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Introdução A presença da mulher negra na literatura brasileira, sempre foi apresentada por escritores brancos com seus discursos bastante negativos. Quando são representadas por esses escritores a maioria das vezes, são explorados temas como sedução, beleza, resistência física, pois as qualidades que são apresentadas sempre estão ligadas ao corpo da mulher, nunca é mencionado o que ela pensa, ou o que deseja. Na literatura, percebe-se ainda que a mulher negra também não aparece como musa, heroína ou romântica. A representação literária da mulher é ainda ancorada nas imagens de seu passado escravo, de corpo- procriação e/ou como corpo-objeto de prazer. As figuras negras que produziam a literatura afro-brasileira, serviram como uma amostra bem pequena de um momento histórico da nossa literatura, já que eram produzidas pelas mãos feministas afrodescendentes. As escritoras negras figuram como as mulheres precursoras da literatura elaborada por mulheres negras brasileiras. Conceição Evaristo, Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus. É evidente que existem outras, no entanto o destaque maior tornou Maria Firmina do Reis e Carolina Maria de Jesus. Claro que Discutir sobre a mulher negra no contexto da literatura afro-brasileira é percorrer duas vertentes: a primeira, a das próprias mulheres negras que produzem literatura, e ao mesmo tempo reescrevem na história; e, a segunda, a da representação dessas mulheres na literatura. De todo modo, é entender quem são o que produzem e como se comportam mediante as relações de gênero e etnicidade que lhes são impostas no contexto dessas, produções. Diante de tal abordagem, as relações e discussões de gênero (mulher negra) vêm acompanhadas das questões da raça e da etnicidade Para as mulheres negras ou brancas, a literatura foi por muito tempo espaço de exclusão e muitas vezes de negação de sua participação. Essas mulheres eram restritas aos espaços domésticos ou religiosos. Essas mesmas mulheres eram vitimas de uma sociedade patriarcalista e sexista, enquanto os homens eram quem dominavam as letras da literatura que circulavam. O sexo feminino teve seus discursos negados e rejeitados à inclusão no cânone por muitos anos. Desta forma, muitas das imagens representadas da mulher negra na literatura nacional eram, em sua maioria, fundadas nas ideologias racistas e sexistas e, principalmente, com base em seu passado escravo. Essas mulheres eram representadas a partir da imagem da negra vista como: [...] coisa pau pra toda obra, objeto de compra e venda em razão de sua condição de escrava. Mas é objeto sexual, ama de leite, saco de pancada das sinhazinhas, porque, além de escrava, é mulher. Evidentemente, esta maneira de viver a chamada ”condição feminina” não se dá fora da condição de classe... e mesmo de cor (GIACOMINI, 1988, p. 87-88, Grifo da autora). 1- Escritoras negras e a busca da identidade e da autoafirmação A partir a década de 1970 foi que houve uma explosão da literatura que tinham mulheres como vanguardistas. A partir desta década de fato foi que houve a expansão da literatura negra propriamente dita, com produções tanto de mulheres quanto de homens negros comprometidos com as causas da negritude. Buscando sua autorrepresentação e a quebra de imagens negativas essas mulheres acabam se aglutinando em movimentos literários e passam assim a expressarem seus próprios desejos poéticos, suas dores, lutas, histórias, anseios e memórias. Com isso aos poucos essas mulheres vão se apresentando por suas próprias mãos e rompem com os estereótipos literários que erram atribuídos a elas na história e tradição da literatura brasileira. Com essa proposta de buscar essa autoafirmação da identidade feminina negra pela linguagem literária, podemos elencar algumas poetisas negras quem vem produzindo textos literários e por meio de suas produções tem conquistado novos espaços e instigado uma revisão nos conceitos sobre o sujeito negro feminino brasileiro. São essas vozes que surgem e novas imagens passam a existir, uma poética construída agora sobre as próprias mãos, outrora amordaçadas, e pelas vozes emudecidas de Maria Firmina dos Reis, Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus. Para