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Nise da Silveira e as cirurgias na psiquiatria (apresentação de artigo)

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Departamento de Psicologia 
Prof. Dr. Neyfsom Carlos Fernandes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Trabalho História da Psicologia 
 
 
 
 
 
Alice Cristina Amaro Ferreira 
Ariele de Freitas Macedo 
Isabela Brugnerotto de Almeida 
Lívia Wenischenck Bráz 
Milena de Paula Q. R. Fonseca 
Vitória Cecília da Silva Lopes 
 
 
 
 
 
São João Del rei 
2020 
 APRESENTAÇÃO GERAL DO ARTIGO – OBJETIVOS: 
 
 O texto traz um pouco da história de Nise Magalhães da Silveira, médica psiquiatra, 
alagoana, única mulher de sua turma de medicina, uma das primeiras formadas no Brasil. 
Nascida em 15 de fevereiro de 1905, Nise revolucionou o tratamento mental, com sua 
relevância e resistência aos procedimentos e experimentos da época. Envolvida com questões 
políticas, foi presa em 1936 durante 18 meses, só integrada novamente ao serviço público em 
1944 no Centro Psiquiátrico Nacional Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, onde iniciou sua luta 
contra as práticas que considerava agressivas aos pacientes. Devido a sua recusa em realizar 
tais procedimentos aplicados no centro, como a lobotomia, foi transferida de setor. Nise se 
depara com a área ocupacional na qual ela inicia a criação do ateliê de pintura e modelagem 
com a intenção de ressignificar o sofrimento daqueles adoecidos trazendo conforto, liberdade, 
criação de vínculo e utilizando da criatividade e do simbólico. Em 1952 ela fundou o Museu do 
Inconsciente, que apresentava as obras criadas pelos seus pacientes. A arte trouxe para essas 
pessoas um renascimento social. Em 1956, Nise criou a Casa das Palmeiras, uma clínica que 
tinha como objetivo a reabilitação de antigos pacientes de clínicas psiquiatras. Além disso, ela 
também foi a pioneira nos estudos com uso nos animais e na psicologia Junguiana no Brasil. 
 
 A principal discussão abordada no início do artigo foi a promoção sobre as cirurgias 
cerebrais desenvolvidas na época e testadas em macacos, um tema o qual gerava grandes 
discussões, já que após o procedimento o animal apresentava uma certa inércia, reduzindo o 
quadro de agitação. O objetivo central era eliminar as doenças mentais ou extinguir 
comportamentos indesejados ainda não compreendidos. Os procedimentos conhecidos como 
lobotomia e leucotomia possuíam uma divisão terminológica apresentando variações em suas 
técnicas e tendo como pressuposto que essa dissecação produziria modificação nessas 
disfunções. A eletroconvulsoterapia, também conhecida como eletrochoque, foi uma técnica 
bem utilizada nessa época promovendo também uma melhoria nos sintomas psiquiátricos 
segundo seus criadores. A insulinoterapia também foi um procedimento usado na época, que 
consistia na aplicação de uma série de injeções utilizadas de início para delirium tremens e para 
desnutrição, sendo usadas mais tarde para casos específicos de esquizofrenia. Esses métodos 
foram marcantes no processo de construção de um pensamento adverso por Nise que iniciou 
uma nova forma de tratamento, agora não invasivo e nem perturbador aos pacientes. 
 
 Procedimentos como a lobotomia são resquícios da era do fisicalismo, na qual a 
Psicologia se restringia a buscar explicações das enfermidades exclusivamente a nível físico. 
Nise da Silveira propõe transformar a visão da psiquiatria quanto à maneira de tratar os 
fenômenos psíquicos. Os sujeitos acometidos por sofrimentos mentais, antes submetidos a 
tratamentos sub-humanos e internados em manicômios passam a receber “afeto catalisador” 
para se sentirem amparados em seu processo de melhoria gradual visando a cura. 
 
