. Idem, p.186 
49 De facto, nos últimos anos introduziu-se o ensino das línguas locais a título experimental em algumas 
escolas primárias, com vista a facilitar a aprendizagem das crianças 
50 MONDLANE, E., Lutar por Moçambique, Centro de estudos africanos, Maputo, 1995; Citado da MACAMO , 
E., A influência da religião na formação de identidades sociais no sul de Moçambique, in SERRA, C., (dir.), Identidade, 
Moçambicanidade, Moçambicanização, Livraria Universitária UEM, Maputo, 1998, p. 36. 
51 NGOENHA, E.S., Por uma dimensão moçambicana da consciência histórica, Edições Salesianas, Porto, 1992, p. 
145. 
52 Cfr. MACAMO, E., A influência..., o.c., p. 36, no qual se reporta o parecer de Michel Cahen. 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 20 
Paradoxalmente, com a adopção forçada da ideologia marxista passou-se de uma exogenia à 
outra.
53
 
Os intelectuais moçambicanos se interrogam sobre a natureza da identidade: é algo de 
biológico-naturalista, como pensavam os colonos, ou é algo de social, cultual e espiritual, 
como pensavam os intelectuais do Moçambique independente? Para uns a identidade é uma 
essência perdida que deve ser recuperada, como se se tratasse de algo estático. O sociólogo 
Elisio Macamo firma que: ―O ‗especificamente moçambicano‘ não deve ser visto como uma 
essência, mas sim como uma perspectiva que nos permite vislumbrar, nem que seja por 
alguns momentos furtivos, uma identidade nacional em estado permanente de 
transformação‖.
54
 Este sociólogo moçambicano indica três apectos que contribuem para a 
constituição de uma identidade social: antes de mais, a identidade não é uma essência a-
histórica, a priori, mas algo em constante mudança;
55
 se deve partir dos processos históricos; 
por fim, se deve considerar que África e Moçambique são conceitos modernos: a colonização 
causou, ou melhor, acelerou os processos ligados à condição moderna.
56
 
Macamo sublinha ainda a influência da Missão Suíça na região meridional de Moçambique, 
embora se tenha tratado de uma religião que favoreceu uma promoção mais humana do que 
espiritual
57
 e formou mais homens políticos do que religiosos.
58
 Ngoenha também reconhece 
o papel fundamental da Igreja na construção da identidade e espera que as igrejas 
moçambicanas saibam desempenhar o mesmo papel das sul-africanas no processo de 
reconciliação do país, e acrescenta: ―A profecia evangélica não pode limitar a sua tarefa à 
difícil missão de reconciliação. Mas tem ainda a proposta da unidade espiritual na região, que 
servirá de substrato comum para a criação de uma identidade‖.
59
 Os intelectuais e políticos 
têm igualmente uma grande missão: os primeiros devem manter viva a reflexão acerca da 
―moçambicanidade‖. Tal reflexão já é filosofia moçambicana; os segundos devem acautelar-
se continuamente para que não existam disparidades gritantes na distribuição dos parcos 
recursosde que o país dispõe. 
Ngoenha conclui o seu texto sobre a dimensão moçambicana da consciência histórica 
retomando o tema condutor de toda a sua reflexão filosófica, ou seja, a necessidade de o 
homem africano (e moçambicano em particular) passar da ―objectivação‖ à ―subjectivação‖: 
―Se nos contentarmos em ser simples objectos da história, a história terá acabado mesmo 
antes de começar. Se tivermos bastante coragem para assumirmos a nossa própria dimensão 
histórica, será o fim da nossa história como objectos, e início como sujeitos‖.
60
 