vencer as barreiras de gênero e da cor, que vão além de “sexo frágil”, essas mulheres negras optaram pela escrita e produziram sua própria literatura lírica, que relevam as subjetividades desse segmento social. A escrita da mulher (escrita feminina) já traduz por sim só um significado particular, nesse contexto essa mesma escrita assume conotações de gêneros sobre mulheres brancas e negras, da escrita feminina e negra. No Brasil os estudos sobre mulheres negras tem se ampliado, porém ainda levará algum tempo para que a complexibilidade dos problemas que envolvem mulheres negras na sociedade brasileira sejam revelados. A mulher negra é invisível para a sociedade, e isso vem desde a formação do país. Podemos constatar isso na história, na politica, no entanto essas mulheres vem ocupando seu espaço aos poucos e quebrando barreiras na literatura. Podemos observar que a partir da autoria feminina negra, as mulheres negras traçam seu caminho de inserção na literatura brasileira. Investindo contra várias formas de silenciamento, as mulheres negras continuam buscando se fazer ouvir na sociedade brasileira, perpetuadora de um imaginário contra o negro. Imagens nascidas desde uma sociedade escravocrata perpassam, até hoje, profundamente, pelos modos das relações sociais brasileiras. São Luís, 11 de agosto de 1860. Logo nas primeiras páginas do jornal A Moderação, anunciava-se o lançamento do romance Úrsula, “original brasileiro”. O anúncio poderia passar despercebido, mas algo chamava atenção em suas últimas linhas: a autoria feminina da Foi as“exma. Sra. D. Maria Firmina dos Reis, professora pública em Guimarães”. sim, por meio de uma simples nota, que a cidade de São Luís conheceu Maria Firmina dos Reis – considerada a primeira escritora brasileira, pioneira na crítica antiescravista da nossa literatura. Negra, filha de mãe branca e pai negro, registrada sob o nome de um pai ilegítimo e nascida na Ilha de São Luis, no Maranhão, Maria Firmina dos Reis (1822 – 1917) fez de seu primeiro romance, Úrsula (1859), algo até então impensável: um instrumento de crítica à escravidão por meio da humanização de personagens escravizados. “Em sua literatura, os escravos são nobres e generosos. Estão em pé de igualdade com os brancos e, quando a autora dá voz a eles, deixa que eles mesmos contem suas tragédias. O que já é um salto imenso em relação a outros textos abolicionistas”, A mente, essa ninguém pode escravizar: Maria Firmina dos Reis e a escrita feita por mulheres no Maranhão”. Além de ter se lançado em um gênero literário sem precedentes no Brasil – e dado as diretrizes para os romances abolicionistas que apareceriam apenas décadas depois -, Firmina foi a primeira mulher a ser aprovada em um concurso público no Maranhão para o cargo de professora de primário. Com o próprio salário, sustentava-se sozinha em uma época em que isso era incomum e até mal visto para mulheres. Oito anos antes da Lei Áurea, criou a primeira escola mista para meninos e meninas – que não chegou a durar três anos, tamanho escândalo que causou na cidade de Maçaricó, em Guimarães, onde foi aberta. “A autora era bem conhecida para os maranhenses do seu tempo. Professora, gozava de certa circularidade nos jornais. Apesar de mulher, não era um pária social no período no qual viveu, mas claro que enfrentou o silenciamento da sua obra” Esquecida por décadas, sua obra só foi recuperada em 1962 pelo historiador paraibano Horácio de Almeida em um sebo no Rio de Janeiro – e, hoje, até seu rosto verdadeiro é desconhecido: nos registros oficiais da Câmara dos Vereadores de Guimarães está uma gravura com a face de uma mulher branca, retrato inspirado na imagem de uma escritora gaúcha, com quem Firmina foi confundida na época. O busto da escritora no Museu Histórico do Maranhão também a retrata “embranquecida”,de nariz fino e cabelos lisos. Lugar de fala O contato de Firmina com a literatura começou cedo, em 1830, quando mudou-se para a casa de uma tia um pouco mais rica, na vila de São José de Guimarães. Aos poucos, a jovem travou contato com referências culturais e com outros de seus parentes ligados ao meio cultural, como Sotero dos Reis, um popular gramático da época. Quando se tornou professora, em 1847, Firmina já tinha