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Edmar Lisboa Bacha - Incerteza Jurisdicional e Crédito de Longo Prazo

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1
INCERTEZA JURISDICIONAL E CRÉDITO DE LONGO PRAZO 
 
Edmar Lisboa Bacha 
Diretor, Instituto de Estudos de Política Econômica 
Casa das Garças, Rio de Janeiro 
10.12.2004 
 
 
 O termo “incerteza jurisdicional” foi proposto em artigo recente que 
escrevi com Persio Arida e André Lara Resende (“Credit, Interest, and 
Jurisdictional uncertainty: Conjectures on the Case of Brasil”, disponível em 
www.iepecdg.com), para designar a incerteza sobre a estabilidade e a 
segurança dos contratos financeiros firmados sob jurisdição brasileira. A tese 
é que o mercado financeiro interno de longo prazo é pequeno devido à 
resistência dos agentes privados em aplicarem sua poupança em instrumentos 
financeiros de longo prazo sujeitos à jurisdição brasileira. Gostaria aqui de 
tentar precisar esse conceito de incerteza jurisdicional e sua relação com a 
pequenez do mercado financeiro de longo prazo no país. E também indagar 
sobre o que seria possível fazer para ampliar o alcance do mercado financeiro 
doméstico. 
 A incerteza jurisdicional reflete um viés anti-credor não precificável, 
manifestando-se no risco de atos do Príncipe mudando o valor dos contratos 
financeiros durante sua vigência ou por ocasião de sua cobrança, ou de 
decisões das Cortes desfavoráveis ao credor até mesmo por sua demora. 
Associa-se ao conceito de “impunidade civil” do devedor, mas enfatiza 
fraquezas jurisdicionais no sentido do poder do Estado, em sua soberania, de 
fazer leis e administrar a Justiça. Por não poder ser precificada, a incerteza 
jurisdicional tem por conseqüência a quase inexistência de uma oferta privada 
voluntária de financiamento de longo prazo na jurisdição interna. 
 É útil contrastar essa tese com uma alternativa bastante popular: o crédito 
de longo prazo inexiste porque a taxa de juros de curto prazo é tão alta. Muita 
gente pergunta: “Com essas taxas de juros tão altas no curto prazo, quem vai 
querer fazer empréstimos de longo prazo?”. A implicação dessa postura é que 
a solução para permitir o alongamento das aplicações estaria em reduzir a taxa 
de juros de curto prazo. Tal redução, segundo uns, viria naturalmente com o 
tempo, desde que se persistisse na atual política macroeconômica 
conservadora. Para outros, crentes na teoria dos equilíbrios múltiplos, essa 
baixa da taxa de juros poderia ser obtida por um ato voluntarista do Banco 
Central. 
 A conjectura desenvolvida no texto com Arida e Lara Resende é que essa 
expectativa de uma baixa seja natural seja forçada da taxa real de juros não é 
 
 2
realista no caso brasileiro. Pois, tanto a taxa elevada de juros reais de curto 
prazo como a inexistência de mercado de crédito de longo prazo são duas 
faces de um mesmo fenômeno: a incerteza jurisdicional. O que causa a 
relutância de se emprestar longo é o mesmo fator que requer juros altos para 
se emprestar curto: a incerteza sobre a estabilidade e a segurança do contrato 
financeiro firmado sob jurisdição brasileira. 
 A pergunta que imediatamente ocorre é: mas por que o Brasil? Outros 
países também têm incerteza jurisdicional, mas taxas de juros de curto prazo 
bem menores. Exemplo típico seria o Peru. Nossa conjectura é que em países 
em que há incerteza jurisdicional o mercado financeiro tende naturalmente a 
se dolarizar. Esse é o caso do Peru, bem como da grande maioria dos países 
latino-americanos. A peculiaridade brasileira é haver desenvolvido, em 
condições de alta incerteza jurisdicional, um grande mercado financeiro 
interno de curto prazo, com liquidação exclusivamente em moeda nacional. 
Isso é fruto da combinação da “cláusula ouro” de 1933 (que proibiu a 
circulação interna do dólar) com o instituto da correção monetária pós-1964. 
Essa combinação permitiu o desenvolvimento de um substituto doméstico ao 
dólar através da chamada moeda remunerada. Em países com sistema 
financeiro interno de curto prazo dolarizado, como o Peru, há pouca margem, 
afora eventual expectativa de crise cambial, para o afastamento da taxa de 
juros da moeda nacional em relação à taxa de juros em dólares. Não é esse o 
caso brasileiro, onde o acesso à moeda estrangeira é restrito às operações via 
CC-5, permanentemente sujeitas a vedação por um simples ato administrativo 
do Banco Central. 
 Ressalte-se que “dolarização” não é a mesma coisa que “conversibilidade”. 
A moeda peruana não é uma moeda plenamente conversível, pois existem 
restrições à livre transferência internacional de recursos em conta capital, mas 
o sistema financeiro peruano é amplamente dolarizado, no sentido que os 
depósitos bancários em dólar são quantitativamente bem mais importantes 
que os depósitos em soles. Por outro lado, em países com boa jurisdição e 
moeda conversível, como a França, não há espaço para o uso do dólar em 
transações bancárias internas. 
 Se o Brasil declarasse o Real conversível, mas mantivesse a “cláusula 
ouro”, i.e., a proibição do uso do dólar em transações financeiras internas, 
seria isso suficiente para fazer a taxa de juros de curto prazo do Real cair para 
níveis internacionais? Como uma medida isolada, possivelmente não, pois 
essa “conversibilidade” não seria crível, estando sempre sujeita a uma 
subseqüente “desconversibilidade”. Entretanto, como parcela essencial de 
um amplo e pré-anunciado programa de melhoria jurisdicional, acreditamos 
que sim, a conversibilidade plena poderia fazer baixar os juros internos. Pois a 
manutenção das restrições à conversibilidade, mesmo com o câmbio 
 
