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2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista _\firia Lucia Tiellet Nunes Luciana Jornada Lourenço Rit.i de Cássia Petrarca Teixeira Introdução Avaliar é uma atividade existente desde sem- ;:,re na história da humanidade; por exemplo: ...s ..:avernas de Lascaux na França apresentam ;:muras rupestres datadas de 20.000 anos a.C. ::. embora não se saiba exatamente o que as pin- :-.1ras de distintas figuras de animais e humanas ;c:g;nificam, é possível imaginar que representas- :icm tamanho, distância, peso num planejamen- :0 para caçadas (Nunes & Levenfus, 2002), ou 5cp. uma maneira de avaliar de forma qualita- :::. ,-a quando não se contava com possibilidades .Jc mensuração. ~a história científica da psicologia, as raízes .ia avaliação psicológica contemporânea podem icr encontradas em 1905 através do teste criado ~r Binet e Simon, cujo objetivo foi de avaliar as .:nanças das escolas de Paris para inseri-las em ..:::u.sses apropriadas às suas habilidades. Inicia-se, ~tão, o que se tornou conhecido futuramente .:orno avaliação psicológica da inteligência, ao ,•.x1go do desenvolvimento da área. Outro fato ::..!$tórico foram os esforços dos Estados Uni- j;.J'S da América do Norte, na época da Primeira G:.ierra Mundial, em 1917, para avaliar rapida- ::x-me grande número de recrutas para saber de ;i:;.as condições intelectuais e emocionais (Cohen, 5.-.i.-erdlik & Sturman, 2014). Desses tempos mais remotos até hoje, a área da avaliação psicológica muito evoluiu e se firmou no cenário mundial da psicologia. No Brasil, a avaliação psicológica é parte importante da identidade dos psicólogos (Patto, 2000), pois foi essa atividade, dentre ou- tras, que conferiu aos psicólogos precioso valor social frente a outros profissionais e ao público em geral (Rosa, 1997). Avaliação psicológica é definida por Cohen, Swerdlik e Sturman (2014) como os procedimen- tos que permitem ao profissional a coleta e a sín- tese de informações de caráter psicológico com o objetivo de "fazer uma estimação psicológica, que é realizada por meio de instrumentos como testes, entrevistas, estudos de caso, observação comportamental e aparatos e procedimentos de medida especialmente projetados" (p. 31) para esse fim. Ou ainda, conforme o Conselho Fede- ral de Psicologia (CFP, 2013), "a avaliação psico- lógica é compreendida como um amplo processo de investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólo- go. Mais especialmente, a avaliação psicológica refere-se à coleta e interpretação de dados, obti- dos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis, entendidos como aqueles reconheci- dos pela ciência psicológica" (p. 11). carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce Maria Lucia Tiellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássia Petrarca Teixeira Dentre outros muitos campos, a avaliação psicológica permite conhecer uma pessoa/um indivíduo em diversas áreas de interesse: organi- zações e instituições se preocupam em selecionar para promoção as pessoas para diversos cargos e funções, ou reorientação de carreira; psicólo- gos clínicos avaliam para psicodiagnóstico, trata- mento e prognóstico; nas escolas é possível veri- ficar condições de aprendizagem, realizar orien- tação; na área jurídica, há interesse em avaliar periculosidade de detentos, questões relativas à guarda de crianças de casais em processo de di- vórcio, situações que dizem respeito à negligên- cia, ao abuso de crianças. Existem, ainda, avalia- ções psicológicas específicas para, por exemplo, porte de arma e para obter a habilitação para condução de veículos automotores, para habi- litação de pilotos de aeronaves, para cirurgia bariátrica e de mudança de sexo e para tantas outras especificidades. Ao contrário da crítica que, por vezes, surge - a avaliação psicológica rotula o sujeito Romaro (2000) discute que, ao realizar essa tarefa, o psicólogo apresenta a pessoa em sua singularidade, suas possibilidades e seus potenciais de desenvolvimento. Assim, a capacidade do profissional permite o olhar para além do resultado de testes (Persicano, 1997), ao levar em conta também fatores socioculturais, o contexto do avaliando, reconhecendo dessa for- ma variáveis externas a ele (Lopes, 1998), visto serem os testes de fato culturalmente limitados ao retratar valores de determinada cultura (Gon- záles, 1999). Com esses cuidados, interpretar re- sultados de testes é possibilitar a historicização do sujeito (Sigal, 2000), é entender o avaliando como um sujeito de sua própria história. Assim como são diversos os campos possí- veis para a realização de avaliação psicológica, são também diversos os instrumentos que o pro- fissional tem ao seu alcance para realizar essa ati- vidade. A escolha do instrumental vai depender do objetivo específico, do referencial teórico e da finalidade da avalíação e aquele que for rea- lizar tal tarefa pode utilizar testes psicométricos, testes projetivos, diferentes dinâmicas de grupo, dentre muitos outros materiais ao seu alcance. Como sugere Araújo (2007), a avaliação psico- lógica é um procedimento que envolve um cor- po organizado de princípios teóricos, métodos e técnicas de investigação que vão além dos testes psicológicos e das técnicas projetivas, tais como as observações clínicas e a entrevista. Para que os psicólogos possam realizar ava- liações psicológicas de qualidade, o CFP (2007) criou o Sistema de Avaliação de Testes Psicológi- cos (SATEPSI) para examinar os testes psicológi- cos com o intuito de verificar se os mesmos são adequados à população brasileira (CFP, 2011). O SATEPSI, por meio dos membros de sua co- missão consultiva e de pareceristas, examina e avalia testes para garantir suas qualidades psico- métricas, de forma que seu uso seja tecnicamente correto e eticamente responsável. As proprieda- des psicométricas consideradas na avaliação da qualidade dos testes psicológicos são validade, fidedignidade e padronização, descritas a seguir. O conceito de validade refere-se ao grau em que as evidências embasam as inferências feitas a partir dos escores dos testes (American Edu- cational Research Association [AERA], Ameri- can Psychological Association [APA], Nationa1 Council on Measurement in Education [NCME]. 