uma postura antiescravista bem desenvolvida e articulada. «Na ocasião, Firmina teria afirmado que escravos não eram bichos para levar pessoas montadas neles», afirma Silva. Mas era praticamente impossível para uma mulher expor sua opinião contra a escravidão – ainda mais uma mulher negra. Foi a estabilidade e o respeito alcançados como professora que abriram espaço para Firmina lançar seu primeiro livro, o romance Úrsula, no qual enfim publicaria seu ponto de vista sobre o tema. Em Úrsula, Firmina faz questão de mostrar a crueldade de Fernando, senhor de escravos e vilão da história. Mas a pérola do livro é a personagem Suzana, uma mulher escravizada que, frequentemente, recorda-se de sua época de liberdade. Anos depois, quando já se firmara como escritora e professora – e quando o movimento abolicionista já estava mais difundido no Brasil -, a autora publicaria um conto ainda mais crítico, A escrava , que conta a história de uma mulher de classe alta sem nome que tenta, sem sucesso, salvar uma mulher escravizada. « Em 1859, Maria Firmina dos Reis teve que usar um tom mais brando em seu romance, pois queria conquistar os leitores para a causa antiescravista. » Com o passar dos anos, tendo apenas um livro publicado, o nome de Firmina desapareceu. E ela não teve como levar seu texto para outros lugares. No entanto, pouco se sabe sobre outros possíveis textos de Firmina, sobre os detalhes de sua vida ou sobre como uma mulher negra de origem pobre alcançou tanto sucesso em pleno regime escravocrata. «Autores como Lima Barreto e Machado de Assis já têm uma fortuna crítica imensa, e por isso também sabemos muito mais sobre eles», afirma Silva. «A de Maria Firmina dos Reis ainda está sendo construída. E acho que, em algum tempo, saberemos bem mais sobre a autora. Conceição Evaristo é um grande expoente da literatura contemporânea, romancista, poeta e contista, homenageada como Personalidade Literária do Ano pelo Prêmio Jabuti 2019 e vencedora do Prêmio Jabuti 2015. Além disso, Conceição Evaristo também é pesquisadora na área de literatura comparada e trabalhou como professora na rede pública fluminense. Suas obras, cuja matéria-prima literária é a vivência das mulheres negras – suas principais protagonistas – são repletas de reflexões acerca das profundas desigualdades raciais brasileiras. Misturando realidade e ficção, seus textos são valorosos retratos do cotidiano, instrumentos de denúncia das opressões raciais e de gênero, mas também se voltam para a recuperação da ancestralidade da negritude brasileira, propositalmente apagada pelos portugueses durante os séculos em que perdurou o tráfico escravista. Biografia de Conceição Evaristo Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em 29 de novembro de 1946, em Belo Horizonte (MG). Foi a segunda de nove irmãos. Teve a infância e a adolescência marcadas pela miséria, na extinta favela do Pindura Saia na região centro-sul da capital mineira. Trabalhou como babá e faxineira enquanto cursava os estudos secundários, aspirando à carreira de professora, mas quando concluiu o curso normal, não conseguiu emprego em Belo Horizonte. Não havia, na época, concursos para professores em Minas Gerais: aulas, só para quem fosse indicado. Assim, Conceição mudou-se, em 1973, para o Rio de Janeiro, onde se graduou em Letras pela UFRJ e seguiu carreira no magistério, lecionando na rede pública fluminense até aposentar-se no ano de 2006. Sua estreia na literatura aconteceu no ano de 1990, quando seis de seus poemas foram incluídos no volume 13 da coletânea Cadernos Negros, publicação literária periódica que teve início em 1978, com o intuito de veicular a cultura e a produção escrita afro-brasileira, seja na forma da prosa, seja na forma da poesia. Conciliando os trabalhos na docência, na literatura e na produção de estudos teóricos, Conceição Evaristo titulou-se como mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, em 1996, com a dissertação Literatura Negra: Uma Poética de Nossa Afro brasilidade e depois como doutora em Literatura Comparada na UFF, defendendo, em 2011, a tese Poemas malungos, cânticos irmãos, em que analisou a poesia dos afro-brasileiros Nei Lopes e Edimilson de Almeida Pereira e a do angolano Agostinho Neto. Autora de