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IMUNOLOGIA Imunoglobulinas Conceitos básicos A maioria dos receptores tendem a ser mono ou oligo-específicos, ou seja, são específicos a um ou poucos ligantes. Quando ocorre o engajamento do receptor com seu ligante, induz um tipo de resposta – que, provavelmente, foi o fator de seleção ao longo da evolução, sugerindo que o receptor e seu ligante co-evoluem. Os receptores clássicos do sistema imune são os da imunidade inata, conservados em todos os animais. Eles atuam de maneira semelhante dentro dessas espécies, reconhecendo padrões de patógenos e, geralmente, sinalizando via NF-kB. O surgimento da imunidade adaptativa ocorreu nos vertebrados e seus receptores para antígenos dependem de uma variabilidade maior. Esses receptores são a imunoglobulina e os receptores de células T (TCR). Os antígenos são qualquer molécula ou parte desta que é reconhecida por receptores clonais de linfócitos T ou B, de diversas naturezas, como: proteínas, lipoproteínas, glicoproteínas, polissacarídeos, lipídeos ou ácidos nucleicos. Receptores de células T (TCR) Os receptores de células T podem ser vistos como receptores “ajustáveis”, pois esses linfócitos só conseguem reconhecer peptídeos das proteínas dos antígenos e não são capazes de reconhecer esses peptídeos livres – eles precisam ser apresentados por outras moléculas do próprio organismo, os MHCs (moléculas do complexo de histocompatibilidade principal), sendo MHC de classe II para células TCD4 e MHC de classe I para células TCD8. Os TCRs, então, conseguem reconhecer parte do próprio MHC. A região mais variável do TCR é capaz de se ajustar para o reconhecimento de uma grande diversidade de peptídeos, desde que esse peptídeo obedeça regras para ser apresentado pelo MHC. Esses receptores, quando reconhecem determinado antígeno, sinalizam para a célula – seja para se diferenciar em uma célula efetora, proliferar ou entrar em apoptose. Imunoglobulinas A diferença dos TCRs para os receptores dos linfócitos B é que as imunoglobulinas são capazes de reconhecer uma variedade enorme de antígenos, pois conseguem reconhecê-los de qualquer natureza. Esses receptores reconhecem os antígenos sem necessidade de um mediador para isso. Outra diferença é que, uma vez reconhecido o antígeno, induz uma sinalização para a célula – que pode secretar essas imunoglobulinas (chamando-as de imunoglobulinas solúveis ou anticorpos). Esses anticorpos podem reconhecer a mesma porção do antígeno, mesmo estando livres da célula. Histórico: das cadeias laterais às Igs Paul Ehrlich (1897): Teoria das cadeias laterais – todas as células teriam uma variedade de receptores especiais (que chamou de cadeiras laterais). Ele pensou que esses receptores funcionariam como “fechadura” dessa células e cada cadeia lateral teria uma função única. Apenas as estruturas que fossem complementar poderiam adentrar nas células. A principal função dessas cadeias laterais seria nutrição. IMUNOLOGIA Imunoglobulinas Von Behring e Kitasato (1890): Detectaram no soro a presença de um agente capaz de neutralizar a toxina diftérica. Ehrlich, então, fez uma adaptação em sua teoria com o pensamento de que, da mesma maneira que essas cadeias laterais deixam entrar nutrientes, podem deixar entrar toxinas. Só que quando essas toxinas adentrassem, essas células passavam a secretar as cadeias laterais correspondentes a essas toxinas (chamou-as de balas mágicas). Com isso, cada célula teria uma variedade enorme de marcadores de superfície que se ligariam a antígenos estranhos, com um formato complementar “chave-fechadura” e a exposição ao antígeno provocaria a superprodução desses receptores e sua liberação no meio. Essa teoria propunha que esses anticorpos eram pré-formados. Tiselius e Kabat (1939): Imunizando cobaias, descobriram que uma fração proteica do soro aumentava (a fração gama – por isso, essas globulinas passaram a se chamar gama- globulinas). Descoberta das imunoglobulinas como fonte dos anticorpos, através da separação por eletroforese do soro imune em albumina, alfa-, beta- e gama-globulina. Landsteiner (1940): Descoberta da formação de anticorpos contra haptenos sintéticos (ou seja, o corpo criava anticorpos contra estruturas que não existiam na natureza). Contradiz a teoria de Ehrlich, pois não haveria como ter um receptor pré-formado de algo