1986). Já fidedignidade significa que os escore: de um teste de uma pessoa permanecem pare- cidos em diferentes momentos (Pasquali, 1996} isto é são estáveis ao longo do tempo (Fachel & Camey, 2000); a padronização quer dizer que hi uniformidade nos procedimentos de administrai e pontuar o teste (Anastasi & Urbina, 2000). carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce 2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista 25 Conforme discute Rosa (2012), seja qual for o contexto da avaliação psicológica, o ponto de partida de uma avaliação se relaciona à demanda que o avaliando traz para o processo e deve ser adequado à situação para a qual o profissional, no final do trabalho, encaminhará o avaliando. Para ::-ealizar o trabalho, o psicólogo deve atentar de forma crítica para a situação e a finalidade da de- :nanda com comprometimento ético e científico. Foram discutidos até aqui elementos impor- rantes no processo de avaliação psicológica, tais .:orno a definição dessa atividade do psicólogo, s.eus campos de aplicação e aspectos que dizem respeito ao instrumental utilizado e foram apre- s.entadas resoluções do CFP, pertinentes à área em discussão. A seguir, com essa base, é então possível tratar dos temas centrais deste capítulo: a observação e a entrevista no contexto da ava- liação psicológica. O capítulo iniciou afirmando ser a ativi- dade de avaliar, nas mais diversas situações com as quais alguém se defronta, inerente à própria ..:ondição humana. Da mesma forma, pode-se di- zer queobservar e entrevistar também são tare- ias que acompanham a criatura humana desde os tempos primordiais, desde o início da cons- tituição da sociedade humana. Não é possível 1maginar como as pessoas teriam sido capazes de s.e organizar como grupo sem que tivessem sido ..:apazes de observar o que se passava ao seu re- dor ou consigo mesmas. Também a entrevista, se compreendida em princípio como conversa- ,;ão, existe desde o alvorecer da condição hu- mana ... sem essa possibilidade, que desenvolvi- mento teria sido possível? Embora não existam documentos sobre o início da história da hu- manidade, observar, entrevistar (no sentido de ..:onversar) e avaliar são elementos constitutivos da sociedade humana. Observar e entrevistar são técnicas de coleta de dados em todas as ciências. No contexto da avaliação psicológica a observação e a entrevis- ta são técnicas essenciais, muito úteis e, de certa forma, indissociáveis entre si e do processo de avaliação; aqui serão trabalhadas uma a uma por questões didáticas e, sempre que possível serão discutidas ou exemplificadas de forma associada. Observação A observação, como atividade inerente à condição humana, ajuda a garantir segurança e sobrevivência, assim como serve de auxílio para a escolha de amigos e parceiros íntimos. Os pro- gramas de televisão do tipo reality show, tão po- pulares, mostram o fascínio que as observações exercem sobre as pessoas; habilidades observacio- nais são fundamentais para a atividade humana (Dallos, 2010). As pessoas observam aos outros e a si mesmas. Observam nas pessoas os gestos, as expressões, atitudes, escolha de roupas por- que assim obtêm muitas informações. As obser- vações cotidianas das pessoas em geral diferem daquelas dos cientistas de muitas formas. As pessoas observam de maneira casual, não estão muito conscientes daquilo que pode afetar suas observações e confiam na memória, sem fazer anotações. Os cientistas, por sua vez, realizam observações científicas, sob condições definidas, de maneira sistemática e objetiva, e mantêm re- gistros cuidadosos, com o objetivo de descrever o comportamento (Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister, 2012). A observação é uma das técnicas de pesquisa utilizadas em várias práticas científicas/áreas, sen- do por si um método ou parte de outros métodos de pesquisa: entrevistas, estudos experimentais, estudos de casos clínicos, dentre outros, porque carin Realce carin Realce carin Realce Maria Lucia Tiellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássia Petrarca Teixeira ao observar o pesquisador pode ter indicações dos estados emocionais dos participantes, de como seu comportamento pode estar associa- do a questões ou mudanças no ambiente físico e social (Dallos, 201 O). Seu uso nas atividades daqueles que exercem a psicologia adquire ca- racterísticas específicas, conforme a explicação de Dallos (2010), a observação envolve quatro dimensões, segundo os processos interpreta- tivos tanto do observador como daqueles que são observados, que são: primeira dimensão, ou seja, a testagem de teoria/exploratória - o objetivo é a testagem de uma teoria através da observação daquilo que as pessoas fazem em di- ferentes circunstâncias. A segunda dimensão, denominada experimen- tal/naturalista é aquela que contrasta a observa- ção realizada em condições experimentais, com vários tipos de controle para que se possa ofere- cer explicações causais com a chamada então na- turalística; a observação em condições "naturais" também busca descrever comportamentos não como talvez ocorressem nos estudos de labora- tório (artificiais ou não da vida real). A terceira dimensão intitulada estruturada/não estruturada mostra que na observação está em jogo o quanto a mesma parte de um elenco de comportamentos específicos a serem observados (unidades maio- res: um episódio interativo ou tipos distintos de ações como solidariedade ou hostilidade; ou aspectos mais discretos como expressões ou alte- rações de humor) ou o quanto se inicia sem haver estruturas claras para observar os comportamen- tos das pessoas ou