 Junto com a retomada de Nise em 1944, outros médicos apresentaram procedimentos 
novos como a lobotomia, aos quais ela demonstrava desde o início resistência, sendo 
extremamente criticada por não concordar com seus colegas de trabalho no centro de Engenho 
de Dentro. A visão dela era do quanto aqueles tratamentos eram ineficazes e agressivos aos 
pacientes e sem sombra de dúvidas um risco à saúde dessas pessoas. Por outro lado, em relação 
a teoria de Descartes, ela discordava de sua proposta dualista, por ter uma visão unificada do 
indivíduo, denominada monismo vitalista. Para Nise, essa separação entre o corpo e a alma não 
é possível, sendo que ela se embasa no modelo analítico de Jung, onde existe essa união da 
psique da matéria. 
 
 Para embasar sua teoria de que esses procedimentos invasivos não eram ideais, Nise 
traz relatos de pacientes e experiências nos quais se é possível ver essa não melhora e sim um 
atentado à integridade do órgão mais nobre. Ela critica o modelo que se estende até hoje, 
expresso pela psicofarmacologia, de controle dos corpos. A intenção de controlar as doenças a 
nível biológico, com supressão de sintomas, desconsidera o mundo interno, tão real quanto o 
externo, continuando a considerar os sujeitos como máquinas – resquício do mecanicismo da 
época de Descartes. A descoberta da capacidade de administrar a vida a nível molecular reduz 
as possibilidades de acessar a psique, restringindo-se à matéria. A partir dessas descobertas ela 
cria um ateliê de atividades expressivas no Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação do 
complexo psiquiátrico, devido à sua transferência. Iniciando então atividades com pintura, 
modelagem e escultura como opção de tratamento, tendo como objetivo ter um ambiente livre 
para produção espontânea. 
 
 Nise, então, aproxima a loucura da arte, possibilitando a expressão dos fenômenos 
mentais por meio de pinturas dos próprios sujeitos, a fim de se curarem a partir da própria 
criação. As imagens advindas da psique são vias de acesso ao inconsciente e, a partir de uma 
nova perspectiva, retiram o estigma de “doença”, ampliando as possibilidades de compreensão 
do que se passa dentro de cada sujeito. O ato artístico expressa o mecanismo da própria psique 
de autorregulação e de reintegração de conteúdos, com elevado potencial terapêutico. As 
produções criadas nesse setor começam a trazer forma de um “inconsciente”, totalmente 
inexplorado até então, tomando formas e desenhos expressões trazidas desse desconhecido. 
Assim, ultrapassa os limites do racionalismo previamente concebido e possibilita acesso ao 
território do inconsciente, espaço do simbólico, de linguagem peculiar. A ferramenta do 
processo de construção lógica através do raciocínio se torna para eles algo extremamente difícil 
de articular, sendo que expressar essas vivências com lápis e pincel é o concebível por muitos. 
 
 Diante dessas articulações, Nise se aproxima da psicologia analítica fundada por Carl 
Gustav Jung, conseguindo então fundamentar e sustentar a criação de imagens, produzindo não 
só o acesso ao inconsciente mas também uma aplicação terapêutica. A psiquiatra tratava a 
loucura de forma singular, já que considerava aqueles desenhos como algo vindo das 
profundezas da psique -como um caos-, demonstrando a fragmentação do outro trazida em 
traços únicos de lugares nunca visitados antes. O diagnóstico é tratado por ela de modo que 
“tais sintomas não compõem uma doença, uma entidade patológica definida, mas se manifestam 
como estados múltiplos de desmembramento e de transformação do ser” (SILVEIRA, 1989, 
p.9), contrapondo-se à ótica da psiquiatria moderna que se restringe a modificações químico-
biológicas. 
 
 O artigo trata de muitas teorias contrapondo os conceitos de Nise e sendo fundamentais 
também para essa pesquisa e procura por algo que explicasse de forma embasada o que estava 
surgindo durante suas atividades ocupacionais. Através dessa desconstrução de conceitos, e 
pela descoberta da teoria analítica de Jung se faz possível a construção do inconsciente através 
da arte e então se iniciam as discussões sobre o contexto até aquela época e as novas teorias. A 
hegemonia do fisicalismo e mecanicismo se torna um dos primeirospontos a serem tratados no 
texto, juntamente com Descartes. Enquanto se procurava uma padronização para o tratamento, 
Nise começava a desconstruir conceitos através do inconsciente, que aos poucos se revela como 
inconsciente coletivo. Nesse sentido, a normatização do uso dos experimentos e medicações 
começam a ser questionados. 
 