 3
flutuante, sinaliza para os agentes econômicos que as autoridades monetárias 
partilham de suas dúvidas sobre a qualidade da jurisdição brasileira. Isto é, 
temem não existir uma taxa de câmbio finita e razoável, à qual a moeda 
brasileira seria voluntariamente retida pelos residentes do país, em condições 
de plena conversibilidade. 
 O abandono da “cláusula ouro”, por outro lado, permitindo o depósito em 
dólares no sistema financeiro interno, iria levar a uma dolarização de 
dimensões peruanas do sistema financeiro interno, com taxas de juros em 
reais mais baixas? Talvez sim, talvez não. Mas certamente trata-se de uma 
política inadequada para o país, dados os riscos que ela envolve para a 
estabilidade do sistema financeiro e a rolagem da dívida interna. Além do 
mais, não há razão para o governo abdicar da senhoriagem propiciada pela 
retenção voluntária da moeda nacional. 
 De todos os modos, não é só de “inconversibilidade” e de “cláusula ouro” 
que é feita a alta taxa real de juros interna de curto prazo. Para isso, como 
discutido no artigo mencionado, influem outros fatores. Um deles é o 
aumento do risco Brasil pelo alongamento artificial da dívida pública através 
de intermediários financeiros protegidos pelo guarda-chuva do Banco Central. 
Outro fator para os juros reais elevados é a redução do produto potencial – a 
redução da capacidade de resposta da oferta a impulsos de demanda -- 
causada pela alta carga de impostos sobre o emprego formal e as transações 
comerciais e financeiras formais. Mas isso é uma outra longa história. 
Voltemos, pois, ao tema que nos interessa aqui, ou seja, o da pequenez do 
mercado financeiro interno de longo prazo. 
 Aceitando que essa pequenez seja causada pela incerteza jurisdicional, 
como reduzi-la? A manutenção da estabilidade de preços parece ser essencial. 
Países com inflação alta e crescente não têm como assegurar a estabilidade e a 
segurança dos contratos financeiros. Mas, mesmo com inflação baixa, o 
importante é que os títulos financeiros do governo sejam percebidos como 
sendo sem risco de crédito. Portanto, a consolidação fiscal, com uma 
significativa redução da relação dívida/PIB, também é essencial. Mas será que 
não existem uns atalhos, ou seja, maneiras de apressar tanto a queda de juros 
como o alongamento de prazos, enquanto se asseguram a estabilidade de 
preços e a consolidação fiscal? Conjecturas sobre esses possíveis atalhos 
passam por mecanismos críveis de sinalização, que consigam antecipar para o 
presente os efeitosde medidas futuras -- amarrarem-se de mãos que sejam 
percebidos como sustentáveis dos pontos de vista político e econômico. Eis 
algumas possibilidades: 
 
• Como se salientou anteriormente é difícil imaginar um melhor 
sinalizador de confiança na moeda do que um programa crível de 
 
 4
conversibilidade plena, envolvendo regulações financeiras 
prudenciais e um nível adequado de reservas internacionais. 
 
• Uma medida de igual importância seria a independência do banco 
central como sinalização do compromisso com a consolidação 
fiscal. O melhor exemplo da força desse mecanismo foi dado 
pelas conseqüências extraordinariamente benéficas para a 
economia inglesa da independência concedida ao banco central 
inglês quando o governo trabalhista de Tony Blair assumiu o 
poder. 
 
• Outra medida que tem funcionado como sinalização é o anúncio 
de integração com uma jurisdição de qualidade superior, como é o 
caso dos novos membros da Comunidade Européia ou o do 
México no que se refere ao Nafta. Tais exemplos não se aplicam 
ao Brasil, mas talvez fosse útil considerar o acordo de livre 
comércio nas Américas e o do Mercosul com a Comunidade 
Européia também sob esse aspecto de, digamos assim, imantação 
jurisdicional. 
 
• A ampliação da participação do comércio exterior no PIB, de 
modo a torná-lo essencial para as atividades econômicas 
domésticas, também parece funcionar como sinalização de que 
não há volta nas medidas de melhoria jurisdicional, como sugere o 
caso dos países do sudeste asiático, ou da China mais 
recentemente. 
 
• Ao lado desse caminho da “exportabilidade”, a experiência do 
Chile sob Ricardo Lagos sugere que um governo de esquerda que 
abandone o populismo e pratique políticas consistentes com a 
melhoria jurisdicional sinaliza um compromisso do país com essas 
políticas muito mais forte do que um governo conservador 
poderia fazê-lo. 
 
Donde concluímos que há muito por fazer, mas que meio caminho já temos 
andado.

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