quaisquer acontecimentos e as possíveis características, ações, sequências serão parte de uma estrutura (roteiro) a ser desenvolvi- da com o andar da pesquisa. Por fim, a quarta dimensão, se refere ao observador participante ou não participante, ou seja, a atitude do observador em relação ao observado, o que pode variar desde sua presen- ça quase oculta, fora do grupo a ser observado até a posição na qual o observador é parte inte- grante, um dos membros, do grupo de pessoas das quais observa os comportamentos, tomando parte ativamente no ambiente, ainda que tentan- do manter-se objetivo. Examinando as dimensões propostas por Dallos (2010), nos processos de avaliação psico- lógica, de certa forma, há uma testagem não de teoria mas de uma hipótese, ou mais de uma, a ser testada com todo o instrumental ao alcan- ce do psicólogo avaliador: O sujeito observado pode exercer aquele cargo para o qual está sen- do avaliado? Um aluno está com fraco desempe- nho escolar em função de questões emocionais ou cognitivas? O ambiente de avaliação não é naturalístico no sentido do "mundo real" do avaliando, mas também não é um laboratório de psicologia experimental; ambos os partícipes do processo de avaliação psicológica estão numa clí- nica, num espaço de recursos humanos ou num consultório semelhante a outros onde possam ter estado. A observação poderá ter elementos mais ou menos estruturados, ou seja, um roteiro flexí- vel em relação àquilo que deve ser observado ao longo de uma entrevista durante o processo de avaliação, quando o avaliador está atento à forma como o avaliando se apresenta, o cum- primenta, mantém ou não contato com o olhar, se movimenta muito ou pouco, por exemplo. Ou ainda a observação pode ter um roteiro· fle- xível para o momento da administração do ins- trumental quando o avaliador observa como o avaliando reage e responde à administração de testes: se é colaborador, se fala muito durante a execução das tarefas, se fica irritado, se verbaliza carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce ' ' 2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista que sabe tudo ou faz tudo errado. Ainda a obser- \-ação pode ser mais estruturada se, ao observar, o observador necessitar preencher algum pro- rocolo de informações, como é o caso de testes para os quais é o avaliador que preenche num protocolo de respostas aquilo que o avaliando ..- ai respondendo. Assim, a atitude do observador está mais para a dimensão do observador par- :ícipante, pois estará participante na entrevista e na administração de outros instrumentos ao Jar consignas e por toda sua interação com o Jsaliando. A observação, com ou sem roteiro, .aproxima avaliador de avaliando, sem barreiras, .:orno pode ser o caso em que o observador ne- .::essite ver se uma criança é de fato mais agressi- -.-a e vai então até a escola na hora do recreio e observa de forma mais livre ou com algum pro- :ocolo de registro. Essas dimensões, propostas por Dallos (2010), são elementos didáticos, pois não é fácil classi- iicar a observação quando se está "em campo", 5eja o espaço da observação em uma escola, em um hospital, em uma empresa. Por exemplo, a aYaliação de uma criança pode envolver obser- vação na creche que ela frequenta; assim, o obser- Yador chega à cena com alguma hipótese que de- riYou da demanda e de, pelo menos, entrevista de anamnese com os pais e talvez entrevista com .1 professora. O ambiente é quase natural para a criança, o observador está presente, visível, par- ticipante, irá interagir com a criança e poderá utilizar um protocolo de observação como é o caso do Inventário Cumulativo sobre Estimula- ção Ambiental (ICEA). O ICEA é uma escala de observação sistematizada cujo objetivo é avaliar ascondições de estimulação oferecidas por am- bientes para crianças desde os primeiros meses até os seis anos de idade, como o de creches, por exemplo. Com o instrumento é possível avaliar como pessoas, objetos, espaço físico, móveis, dentre outros elementos, componentes da rotina de crianças podem influenciá-las de forma cumu- lativa ao longo do desenvolvimento infantíl, em várias áreas, tais como linguagem, socialização, motricidade (Pérez-Ramos, 2003). Considerando-se as dimensões acima descri- tas (Dallos, 2010), é importante ressaltar que, na avaliação psicológica, a observação é uma boa maneira de conhecer o comportamento do avaliando. A observação comportamental, no contexto da avaliação psicológica, é definida como "monitoração das ações dos outros ou de si mesmo por meios visuais e eletrônicos ao mes- mo tempo em que se registram as informações quantitativas e/ou qualitativas relativas a essas ações. A observação comportamental é utiliza- da frequentemente como um auxílio diagnóstico em vários contextos, como unidades de pacien- tes internados, laboratórios de pesquisa compor- tamental e salas de aula. Ela pode ser usada para fins de seleção ou colocação em contextos cor- porativos ou organizacionais" (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014, p. 39-40). É importante examinar nessa definição aci- ma citada alguns elementos: antes mesmo do iní- cio da citação, é explicitado que se observa para "conhecer o comportamento" - o que se observa é o comportamento do qual se pode inferir, e confirmar através dos resultados de outros ins- trumentos, diversas funções mentais, tais como atenção, memória, inteligência, afetividade, e outras; a definição menciona a "monitoração das ações dos outros ou de si mesmo" - sim, observa-se o avaliando e o próprio compor- tamento nessa atividade. Nesse sentido, vale a pena lembrar os conceitos psicanalíticos de transferência e contratransferência, pois ainda que derivados da teorização psicanalítica, po- carin Realce carin Realce carin Realce Maria Lucia Tiellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássia Petrarca Teixeira dem ser úteis na compreensão dos fenômenos da interação humana mesmo fora do setting da análise