que não existe naturalmente. Haurowitz e Linus Pauling: Teorias Instrutivas – o anticorpo/receptor seria moldado pelo antígeno. Fagraeus (1948): descoberta de que um típico específico de célula (plasmócito) era responsável pela produção de anticorpos. Teorias Seletivas: Teoria de que existia uma variedade de células no organismo com determinados receptores, que eram capazes de reconhecer a diversidade de antígenos e toxinas. Proposto por Niels Jerne em 1955 – Teoria da seleção natural (receptor reconhece o antígeno e é liberado a partir do plasmócito) e por Macfarlane Burnet em 1957 – Teoria da seleção clonal (o fator de seleção não era a imunoglobulina em si e sim as células, uma vez que cada célula possui apenas uma variedade da imunoglobulina; as células, então, possuiriam grande quantidade de repetições do mesmo receptor; quando o antígeno chegava no organismo, o fator de expansão era a célula, que proliferava e se diferenciava em plasmócitos, produtores de anticorpos). Edelman e Porter (1959-1963): Descoberta da estrutura das imunoglobulinas e de como era possível a diversidade destas através da digestão por proteases (papaína e pepsina) – para clivar os anticorpos. Assim, foi observado que esses anticorpos poderiam ser quebrados em três frações, sendo que uma destas se cristalizava (quando clivada por papaína) e, ao clivar por pepsina, observou-se que essa fração cristalizável era completamente quebrada e a outra fração era mantida, sendo capaz de, em contato com um antígeno de imunização para produção de imunoglobulinas, fazer um imuno-complexo (precipitação). Eles sugeriram, então, que essas imunoglobulinas possuíam duas frações de reconhecimento de antígenos – fazendo com que grandes quantidades dessas moléculas com antígeno era capaz de fazer precipitação. IMUNOLOGIA Imunoglobulinas Imunoglobulinas: estrutura e função As imunoglobulinas são compostas por uma região chamada Fab (fração de ligação ao antígeno) e outra região chamada FC (fração cristalizável) – são heterodímeros composto por duas cadeias leves e pesadas idênticas entre si (2 idênticas de cada). As imunoglobulinas possuem domínios constantes e variáveis, sendo os blocos de construção de grande parte das moléculas e de receptores do sistema imunitário – são formados por fitas beta antiparalelas e, organizadas, são chamadas de folhas betas, que são pregueadas por pontes dissulfeto, formando os domínios (uma folha sobreposta a outra). O tamanho desses dois domínios é praticamente igual, no entanto, a quantidade de voltas (loops) nos domínios variáveis são maiores, tendo uma implicação importante no reconhecimento de antígeno. Esse sistema de construção é utilizado por imunoglobulinas, receptores de célula T, MHC de classe I e II, entre outros. Antígeno x Imunógeno: O antígeno pode ser utilizado como um imunógeno, mas não é garantido que ele vai ter uma grande imunogenicidade, pois pode ou não reproduzir uma resposta imune (dependendo da molécula). Antígeno x Epítopo antigênico: O antígeno é uma coleção de frações que podem ser reconhecidos pelos linfócitos T ou B – essa fração se chama epítopo antigênico. A imunoglobulina é uma glicoproteína que possui determinantes antigênicos, que podem ser classificados em isotípicos,alotípicos e idiotípicos. Os isotípicos são intrínsecos ao domínio constante das imunoglobulinas, sendo codificados por um agrupamento de genes da região constante de cadeia pesada. Dentre os diferentes isotipos, há a IgM, IgD, IgG, IgE e IgA. A região do FC vai determinar a função da imunoglobulina, pois várias células do nosso organismo possuem receptores para esses domínios constantes. Quando as imunoglobulinas são reconhecidas pela células por esses receptores, podem fazer diferentes funções efetoras, como fagocitose e morte celular dependente de anticorpo, variando de acordo com qual receptor é utilizado devido a diferenças de afinidade. Esses receptores também tem função no desenvolvimento, como os receptores de FC do recém-nascido (FcRn – reconhece FC de IgG), que funciona transferindo as imunoglobulinas da circulação materna para a circulação fetal. A IgM é produzida desde o saco vitelínico, enquanto os outros isotipos começam a ser produzidos após o nascimento. Além disso, os FcRn possuem outras funções pois eles não perdem sua expressão após o crescimento, sendo encontrados no epitélio