contos, poemas e romances, parte deles traduzida para o inglês e o francês, além de vasta obra teórica, Conceição Evaristo foi finalista do prêmio Jabuti em 2015 e contemplada, em 2018, com o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais pelo conjunto de sua obra, sendo reconhecida como uma das mais importantes escritoras brasileiras da contemporaneidade Principais obras de Conceição Evaristo Ponciá Vicêncio, 2003 (romance) Becos da Memória, 2006 (romance) Poemas da recordação e outros movimentos, 2008 (poesia) Insubmissas lágrimas de mulheres, 2011 (contos) Olhos d’água, 2014 (contos) Histórias de leves enganos e parecenças, 2016 (contos e novela) Canção para ninar menino grande, 2018 (romance) Escrevivências O minucioso trabalho literário de Conceição Evaristo é marcado pelo uso da metalinguagem e da junção de vocábulos que geram novas palavras e novos significados. Sua invenção com a palavra volta-se sempre para a ancestralidade, raiz que recupera o passado e o entrelaça com a projeção ao futuro, fazendo brotar novos significados – lexicais e para além do texto. Os temas ficcionais e poéticos da autora são diversos, mas a poética de Evaristo é conduzida principalmente pelo eu-lírico e personagens de mulheres negras. A autora cunhou o termo “escrevivências” para nomear seu procedimento narrativo: misturando invenção e fato. “Escreviver” é contar, a partir de uma realidade particular, uma história que aponta para uma coletividade. Segundo ela, “o sujeito da literatura negra tem a sua existência marcada por sua relação e por sua cumplicidade com outros sujeitos. Temos um sujeito que, ao falar de si, fala dos outros e, ao falar dos outros, fala de si”. Negra, catadora de papel e favelada, Carolina Maria de Jesus foi uma autora improvável. Nasceu em 14 de março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais, em uma comunidade rural, filha de pais analfabetos. Foi maltratada durante a infância, mas aos sete anos frequentou a escola — em pouco tempo, aprendeu a ler e escrever e desenvolveu o gosto pela leitura. Em 1937, após a morte da mãe, ela mudou para São Paulo. Aos 33 anos, desempregada e grávida, mudou-se para a favela do Canindé, na zona norte da capital paulista. Trabalhava como catadora de papel e, nas horas vagas, registrava o cotidiano da favela em cadernos que encontrava no material que recolhia. Um destes diários deu origem a seu primeiro livro, Quarto de Despejo - Diário de uma Favelada, publicado em 1960. A obra virou best-seller, foi vendida em 40 países e traduzida para 16 idiomas. Após a publicação e o sucesso do primeiro livro, a autora se mudou para Santana, bairro de classe média da capital. Três anos depois, publicou o romance Pedaços de Fome e o livro Provérbios. Em 1969, saiu de Santana para Parelheiros, no extremo da zona sul da cidade, uma região de grandes contrastes entre ricos e pobres, mas com ares de interior que lembravam a cidade onde cresceu. A escritora nunca quis casar e teve três filhos, cada um de um relacionamento diferente. Morreu em fevereiro de 1977, aos 62 anos, de insuficiência respiratória. Outras seis obras póstumas foram publicadas após sua morte, compiladas a partir dos cadernos e materiais deixados pela autora. Em 2017, sua história foi registrada por Tom Farias em Carolina Morte Carolina Maria de Jesus morreu no dia 13 de fevereiro de 1977, com 63 anos, cansada,asmática, esquecida pelo mercado editorial, morando num sítio em Parelheiros. Os livros publicados depois de Quarto de despejo não tiveram o sucesso do primeiro. O descaso fez com que a autora fosse preterida pelo cânone literário, mas a magnitude de seu trabalho criativo ressurge, nos últimos anos, devolvendo-lhe o epíteto de grande escritora que ela sempre soube ser seu. Obras publicadas Em vida Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960) Casa de alvenaria: diário de uma ex- favelada (1961) Pedaços da fome (1963) Provérbios (1965) Publicações póstumas Diário de Bitita (1986) Meu estranho diário (1996) Antologia pessoal (1996) Onde estaes felicidade? (2014) Autora prolífica de diversos gêneros textuais, Carolina morreu deixando muitos manuscritos que, até os dias de hoje, não foram publicados.
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