propriamente dito. Na definição de observação, é explicado que a mesma pode ocorrer "por meios visuais e ele- trônicos ao mesmo tempo em que se registram as informações quantitativas e/ou qualitativas", o que significa que diferentes tipos de "memó- ria" da observação podem/devem ser feitos. No Brasil, é menos usual registrar observações de avaliação psicológica por meios eletrônicos e os registros em geral são breves notas após a observação ou, em alguns casos, o uso de algum protocolo de observação. O uso de registros, na forma de protocolos de observação, auxilia a minimizar a tendencio- sidade do observador (derivadas de suas expecta- tivas ou pelo fato de enfatizar alguns aspectos e minimizar outros), comum nos contextos como escolas, clínicas, consultório, empresas, pois mes- mo não sendo totalmente naturalísticos, ocorrem em ambientes conhecidos ou semelhantes àqueles frequentados pelo avaliando. Essa desvantagem pode ser atenuada quando há dois ou mesmo mais observadores quando, por exemplo, alguma técnica usada na avaliação psicológica envolve grupos de avaliandos. Com isso, as observações de cada observador podem ser verificadas e dis- cutidas uma em relação às outras (Gazziniga & Heatherton, 2005; Feldman, 2015). A observação permite ao avaliador o regis- tro de uma boa descrição do comportamento que está observando, mesmo que sua presença possa alterar o comportamento do avaliando. Mesmo que a observação como técnica de co- leta de dados psicológicos não explique por que as pessoas se comportam como o fazem, permi- te ao psicólogo avaliador fazer inferências, que podem ser conferidas com os resultados dos demais instrumentos da avaliação psicológica. No contexto da avaliação psicológica e, em ge- ral, ocorrendo durante a entrevista, a observa- ção, conforme Mackinnon, Michels e Buckley (2008), diz respeito ao comportamento não ver- bal da pessoa avaliada, comportamento do qual a própria pessoa nem possui consciência de quão importante pode ser; nem tem consciência de que tal comportamento verbal ocorre enquanto fala. Tal tipo de comportamento pode revelar elementos emocionais do avaliando, através do comportamento motor, de choro, risadas, rubor, assim como outros; importante de se levar em conta, também, as características físicas da voz, seu timbre, a velocidade ou interrupções ou tre- mores enquanto o avaliando fala. Dessa forma, a observação, durante a entrevista, pode capturar elementos para além do conteúdo da informa- ção factual que o avaliando produz em reação às questões colocadas pelo avaliador. Como exemplos de material observável, o avaliador pode perceber que uma criança ou adolescente que é trazido à avaliação psicológica com a queixa de Transtorno de Atenção e Hipe- ratívidade (TDAH), de fato é capaz de sentar e ser entrevistado ou responder aos testes, ou seja, dificilmente teria TDAH. Outro exemplo de como a observação pode aportar material muito útil na avaliação, é observar, durante a entrevista de anamnese, realizada com pai e mãe de uma criança ou adolescente, qual é a estrutura e a dinâmica familiar que envolve a criança: papel do pai, da mãe, de pessoas importantes; em uma organização, o avaliador pode observar em algu- ma atividade grupal que faça parte da avaliação psicológica, quem toma e que tipo de lideran- ça exerce, como se comunica com os demais e como organiza a atividade de seus liderados. 2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista Entrevista Diz a lenda que entrevista e escrita nasceram iuntas: cerca 3.500 anos atrás, na China, o man- datário mais importante escrevia suas perguntas aos deuses num osso com um ferro incandescen- te como lápis; as ranhuras que ficavam no osso eram as respostas à "entrevista" (Terzani, 2005). .\luito tempo mais tarde, no seu hoje clássico li- HO sobre métodos de pesquisa, datado de 1964, Kerlinger (1980) se refere à entrevista como a maneira mais direta de alguém saber o que de- seja ou necessita saber: formular perguntas e esperar receber as respostas; ou seja, é possível descobrir o que alguém tem na mente, e que não se pode observar diretamente, perguntar e espe- rar as respostas para conhecer os pensamentos, sentimentos, comportamentos e as intenções de alguém (Patton, 1986). A entrevista é a conversa- ção como troca social universal, mas revestida de formalidade, de objetivo específico e sustentada por papéis sociais assimétricos, pois o entrevis- tador pergunta e o entrevistado responde (De- lhomme & Meyer, 2002). Nas palavras de Leal (2008), a entrevista designa uma qualidade de interação profissional em que um técnico e um não técnico se encontram face a face para uma conferência formal num determinado tempo. Como bem discutem Cohen, Swerdlike e Sturman (2014), os psicólogos de diversas áreas utilizam a entrevista como parte de diagnóstico, tratamento, seleção, dentre outras possibilida- des. Por exemplo, esses autores apontam a en- trevista que psicólogos escolares podem realizar para obter informações para tomar decisão sobre diferentes intervenções educacionais; aquele psi- cólogo nomeado pelo tribunal usará a entrevista para que se possa determinar de forma adequada se um réu apresentava-se em seu juízo perfeito quando da prática de um crime; um profissional que trata de traumatismo craniano pode necessi- tar do auxílio de dados de entrevista para esclare- cimento de questões sobre dados no cérebro em função de um ferimento. Ainda, segundo esses autores, psicólogos que atuam na área de recur- sos humanos utilizam da entrevista na avaliação psicológica para responder sobre contratação, demissão e promoção de pessoal. Pode ser que o profissional utilize entrevistaindividual, mas pode privilegiar a entrevista em painel ou ban- ca de entrevista, que se caracteriza pela presença de mais de um avaliador entrevistando um único avaliado de cada vez, com a vantagem de que possíveis tendenciosidades possam ser minimiza- das por mais de um olhar; como