intestinal no adulto – assim como no recém-nascido, já que participam da aquisição de IgG através do leite materno. Na vida adulta, o FcRn faz sampling de antígenos do lúmen intestinal. Os receptores podem carrear bidireccionalmente o IgG e pegar, ocasionalmente, algum antígeno IMUNOLOGIA Imunoglobulinas localizado no lúmen para que este seja apresentado como um imuno-complexo (junto com o IgG) e chegar na superfície basal para encontrar células dendríticas e ativar linfócitos T. As cadeias leves são classificadas em dois tipos: kappa e lambda, não estando clara a diferença funcional entre elas. Uma imunoglobulina nascente pode vir com apenas um tipo de cadeia leve, diferente dos tipos de cadeia pesada, que vão ser diferentes entre os isotipos. Já os determinantes idiotípicos definem a identidade da imunoglobulina, localizados no domínio variável. Logo, são determinantes antigênios únicos gerados pelas regiões hipervariáveis (ou regiões determinantes de complementariedade, CDRs) das cadeias leves e pesadas, em conjunto. As CDRs são, geralmente, as regiões que estarão em último contato com o antígeno em questão e vão determinar o sítio de ligação ao antígeno (parátopo – complementariedade ao epítopo). O antígeno pode ter mais de um epítopo e, portanto, pode ser reconhecido por mais de um parátopo – dependendo da afinidade entre eles, pois são feitas por interações não- covalentes, como força eletrostática, pontes de hidrogênio, força de Van der Waals e força hidrofóbica. Os epítopos antigênicos podem se apresentar para as imunoglobulinas de diferentes maneiras: - Epítopos conformacionais: moléculas que, desnaturadas, separam os epítopos pois não estão mais na sua estrutura terciária. - Epítopos lineares: surgem após a desnaturação de determinadas proteínas; presentes nas moléculas nativas e chamados de epítopos crípticos, pois não estão expostos para o reconhecimento das imunoglobulinas, estando disponíveis para o reconhecimento somente após a desnaturação. - Neoepítopos: formados por oxidação ou tratamento com enzimas proteolíticas, que geram novos epítopos que passarão a ser reconhecidos. RESUMO: Cada linfócito possui inúmeras cópias de único receptor de antígeno com uma única especificidade antigênica. Cada indivíduo possui bilhões de linfócitos que geram respostas a uma grande variedade de antígenos devido à variações nas sequências de aminoácidos no sítio de ligação ao antígeno. A diversidade dos receptores de antígeno Weigert e Cohn (1970): relataram que a diversidade da cadeia leve lambda é gerada por mutação somática e que a maturação da afinidade reflete seleção sequencial por antígeno de cadeias mutadas. Hozumi e Tonegawa (1976): demonstraram que a porção variável da cadeia kappa é criada pela recombinação dos segmentos gênicos variável e juncional. Fragmentou DNA da linhagem germinal com eletroforese e percebeu-se que as regiões constante e variável hibridizavam em frações/tamanhos diferentes, indicando que estavam separados. Ao fazer o mesmo com o DNA da célula B, viu- se que hibridizavam na mesma região – concluindo-se que durante o desenvolvimento dessa célula essas regiões se recombinam. A diversidade da região variável é gerada novamente ao longo do desenvolvimento através dos mecanismos de geração da diversidade (GOD), conservados desde os peixes cartilaginosos capazes de fazer IMUNOLOGIA Imunoglobulinas recombinações gênicas no nosso organismo que irão gerar essa diversidade que existe no repertório primário das imunoglobulinas. Essa recombinação gênica é dependente de RAG1/2 (complexo de genes de ativadores de ativação) – entraram no nosso genoma como transposons através de uma transmissão genética horizontal, provavelmente vinda de vírus. Esses transposons vão codificar enzimas (transposases) que cortam sítios específicos do genoma e realocando-os em outro lugar. Os RAGs, que codificam enzimas RAGs, trouxeram junto as RSS (sequências sinalizadoras de recombinação). Esse transposon entrou em um gene ancestral e flanqueou esse gene em duas partes (variável e juncional), inserindo regiões de reconhecimento dessa própria enzima RAG e possibilitando recombinações. Quando ocorre mutações nesses genes RAG, há o aparecimento de doenças imunodeficiências combinadas severas (SCID), que afetam os níveis de linfócitos B e T – como a síndrome de Omenn. Essa diversidade foi