 
RELAÇÕES COM O CONTEÚDO DA DISCIPLINA ATÉ O CAPÍTULO 8. 
 Primeiramente, podemos destacar a hegemonia do mecanicismo e posteriormente do 
fisicalismo: visões que superestimam o papel do corpo em detrimento da psique. De acordo 
com essas linhas de pensamento, o ser humano seria uma máquina assim como o universo e 
todas as leis poderiam ser explicadas pelas ciências naturais. A partir disso, toda a investigação 
consistiu na aplicação de métodos experimentais e quantitativos sobre o soma (corpo) dos 
sujeitos para a compreensão da natureza humana, em paralelo ao funcionamento maquinário. 
 
 No século XVII, iniciou-se o fascínio pelos autômatos, que em seguida veio a 
influenciar a psicologia da época. René Descartes, influenciado pelo mecanicismo, buscou 
entender o funcionamento das máquinas a partir do reducionismo, que era baseado na 
compreensão do todo pelas partes. O teórico também foi influenciado pelo determinismo, que 
considerava que os atos dos indivíduos seriam pré-determinados por eventos do passado e pela 
natureza a partir de leis necessárias e imutáveis. 
 
 No começo do século XX, principiou-se o processo do fisicalismo, o qual 
estabeleciaque tudo poderia ser explicado em termos físicos; no caso do comportamento 
humano, por processos cerebrais. Nesse período, houve o surgimento de procedimentos como 
o eletrochoque, técnica que consistia na execução de estímulos elétricos na região temporal, a 
lobotomia, intervenção cirúrgica na qual eram seccionadas partes do cérebro e a insulinoterapia, 
em que se injetava a insulina como sedativo hiperglicêmico, todos processos possíveis em razão 
da correlação com o mecanicismo. A psiquiatra Nise da Silveira considerava esses métodos 
agressivos e ineficazes, sendo a favor da arte como forma de terapia, com a técnica da pintura 
e da escultura. Ela se propunha a humanizar o tratamento, retirando a ótica em que os sujeitos 
eram considerados autômatos (máquinas). 
 