desvantagem, há o custo de se utilizar mais profissionais. A entrevista pode partir de diferentes en- foques teóricos (psicanalítico, comportamental etc.), ter distintos objetivos (de diagnóstico, de desligamento, de encaminhamento, dentre ou- tros), ter seu formato mais ou menos estruturado e ser conduzida de forma mais ou menos dirigi- da. No caso da entrevista para avaliação psicoló- gica, aspectos importantes são a estruturação e a condução da entrevista, abaixo discutidos. Estrutura da entrevista diz respeito ao rotei- ro, com o qual o avaliador conduz a entrevista. Nesse sentido, Nunes (1993) discute a entrevis- ta livre ou não estruturada, menos utilizada na avaliação psicológica porque não se trata, como em psicoterapia ou psicanálise, de que o entre- vistado fale o que vem à sua mente; mais usual é a existência de um roteiro esse mais ou me- nos fechado ou estruturado, como é o caso de alguns roteiros de anamnese ou de entrevistas diagnósticas mais fechadas; as anamneses que diferentes profissionais de saúde realizam são de caráter mais fechado, pois são perguntas ou itens carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce Maria Lucia Tiellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássia Petrarca Teixeira específicos que a pessoa deve responder ao con- sultar profissionais da odontologia, medicina, fi- sioterapia. Existem também instrumentos como a Structured Clinica/ Interview for DSM (SCID), uma entrevista estruturada compatível com as categorias diagnósticas do Diagnostic and Sta- tistical Manual of Mental Disorders (DSM), por exemplo. Ainda que já exista a nova quinta - ver- são do DSM em português (American Psychia- tric Association, 2015), a versão correspondente da SCID só está disponível na sua versão origi- nal, em inglês (Structured Clinicai Interview for DSM-5 (SCID-5), cujo acesso pode ser obtido no site da American Psychiatric Association - https://www.appi.org). Mais usual na avaliação psicológica, portan- to, é a chamada entrevista semiestruturada - há um roteiro, mas flexível, não fechado, com o qual o avaliador conduz a entrevista e obtém as informações que necessita para seu trabalho. Com esse tipo de entrevista, o avaliador pode com mais liberdade formular as questões de seu interesse e organizar a sequência das mesmas. Para Patton (1986), a entrevista semiestruturada é o conjunto de temas, que o avaliador define, considerando o objetivo da entrevista, antes de estar na presença do entrevistado; é a lista bási- ca de questões que o avaliando deve responder durante a entrevista, de modo que o avaliador obtenha os temas relevantes que necessita co- nhecer (Bell, 2003 ). Com esse tipo de entrevis- ta - semiestruturada - o avaliador pode adaptar como formular as questões e em que sequên- cia irá fazê-las; com isso o roteiro orienta, mas permite liberdade de explorar, experimentar, formular questões para elucidar, clarear algum tema ao longo da tarefa que tem a realizar com o entrevistado (Patton, 1986), o que permite ao avaliando falar daquilo que é de significado cen- tral para si, mas através do uso da estrutura fle- xível que assegure ao avaliador cobrir os pontos cruciais; sendo assim, esse tipo de entrevista se torna o ponto ótimo entre o continuun de for- malidade ou estrutura da entrevista (estruturada, fechada) até entrevista completamente informal ou livre ou não estruturada. Nunes (2005) lembra que, ao planejar um roteiro para uma entrevista semiestruturada, o avaliador deve cuidar do conteúdo e da formu- lação das questões, dos itens; as questões devem ser formuladas de tal maneira que sejam livres de julgamento de valor, atribuição de causalidade. A formulação das questões deve estar relaciona- da a opiniões, crenças, intenções comportamen- tais, descrição de comportamentos passados e atuais do avaliando, de modo que o profissional possa obter do avaliando uma autodescrição. As frases, nas questões, segundo Delhomme e Me- yer (2002), devem ser não tendenciosas ou indu- toras de resposta, devem ser curtas, claras, sim- ples, com vocabulário adaptado à compreensão do avaliando; deve ser formulada uma questão de cada vez, pois se o avaliando ouve mais de uma pergunta pode ficar sem saber à qual de- las responder. O avaliador deve formular suas questões de tal maneira que não precise lançar mão de exemplos que podem fazer com que o avaliando fique preso a eles e tenha sua res- posta dificultada. Além disso, o avaliador não deve usar termos técnicos, verbos que possam orientar a resposta ou usar expressões com alto tom emocional ou palavras extremas, tais como nunca, sempre, ninguém. Assim como se deve ter atenção para com um roteiro de entrevista, sua condução deve ser pensada com cuidado. Para poder dar início à entrevista, é necessário, como aponta Denscom- be (2003), que o avaliador garanta que uma série carin Realce carin Realce 2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista de ações serão realizadas: preparar o gravador; preparar a colocação de cadeiras ou poltronas nem muito perto nem longe demais uma da ou- tra; dar início à entrevista com alguma explica- ção sobre a própria atividade que será conduzida pelo avaliador junto ao avaliando, tanto para recordar o motivo desse encontro como para es- timular o avaliando para a tarefa. Ao longo da condução da entrevista, o ava- liador deve verificar se está obtendo as informa- ções que necessita, deve tentar ler nas entreli- nhas, cuidar de incoerências, incongruências na iala do avaliando e ser cauteloso ao checar essas situações, buscando também avaliar respostas .::i_ue estão ligadas à desejabilidade social, ou seja, .1s respostas do avaliando vão em direção àquilo .::iue é socialmente aceitável, àquilo que ele ima- gina que o avaliador deseja ouvir (Denscombe, 2003). Ainda, Cohen, Swerdlik e Sturman (2014) .::.!erram que, durante a condução da entrevista, a .::.tenção do avaliador está não só naquilo que é .:iro, mas também naquilo que se