criada a partir de duplicações do genoma e dos cromossomos, que podem ser: duplicação do lócus inteiro (formando clusters) ou duplicação de Tandem (apenas uma região específica do lócus), gerando substrato para recombinações. No entanto, junto com essas duplicações ocorrem mutações pontuais, somáticas ou outras. Durante o desenvolvimento dos linfócitos B, acontece a recombinação desses genes variáveis para gerar o sítio de ligação ao antígeno. Isso ocorre em nível do DNA, pois não está sendo codificado. Na hora de fazer o transcrito primário, este já possui uma identidade de região constante - tendo uma região variável (verde), região constante mi e delta (preto). Por splicing alternativo, a célula pode expressar uma das duas (IgM ou IgD). Então, uma célula pode expressar duas imunoglobulinas ao mesmo tempo, desde que tenha a mesma região variável (só funciona para a cadeia pesada da IgM e IgD). Essas recombinações vão gerar a região variável das imunoglobulinas, capazes de reconhecer diversos antígenos. A diversidade é assimetricamente distribuída nas regiões variáveis das imunoglobulinas, formando o sitio de ligação ao antígeno, pois há regiões de aminoácidos mais variáveis que outros – sendo chamados de hipervariáveis (CDRs). Essas regiões também são as mais expostas nas moléculas de imunoglobulina, ficando justapostas e passíveis ao encontro de antígenos. As outras regiões pouco variáveis funcionam como estrutura. Com isso, durante o desenvolvimento terá a recombinação da cadeia pesada e leve. No entanto, esse processo precisa ser controlado pois ocorre a quebra da dupla fita de DNA. Isso ocorre a partir do reconhecimento específico que veio com as RSS – cada gene V, D ou J é rodeado por essas regiões. As RSS podem ter 23 ou 12 espaçadores de pares de bases – que vão IMUNOLOGIA Imunoglobulinas reconhecer sequencias mais conservadas de nonâmeros e heptâmeros. Uma RSS com 12 pares de base só pode reconhecer outra com a mesma quantidade de espaçadores. Por isso na cadeia leve lambda, todos os genes V são flanqueados por espaçadores de 23 e todos os J com12, para não haver genes combinados com eles mesmos (caso isso ocorra, gera uma imunoglobulina não funcional, pois não teria estrutura adequada). Já na cadeia pesada, que possui os genes D, são flanqueados dos dois lados por espaçadores do tipo 12, podendo ser combinados com genes V e J. Outro modo de controlar é que somente os linfócitos B e T vão expressar a RAG, de modo que não vão quebrar o DNA de qualquer célula. A perda ou ganho de nucleotídeos sem compensação gera as recombinações não produtivas, já que a codificação ocorre de três em três (códons). Diversidade combinatória: Todos os genes foram herdados e recombinaram dentro do lócus de cadeira leve e pesada e depois combinarem entre si, dando a possibilidade de 107 diferentes moléculas de imunoglobulinas. Diversidade juncional: No entanto, há a possibilidade de mais diversidade pois quando os três segmentos gênicos (V, D e J) vão recombinar através do reconhecimento da RAG, eles têm sua fita dupla de DNA cortada - porém sua junção não é precisa, podendo ter inserções aleatórias de nucleotídeos afim de completar essa combinação. A inserção desses nucleotídeos não estava prevista no genoma, sendo variações criadas de novo durante o desenvolvimento. Como podem ser inseridos de 0 a 3 códons em cada uma das junções (DJ ou VD), caso tenha 3 códons, as possibilidades são 20 x 20 x 20 aminoácidos em cada uma dessas junções, dando algo em torno de 108 diferentes possibilidades. Ou seja, para cada uma das 107 possibilidades combinatórias, há 108 possibilidades diferentes, gerando – no total – algo em torno de 1015 no repertório teórico de possibilidades. Por isso existem moléculas capazes de reconhecer todo e qualquer tipo de antígenos existentes e não existentes na natureza. O poder dos mecanismos de recombinação V(D)J usados para criar a enorme diversidade de imunoglobulinas levou a visão “comum” de que o repertório primário de imunoglobulinas contêm uma geração de sítios de ligação ao antígeno randomicamente gerados, essencialmente completa e capaz de se ligar a qualquer antígeno. No entanto, isso não é exatamente verdade, visto que não criamos imunoglobulinas na 1ª semana após entrar em contato com o SARS-COV-2, por exemplo.
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