 O artigo “A Psique ao Encontro da Matéria: corpo e pessoa no projeto médico-
científico de Nise da Silveira”, dessa forma, elucida o posicionamento da médica frente ao 
Zeitgeist/Espírito Intelectual da época: “Sustenta-se aqui que seu pensamento constitui uma 
recusa sistemática à explicação para a natureza humana, visto que, em razão disso, foram 
adotados procedimentos no crânio, como no lobo pré-frontal e no tálamo, por meio da secção 
para modificar comportamentos determinados pressupostos considerados hegemônicos ao 
longo da emergência do pensamento científico moderno, notadamente os do fisicalismo e do 
mecanicismo, o que torna possível sua aproximação à ambição monista dos pensamentos 
românticos e vitalistas.” (MAGALDI, 2018). 
 Descartes deu início ao problema mente-corpo, observando uma dualidade nos 
processos psicofisiológicos. Em contraposição, Nise supera o pensamento cartesiano - 
psicofisiologia da separação entre corpo e alma - utilizando a teoria monista como base, em que 
era assumida a união entre psique e matéria (analogamente à filosofia de Baruch Spinoza), 
entendendo que ambos eram capazes de influenciar e interagir um com o outro. Não obstante, 
para Nise da Silveira, os métodos utilizados pela concepção mecanicista cartesiana, que tinha a 
natureza humana como agressiva, prejudicavam os processos de criatividade e imaginação. 
Segundo Nise, “Uma coisa é considerar que matéria e espírito são uma coisa só. Outra é a visão 
cartesiana, que considera a matéria, o bicho, o homem uma máquina que funciona isoladamente 
com a razão no alto da cuca comandando” (FERREIRA, 2008, p.9). 
 Em outra análise, o médico alemão Franz Josef Gall criou o conceito da frenologia, em 
que acreditava-se que as características intelectuais e emocionais de uma pessoa estavam 
ligadas ao formato da superfície do cérebro e que cada função mental estaria relacionada com 
pontos específicos do crânio. Ele considerava essa relação uma forma de descobrir as 
habilidades mentais dos seres humanos. “A partir disso, ele deduziu que um órgão da memória 
verbal deveria ficar entre os olhos. Ele supôs que, se uma capacidade era indicada por uma 
característica externa, outras também poderiam ser” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009)). De 
forma paralela, no artigo supracitado, é possível afirmar o pressuposto da existência de bases 
anatomofisiológicas utilizadas contra os que eram vistos como inadequados na sociedade. Esse 
método difundiu-se na Europa e se popularizou, ao passo em que começou a ser utilizado na 
psiquiatria brasileira por volta de 1928 (MAGALDI, 2018). 
 É possível destacar também que Nise propõe a reintegração dos indivíduos ao corpo 
social, por meio de uma perspectiva humanizadora, contrapondo-se aos processos excludentes 
de “higienismo” e de eugenia, que de acordo com Francis Galton, autor do termo, tinha como 
propósito selecionar os indivíduos mais “aptos” a partir de qualidades consideradas nobres, 
visando à evolução social. Ele, analogamente ao pensamento de Charles Darwin, acreditava no 
processo de seleção natural, em que as características poderiam ser selecionadas e passadas por 
diferentes gerações. Desse modo, Galton considerava que a superioridade era fator hereditário. 
Os indivíduos considerados loucos por não se comportarem de modo adaptado à sociedade eram 
subjugados e sofriam as consequências do sistema vigente. O objetivo era tornar esses sujeitos, 
por meio de um projeto alienista baseado em métodos do fisicalismo com os tratamentos 
morais, mais adequados ao meio social. 
 
CONSIDERAÇÕES E CRÍTICAS APONTADAS EM RELAÇÃO À PSICOLOGIA, OU 
TEORIA PSICOLÓGICA, NO QUE SE REFERE AOS ASPECTOS TEÓRICOS E 
INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS: 
 
 A ruptura intelectual que deu origem ao Iluminismo entre os séculos XVIII e XIX 
favoreceu a cosmovisão mecanicista. Nesse contexto, a psiquiatria assume o papel de classificar 
o comportamento e o corpo humano, sobretudo a partir da aplicação dos princípios mecânicos 
ao funcionamento da mente. Valendo-se da abstração de quaisquer componentes afetivos e 
qualitativos na análise em detrimento de uma valorização tanto do naturalismo quanto do 
reducionismo, Paolo Rossi evidencia a psicofisiologia cartesiana como sendo o principal agente 
da separação drástica entre matéria e espírito: “Abre o caminho ao mecanicismo biológico dos 
médicos-mecânicos e à progressiva substituição dos princípios vitais da tradição vitalista pelos 
métodos da química e da física” (ROSSI, 2001, p. 255). 
 
 Posto isso, a tendência médico-científica do período era de determinar o ser humano 
como objeto natural que meramente funciona ou não, fazendo uma dissecação não só literal 
como também metafórica do sujeito. Desse modo, utilizando a linguagem verbal como 
dispositivo da racionalidade e dedução, Nise da Silveira contrapõe-se à ótica iluminista ao trazer 
à luz os escritos de Artaud em sua tese: 
“Antes de Artaud, nunca alguém conseguiu, por meio de palavra, exprimir com tanta 
força essas dilacerantes vivências. Pela imagem, sim, que é a direta forma de expressão 
dos processos inconscientes profundos, muitos o fizeram, e fazem todos os dias, usando 
lápis e pincéis. Pela palavra, não. Pois a linguagem verbal é por excelência o instrumento 
do pensamento lógico, das elaborações do raciocínio. E essas experiências, às quais 
Artaud dá forma por meio de palavras, passam-se a mil léguas da esfera racional” 
(SILVEIRA, 1989, p.10). 
 