manifesta de ;,arre do avaliando em forma de comportamen- :0 não verbal, em sua linguagem corporal: seus :-:1ovimentos, expressão facial, contato visual que ::1antém com o avaliador, dentre outros possíveis .1spectos não verbais a observar. Para estimular as verbalizações do avaliando, \"alies (2003) sugere táticas de motivação, tais .:)mo: utilizar expressões - "humhum", "sim ... "; ::srimular através de perguntas como "E então?" ::,:i -Há algo mais que você gostaria de dizer so- ':-re isso?"; pode também utilizar expressões que :, próprio avaliando usou; ou ainda, recapitular .1~go que o avaliando disse. Como ponto-final da ::::1rrevista, o avaliador deve perguntar se o ava- ::.1:1do deseja ou tem algo mais para dizer, algo ~·.1e até aquele momento não tenha ocorrido. C:::tamente, agradecer a entrevista é parte de a atividade. Caso a entrevista não possa ou não deva ser gravada por algum motivo, é importante que o avaliador tome notas, ainda que breves e, assim como no caso da gravação, com o consentimen- to do avaliando. Há responsabilidade ética e le- gal em manter registros, mas há discussões sobre a quantidade e a maneira de fazer as anotações. Ao anotar, o avaliador pode perder contato vi- sual com o avaliando, pode perder elementos não verbais e pode mesmo deixá-lo constrangido ou fazer com que ele fale mais devagar. Não ano- tar traz desvantagens importantes: esquecimento de alguns elementos ou da sequência da fala do avaliando, ou pode acentuar vieses do avaliador . Cada avaliador deve seguir a maneira pela qual se realiza entrevistas em seu ambiente de traba- lho e, se não pode gravar, deve anotar o maior número de elementospossíveis imediatamente após a entrevista e desenvolver técnicas de evitar esquecimentos e vieses. Em síntese, Leal (2008) faz questão de apontar que a entrevista na avalia- ção é um procedimento complexo cujo objetivo primeiro é chegar a um diagnóstico através da avaliação de um conjunto de premissas obtidas, especialmente através da observação direta e da entrevista que possibilitam o estabelecimento do que em cada indivíduo é único e singular. A entrevista na avaliação psicológica na área da psicologia clínica ainda apresenta uma espe- cificidade: a entrevista com crianças. No caso de crianças pequenas, a entrevista como tal é rea- lizada com os recursos da hora de jogo, técnica lúdica que, em geral, é o primeiro contato com a criança (Affonso, 2012) . Em sua revisão teórica sobre o brincar, Schmidt e Nunes (2014) citam Aberastury (1982) como a autora psicanalítica que, entre psicotera- peutas e psicanalistas brasileiros, a partir de Me- lanie Klein, marcou de forma teórica e prática carin Realce Maria Lucia Tiellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássia Petrarca Teixeira o brincar da criança como atividade simbólica que, em avaliação psicológica ou em tratamento, é utilizada pela criança para expressar fantasias e desejos e serve como elemento de elaboração de situações traumáticas. Ao utilizar diferentes materiais lúdicos e gráficos, a criança vai se mos- trando de forma simbólica ou, como propunha Klein, se expressa, "fala" através do brincar. Conforme Ocampo (1987, apud Schmidt & Nu- nes, 2014), um conjunto de indicadores auxilia o avaliador a entender a criança avaliada: o uso de certos materiais ou brincadeiras pode indicar como o ego se organiza frente às tarefas, como a criança se coloca em diferentes papéis, sua mo- tricidade, criatividade, tolerância à frustração; através da capacidade de simbolizar, através do brincar dá acesso indireto às suas fantasias in- conscientes. Embora haja discussão quanto à maneira de interpretar a hora de jogo, Krug e Seminotti (2010, apud Schmidt e Nunes, 2014) elencam certos critérios: que manifestações de desejos da criança podem ser percebidos, como ela se organiza frente aos materiais, como inte- rage com o avaliador, seus sentimentos, defesas, tipos de ansiedades, dentre outros elementos. Tanto a criança como o adolescente podem não fazer uso da palavra, mas de outras formas comunicativas. A criança usa o jogo e o brincar como manifestação de suas fantasias incons- cientes e assim vai organizando sua experiência (Stürmer & Castro, 2009). Desta forma crian- ças diferentes ou a mesma criança em momentos diversos, se expressam via desenhos, dos jogos e do brincar além de desenhos, de gestos, ex- pressões não verbais como olhares, movimentos (Duarte, 2009). Os adolescentes podem utilizar expressões lúdicas, gestos, movimentação, se expressar também através dó vestuário, de ta- tuagens (Stürmer & Castro, 2009) e mesmo de atuação, tais como atrasos, faltas, solicitações de trocas de horário. Na avaliação psicológica, quando a criança ou o adolescente não fala ou não quer falar, o recurso é a hora do jogo (Wer- lang, 2003). Uma criança autista pode oferecer muita dificuldade em aceitar ser testada, mas pode aceitar interagir com o avaliador por meio do brincar e do brinquedo, revelando aspectos do seu comportamento. Outro elemento que diz respeito à entrevista trata da ordem da sequência de entrevistas, caso ocorra mais de uma em relação a determinado avaliando. Uma entrevista inicial trabalha os motivos pelos quais será realizada uma avaliação psicológica, responde a dúvidas do avaliando, explica o processo de avaliação e firma o con- trato de trabalho; seguem as demais entrevistas, de anamnese, de hora de jogo com crianças; por vezes, é necessário entrevistar uma professora quando se avalia um estudante, ou um gerente no caso de algum funcionário, ou qualquer outra pessoa que seja importante para se compreender o avaliando. No caso de crianças e de adolescen- tes com menos idade, os pais são entrevistados antes do avaliando; em outros casos, o avaliando é a primeira pessoa a ser entrevistada e é con- sultado para que se possa fazer entrevistas com outras pessoas necessárias para compreendê-lo melhor (Nunes, 1993). Mackinon, Michels e Buckley (2008) aler- tam