 
53 Moçambique se havia livrado de uma dependência estrangeira para tornar-se dependente de uma ideologia 
também estrangeira, o marxismo. Cfr. NGOENHA E.S., Identidade moçambicana: já e ainda não, in SERRA, C., 
Identidade..., o.c., p.25 
54 MACAMO, E., in SERRA, C., Identidade…, o.c., p. 39 
55 Consideramos a ideia apresentada por António Sopa, segundo a qual uma verdadeira cultura tradicional se 
renova continuamente, bastante criativa, pois uma cultura estática se repete como folclore, sem vitalidade. Cfr. 
SOPA, A., Notas sobre a identidade, in SERRA, C., o.c., p.73 
56 Cfr. Idem, pp.40-41 
57 Como se se tratasse de coisas diferentes! 
58 Cfr. Idem, pp.55-56 
59 NGOENHA, S.E., Por uma dimensão moçambicana da consciência histórica, o.c., pp. 149-150. Ngoenha conclui 
esta obra sobre a historicidade apelando para que a África possa apoderar-se do “segredo” do ocidente, ou seja, 
a dimensão profética do Evangelho, que substitui ““a concepção cíclica e fatalista da história, com uma 
dimensão linear e escatológica, sem a qual nenhum progresso técnico e científico pode-se conceber ou realizar”. 
[...] O segredo do ocidente, que Towa quer que assimilemos, está na fecundação das culturas pela dimensão 
profética do evangelho”, Idem, pp.151-152. Apresenta-se aqui uma interessante axiologia, como quanto Rémi 
Brague sustenta a propósito da “sageza europeia” que se funda na sua capacidade de “assimilar” o hebraísmo e o 
helenismo. Cfr. BRAGUE R., Il futuro dell’occidente. Nel modello romano la salvezza dell’Europa, Bompiani, 
Milano, 2008. 
60 Idem, p.152 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 21 
Fazemos um breve aceno a um artigo recente, Concepções africanas do ser humano,
61
 no 
qual, após repercorrer as várias ideias de ser humano de muitos filósofos africanos, denuncia 
o perigo de uma ―supressão do indivíduo ou então a sua redução a um ser sem identidade‖
62
 
perante a ênfase do ―comunitarismo‖. Cita Daniel Etounga Manguelle que fala de 
totalitarisme villagois (totalitarismo dos moradores da vila) e di totalitarisme lignagier 
(totalitarismo da linhagem), e Njoh Mouelle que nota a mediocridade do homem africano 
incapaz de distanciar-se do seu ambiente social com consequente gregarismo, falta de 
originalidade, rotina, conformismo, repetição e conservadorismo que impediram o progresso 
da África.
63
 Ngoenha conclui que é necessário olhar mais longe e referir-se à base metafísica 
sobre a qual se funda a experiência africana: ―A sociedade do africano é ao mesmo tempo 
única e transcendental. Isto está ligado ao seu vitalismo que implica o vivo e o morto, 
natureza e Deus, um vitalismo centrado sobre o clã. Toda a existência, toda a vida, toda 
possível fonte de vida são vistas nas suas relações com o clã. As relações internas do 
vitalismo africano são relações verdadeiramente de existência‖.
64
 Fecha o artigo colocando 
três questões: o pensamento tradicional é construído a partir da relação com o mundo 
ocidental? A antropologia não estará idealizando o ―comunitarismo‖ africano pensado em 
alternativa ao individualismo ocidental carregado de conotações negativas? Os discursos dos 
intelectuais africanos não serão discursos ocidentais assimilados e reproduzidos, a partir das 
suas origens imaginárias, por africanos radicalmente ocidentalizados?
65
 
O lugar epistemológico da africanidade é um problema propriamente filosófico e Ngoenha vê 
a figura do homem africano na relação com a alteridade, propriamente no campo da 
interculturalidade.
66
 
 
 
  DEBATE SOBRE MOÇAMBICANIDADE 
 
Severinho Ngoenha participa com autoridade no debate actual dos intelectuais 
moçambicanos sobre a identidade do homem moçambicano. 
 O Moçambique festeja 34 anos de Independência, 34 anos de liberdade. 
Foi feito o Moçambique. Agora falta fazer os moçambicanos. Este processo é 
chamado de moçambicanização. 
 