Assim, também é possível explicitar o caráter primordial da linguagem imagética e 
simbólica no trabalho da psiquiatra alagoana, com poderosa influência da psicologia analíticaproposta por Jung. 
 
 Dessa maneira, ocorre uma renúncia absoluta à hegemonia do pensamento da época 
por Nise, que valorizava, assim como Jung, o otimismo epistemológico, isto é, o vínculo do 
homem à natureza e a crença de que a ciência não deve provocar qualquer divisão entre esses 
dois elementos. Instigada pela visão totalizante de Naturphilosophers como Goethe e Schelling, 
também rejeitou a concepção reducionista, que consistia no esforço de reduzir o espírito à 
matéria, uma vez que o todo é mais valioso que as partes. Verifica-se, então, a tentativa de levar 
“a psique ao encontro da matéria”, sem submeter uma à outra. 
 
 Destarte, para a tese niseana, a concepção romântica tem cunho essencial. Entrevistada 
pela revista “Rádice'', Nise da Silveira é questionada sobre a implicação romancista de suas 
ideias: “Mas e daí ser romântico? O romantismo não será uma contracorrente ao excesso de 
racionalismo?” (MELLO, 2009, p.67). Por fim, como explicitado anteriormente, as correntes 
de pensamento do naturalismo, fisicalismo e iluminismo são fortemente contestadas em prol da 
cosmovisão de uma sensibilidade vital do sujeito em sua unidade. Diz respeito, em síntese, a 
um conceito que é denominado monismo vitalista, análogo à tradição romântica. 
APONTAMENTOS RELACIONADOS ÀS QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS/O 
CONHECIMENTO ADQUIRIDO E A COMPREENSÃO DA PSICOLOGIA. 
 No que se refere às questões contemporâneas, o artigo retrata o uso de fármacos como 
forma de intervenção abrangente na psiquiatria. A prescrição de remédios como recurso 
terapêutico de doenças mentais acarreta uma alteração química comportamental nos pacientes. 
Dessa forma, o direcionamento do foco dado pela comunidade médica e pelas indústrias 
farmacêuticas induz à supressão dos sintomas e à cura baseada unicamente na materialidade 
orgânica, o que direciona a sociedade ao uso indiscriminado de alotrópicos. Por essa 
perspectiva, as terapias alternativas, como as introduzidas por Nise, perdem força no cenário 
atual em função do predomínio do pensamento fisicalista na medicina e do ganho monetário. 
Baseada nas ontologias romântica e vitalista, Nise da Silveira acreditava que a melhor 
forma de tratamento para pacientes se dava por meio da construção de um ambiente com 
acolhimento emocional (MAGALDI, 2018). A partir dessas ideias e de sua transferência para 
o setor de Terapia Ocupacional, a psiquiatra estabeleceu um ateliê no interior do Centro 
Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde os enfermos se tornavam artistas e ganhavam liberdade de 
expressão por meio das artes visual e plástica. Portanto, mesmo não sendo totalmente contra o 
uso de psicotrópicos, Nise reforçava sua visão de que o caminho para cura era oposto ao do 
controle químico, que dopava os pacientes ao invés de fornecer um caminho saudável para a 
melhora efetiva. 
Em contrapartida ao pensamento niseano, pode-se observar que a permanência do 
fisicalismo como base da psiquiatria brasileira encaminhou a ciência a, progressivamente, 
utilizar da psicofarmacologia como principal recurso terapêutico. Atrelada ao mecanicismo, a 
teoria fisicalista desenvolveu uma visão objetificadora dos seres humanos, afirmando que esses 
funcionavam como máquinas e que qualquer enfermidade poderia ser curada mediante 
intervenção no corpo físico. À vista disso, a desumanização dos pacientes permitiu que as 
qualidades emocionais fossem ignoradas e, assim, o tratamento fosse pensado a partir de uma 
concepção reducionista do ser. Por consequência, a prescrição de medicamentos passou a ser a 
terapia predominante na psiquiatria, assim como analisado por Felipe Sales Magaldi em: “[...] 
as doenças mentais passam a ser compreendidas como entidades mórbidas universais, e a 
relação médico/paciente passa a ser guiada especialmente pelo controle farmacológico dos 
sintomas” (MAGALDI, 2018, p.83). 
Atualmente, a disseminação massiva das receitas médicas inferiu em uma banalização 
do uso de psicotrópicos. A sociedade, induzida à crença limitante da cura por componentes 
químicos, tornou-se vítima da padronização dos sofrimentos e, consequentemente, da 
hiperdosagem medicamentosa administrada pelos profissionais citados. Decerto, tal 
problemática acarreta implicações graves na saúde dos pacientes como, por exemplo, 
dependência e tolerância (PEREIRA, 2015). 
Por outro lado, é preciso ressaltar a influência significativa do complexo farmacêutico 
no direcionamento dos tratamentos psiquiátricos. A noção de “biopoder” desempenhada pelas 
indústrias boticárias molda as transformações no campo da biomedicina de forma emergente 
(MAGALDI, 2018) por meio de vínculos políticos com diversas comunidades sociais. Sendo 
assim, foi incentivada a manipulação de remédios para o controle das doenças psíquicas. 
Novamente, a redução do indivíduo a uma figura desumanizada propicia a manutenção dos 
interesses de determinado grupo, porém, nesse caso, a ambição é outra: acúmulo de capital. 
Por fim, cabe salientar que o conhecimento adquirido no artigo citado proporcionou uma 
compreensão prática das questões teóricas anteriormente vistas. O estudo de Felipe Magaldi 
sobre o projeto médico-científico de Nise da Silveira elucidou as implicações diárias de teorias 
como o mecanicismo e o fisicalismo, e as dificuldades enfrentadas por quem deseja alterar uma 
linha de raciocínio predominante. Felipe evidenciou o trabalho de Nise a partir de uma noção 
real do contexto da época, retratando a luta por uma terapia humanizada em tempos 
conservadores. Ademais, houve a apresentação de um novo ponto de vista e a confirmação de 
que a ciência, assim como todas as áreas da vida, está em constante transformação. 
 