para o fato de que a entrevista é composta por conteúdo e processo. Conteúdo é a parte da informação derivada de fatos narrados pelo ava- liando; e é importante que o avaliador mantenha sua atenção ao conteúdo não verbal, conforme já mencionado neste capítulo, mas tendo o cui- dado de perceber que nem sempre o conteúdo verbal está de acordo com aquilo que de real é narrado; os autores citam como exemplos: o carin Realce 2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista avaliando picota um pedaço de papel, a postura na cadeira pode ser rígida, alguém se comporta de forma sedutora; ainda, embora verbal, a lin- guagem pode dar informações adicionais àquilo que é dito: uso de gíria, jargão técnico, comuni- cação coloquial ou muito formal. Já o processo diz respeito à forma com a qual o avaliando nar- ra os fatos relevantes ao avaliador. O avaliando pode se mostrar solitário, sedutor, arrogante, evasivo. Poderá seguir uma linha lógica em sua narrativa ou mudar de tópicos com frequência. Dois tipos de entrevista são peculiares à ava- liação psicológica, especialmente na área clínica: a entrevista de anamnese e aquela denominada devolutiva ou de devolução que caracterizam o momento inicial e o momento final, respectiva- mente, do processo de avaliação. Ambas fazem parte integral desse processo e adquirem caracte- rísticas um pouco diversas dependendo de quem é o avaliando. Por exemplo, se o avaliando é criança, certamente seus pais serão entrevistados para a composição da anamnese e para receber a devolução, ainda que a entrevista de devolução também, em palavras que ela compreenda, seja realizada com a criança. O procedimento é seme- lhante para avaliandos que estão em condições que dificultam poder informar sobre sua história ou a compreensão do conteúdo da entrevista de devolução, como é o caso de pessoas com trans- tornos mentais mais graves, tais como autismo, retardamento mental, Alzheimer, dentre outros: quem participa da entrevista de anamnese e da entrevista de devolução é a pessoa responsável pelo avaliando. Ainda, podem ser feitas devolu- ções para quem solicitou a avaliação: alguém da escola de uma criança, ou o psiquiatra que enca- minhou um paciente para avaliação. O objetivo da entrevista de anamnese, con- forme Tavares (2000) esclarece, é obter informa- ções detalhadas sobre a história do desenvolvi- mento do avaliando, o que pode ser facilitado por uma estrutura de questões que sigam uma ordem cronológica em relação aos elementos da vida do avaliando. Tal esforço busca por aspec- tos diagnósticos, através de elementos sindrô- micos ou psicodinâmicos. Isto é, no exemplo de Tavares (2000), o sinal de sentimentos de culpa e o sintoma de humor deprimido podem levar à hipótese de um transtorno do humor (aspec- to sindrômico); o aspecto psicodinâmico "visa à descrição e à compreensão da experiência ou do modo particular de funcionamento do sujeito ... " (p. 50). Os dois tipos de elementos que podem levar a um diagnóstico são complementares, o avaliador "amplia seu domínio sobre a situação, torna-se mais capaz de ajudá-lo de maneira efi- caz" (p. 51}. Certamente, a boa entrevista de anamnese auxilia a escolha de testes psicológi- cos que poderão ser utilizados na avaliação psi- cológica para o exame de funções mentais que se mostrem disfuncionais ou de alguma forma comprometidas, através dessa coleta de informa- ções. É a demanda pela avaliação psicológica que conduz a construção da estrutura da entrevista de anamnese. Embora existam vários modelos ou sugestões de questões a ser respondidas pelo avaliando nessetipo de entrevista, o avaliador deve buscar que perguntas são necessárias e su- ficientes para compor a entrevista de anamnese, inclusive para que não se torne muito longa ou invasiva pelo uso de questões não pertinentes ao caso específico. Cohen, Swerdlik e Sturman (2014) listam itens para a entrevista de anamnese. São neces- sários dados demográficos como nome, idade, estado civil, condição socioeconômica, e outros que o avaliador julgue necessários. Razões para a solicitação de avaliação e quem solicitou fazem carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce Maria Lucia Tíellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássía Petrarca Teixeira parte dessa entrevista. A história média pregressa e a atual, assim corno história psicológica passada e as condições psicológicas, tanto do avaliando corno de seus familiares são centrais na entrevista de anarnnese. Ainda, é necessário conhecer o his- tórico de tratamentos médicos e psicológicos do avaliando, em especial. Com a redação da história do avaliando, o que já possibilita compreender, ainda que par- cialmente, seu caso, o psicólogo pode escolher a bateria de testes que será utilizada. Finda a administração dos testes, depois da fase de le- vantamento, correção e interpretação dos mes- mos, o avaliador está em condições de redigir o documento resultante de todo o processo de avaliação psicológica, seguindo o modelo previs- to pelo CFP (2007), através das instruções conti- das na Resolução n. 007/2003, que dispõe sobre os documentos que o psicólogo escreve decor- rentes do processo de avaliação psicológica. O passo seguinte é então a entrevista de devolução ou entrevista devolutiva, que cons- titui a comunicação dos resultados no final do processo de avaliação psicológica, o profis- sional avaliador realiza urna entrevista com o avaliando e/ou seus pais ou responsáveis para dar ciência dos resultados e fazer as recomen- dações pertinentes. Nessa entrevista, o psicólo- go retoma os motivos pelos quais o avaliando realizou o processo, apresentando primeiro os resultados com os aspectos menos comprometi- dos do sujeito e segue com todos os demais re- sultados da avaliação e finaliza com as recomen- dações que o caso enseja (Cunha, 2000; Nunes, 1993). Ademais, o psicólogo prepara e entrega ao avaliando e/ou seus pais ou responsáveis e a outros profissionais envolvidos