1. O PROBLEMA DA IDENTIDADE: UM PROBLEMA EM TEMPO DE CRISE. O 
problema maior do ponto de vista intelectual, parece ser a definição da identidade 
moçambicana. A pergunta sobre a própria identidade é típica dos períodos de crise: 
alguém se pergunta ―quem sou eu?‖quando está confuso, sem identidade; ou quando 
está na adolescência e precisa descobrir a própria identidade. O Moçambique reúne 
estas duas condições: a sua história como país livre é muito recente, mas também a 
maioria da sua população (75%) é muito jovem (menos de 25 anos de idade). 
2. MOÇAMBIQUE EM CRISE? O Moçambique está em crise? Sem identidade? Sim, 
porque foi criado o Moçambique sem criar os moçambicanos. Mondlane dizia que 
Moçambique é uma invenção portuguesa
67
. Severino Ngoenha afirma: ―Por mais 
 
61 NGOENHA S.E., e CASTIANO J.P., Pensamento Engajado. Ensaios sobre Filosofia Africana, Educação e 
Cultura Política, Editora Educar, Maputo, 2010, pp.183-196. 
62 Ivi, p. 193 
63 Cfr. Ivi, p.194 
64 Ivi, p. 194-195 
65 Cfr. Ivi, p. 195-196 
66 Cfr. Ibidem. 
67
 MONDLANE, E., Lutar por Moçambique, Centro de estudos africanos, Maputo, 1995; Citado por 
MACAMO, E., A influência da religião na formação de identidades sociais no sul de Moçambique, em 
Filosofia contemporánea: Filosofia Africana (2013) Ezio Lorenzo Bono 
 
 22 
chocante que possa aparecer, Moçambique é uma ideia de outros e não nossa. Foram 
esses outros que entenderam mal o nome árabe de Mussa-El-Bique que deu o nome de 
Moçambique que conservamos orgulhosamente; foram esses outros que delimitaram 
as fronteiras; foram esses outros que fizeram de nós uma economia de trânsito e um 
reservatório humano de mão-de-obra barata‖.
68
 
Ou mais simplesmente, o Moçambique se interroga sobre a sua identidade porque é 
ainda muito novo: como o adolescente, está em busca da própria identidade. 
3. TENTATIVAS DE DAR IDENTIDADE. Depois do ‗colante‘ português que manteve 
unidos várias etnias diferentes, apresentou-se para os governantes da Independência a 
necessidade de um outro colante. Não podia ser a língua local, porque eram muitas e a 
escolha de uma iria criar a revolta dos outros (a opção de escolher o português como 
língua oficial foi uma escapatória inteligente); nem a etnia, porque diferentes; nem a 
religião, não somente porque numerosas mas também porque a mais difusa, o 
catolicismo, estava demasiado ligado ao colonialismo que precisava superá-lo. O 
novo colante foi a ideologia marxista-estalinista, mas que se revelou um colante sem 
presa, porque fruto do esforço somente de uma pequena elite ―crioulizada‖ 
desenraizada a procura de uma identidade.
69
 Mas com a adopção (forçada) da 
ideologia marxista se passou paradoxalmente de uma exogenia à outra.
70
 (o 
Moçambique se livrou de uma dependência estrangeira para tornar-se dependente de 
uma ideologia sempre estrangeira, o marxismo). 
4. SOBRE QUE SE CONSTROI A IDENTIDADE? A dizer antes de mais nada que 
cada povo possui talvez somente o 10% de identidade original, ao passo que por 90% 
é fruto de influências externas. Isso vale também para o Moçambique, especialmente 
para as povoações do litoral (a maioria) que desde a antiguidade entraram em contacto 
com o mundo árabe, asiático e europeu. Actualmente as influências maiores são 
americanas e

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