RELAÇÕES FEITAS COM O CONTEÚDO DA DISCIPLINA HISTÓRIA DA 
PSICOLOGIA. 
 Com base na leitura do artigo, é possível perceber diversas referências à história da 
psicologia, desde antes da sua consolidação como disciplina até o fortalecimento da psicologia 
aplicada, fazendo relações com os métodos e pensamentos de outros psicólogos e filósofos. 
Nise da Silveira, com a fundação do Museu de Imagens do Inconsciente, estabeleceu dentro do 
complexo psiquiátrico do Engenho de Dentro um espaço simultaneamente terapêutico e 
científico (MAGALDI, 2018), não fazendo distinção entre local de pesquisa e clínica, assim 
como Hugo Münsterberg, que tratava os pacientes em seu laboratório. Apesar dessa 
semelhança, Nise da Silveira afirmava a relação das doenças mentais com o inconsciente, ao 
passo que Münsterberg acreditava que essas se tratavam de problemas de ajustes 
comportamentais e negava a existência do inconsciente. 
 
 Outra relação com psicólogos anteriores é a utilização do método da associação livre, 
que foi desenvolvido por Galton e posteriormente adaptado e aprimorado por Wundt, Jung e 
Freud. Entretanto, em oposição às ideias freudianas, Nise acreditava que um dos maiores 
problemas da abordagem psicanalítica seria a necessidade da tradução das imagens em palavras, 
visto que, para Freud, a primeira era submissa à segunda. Porém, no pensamento niseano, o 
caminho para a expressão do inconsciente seriam as imagens tomadas por si próprias, uma vez 
que a linguagem verbal teria maior ligação com o campo da lógica e da razão (MAGALDI, 
2018). 
 