os documentos resultantes da avaliação psicológica, segundo a Resolução n. 007/2003 (CFP, 2007), acima ci- tada. Cunha (2000) trata de dois dos tipos de documentos, um mais extenso, o laudo e outro mais resumido, o parecer. Os laudos, segundo a autora citada, respondem a "questões como 'o que', 'quanto', 'como', 'por que', 'para que' e 'quando', enquanto os pareceres se restringem à análise dos problemas específicos colocados por determinado profissional que já dispõe de várias informações sobre o sujeito" (p. 121 ). Importante tópico pouco discutido em rela- ção à avaliação psicológica e que tem consequên- cias tanto para a observação como para a entre- vista é a cultura. Cohen, Swerdlik e Sturman (2014) utilizam a definição de Cohen (1994, p. 5) para definir cultura como "os padrões de comportamento, as crenças e os produtos do tra- balho, socialmente transmitidos, de uma popula- ção, uma comunidade ou um grupo de pessoas em particular", discutindo que, diante disso, avaliar também necessita cuidar com sensibilida- de como a cultura de um avaliando pode estar interferindo em seu processo avaliativo, desde sua influência no desenvolvimento e no uso de testes. A importância de se conhecer e respeitar a cultura do avaliando se deve ao fato de que sua cultura o envolve através da língua falada, da forma como foi criado e educado pelos pais, pela sua escola, corno ele viveu rituais específicos de seu grupo cultural ao longo de seu desenvolvi- mento, através de sua inserção em grupos relati- vos a gênero, raça, etnia. Certamente a empatia do entrevistador é es- sencial para a boa condução da entrevista: criar um bom clima de trabalho, ouvir com aten- ção, ser sensível à manífestação dos sentimen- tos do entrevistado, ser cuidadoso ao formular suas questões, evitando tendenciosidades, tole- carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce carin Realce 2 Avaliação psicológica: o papel da observação e da entrevista silêncios e sendo sutil ao checar incon- =--- J~ncias no discurso do entrevistado. De fato, ::: .,.,:; entrevistar e observar vale o que Rogers : ::i42) afirmava: o avaliador deve ser congruen- :::. :nostrar aceitação incondicional e empatia. A ::: .:.rtir da perspectiva psicanalítica, o avaliador :.l,rlto para observar como para entrevistar, deve :t, presente dois conceitos, a transferência e a ,:: =1mratransferência. De forma simples e corre- :.:;_, transferência é o "deslocamento de padrões .:::: sentimentos, pensamentos e comportamen- : :•5. originalmente experienciados em relação .;. :-essoas significativas durante a infância, para .:_::,_a pessoa envolvida em um relacionamento in- :::r;:essoal atual" (Moore & Fine, 1992, p. 208), :-,acesso que se torna mais claro e intenso na si- -:--..:1.;ão analítica, e a contratransferência ocorre ,:uando "os sentimentos e as atitudes de um ana- _:5ta para com um paciente derivam de situações .;:ireriores na vida do analista e foram desloca- .:as para o paciente [ ... ] reflete a própria reação ::-:.::onsciente do analista ao paciente" e ainda - 3. contratransferência é definida estritamente ,:,_;mo sendo uma reação específica à transferên- ,:::.a do paciente" (Moore & Fine, 1992, p. 43). conceitos são de muita ajuda para que o .:.rnliador compreenda melhor elementos do ava- ::ando e como algumas percepções suas sobre o :nesmo em todos os momentos do processo de J.Yaliação psicológica. Para finalizar, é importante observar os prin- .::ípios éticos que regem o processo de avaliação ;-sicológíca, segundo o CFP (2013). Certamente, ,J psicólogo deve, por compromisso ético pri- meiro, dominar e manter-se atualizado em rela- ._;ão aos instrumentos de avaliação psicológica, e utilizar somente aqueles instrumentos listados pelo SATEPSI, e para os quais esteja de fato qua- lificado. Para realizar o processo de avaliação psicológica deve cuidar de que o ambiente tenha as condições adequadas para tal, para que possa assegurar o sigilo das informações. O psicólo- go é, do ponto de vista ético, responsável pela guarda dos documentos de avaliação psicológica em arquivos seguros e de acesso controlado. Ao comunicar os resultados do processo, deve fazê- -lo apenas àquelas pessoas que detenham o di- reito de conhecer as informações daí derivadas. Deve ainda proteger o material no sentido da integridade dos testes, não comercializando os mesmos, publicando-os ou ensinando-os a não psicólogos. Rosa (2012) comenta que, do seu ponto de vista, "ética e técnica não são aspectos separados. A falta da formação adequada leva ao uso incorreto dos testes, tanto técnica quanto política e eticamente" (p. 164). Assim como na qualificação do psicólogo e na qualidade dos instrumentos, também na observação e na entrevista os princípios éticos do respeito à pessoa em seus valores, de sua autonomia em suas decisões e de beneficência, se fazem presente e regem o adequado processo completo da avaliação psicológica (Teixeira & Nunes, 2007). A avaliação psicológica envolve, como dis- cutido neste capítulo, conhecimento de todo o processo desde a definição dessa atividade pro- fissional do psicólogo, seus diversos campos de aplicação, o instrumental - aqui incluídos os testes psicológicos e as resoluções do Conselho Federal de Psicologia sobre os testes e os docu- mentos resultantes da avaliação, e os aspectos de observação e entrevista, focos do capítulo. Certamente para que o psicólogo possa correta e eticamente executar uma avaliação psicológica, seu conhecimentoprofundo e continuado assim como sua atitude empática são essenciais. Maria Lucia Tiellet Nunes, Luciana Jornada Lourenço e Rita de Cássia Petrarca Teixeira Referências Affonso, R.M.L. (2012). Instrumentos para o proces- so diagnóstico e/ou intervenção. ln: R.M.L. Affonso (org.). Ludodiagnóstico: Investigação clínica através do brinquedo (p. 136-155). Porto Alegre: Artmed. Amerícan Psvchiatric Association (2015). 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