 A psiquiatra retoma também o conceito de autômatos, aparelhos mecânicos que 
reproduziam movimentos de animais ou humanos, para falar sobre os efeitos das psicocirurgias 
nos pacientes, afirmando que essas técnicas transformariam as pessoas em máquinas sem 
capacidade de imaginação e abstração (MAGALDI, 2018). Essa teoria entra em discordância à 
Descartes, posto que, no pensamento cartesiano, as leis mecânicas e os métodos experimentais 
quantitativos utilizados no universo físico, seriam aplicáveis também ao estudo dos seres 
humanos (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009). Para Silveira, esses métodos, além de ineficazes, 
atentavam à integridade do homem (SILVEIRA, 1992).A médica passou a se opor de forma 
mais incisiva a esses métodos depois de seu contato com a terapia ocupacional. 
 
 Outra questão relevante a respeito de intervenções como lobotomia, leucotomia, 
eletrochoque e insulinoterapia é o momento em que esses procedimentos foram criados, visto 
que se trata do período entreguerras. A época citada foi de extrema importância para o 
desenvolvimento da tecnologia e para a psicologia, uma vez que depois da Primeira Guerra 
Mundial houve grande demanda pelos serviços dos psicólogos industriais, visando a 
reorganização dos procedimentos de pessoal e preparação de testes psicológicos para selecionar 
funcionários (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009). Além disso, os psicólogos da engenharia 
trabalhavam também auxiliando no setor de sistemas de armamentos, fornecendo informações 
sobre as limitações e capacidade humana (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009). Entretanto, apesar 
dos avanços positivos da psicologia na época, infelizmente, o Zeitgeist eugenista do 
entreguerras permitiu que os métodos psiquiátricos explicitados no referido artigo fossem 
utilizados como forma de controlar o comportamento indesejável dos pacientes (SABBATINI, 
1997). 
 
 É notório também que as intervenções realizadas no tratamento de doenças mentais na 
época, além de possuírem cunho mecanicista e fisicalista, demonstraram forte ligação com o 
pensamento empirista, posto que muitos dos procedimentos foram realizados não apenas para 
fins curativos, mas também para o aprimoramento de técnicas cirúrgicas, visto que os 
experimentos com animais eram escassos (MASIERO, 2003). Porém, a busca por 
conhecimento mediante experimentação em seres humanos e realização de psicocirurgias 
degradantes ultrapassou diversos limites éticos. No Brasil, a técnica da lobotomia e da 
leucotomia foi utilizada até 1956, passando a ferir o Código de Nuremberg, estabelecido em 
1947 para regulamentar e conter os abusos de experimentação médica ocorridos durante a 
Segunda Guerra Mundial (MASIERO, 2003). Nise da Silveira se opôs a esse sistema, 
defendendo uma psiquiatria pautada no afeto e na expressão do inconsciente pela arte. 
 
 
 
REFERÊNCIAS: 
 
FERREIRA, M. P. (2008). Senhora das Imagens Internas-Escritos dispersos de Nise da Silveira. 
Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional. 
MAGALDI, F. S. (2018). A psique ao encontro da matéria: corpo e pessoa no projeto médico-
científico de Nise da Silveira. Hist. cienc. saúde-Manguinhos, 69-88. 
MASIERO, A. L. (2003). A lobotomia e a leucotomia nos manicômios brasileiros. Hist. cienc. 
saúde-Manguinhos 10(2), 549-572 
MELLO, L. C. (2009). Nise da Silveira. Rio de Janeiro: Beco do Azougue 
PEREIRA, C. B. S. (2015). Prescrição indiscriminada de psicotrópicos: análise das causas e 
consequências dessa prática na cidade de Luminárias - Minas Gerais. Recuperado 26 de outubro 
de 2020 de https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/una-6054 
ROSSI, P., & na Europa, N. D. C. M. (2001). Bauru. SP.: EDUSC. 
SABBATINI, R. M. (1997). A história da psicocirurgia. Cérebro e Mente, (04). 
SCHULTZ, D. P., SCHULTZ, S. E. (2009). História da psicologia moderna. São Paulo: 
Cengage. 
SILVEIRA, N. D. (1992). O mundo das imagens. São Paulo: Ática. 
SILVEIRA, N. D., LUCCHESI, M., FREIRE, M., & CORREA, R. (1989). Artaud: a nostalgia 
do mais. Rio de Janeiro: Numen.

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